O Engraxate Cantor não morreu

Com debilidade permanente dos membros inferiores, ele pouco sai de casa…

Depois de contar uma página da história do Engraxate Cantor, perguntando sobre seu atual paradeiro, pipocaram comentários nas redes sociais. Alguns queriam informação… outros ‘tinham informação’! Algumas desencontradas. Teve internauta que chegou a ‘matar’ o menino que vi crescer, há mais de dois anos!

Como dizia meu pai, “se você levanta uma lebre, vá atrás, até saber onde ela foi parar”. Seguindo essa sábia orientação, fui investigar. E constatei: Claudinei, o engraxate cantor, está vivinho Ferreira da Silva. Ligeiramente capenga, mas está vivo… e bem-humorado.

No final da tarde desta quarta-feira Claudinei recebeu a visita de um velho conhecido. Desta vez o policial não foi levar-lhe um par de pulseiras de prata… Foi investigar seu ‘status’ e ‘modus vivendi’, e levar-lhe um presente… um presente que Claudinei está precisando muito, desde que quase perdeu a vida e perdeu parte da mobilidade.

É verdade que o engraxate cantor se envolveu numa treta com um andarilho nas proximidades do ‘Alvoradinha’, há cerca de dois anos, e acabou muito ferido. Chegou a passar horas na recepção de São Pedro, mas o santo que detêm as chaves da porta do céu disse que ainda era sua hora. Claudinei voltou pra terra, para sua casa na Baixada do Mandu e hoje, órfão de pai e mãe, vive com familiares.

A briga com o andarilho não encerrou seu ciclo na terra, mas deixou sequelas. Claudinei sofreu avarias em membros importantes do corpo e perdeu parcialmente os movimentos dos membros inferiores e sofre frequentes convulsões. Agora precisa da ajuda de um ‘andador’ para se locomover… e da ajuda da família, tão humilde quanto ele, para viver. Hoje ele não consegue fazer feiúra nem com ele mesmo.

O engraxate de sapatos e depois de portas de aço, continua dependente de drogas! Mas agora de drogas lícitas, que até você, que está lendo essa matéria, pode levar pra ele. Drogas como essas que aparecem na foto ao lado dele.

Claudinei agora faz uso continuo dessas drogas, LICITAS, para controlar as convulsões.

Apesar dos percalços da vida, o engraxate cantor continua sua missão terrena, resignado, resgatando erros do passado e do presente. E o mais importante: não reclama do fardo que carrega. Aos poucos, vai lavando a alma.

 

*** Você que acabou de ler esse texto, se quiser, pode, com orações e medicamentos, ajudar a tornar mais leve o fardo do Engraxate Cantor.

“Vai graxa aí, ‘dotor'”?

     Depois de conquistar a clientela… ele deu o ‘tomé’ na delegada!

Ele passava em frente a delegacia sempre no final da tarde, com sua caixinha de engraxate nas costas. As vezes assoviando… outras vezes cantarolando trechos de um dos sucessos de Leandro & Leonardo. “Liga pra mim” era sua favorita. Passava sempre do outro lado da rua, entrava nos escritórios de despachante, mas nunca entrava na delegacia. Parecia ter medo de policia. Até que um dia vendo-me na porta, atravessou a rua e disparou:

– “Vai graxa aí, ‘dotor’? Dois ‘real’. Pro senhor que é ‘dotor’ tem desconto… Um real, no capricho”!

Meus sapatos viviam brilhando. Eu não precisava de engraxate. Mas já que eu não podia me afastar da recepção, pois estava segurando plantão, concordei. Sentei-me no banco liso e lustroso de madeira diante do balcão, puxei a barra da calça até a canela e liberei meus pisantes. Alegre e bem disposto o engraxate sentou-se na ponta da caixa de madeira, triangular, e começou seu mister. Trabalhou o tempo todo cantarolando baixinho as músicas dos seus ídolos. Terminou seu trabalho, jogou mais um centavo de conversa fora e foi embora. Na semana seguinte voltou. Chegou cantando e, não me vendo na recepção, foi parar na porta do CPD onde eu trabalhava, no final do corredor.

– Não engraxei ninguém até agora ‘dotor’ Chips! Vai graxa aí? Um real pro senhor!

Passava de cinco e meia da tarde. Quem trabalhou até aquela hora trabalhou… Quem não trabalhou não trabalharia mais! Abri a portinhola, sentei-me no comprido banco de madeira defronte a sala e o engraxate novamente lustrou meus sapatos… Cantando!

A voz aguda – e até afinada – do garoto, encheu o corredor. Como engraxate era um ótimo cantor!

Sua performance musical agradou. E assim ele foi conquistando a clientela delegacia adentro! Alguns detetives mais carrancudos e até delegados sisudos se tornaram seus clientes. O Inspetor Angelo era assíduo. Sentava no comprido banco de madeira na recepção, estendia a perna, acendia seu cigarro Hollywood e jogava conversa fora enquanto o garoto encardido, porém alegre, lustrava seus pisantes.

À medida que ia conquistando a clientela, o engraxate foi perdendo o medo de polícia e desbravando o espaço no velho prédio da DP. Agora, se encontrava a porta do gabinete aberta, entrava e oferecia seu serviço.

– “Vai graxa hoje, ‘dotor’”?

Certa tarde de 1998 entrou no gabinete da Delegada Inês. Com dois centavos de prosa estava lustrando as botas da Delegada de Menores. Sempre cantarolando ou assoviando baixinho um verso qualquer das suas músicas preferidas. Ao cabo de alguns minutos de cantoria e algumas perguntas aleatórias sobre assuntos policiais, o engraxate batucou a escova na lateral da caixa sinalizando que havia terminado de prestar seu serviço. A delegada então abriu uma gaveta da sua mesa, sacou sua carteira e … Decepção! Não havia uma miséria moeda na carteira. Mas havia cédulas de 50, de 20, de dez…

– Toma Claudinei… você tem troco pra dez reais?

Não. Não tinha. Mas pegou a cédula assim mesmo. Pegou a nota nas duas extremidades, esticou, olhou na frente, olhou no verso como se estivesse verificando a autenticidade e falou:

– Vou trocar na padaria e já volto.

Sem esperar anuência dobrou a ararinha vermelha, colocou na algibeira da bermuda encardida, e saiu cantarolando como sempre com a caixinha de apetrechos nas costas. Nem eu e nem a delegada, em nenhum momento, duvidamos que ele voltaria com o troco.

E Voltou. Demorou um pouco mas voltou. Voltou dois meses depois. E voltou de táxi… no táxi do contribuinte. Mas não por causa do troco de nove reais. Voltou por causa da pedra… da pedra bege fedorenta! Voltou sujo, maltrapilho, encardido, acabrunhando, tentando esconder o rosto… fedendo a sabão e amoníaco…

Voltaria muitas outras vezes nos próximos anos… no táxi do contribuinte, portando pulseiras de prata…

 

*** Claudinei, o engraxate-cantor, é um dos cinquenta personagens do livro “Meninos que vi crescer”! Essa foto é de 2015, num dos raros momentos de remissão do crack. Nesse dia ele jurou de pés juntos que havia parado com a droga. Havia encontrado Jesus e estava procurando emprego.

Por onde andará o engraxate-cantor?

O drama de Marlene

… Mãe de usuário de drogas!

 

Noite de autógrafos, durante lançamento do livro em 2014…

“A prisão de Gegê poderia não ser tão discreta e sutil quanto e de Pedrinho, por isso tomei algumas precauções. Levei comigo dois colegas. Fomos no carro de um deles. Gegê estava trabalhando com o pai no preparo da terra para o plantio de mandioca – pela primeira vez na vida – ao pé da serra, há três quilômetros do sítio. Como de hábito na roça, deveria voltar para casa por volta de quatro da tarde.

Chegamos antes das três e meia. Desci do carro e fui direto para a cozinha tomar café com ‘dona’ Marlene enquanto os companheiros se afastavam alguns metros da casa e escondiam o carro. Como previsto, Gegê chegou minutos antes das quatro. Enquanto o pai soltava os cavalos no curral ele entrou na cozinha. Puxou conversa econômica, ressabiado, deduzindo que eu não estava ali apenas apreciando os quitutes de sua mãe. Esperei dois minutos ou três – o tempo necessário para que os colegas se aproximassem da casa – e antes que Gegê se afastasse da cozinha, disse o que ele suspeitava:

 

– Gegê, o delegado está ‘precisando’ de você na delegacia. Vá tomar um banho… Você vai com a gente – disse eu em tom brando e firme.

 

Enquanto processava a frase “… com a gente”, o menino que vi crescer fechou a torneirinha do bebedouro, levou o copo à boca, sorveu o líquido fresco quase num só gole, deu dois passos em direção à porta, o suficiente para ver o carro do Freitas na frente da casa. “Um minuto antes ele não estava lá” – deve ter pensado. Gegê compreendeu que eu não estava só. Olhou como que a pedir socorro para a mãe! E foi ela quem perguntou já quase chorando:

 

– Ele vai ficar preso?

 

O que eu não dissera nos primeiros vinte minutos, para economizar lágrimas, tinha que dizer agora.

– Vai, Marlene… Saiu um mandado de prisão para ele e para Pedrinho. Mas eles são primários. Em poucos meses poderão voltar para casa e recomeçar uma vida nova – emendei fingindo indiferença.

 

Naturalmente era uma mentira deslavada que eu não poderia ter contado à mãe de Pedrinho, que conhecia talvez melhor que eu as leis penais. Mas a mãe de Gegê era pós-graduada apenas em quitutes de forno e fogão. Nada entendia de leis. Não adiantaria eu dizer a ela que aquela era apenas a primeira das condenações que seu filho receberia – cinco anos e meio, por roubo a mão armada a um posto de combustível há quase dois anos.

 

O tempo de privação da liberdade no cumprimento das leis do código penal, no entanto, seria o menor dos problemas que o jovem Gegê enfrentaria no velho hotel da Silvestre Ferraz. Ali ele teria que enfrentar as leis do cárcere, as “leis dos fora-da-lei”. Se até então ele era apenas um aventureiro desajustado familiar e socialmente, agora ele se ajustaria às leis do presídio. Leis criadas pelos próprios presos, muito mais contundentes, cruéis e rápidas do que as leis que tramitavam no Fórum. No velho hotel da Silvestre Ferraz como em qualquer outro hotel do contribuinte, não se protela processo ou execução de sentença. O julgamento é sumario e sem direito à defesa!

 

Os poucos mais de vinte minutos que fiquei na cozinha da casa simples e espaçosa de Gegê elogiando o bolo de fubá e o café de sua mãe, seriam suficientes para resumir os próximos quinze ou vinte anos de sua vida que eu previa de cor e salteado. Mas eu não poderia contar a ela que Gegê e Pedrinho, seu amigo de aventuras fora da lei, acabara de receber três condenações; uma do homem da capa preta, – que tinha data pré-estabelecida para terminar. Uma da sociedade, que poderia durar por toda vida. E outra do sistema prisional, que deixaria cicatrizes na pele e na alma também pelo resto da vida, ou poderia terminar numa madrugada qualquer, pendurado na ‘ventana’ ou no canto do pátio durante o banho de sol!

 

     Como dizer a ela que seu filho seria humilhado, aviltado, tatuado, seviciado, provavelmente violentado e extorquido nas próximas semanas?

 

Como dizer à singela e bondosa mãe que seu filho certamente pegaria sarna, micose, doenças venéreas… Talvez tuberculose! Talvez AIDS!

 

Como dizer a ela que o menino de 20 anos fugiria ou tentaria fugir diversas vezes, perdendo assim o direito à progressão de pena e que, durante as fugas, além dos riscos inerentes, ele voltaria a cometer outros delitos até ser preso de novo!

 

Como dizer que tudo isso retardaria sua volta… Que talvez ele nunca mais voltasse para casa!

 

Não. Não poderia dizer…

 

Era uma dose muito grande de angústia, de amargura e de tristeza para que ela sorvesse de uma só vez. Tinha que ser tomada aos poucos para não levar ao desespero… Para que o coração fosse criando anticorpos, e insensibilidade e pudesse resistir. Ainda que calejasse e endurecesse como uma pedra… Ou que se tornasse amargo como fel.

 

O pai, Roberto, com a pele queimada pelo sol na labuta no campo, combalido pela vergonha do filho perante os parentes e vizinhos, ainda tinha uma válvula de escape… Tinha os bois para cangar, as vacas para ordenhar, alguns cavalos para arrear e cavalgar e a terra, para ver a semente brotar…

Mas Marlene, não…  Ela só tinha o fogão para cozinhar, a casa grande e simples para limpar e o tempo… O tempo para vê-la definhar! Aliás, solidão e depressão já moravam com ela há muito tempo… Talvez antes mesmo de Gegê se desviar na curva da estrada e se bandear para as drogas…”

 

 

Estes fatos foram vivenciados há cerca de 20 anos. Foram escritos em 2013 para o livro “MENINOS QUE VI CRESCER”.

 

     Dez anos depois pouca coisa mudou. Marlene, a sofrida mãe de Gegê, viveu seu drama em silencio por muito tempo. Há cerca de um ano eu fui ao seu velório. Finalmente seu coração parou de bater… e de sofrer com o filho usuário de drogas!

 

“Cavucada” 5.3

Tem pessoas que acham a porta aberta, entram na nossa vida… e nunca mais vão embora!

Nesse dia Cavucada estava completando 46 anos.

Esse é o caso do amigo Alexandre Reis Assunção “Cavucada”. Fomos vizinhos nos anos 90. Depois disso, mesmo estando distante, como agora, sempre esteve presente… na memória! E no coração.

Hoje, 28 de maio, meu querido amigo – e de milhares de Pouso alegrenses! – está completando mais um ano de vida… 53 anos de alegria, de simpatia, de sorrisos, de ingenuidade… com sua eterna pureza de menino de 8, 9 anos!

Deus te abençoe Cavucada.

Meu berço…

Na última vez que visitei minha terra, parei o carro na beira da estrada (canto do mato), subi no estribo da caminhonete, olhei para a ‘vargem do coqueiro’, e fiquei por longos minutos viajando no tempo… dando vida às lembranças!

Se você aproximar a imagem ou aguçar a vista, verá bem no centro da foto na parte de baixo uma moita de bananeira. Ela já estava lá, entre o fundo da cozinha e o açude, quando eu nasci … Comi banana prata dessa moita durante anos. Não exatamente a mesma bananeira, pois ao produzir o cacho ela morre e nascem outros brotos. Mas é a mesma moita de banana prata que meu pai plantou no início dos anos 50. Apesar do tempo, do abandono, ela continua lá, há mais de 50 anos… talvez esperando a minha volta!

Tudo estava como antes…

Era final de tarde de outono…

As janelas pardas de madeira da casa pintada com tabatinga misturada com estrume verde de vaca malhada, coberta de telhas de bica cinza envelhecidas pelo tempo, estavam abertas.

Meia dúzia de meninas brincavam no pastinho verde de capim quicuio aparados pelos dentes afiados da cabrita “Menina”.

As meninas maiorzinhas jogavam peteca. As outras menores corriam em volta delas tentando atrapalhar a brincadeira.

Um garoto franzino de cabelos lisos cortado na cuia, entremeio às meninas, brincava com as mais novas.

O menino franzino com o topetinho na testa, era eu!… Com meus inocentes cinco anos de idade!

Londres, nosso cachorro policial caramelo de porte médio, corria de um lado a outro, olhando para cima, tentando pegar a peteca.

A mais velha das meninas, talvez 11 anos, debruçada no parapeito da janela do quarto, tinha um olho nos irmãos brincando e outro na irmã caçulinha dormindo no berço atrás dela.

Na sombra da casa à um metro do chão, dezenas de galinhas e frangos liderados pelo garboso galo carijó de espora torta, ciscavam um capão de guanxuma em busca de minhocas, ou bicavam os brotos tenros do capim.

Uma porca com as ‘mamicas’ flácidas e vazias, seguida por uma interminável fileira de leitõezinhos cariocas, passou na frente da casa reclamando de fome.

No pastinho, atrás do único e grande cupim cinza, a alva cabrita ‘Menina’, deitada, remoía o capim fresco e macio que havia engolido minutos antes. Seu mojo inchado, carecia de ordenha!

Ao seu lado o bodinho alvo como ela, com uma estrela parda na testa, tentava sugar suas tetas inchadas de leite branco como as nuvens varridas lentamente pelo vento da tarde!

A chaminé da cozinha soltava um quase imperceptível canudo de fumaça de lenha seca…

Por cima da copa de um manacá explodindo em flores roxas, quase à altura da janela da cozinha, vislumbrei a silhueta da minha mãe cozinhando o jantar…

O sol amarelo e preguiçoso deu seu último aceno e se recolheu lá longe, atrás do alto do pasto do Zé Gominho.

Neste momento as meninas pararam de jogar peteca e voltaram a atenção para o portão de duas táboas num canto do pastinho cercado de gargatá…

Um homem alto, forte, loiro, de olhos verdes bem claros, passou pelo portão…

Vestia calça caqui de brim grosseiro, camisa xadrez clara, chapéu de palha amassado… Terra e poeira vermelha de mandiocal subiam pelos seus pés descalços até o joelho da calça.

Trazia no ombro uma enxada carcomida pela terra e pelo desgaste do amolamento diário na pedra.

Era meu pai!…

As meninas maiores correram ao seu encontro, receberam afagos na cabeça e voltaram a brincar.

Eu fui por último… e acompanhei meu pai, sentindo o cheiro do seu suor, até a beira do paiol onde ele guardava a enxada.

Minha mãe percebeu sua chegada, foi até a janela e trocaram um aceno mudo…

 

Do estribo da caminhonete parada na estrada no “canto do mato”, vi meu pai jogar milho para as galinhas no terreiro – elas eram as primeiras a ser cuidadas, pois em poucos minutos subiriam no puleiro no mirrado sassafrás branco ao lado do paiol para se entregar aos afagos de Morfeu…

A porca de terceira cria recebeu seu jantar – uma mistura de massa de mandioca com farelo de milho – em um cocho dentro do chiqueiro perto do rego d’água. Depois de comer empurrando os leitõezinhos com o focinho para o lado, deitou-se sob o assoalho da casa e estendeu a fileira de tetas cor de rosa aos filhotinhos famintos.

Menina foi a última a receber atenção. Primeiro a ordenha. Em poucos minutos a espuma branca do leite quente transbordou do pequeno balde… Quase dois litros de leite gordo para alimentar a grande prole na manhã seguinte – Já éramos oito irmãozinhos imberbes!

Depois de cercar o bodinho branco com estrela parda na testa sob o assoalho do paiol, meu pai sentou-se na escadinha da porta da cozinha, debulhou duas espigas de milho e serviu os graúdos grãos cor de pinhão na boca de Menina.

– “A água já está na bacia. Vem lavar que a janta está pronta” – ouvi minha mãe dizer.

Depois de jantar sentado na taipa do fogão de lenha, meu pai se levantou, atravessou a cozinha, a sala de dentro, a sala de fora – tudo quase sem moveis – e sentou-se no degrau do meio da escadinha da porta, de frente para o extenso terreiro de terra batida, para descansar as pernas, respirar o ar fresco do outono e atualizar os acontecimentos do dia ao lado da filharada…

A lua cheia já mostrava as sobrancelhas por cima do bambuzeiro na divisa do Zelino quando meu pai me pediu um tição de fogo. Um minuto depois ele soltou a primeira baforada de fumaça do seu cigarro de palha. E o cheiro gostoso do fumo de rolo, levado pela brisa mansa e fresca da noite, se espalhou pelo terreiro…

Era outono de 64… ou quem sabe, 65!

Cinco anos depois, o êxodo rural poria fim àquela rotina singela da roça… e nos levaria para a cidade!

 

A advogada e o “Crime da Mala”

     Dois dias depois de matar sua benfeitora, o assassino voltou ao local do crime, colocou o corpo na mala e jogou na beira do rio!

Filho de família simples, correta e ordeira do interior de Minas, Ed, 38 anos, tornou-se  ovelha negra…

     A noite quente de final de janeiro de 2018 era ainda criança quando o rapaz levantou-se do chão e se atirou no sofá. Estava ofegante. Acabara de fazer muito esforço físico. A coroa dera mais trabalho do que ele esperava. Mas agora estava ali, estendida aos seu pés no tapete da sala. Depois de recuperar o fôlego, reclamou com a mulher:

– “Não precisava nada disso! Custava ter me dado cinquenta reais?” – disse ele fingindo censura.

A mulher continuou muda, imóvel, estendida no chão. E jamais responderia! Jamais se moveria! O único membro que ela moveria seria o dedo polegar… dali a quarenta e oito! Mas só moveria diante de um tosco alicate… pois estava morta, completamente morta! O fio de carregador de celular que obstruíra a passagem de oxigênio pela garganta ainda estava envolto no seu pescoço. O assassino havia enlaçado e mantido o fio em volta do pescoço dela até que ela parasse de respirar. A carteira dela, objeto da luta curta e desigual, estava jogada a um canto da sala. Indiferente ao corpo ainda quente estendido no chão, o rapaz se levantou do sofá e vasculhou freneticamente a carteira.

– “Que droga! Não tem dinheiro! Só papeis e cartões de banco”! – praguejou ele.

Despejou todo o conteúdo da carteira sobre o sofá… precisava encontrar a senha do cartão. Antes de revirar o quarto e outros possíveis locais da casa onde a advogada poderia esconder seu dinheiro, o assassino deu um pequeno empurrão com o pé, no ombro ela, para ter certeza de que ela estava morta. O corpo ainda morno e flácido apenas balançou como uma gelatina, mas continuou inerte. Durante meia hora o assassino revirou a casa da advogada em busca de dinheiro. Mas nada encontrou. Sentou-se desacorçoado outra vez no sofá da sala e olhou com raiva para o cadáver à sua frente. Soltou uma praga qualquer.

– “Toda velha que mora sozinha guarda dinheiro em casa… onde está o dinheiro? Agora não serve de nada pra você”! – pensou alto o assassino de ocasião.

O corpo continuou inerte e mudo no chão morno da sala. Apesar das morte rápida, abrupta e violenta causada pela asfixia, seu rosto estava sereno. Excetuando os longos cabelos ruivos revoltos durante a luta desesperada pela vida, o cadáver da advogada estava bem apresentável. O assassino teve pena. Arrumou-lhe uma mecha de cabelo que cobria parcialmente seu rosto e ficou por uns instantes a contemplá-la. Lembrou-se das outras vezes que batera na porta da sua casa nos últimos meses. A primeira foi para pedir comida – ganhou um pacote de macarrão e um litro de óleo. A segunda vez ofereceu para carpir o quintal da advogada. Enquanto carpia, a mulher ficou na janela conversando com ele, ouvindo – a parte sem censura das – suas histórias de vida. Naquele dia ganhou cinquenta reais. Mais do que isso, ganhou a confiança da mulher, confiança para abrir-lhe a porta naquele início de noite e dar-lhe um prato de comida.

Era a quinta vez que voltava à casa de Luzia em busca de pequenos adjutórios, a primeira no período noturno. Não tivera escolha. Uma hora atrás pedalava sua bicicleta velha, desalentado, feito barata tonta nas cercanias da Avenida Perimetral. Sentia uma angústia que não sabia de onde vinha – na verdade sabia. O peito doía, o estômago doía, a cabeça doía…  Só havia um remédio… uma pedra! Precisava urgentemente de uma pedra… uma pedra bege fedorenta! Para isso ele precisava de ‘derreal’! Mas ele não tinha dez reais na algibeira da bermuda. Poderia fazer uma troca na biqueira. Mas o que daria em troca? Ele só tinha a bicicleta velha. Rodou várias biqueiras da baixada do Mandu e ninguém quis pegar a magrela… ela não valia uma pedra! Foi aí que ele se lembrou da ‘tia boazinha’…

Apesar de a noite ainda ser uma criança, Luzia o atendeu ressabiada. No entanto, após ouvir suas chorumelas – entre elas, que não havia feito sequer uma refeição naquele dia – ela abriu a porta e o deixou entrar. O atrito começou quando ele pediu e insistiu em dinheiro. Temerosa, percebendo que fora incauta, Luzia tentou correr para porta! Ed tentou impedir que ela saísse e acusasse sua presença. E travou-se a batalha de vida ou morte… por um punhado de reais para comprar pedra bege fedorenta!

O macambúzio desfecho do encontro com a advogada e benfeitora não abalou os sentimentos e nem os desejos de Ed. Ele continuou sentindo aquela fissura, aquele mal-estar, aquela necessidade de afagar o cérebro… aquela vontade louca, indefinível de queimar uma pedra! Seu cérebro precisava ouvir o fedorento crepitar do crack, crack, crack no fundo de uma latinha amassada, de aspirar a fumaça da piteira improvisada e sentir o efeito da farinha do capeta misturada com outras porcarias! Para isso ele precisava de… dim-dim, ‘Money’, bufunfa, ‘faz-me rir’, dez, ao menos dez ‘reial’!

Depois de longos minutos revirando a casa da advogada em busca de dinheiro, sem sucesso, Ed deixou o macabro local e foi direto ao caixa eletrônico mais próximo levando apenas o cartão bancário roubado. Não conseguiu fazer o tão desejado saque. Não conseguiu o dinheiro que precisava para comprar a droga.

Mas deixou rastros…

O local do fútil e inútil crime fica num beco discreto, com duas ruelas apertadas formando uma cruz, escondido no átrio direito do coração de Pouso Alegre, frequentado apenas pelos moradores locais e entregadores em domicílio ou de correspondência. Quarenta e oito horas depois Ed voltou ao local do crime. Ele não sabia exatamente por que… mas voltou!

Talvez tenha voltado apenas para se cumprir o velho jargão da psiquiatria policialesca que diz que “o criminoso sempre volta à cena do crime”!

Talvez tenha voltado atraído pelo espírito da pobre Luzia, que exigia dele algum destino para seu corpo!

Talvez tenha voltado influenciado pelos espíritos trevosos que costumam assediar os malfeitores… para induzi-lo a outras maldades!

Talvez tenha sido arrastado pela possibilidade de lucro fácil. Sabia que não encontraria dinheiro. Mas tudo que havia lá poderia ser transformado em dinheiro. Os infindáveis ‘intrujões’ da baixada do Mandú, ou os próprios fornecedores da pedra bege fedorenta, à base de cinco por um, fazem qualquer negócio, sem perguntar a procedência do objeto que já sabem de tratar de ‘rês furtiva’.

A quarta opção parece ser a mais verossímil!

Antes de entrar, Ed sondou sorrateiramente a casa da advogada. Estava como ele deixara na noite anterior: em silencio! Silencioso também o assassino girou a fechadura da porta que ficara apenas cerrada, empurrou a porta lentamente e deparou com sua benfeitora. Luzia estava exatamente como ela a deixara na noite anterior! inerte estendida no chão! Seu crime continuava em segredo. A única diferença é que agora Luzia parecia um cadáver. Cadáver exposto no tapete da sala há 48 horas!

Na noite do crime, mesmo sem conseguir sacar o dinheiro da conta da advogada, Ed conseguiu enganar seu cérebro. A fissura havia passado. Há duas noites havia matado a pobre mulher num momento de confusão mental, confusão causada pela abstinência da droga. Naquele momento ele não tinha necessidade de drogas, mas, no futuro, poderia ter. Foi aí que a quarta opção apareceu clara e fria na sua mente! Ele sabia que a aposentada quase não tinha parentes, e poucos contatos com eles. Sabia também que Luzia era o tipo de pessoa que se relacionava com os vizinhos do ‘portão para fora’, restrito a ‘bom dia, ‘boa tarde’, ou seja: uma vida social discreta, quase invisível. Certamente ninguém perceberia sua ausência. Por isso resolveu se apossar de todos os bens moveis de Luzia. O limpador de quintal resolveu fazer uma ‘limpeza’ geral dentro da casa. Nos dias seguintes, à prestação, os moveis da advogada mudaram de dono. Levados por carroças, foram parar nas bocas de fumo e lojas de ‘intrujões’ na baixada do Mandú a menos de um quilometro dali. Um vizinho chegou a questionar Ed. Mas ele tinha uma resposta pronta e convincente.

– “Minha tia foi morar no asilo. Ela me pediu para vender os moveis dela”! – respondeu o rapaz, sem pestanejar. Aliás, ele contrariou o velho ditado de que “quem não deve não teme”. Ele devia e no entanto não temeu… e nem tremeu!

Mas afinal, e o corpo da advogada e professora aposentada Luzia? Ele continuou estendido no chão da sala de sua casa por vários dias atrapalhando Ed e seus ajudantes de carroça a arrastar os móveis? Foi enterrado no fundo do seu quintal, aquele mesmo quintal que meses antes abrira a porta para o assassino?

Não.

A maioria dos crimes, frios ou brutais, não são planejados. Eles acontecem por três motivos: por estupidez e descontrole emocional; por circunstâncias do momento e; por ausência de sensibilidade humana. Logo, acabam vindo à tona. Tivesse Ed enterrado o corpo de Luzia no seu quintal, seu crime jamais seria descoberto. Mas ele não tinha nem coragem e nem inteligência para tal. Por isso escolheu uma opção mais simplista – e arriscada! Ou quem sabe, na esperança de ver o crime descoberto, o espírito de Luzia tenha induzido o assassino a sair na rua carregando o corpo. E foi o que ele fez! Ao decidir tomar posse dos bens de Luzia, de porteira fechada, Ed pegou seu corpo, colocou numa mala, colocou a mala na garupa da sua bicicleta – aquela que não valia uma pedra de crack – e rumou para a baixada do Mandú. A mala foi deixada numa restinga de mata ciliar na beira do velho rio!

Antes de colocar os bens de Luzia numa ‘marika’ e atear fogo, Ed ainda pensou em movimentar sua conta bancária, mesmo sem senhas. Para isso precisaria das digitais da morta. Na noite seguinte à desova, três dias depois de tê-la matado, Ed voltou à beira do rio Mandú, abriu a mala e cortou com um alicate os polegares do cadáver! Usando os sinais biométricos dos dedos em putrefação, tentou mais uma vez acessar o caixa eletrônico na cabine do terminal rodoviário, a poucos metros de onde jazia a macambúzia mala com o restante do corpo!

O crime da advogada transportada numa mala e desovada na beira do rio, sem os polegares superiores, foi descoberto quatro semanas depois. Seu sumiço, no entanto, foi percebido bem antes. Uma amiga dela foi a primeira que notou seu silencio, a falta de respostas aos seus telefonemas. Amiga virtual e leitora do Blog do Airton Chips, ela manifestou sua preocupação. Foi aconselhada a levar o fato à polícia, ou aos parentes de Luzia. No dia 07 de fevereiro uma sobrinha comunicou o desaparecimento da advogada e professora aposentada, de 67 anos, à polícia civil.

Dias depois os detetives descobriam que os cartões bancários de Luzia haviam visitado caixas eletrônicos… sem a sua presença! Depois de visitar os asilos da cidade, os detetives passaram a seguir os rastros das carroças que dias antes haviam desfilado pelo beco onde morava a advogada. Não tardou chegaram ao muquifo de Ed, o ‘suspeito número um’, nas rebarbas insalubres da baixada do Mandú. Ed não estava em casa para a entrevista e rotina. Além do mais, eram ainda investigações e ele não estava em estado de flagrância, portanto não poderia receber as pulseiras de prata, por isso não o procuraram mais.

O ‘mandamus’ do homem da capa preta autorizando a prisão temporária do suspeito pelo sumiço de Luzia, foi assinado na sexta-feira, 23 de fevereiro, exatamente quatro semanas depois de ela ter sido asfixiada por ele na sala de sua casa! Mandados de prisão autorizados pelo homem da capa preta e liberados para a polícia na sexta-feira, costumam dar pelo menos dois dias de liberdade ao desfavorecido. A menos que ele cometa outro crime e receba as pulseiras de prata no final de semana! Esse foi o caso do ingrato e incauto assassino da advogada. Ele foi preso por outro crime!

No final da madrugada do sábado, 24, um gatuno sorrateiro entrou, sem convite, nas dependências da ‘Casa Dia’. Embora seja viciado em drogas e a Casa Dia se dedique a acolher, curar viciados e recuperá-los, o gatuno não pretendia se curar… Pelo contrário, pretendia conseguir recursos para alimentar seu vício. Ao acordar casualmente no meio da madrugada um interno viu o vulto sorrateiro se esgueirando pela comunidade com uma faca na mão, e soltou os cachorros… literalmente! Os cães colocaram o gatuno para correr, evitando que ele levasse a rês furtiva, a qual já havia separado para roubar.

Ganha um doce de batata doce caramelado quem adivinhar o nome do gatuno que tentou furtar a Casa Dia! Ganhou! Isso mesmo… o nome dele é Ed! Ed, o assassino da advogada.

Para confirmar o velho jargão policialesco de ‘Sir’ Arthur Conan Doyle – criador de Sherlock Holmes – ou, talvez, – mais uma vez – induzido pelo espírito da advogada em busca de justiça, o ‘criminoso voltou à cena do crime’! Na verdade, ele nem foi embora! Ficou rondando nas imediações. A tentativa de furto na entidade que vive de doações revoltou os internos e moradores do bairro. No início da tarde, ao ser visto rondando novamente a Casa Dia, populares o pegaram, deram-lhe uma surra e o entregaram para a polícia. Entregaram respirando, pois não sabiam o que ele havia feito no ‘verão passado’, quero dizer, no mês passado! Ironicamente as pulseiras de prata dos homens da lei salvaram sua vida!

A prisão de Ed, realizada por populares no final de semana, poupou o trabalho dos policiais da delegacia de homicídios. No início da semana Ed, até então apenas personagem das investigações policiais, sentou-se ao piano do delegado de Homicídios e assinou o 121. Desta vez, ‘induzido’ apenas pelo paladino da lei e seus pupilos, ele voltou mais uma vez ao local ‘dos’ crimes de latrocínio, ocultação e vilipendio de cadáver. Contra sua vontade ele contou todos os detalhes do funesto crime! Desde então o autor do ‘crime da mala’ de Pouso Alegre está hospedado no Hotel do Juquinha.

O Código Penal diz que Ed tem ‘direito’ a hospedagem gratuita por 30 anos. Isso, no entanto, vai depender de duas benevolências! A da justiça brasileira, prevista na Lei de Execuções Penais, que diz que ele tem direito a saidinhas temporárias e redução da pena para se ressocializar! E a benevolência dos ‘irmãos de caminhada’, que, na cadeia, costumam ter suas próprias leis para quem comete crimes contra crianças e idosos!

O tempo dirá quantos anos o assassino que interrompeu a respiração da advogada ficará sem respirar o benfazejo ar da liberdade!

“Quem matou o suicida”

O crime que deu titulo ao livro…

O pescador pedalava lentamente sua bicicleta pela trilha batida que saía na estrada, quando sentiu necessidade de fazer xixi. Passara as primeiras horas da manhã dando banho na minhoca na beira do rio e mal pescara meia dúzia de mandis. Na verdade, ele sabia que seria assim. As águas do Rio Lambari estavam muito sujas para pescar alguma coisa além de mandi. Só foi para a beira do rio por dois motivos: para manter o hábito… e para ficar longe da mulher! Encostou a velha bicicleta roxa com cesto na traseira e as varas de pesca amarradas ao quadro, em um arbusto na beira da trilha, entrou no mato e foi logo abrindo a braguilha.

Enquanto a bexiga lentamente esvaziava, deixando aquela sensação de alívio, deixou os olhos divagarem para o interior da mata. Observou os galhos, os cipós, um pássaro marrom de calda longa… – dizem que é alma-de-gato! De repente seus olhos pararam em um vulto pendurado num galho. Antes mesmo de fechar a braguilha inclinou o corpo tentando ver melhor o vulto. Sentiu um calafrio. Deu dois passos à direita, levantou um galho que dificultava a visão e… Arregalou bem os olhos!

Era mesmo uma pessoa!

A cena era macabra!

O corpo rijo pendurado na forquilha da árvore, com os pés a menos de um metro do chão, parecia balançar suavemente, não tanto pela brisa suave que penetrava através da folhagem, mas pela nuvem de mosquitos que se deliciava com o corpo em putrefação.

Martim Pescador, 55 anos, já vira pessoas mortas, inclusive por causas externas, mas a visão o deixou impressionado. Ainda com os pés fincados no chão, percorreu os arredores num raio de cento e oitenta graus procurando alguém com os olhos. Não viu ninguém e o silêncio confirmou: estavam sozinhos! Deu alguns passos à frente e foi circulando o palco, até ficar de frente para o pendurado…

– “Meu Deus! É o Jacinto…

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Um corpo inerte e sem vida pendurado na ponta de uma corda, no galho de uma árvore no meio do mato, acima de um banquinho jogado de lado, certamente encerra a história do enforcado! Mas pode começar uma intrigante história de mistério, de amor, de paixão, de dinheiro… – ou falta dele!

O que, aos olhos dos familiares, dos amigos, dos curiosos e até da polícia – aquela que se limita a cumprir o ‘horário de expediente’ – parece um típico suicídio, para um policial de verdade, aquele que ama o que faz e busca esclarecer os fatos e colocá-los na mesa do Homem da Capa Preta, pode ser um crime! Um crime covarde, tramado e executado pelo vizinho do lado, por um desconhecido ou até pelo amigo de baladas!

      No controverso título “quem matou o suicida”, mais importante do que saber quem é o assassino, é perceber a fragilidade da investigação policial que, por isso mesmo, na maioria das vezes deixa o assassino impune. O tino policial, a argúcia do velho detetive e o desfecho da história de “Quem matou o suicida”, no entanto, ‘pagam o ingresso’!

     “Quem matou o suicida” é apenas uma das histórias deste livro, que desnuda o heroísmo do policial, que o exibe como um mortal comum, sujeito a erros, medos, deslizes profissionais e… traições. “O último dia do policial”; “Por que os cães não atacavam Fernando da Gata?”; “O batateiro do bigode falho”; “Os fantasmas do velho hotel da Silvestre Ferraz”. Histórias macabras como “O esquartejador de Silvianópolis”; “O assassinato de Silvio Santos”; “Larissa de Extrema”; “Larissa de Pouso Alegre” são uma amostra disso.

      E tem muito mais.

      Além dos casos policiais, vivenciados ou investigados pelo autor, o livro traz histórias de vida tais como: “Maria, 90 anos de solidão”, “Guermina e o Catre”, “O menino que dormia sobre as caixas de maçã”…

      É impossível não se emocionar com o drama vivido por “Paulinho & Mariana, os pais do nóia JC”. Ou não ligar o sinal de alerta com a precocidade com que os adolescentes iniciam nas drogas, e seus riscos, em: “Tragicomédia no Hospital Frei Caetano”.

      Traz também histórias hilárias como “A múmia de Bueno Brandão e os Três ossos pequenos”; “O louco e a cascavel” …

      O bucolismo, o saudosismo e a transformação sociocultural de Pouso Alegre no último meio século pode se ‘pegar com a mão’ nas histórias “Ribeirões da minha infância”; “A lenda do Zorro da Zona Boêmia”; “O mistério do Corpo Seco” – que misteriosamente ‘sumiu’ do primeiro livro do autor – e; “Anos 70, a década de ouro da humanidade”.

     Enfim, uma obra para matar a saudade dos tempos idos, desnudar a alma do ser humano, e constatar que ainda existem profissionais que amam o que fazem – profissionais capazes de levar uma “Mensagem à Garcia” -, mas estão cada vez mais escassos!

     Tudo isso narrado com bom humor e de um jeito gostoso de ler, por alguém que viveu a vida toda em contato com as pessoas, nas ruas, há décadas contando casos policiais na imprensa de Pouso Alegre.

     Boa leitura!

     Airton Chips

* Para continuar a ler e saber “Quem matou o suicida”, adquira seu livro físico numas das livrarias ou bancas de jornais de Pouso Alegre, ou através da nossa loja virtual. Você pode ler também ‘online’, na Amazon.com.br

Paulinho & Mariana, os pais do nóia JC!

Deram cama, comida e roupa lavada… Mesmo assim o garoto pegou o atalho das drogas e se perdeu…

   

A chuva que caia fina no telhado e escorria lentamente para a calha produzia um som aconchegante. Muito bom para dormir! Ah, se pudesse dormir! Ah, se tivesse sono! Mariana estava sentada no sofá da sala. Tinha uma revista na mão, mas não lia. Que horas seriam? Sentara-se ali na sala, sozinha, para ver a última parte da novela e ali ficara pensando na vida. Não se lembrava de ter apertado o controle remoto, mas a sala estava em completo silêncio. O único som que se ouvia era o incessante e ritmado bater da água fria no final da calha. Olhou para o relógio do celular… Passava da meia-noite. Seus olhos vagavam sem destino pela singela estante a sua frente. De vez em quando pousava na foto 13×18 no porta-retrato. Os olhos negros do filho naquele rosto arredondado emoldurado pelos vastos cabelos castanhos lisos escorridos, olhavam fixamente para ela! Que idade teria? Ora, claro que ela sabia. A foto fora tirada no dia da formatura dele, na quarta série. Tinha então 10 anos! Outros quinze já haviam se passado. Quanta coisa acontecera desde então! Sua filha mais velha se casara, tinha até uma netinha! Sua filha mais nova nascera. Seu filho caçula também nascera. Seu marido havia… ido embora! O marido não tivera sua força, ou sua paciência, ou sua resiliência, e desistira do filho. Desistira até dela e a deixara com seu fardo. E o garoto de olhos negros e cabelos longos da foto? O que tinha feito nestes últimos quinze anos? O que estaria fazendo agora? Onde estaria naquel momento? Perdera a conta de quantas vezes fizera estas perguntas nos últimos anos.

Mariana levantou-se do sofá, girou o trinco da porta que estava aberta e debruçou-se na mureta de balaústre da pequena varanda da casa simples, na rua de pouco movimento. A chuva continuava a cair fina e mansa. O contraste com a luz do poste quase em frente à sua casa parecia um véu transparente. Parecia mais ainda quando a leve brisa sacudia a chuva. Por um instante Mariana viajou trinta anos no tempo, e se viu recostada no peito do então namorado. Jovem namorado… jovens apaixonados pensando em construir uma família, sem pensar no que a família construiria para eles!

O enlevo durou apenas alguns segundos. A realidade do momento não permitia bucolismo, romantismo… A realidade era dura, crua e nua! A realidade era o filho que só Deus sabia onde estava…

Onde estaria J.C.?

Ele saíra de casa na segunda à tarde…

– Aonde você vai meu filho? – perguntara ela ao ver o filho calçando o tênis para sair.

– Vou dar um rolê, mãe… Não aguento mais ficar trancado em casa!

– Você está bem, JC? Não está sentindo ‘aqueles negócios’ de novo?

– Tá tudo bem. Só quero ver se encontro o Pedrinho. Vou a casa dele… ver se ele tem alguma coisa que eu possa fazer… Não posso ficar parado o resto da vida!

Mariana sabia que não. JC precisava trabalhar. Tanto para se sustentar quanto para se ocupar. Mas será que ele estava ‘pronto’ para isso? Fazia três meses que ele voltara da última clínica e desde então estava em casa. Será que não desandaria novamente? Ela achava que sim. Que o filho não resistiria. Mas nada podia fazer. Manter o filho preso em casa, além de não conseguir, não poderia… Não era a solução. Mas haveria uma solução?

– Você acha que está suficientemente forte, meu filho? Por que não vai amanhã de manhã? Assim você terá mais tempo para procurar um serviço.

– Amanhã o Pedrinho estará trabalhando… Não quero incomodá-lo no trabalho. Mas fique tranquila, mãe… Eu estou bem. Antes de acabar a novela eu estou de volta.

Apesar do medo, da incerteza, da angústia que invadia seu peito toda vez que o menino saía de casa, Mariana sentiu uma certa firmeza nas palavras dele. Firmeza ou pena? Não sabia bem. O fato é que tinha que confiar… e esperar. Apenas esperar. Mesmo que tivesse que ficar esperando até a madrugada, até o clarear do dia, com um terço na mão…

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Aqui você encontra quem matou o suicida!

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O novo livro de Crônicas Policiais de Airton Chips já está à venda. Além de crônicas, o livro trás lendas urbanas, personagens que marcaram época, e mostra a transformação sociocultural do Sul de Minas, especialmente de Pouso Alegre, a cidade que transformou fazendas e pastos em bairros ruas e avenidas e quadruplicou a população nos últimos 50 anos. Cinquenta anos acompanhados passo a passo pelo autor.

Em Pouso Alegre o livro está disponível nas livrarias:

– Livraria Intelecto, Rua Capitão Pedro Narciso, 85 centro (ao lado da antiga estação ferroviária), fone 3422-4097 e 9.8700.4097.

– Livraria “Quiosque do Saber”, no Serrasul Shopping, fone 3427-5559 e 9.9726-3279.

Nas bancas:

– Banca do Toninho, na avenida Duque de Caxias, 128, centro Fone 9.9915-6331.

– Banca Federal (Sergio), praça Garcia Coutinho, 11, centro, Fone 9.9253-0415.

– Banca Catedral (Ligia – Venicio), praça Garcia Coutinho, 01, Fone 9. 9989-3446.

– Banca Central (Ernani), praça Senador Jose Bento, 47, centro, Fone 3421-4610.

– Banca Cometa ( Júlio), praça Senador José Bento s/n, Fone 9.9996-6646.

– Banca do Chico, Avenida Dr. Lisboa (em frente o Bradesco), Fone 3412-1764.

– Banca Alternativa (Cristina), Hipermercado Baronesa, Fone 3449-1743.

Preços dos livros:

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Por que os cães não atacavam “Fernando da Gata”?

Quase três décadas mais tarde eu descobri o que deixava os esguios Dobermans… ‘tão dóceis’!

‘Bichinhos’ iguais a este nunca atacaram Fernando da Gata… Porque será?

Toda cidade tem uma história de bandido para contar. Algumas têm mais de uma. Pouso Alegre, a cidade que mais cresceu no Sul de Minas no último meio século – pulou de 40 mil em 1970 para 150 mil habitantes atualmente – também tem suas histórias. O mais ilustre bandido que pisou e deixou rastros indeléveis em terras manduanas, atendia pelo nome de “Fernando da Gata”…

O famoso – às avessas! – que passou sorrateiro pela cidade, deixando para trás um rastro de suspense, de medo, de fatos e de boatos, foi Fernando Soares Pereira, o “Fernando da Gata”. O baixinho cearense ficou menos de uma semana na cidade… mas fez estragos em algumas famílias e na população! Tão sorrateiro como agiu na calada da noite o bandido se foi levando quilos e toneladas de joias! Quilos de anéis, cordões e pulseiras de famílias abastadas da cidade… E toneladas de dignidade! Ele estuprou quatro recatadas senhoras, esposas de ricos empresários… na frente dos seus maridos! Vindo de Russas-CE, Fernando da Gata fez escala na capital paulista e, bem que tentou mudar de vida. Trabalhou alguns meses na construção civil, mas seu ‘talento’ criminoso era por demais valioso para ser desperdiçado debaixo de sacos de cimento, pilhas de tijolos e latas de concreto! O famigerado bandido nascera talhado para grandes empreitadas… ainda que fossem para o mal! Em poucos meses de atividade criminosa na capital paulista, o Eldorado dos nordestinos, o baixinho cearense se tornou celebridade… no álbum da polícia! E colocou toda a polícia civil paulistana nos seus calcanhares… E a imprensa, ávida por furos jornalísticos, também!

Foi assim que, para dar folga às madames paulistanas, o assaltante solitário foi parar em Pouso Alegre em meados de 1982. Fernando da Gata chegou à cidade no mês do ‘cachorro louco’! Não por acaso, de todos os predicados atribuídos a ele, o principal, era exatamente sua capacidade de acalmar e dominar ‘cachorros loucos’! Não eram exatamente loucos, mas eram ferozes cães de guarda, especialmente os esguios ‘Dobermanns’, os quais reinavam nos quintais das mansões naquele começo de década depois que a luzes se apagavam! Ninguém ousaria entrar nos quintais na calada da noite. Ninguém… menos Fernando da Gata! Os donos das casas até ouviam os latidos ferozes dos seus ‘dobermanns’ no meio da noite. Mas quando se arriscavam a abrir a porta ou espiar pela janela, lá estava o amigo fiel sentado num canto do quintal! Atento, mas silencioso. Como se tivesse visto apenas um gato em cima do muro e o intruso já tivesse ido embora. Minutos depois o gato, quero dizer, o “da Gata”, estava no seu quarto apontando um trabuco para o seu nariz!
Mas como o esguio Dobermann parou de latir e se aquietou no canto?
Esse foi o grande mistério que Fernando da Gata levou com ele no crepúsculo de um dia frio de inverno, no começo de setembro, nas margens do Rio Sapucaí, uma semana e meia depois de protagonizar a maior caçada policial da história e colocar Pouso Alegre no mapa nacional com suas façanhas. Fernando da Gata não matou os cães de guarda. Sequer tocou em algum cachorro! Ou talvez tenha tocado… para lhes fazer um cafuné!

– Como pode, um cachorro que quase pula muros para atacar quem passa na calçada do lado de fora, ficar quietinho no canto do quintal enquanto o bandido entra e arromba a porta da casa do dono? – Perguntavam as pessoas com os olhos saltando das órbitas.

– Ele tem parte com o demônio! – Respondiam umas, fazendo o sinal da cruz!

– Ele hipnotiza os cães! – Diziam outras, incrédulas.

Seu fascínio sobre os ferozes Dobermanns – ou o contrário! – virou mito. Vinte e sete anos depois da sua morte desvendei o mistério… E matei o mito!

O livro está à venda…

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