Meninos assassinos

Diariamente ela dobrava aquele morro de volta do trabalho! Até que certa tarde ela não chegou em casa…

Toda tarde ela passava por ali. Descia do ônibus no ponto final, defronte a Britasul, atravessava a cerca de arame farpado, pegava o trilho batido, por ela própria, subia lentamente o pasto, virava no cume do morro e descia margeando o capão de mato até chegar à casa dos pais do lado oeste do morro.

Era a única pessoa da família – e das redondezas – que fazia esse trajeto para chegar à cidade, a qual avistava de longe. O que a jovem não sabia é que seus passos lentos pasto afora eram observados por dois pares de olhos malvados, insensíveis e gananciosos! Até que certa tarde ela não chegou em casa.

Os pais perceberam sua ausência mas esperaram até a noite para saírem à sua procura. Começaram pelo salão onde ela trabalhava na cidade, mas estava fechado. Procuraram pelas colegas de trabalho, mas ninguém sabia seu paradeiro.

– Ela saiu um pouco mais cedo do trabalho, pegou o ônibus como sempre e foi pra casa – disse uma colega.

A jovem, bela e delicada cabeleireira não era sequestrável. Não tinha namorado, não tinha problemas familiares ou emocionais conhecidos. Seu desaparecimento era um mistério e, naturalmente foi levado ao conhecimento da polícia. Depois de uma noite de angústia e tensão, enquanto os homens da lei iniciavam os levantamentos de praxe, os próprios familiares saíram à sua procura. Junto deles estava um garoto, que fazia pequenos serviços braçais no sítio dos pais da cabeleireira. Começaram refazendo o trajeto que ela fazia todas as manhas a caminho do trabalho. Subiram o pasto e, na virada, decidiram adentrar o capão de mato. A cabeleireira estava lá! Estendida no chão, inerte, sem vida. A cena era chocante, tenebrosa! J. tinha o crânio fraturado… E faltava parte do rosto!

Segundo os peritos e o médico legista concluíram, os ferimentos na cabeça e o sangue atraíram a presença de bichos, ou talvez porcos do próprio sitio dos pais, e eles teriam comido parte do seu rosto! Além da violência na cabeça, a jovem tinha também marcas de estupro.

A rotina da jovem cabeleireira de 28 anos, moradora na grota do bairro Cemig, em Pouso Alegre, era bastante conhecida pelos moradores do bairro Faisqueira. Era ali que ela embarcava toda manhã e desembarcava toda tarde no ponto final do ônibus circular, de volta para casa. Subia o pasto, chegava ao cume próximo da pedreira da Britasul, avistava a cidade e descia os metros restantes até a casa dos pais. A investida da Policia Civil na busca do assassino começou por ali, interrogando moradores, comerciantes e qualquer pessoa que pudesse esclarecer o violento e horrendo crime.

A informação contundente veio de um vendeiro do bairro, perto da igreja. Segundo ele, na noite passada, dois fregueses que até então não tinham mais do que moedas para gastar na sua venda, haviam consumido grande quantidade de doces, salgados e refrigerantes. Os dois ‘fregueses’ da venda foram os primeiros a receber a visita dos homens da lei. Surpreendidos com a intempestiva visita dos detetives, com pouco mais do que um centavo de prosa eles abriram o livro… e confessaram o hediondo crime.

A bolsa da cabeleireira com documentos e demais pertences, prova material do sinistro, estava enterrada atrás de uma moita de bananeira no quintal da residência dos assassinos.

Ao piano do paladino da lei na DP os assassinos contaram com detalhes a dinâmica simples dos fatos. A abordagem, segundo eles, foi fácil, pois eram conhecidos da cabeleira. Quando ela dobrou o morro os dois pularam sobre ela e a arrastaram para o mato. Após quebrar seu crânio com uma pedra e tomar sua bolsa, abusaram do seu corpo e, como bichos do mato, a deixaram entregue aos bichos do mato.

A pena para o crime de Latrocínio, segundo o Código Penal, pode chegar a 30 anos. O estupro, segundo o mesmo código, chega a 10. Caso fossem maiores de idade, os dois irmãos poderiam se hospedar no Hotel do Juquinha por pelo menos 30 anos. E.N. o mais fortinho da foto acima e mais velho, tinha 16 anos. O menorzinho, N.M., o mesmo que trabalhava no sítio do pai da cabeleireira e fingiu ajudar a procurá-la, tinha 12 anos.

Após assinarem o 157 c/c 213, os pequenos latrocidas foram se hospedar na Febem de Sete Lagoas, onde, em tese, poderiam ficar até os 21 anos.

 

* O hediondo crime da cabeleireira aconteceu no início de dezembro de 1999.

O fim do “poderoso chefão”

Mesmo sabendo que seria seu último banho de sol… ele foi para o pátio encarar a morte!

O dia 14 de julho de 2003 somente não entrou para a história do Velho Hotel da Silvestre Ferraz com duas mortes violentas porque, Gilson Bernardes, prevendo o que iria acontecer ao adentrar o pátio para o banho de sol, ficou bem próximo do portão. Quando começou o espancamento tivemos tempo de socorrê-lo antes que sucumbisse aos socos de Elias, primo de sua última vítima, assassinada a tiros alguns meses antes na Tijuca. E também porque Elias, até então, era pouco mais que um pé de couve, e fora para o banho de sol de mãos limpas.

Meia hora depois do quiproquó, com a segurança sempre falha e ainda mais debilitada, pois dois agentes tinham ido levar Gilson Índio, todo banhado em sangue ao P.S., novo agito no pátio! Ao adentrá-lo sozinho até uma distância segura além do portão, presenciei talvez a cena mais marcante dos meus vinte sete anos de carreira: os cerca de setenta presos andavam uns de um lado para outro; outros conversavam em pequenas rodinhas no centro do pátio como se nada estivesse acontecendo; alguns, encostados no muro, pareciam observar o sol morno da manhã. Três ou quatro ensaiavam gingas com uma bola de futebol puída pelo cimento rústico do pátio. A cena macabra que parecia não incomodar nenhum deles se desenrolava lentamente lá no fundo da improvisada quadra de futsal, fora do campo de visão de quem estava no portão. Chapeleiro, ou o que restava dele, deitado de costas no cimento corroído pelo tempo, dava seus últimos suspiros! A cavalo sobre ele estava Caveirinha com uma faca de cozinha de cabo branco cravada em seu abdome, girando-a em movimentos irregulares para ter certeza de que o ‘poderoso chefão’ não se levantaria! No estertor de suas forças Chapeleiro tentava segurar a lâmina prateada, até que os músculos pararam de reagir e ele ficou inerte. Quase inerte ficaram também os demais presos encostados no muro sabendo que nós iríamos intervir.

Na saída do pátio, desfigurado pelo esforço inútil para preservar a vida, desfigurado pelo sangue, pela falta de sangue, com os olhos negros fixos no céu azul, num caixão vermelho tosco e sem tampa do Corpo de Bombeiros, Chapeleiro arrastou dezenas de ‘ex-súditos’ para as grades das ‘ventanas’. Não era propriamente para despedidas. Era para ver como termina a história de um homem poderoso e errante. Ao passar pela cela das mulheres, algumas entre lágrimas próprias do sexo frágil… ou de crocodilo, esboçaram palavras do tipo:

– … Coitado, não merecia!…

E o cortejo fúnebre seguiu para o IML. Assim terminou a saga do mais poderoso chefão do velho hotel da Silvestre Ferraz.

O responsável pelo trágico e inevitável desfecho da carreira duplamente criminosa de Chapeleiro, e seu ‘pretenso’ sucessor, logo depois foi transferido para a Penitenciária Nelson Hungria em Contagem, de onde saiu anos depois, em paz com as leis dos homens. Mas esta já é outra história…

 

* In ‘“Chapeleiro”… O ultimo ‘chefão’ do Velho Hotel da Silvestre Ferraz’, pagina 269 do livro “Meninos que vi crescer”.

Mendigo .40

Tarde quente e manhosa de fim de março

Na escadaria dura, irregular e suja da favela do Morro, na capital paulista, o mendigo está inquieto. De bermuda jeans suja e rasgada, camiseta em pior estado, com o pezão 42 sujo no chão, ele não sabe se senta ou se deita! Com movimentos lentos e desconexos, franzindo constantemente a testa tentando manter os olhos abertos, ele parece mamado… ou chapado! Ao seu lado, à direita, há uma sacolinha, dessas de supermercado, amassada. Do lado esquerdo, apoiada no concreto malfeito, há um corote. De vez em quando o mendigo de boné escuro amassado leva o corote à boca, entorna, faz uma careta e em seguida pega outra garrafinha que parece ser coca-cola e toma uma golada para desfazer o gosto que veio do corote. De tempos em tempos enfia a mão suja na sacolinha – que mais parece um saco de lixo – pega um sanduíche, talvez de mortadela, tira uma mordida e torna a guardá-lo na sacolinha.

 

Em situação de penúria e decadência semelhantes, outros dois mendigos espreguiçam na sarjeta numa ruela abaixo.

O tempo passa lentamente…

O calor de fim de março na favela é quase insuportável. Em dado momento, a alguns metros da escada, uma voz de mulher de vinte poucos anos, talvez, se despede de uma pessoa cujo nome parece familiar ao mendigo. Por baixo da aba do boné ele vê a mulher entrar num golzinho bola e se afastar do local.

Depois de consumir quase todo o conteúdo quente das duas garrafinhas e parte do sanduíche, o mendigo ouve o movimento de uma janela e de uma porta se abrindo no muquifo de onde saíra a mulher uma hora antes.

Sacudindo a cabeça, como se isso diminuísse o efeito do suco de gerereba, ele vê um sujeito sair da casa com um saco de lixo e leva-lo até a esquina a poucos metros dali.

Desacorçoado o mendigo se levanta meio cambaleante, pega sua sacolinha de ‘lixo’ quase vazia, vai em direção à casa e quando o sujeito vai entrar, enfia a mão na sacolinha e… ao invés de sanduíche azedo aparece uma pistola .40!

– Perdeu Mané… perdeu! – Diz o mendigo ao sujeito – Já era! Deita no chão…

– Qualé, mano, tá maluco?!… Caralho, é você? Tô diboa, tô diboa… – choraminga o favelado reconhecendo o ‘mendigo’, enquanto se deita de cara no chão!

– É melhor ficar de diboa mesmo – retruca o mendigo, enquanto saca o celular com a mão esquerda e diz apenas:

– Tá na mão…

Em exatos 48 segundos os dois mendigos da ruela de baixo chegam ao local. Cada um trás na algibeira larga da bermuda suja uma pulseira… de prata!

Um minuto e meio depois dois carros param ao lado deles e resgatam os três mendigos e o favelado!

 

Cenas de um filme policial feito na favela?

Enredo do meu próximo livro de ‘Romance Policial’ ou crônicas policiais?

Nana… nina… não!

São cenas reais de uma tensa operação da PC para prender um “patrão” do tráfico de Pouso Alegre.  Outros 33 traficantes – em operações menos glamourosas, todos pegos de pijama ou nos braços de Morfeu – receberiam também as pulseiras de prata da lei.

 

Antes do sol modorrento e melancólico daquela segunda-feira de fim de março de 2012 se deitar atrás da Serra da Cantareira, os pupilos do delegado Gilson Baldassari deixaram a capital paulista trazendo na rabeira do táxi do contribuinte um dos maiores distribuidores de drogas de Pouso Alegre.

A investigação conduzida pela delegacia regional da PC, rendeu ao bando cerca de 400 anos de ‘sol quadrado’ no hotel do contribuinte.

A tensa e arriscada prisão feita pelo ‘mendigo’ mineiro na porta do muquifo na favela paulista, garantiu ao ‘favelado’ Fabão 18 anos e meio de hospedagem gratuita no Hotel do Juquinha.

O “Conto do Vigário” veio do espaço

A coroa apaixonada pagou 30 mil euros para o astronauta voltar do espaço para se casar com ela!

Contos do vigário Brasil afora é o que mais tem… e vigaristas também! Só em Brasília existe muito mais de cem!

Mas se você pensa que o famoso ‘conto do vigário’ tem patente brasileira, você está viajando… no espaço!

O conto do vigário, em suas diversas modalidades, tem raízes fincadas em todos os cantos da terra.

Tem conto do vigário até do outro lado do mundo, mais precisamente no Japão!

Tem conto do vigário até no espaço!!!

Outro dia uma discreta – e solitária – senhora japonesa, abriu uma conta no Tinder, a fim de buscar um príncipe encantado! E conseguiu! Mais do que isso. Conseguiu um príncipe que vive no espaço! Sim, o moço de 44 anos estava morando numa estação espacial internacional!

Conversa vai, conversa vem, mesmo à distância – e que distância! o astronauta, que dizia ser russo, se apaixonou pela diva japonesa de 65 anos. Entre uma jura de amor quase intergaláctica e outra, o príncipe jurou de pés juntos que tão logo retornasse à terra, iria direto para o Japão para se casar com ela.

E ela acreditoooooooouuu!!!

E disse mais: “Se eu conseguir pagar os custos do retorno à terra antes do previsto, posso voltar a qualquer momento para me casar com você”!

O namoro espacial começou em junho – que coincidência! mês dos namorados!

O inverno chegou, julho passou, e o sr. Tinder continuou aquecendo os dois corações apaixonados.

Até que o astronauta jogou a isca no espaço:

– “Quero começar minha vida no Japão. Dizer isso mil vezes não será suficiente, mas continuarei dizendo. ‘Eu te amo’.” “Se eu conseguisse o dinheiro para pagar os custos do retorno do foguete e as taxas de aterragem, eu voltaria para a terra agora mesmo, para me jogar nos seus braços”!

A apaixonada japonesa mordeu a isca… Mandou seus ienes para o espaço. Duplamente para o espaço!

Entre os dias 19 de agosto e 05 de setembro, foram cinco transferências interplanetárias totalizando trinta mil Euros, cerca de R$ 150.000 reais!

Como sempre acontece nestes casos, fome de amor… por dimdim, nunca é saciada! Tão logo o dimdim da coroa voou para o espaço, quero dizer, para sua conta, o astronauta… ‘aumentou’ seu amor por ela! Pediu mais dinheiro!

– “Antes de voltar para a terra, tenho que quitar outras despesas pendentes aqui no espaço”, disse o astronauta se derretendo de paixão na tela do Tinder!

Só então a japonesa parou de raciocinar com o coração. Finalmente a ficha caiu!

Depois que a solteirona, cujo nome não foi revelado, levou o caso aos homens da lei em outubro passado, o “conto do vigário espacial” cruzou todo o espaço da terra – pelo menos do Japão à Londres.

Os Keikan japoneses prometeram que tão logo o astronauta russo desembarque no Japão, ele sentirá o frio das pulseiras de prata e irá se hospedar no Hotel do Juquinha!

O matador sempre morre no fim!

     Dívidas quitadas com a justiça… não quitam dividas pessoais!

A vedete da imprensa sul mineira neste começo de semana atendia – até a manhã de domingo – pelo epiteto de Pedrinho Matador! O notório assassino que começou a carreira ainda na adolescência, desfilou em todos os sites e telejornais da região nesta segunda-feira.

Pedro Rodrigues Filho nasceu em Santa Rita do Sapucaí em 1954. Doze anos depois mudou-se para Alfenas, onde teria cometido seus primeiros homicídios: segundo a lenda, criada pelo próprio, ele teria matado o vice-prefeito local por vingança pela demissão do seu pai do cargo de vigia de uma escola, sob a acusação de furto. Dias depois teria matado o verdadeiro ladrão da escola. Para não cair nas malhas da lei, Pedrinho dobrou a serra do cajuru e foi morar com os parentes em Mogi das Cruzes. Ali, ainda adolescente, iniciou a carreira de traficante de drogas.

Foi nos porões dessa perigosa atividade que ele deu asas à sua sanha assassina. Começou eliminando concorrentes do comercio de drogas. Aos 17 anos matou o próprio pai durante uma visita na cadeia. O pai havia sido preso depois de desferir vinte e dois golpes de facão na esposa, mãe de Pedrinho. Mais tarde, durante uma das entrevistas que deu à imprensa, Pedrinho disse que arrancou o coração do pai e mastigou um pedaço! Tomou gosto pela coisa e não demorou muito passou a matar por prazer, como ele mesmo fez questão de tatuar na própria pele!

Preso pela primeira vez ao completar 18 anos, Pedrinho viveu alguns anos brincando de furar tatus e balançar na “teresa” para fugir das cadeias. Com a segurança dos hotéis do contribuinte reforçada, Pedrinho finalmente criou raízes atrás das grades. Foi lá que ele cometeu, segundo o próprio gostava de gargantear, mais de 40 assassinatos de companheiros de cela.

Em entrevistas para grandes reportagens policiais que visam traçar o perfil social de notórios psicopatas matadores, o próprio Pedrinho se vangloriava de ter matado mais de 100 pessoas. Bravata compreensível, pois, uma vez que soma penas que garantem no mínimo 30 anos atras da grades e, sabendo que a lei não permite que fique mais de 30 anos preso, dizer que matou 10, 20, 40 ou 310 não muda nada. Mas poderia torná-lo mais famoso, poderia afagar-lhe o ego! Só não afaga – e não afagou e nem apagou – um velho estigma!

“Egressos de longas prisões não sobrevivem muito tempo em liberdade”.

É o caso dos notórios Cabo Bruno, do “Bandido da Luz Vermelha”, do Cirilo Bola Sete!

No caso de Pedrinho, até que ele foi longe! Conseguiu viver mais de quatro anos sem ver o sol nascer quadrado. Pedrinho matador foi executado no meio da manhã deste domingo, 05, com vários tiros de pistola, na porta da casa de uma prima que costumava visitar em Mogi das Cruzes nos finais de semana. Os vingadores que há tempos andavam na sua sombra, para terem certeza de que o matador não mataria mais ninguém, cortaram também sua garganta. A prima e uma criança que estavam com ele tiveram tempo de se recolher à residência e não foram feridas. Típica execução! O jargão bíblico nunca sai de cena: “Quem com ferro fere…”.

 

      Bandido da Luz Vermelha

João Acacio Pereira da Costa, nascido em Joinville no ano de 1942 tornou-se nacionalmente notório com o epíteto de Bandido da Luz Vermelha. Quatro assassinatos, 7 tentativas, 77 roubos à mão armada na capital paulista e cerca de 100 estupros – estes não comprovados – lhe renderam 351 anos de hospedagem gratuita no Hotel do Juquinha.

Em agosto de 1997, depois de mais de 30 anos comendo bandecos pagos pelo contribuinte paulista, João Acácio Luz Vermelha passou a desfilar livre, leve e solto pelas ruas e praias de Joinville. Cento e quarenta dias depois, após envolver-se numa treta, sentiu o gosto amargo do próprio veneno. O Bandido da Luz Vermelha apagou no dia 05 de janeiro de 1998. Tinha 56 anos.

 

Cabo Bruno   

Quando entrou para a policia militar paulista, Florisvaldo de Oliveira, nascido em novembro de 58 em Catanduvas-SP, já levava o apelido de infância… “Bruno”, por conta da semelhança com um notório ‘pé de cana’ com esse nome que perambulava pela cidade.

A graduação à cabo lhe rendeu o notório apelido de Cabo Bruno. Mas teria ficado nisso, não fosse seu dinamismo policial e sua sanha de justiça… Mesmo que fosse com à margem da lei!

Acusado de ter executado mais de 50 bandidos durante suas operações policiais com cara de legalidade e outras nem tanto, Cabo Bruno ganhou as páginas policiais da imprensa paulista e nacional no inicio dos anos 80. A fama de justiceiro lhe rendeu 118 anos de prisão.

Atras das grades se tornou pastor evangélico e se casou com uma funcionária do presidio. Vinte e sete anos depois, em agosto de 2012, o homem da capa preta de Taubaté lhe devolveu a liberdade.

No final da noite do dia 26 de setembro, ao chegar de um culto em Aparecida, de terninho e gravata e bíblia debaixo do braço como convém a um bom cristão, dois lombrosianos esperavam por ele. Foram dezoito tiros. Nenhuma das pessoas que estavam com ele foram atingidas. Vinte e sete anos depois Cabo Bruno já havia esquecido suas vitimas… mas os parentes delas não o havia esquecido.

Depois de 27 anos atras das grades, Cabo Bruno desfrutou apenas 34 dias de liberdade! Tinha 53 anos.

 

E o Cirilo Bola Sete?

O Cirilo não passou tanto tempo vendo o sol nascer quadrado. Ele não foi personagem de filmes e seriados. O máximo do estrelato que ele conseguiu foi protagonizar uma das crônicas do livro “Meninos que vi crescer”. Apesar das aventuras criminosas em Pouso Alegre, Jacutinga, Vale do Paraíba, ‘Rocinha’ no Rio de Janeiro onde esteve mocosado por uns tempos, perto de Cabo Bruno, Luz Vermelha ou Pedrinho Matador, Cirilo é um anjinho!

O Triste fim de Margarida Leite!

Durante mais de ano ela visitou seu algoz na cadeia!

Antes de voltar à liberdade, Faissal recebia Margarida na velha delegacia.

Toda quarta-feira ela estava lá. Era uma das primeiras a chegar para a visita no Velho Hotel da Silvestre Ferraz. Vinha na charrete do Chico Pé de Pano. Duas horas depois o mesmo charreteiro voltava para buscá-la. Eventualmente ficava esperando por ela. Eventualmente também, depois da visita, ela descia a Herculano Cobra ou a Com. José Garcia para fazer pequenas compras e depois pegava a mesma charrete atrás do mercado para voltar pra casa.

 

Era uma bela e discreta mulher. Alta, clara, cabelos longos ondulados. Vestia com sobriedade. Usava sempre vestidos longos claros com discretas estampas coloridas. Apesar da discrição, orelhas, pescoço, mãos ostentavam brilhantes joias, rejuvenescendo sua sexagenária pele e denotando seu status financeiro. Sua figura poderia ser confundida com a mulher do prefeito ou até do deputado…  Passava dos 60 anos, mas não deixava de atrair olhares cobiçosos e até… libidinosos!

 

“Quem será que ela vai visitar”? pensava quem a via pela primeira vez na fila de triagem na entrada da cadeia. Seria algum irmão! Um filho? Um neto?

 

Fosse quem fosse, ela devia amá-lo muito para sujeitar-se à humilhação de visitá-lo toda semana na cadeia. Que crime teria cometido o ingrato salafrário para levar tão distinta figura à aquele antro de perdidos!

 

Estelionatos!

 

Mohamed Faissal era alto, forte, moreno, bem moreno, quase mulato… resultado típico da miscigenação de raças que compõe o povo brasileiro. Não se sabe quantos anos havia sentado no banco da escola, se tinha algum diploma… Mas tinha muita cultura, muito conhecimento e usava seus conhecimentos, inclusive jurídicos, para convencer as pessoas a atender seus interesses… mesmo que fossem ilegais!

Foi assim que com menos de trinta anos Faissal foi parar no velho Hotel da Silvestre Ferraz, no final dos anos 70.

 

A visita era coletiva, dentro das celas. Em dias de visitas os presos limpavam o ‘apartamento’, empilhavam os pertences, otimizavam o espaço, tomavam banho e se enchiam de expectativa para receber seus entes queridos. Uma visita por vez para cada preso.

 

Além da sua respeitável, sedutora e perfumada presença, Margarida levava também mimos tais como chocolates, bolachas, cigarros e, claro… ‘dim-dim’ para o seu amado!

 

Não demorou muito, Faissal, com sua lábia peculiar, conquistou a liberdade intramuros. Foi ‘promovido’ a ‘cela livre’! Desde então passou a receber sua distinta visita semanal numa sala separada da carceragem.

 

Alguns meses depois o bonitão moreno, educado e articulado, ganhou mais uma ‘promoção’… Virou faxineiro na delegacia! Sua sessentona e bela visita passou a ser recebida ali. Ficavam um longo tempo sentadinhos num banco deserto lá num fundo da delegacia. As vezes Margarida chegava mais cedo… e ficava no hall conversando com o Inspetor Angelo, seu amigo de longa data.

 

Algum tempo depois Faissal chegou ao terceiro estágio da liberdade… Ganhou a liberdade condicional! E voltou definitivamente, sem amarras, para os braços de Margarida.

 

Durante décadas a Rua David Campista, foi uma das ruas mais alegres e movimentadas de Pouso Alegre. O movimento, no entanto, era noturno. Começava ao pé da noite e varava a madrugada. Desde às sete da noite desfilavam por ali viajantes, aventureiros, homens mal-casados, jovens solteiros, adolescentes muitas vezes levados pelos próprios pais para provar a masculinidade, todos em busca de sexo! Ao longo de três quarteirões as casas, a maioria simples, com suas luzes vermelhas, convidavam a clientela. A atração principal da casa – loiras, ruivas, morenas, jovens, outras nem tanto – muitas vezes exibiam seus dotes no portão, tentando atrair os sedentos de amor!

A Rua David Campista, na região central da cidade, era conhecida pelo sugestivo e romântico nome de … Rua da Zona!

 

Logo no início, afastada da beira da rua, ficava a boate da Margarida. Era a casa mais festiva, mais discreta, mais elitizada da Zona! A primeira que inundava a vizinhança com suas músicas apaixonadas e a ultima que fechava. Foi ali que Faissal conheceu e se enamorou de Margarida. E dos seus dotes financeiros. Tornou-se seu Gigolô!

 

Durante o tempo em que esteve hospedado no Velho Hotel da Silvestre Ferraz, Faissal reduziu muito sua despesa. Lá ele tinha cama, comida e roupa lavada por conta do contribuinte. Ao retomar a liberdade seu custo de vida subiu. Os mimos que antes recebia da sua distinta visita na cadeia já não eram suficientes. Era necessário mais… E começaram os atritos entre o casal!

 

Certa manhã, no inicio da década 80, ao chegar para trabalhar encontrei a delegacia ligeiramente agitada. O Inspetor Angelo, sempre um dos primeiros a chegar, estava apreensivo e acabrunhado. Uma amiga sua havia sido assassinada! Ângelo foi um dos detetives que acompanhou o perito ao local do crime. Mais tarde eu soube que ele ficou à distância, não passou da sala. Não teve coragem de entrar no quarto da bela e distinta senhora com quem tantas vezes conversou no hall da delegacia enquanto ela aguardava o horário de visitas. Segundo o perito, o corpo de Margarida tinha mais de uma dúzia de lesões provocadas por golpes de faca.

Faissal nunca mais foi visto na cidade!

Silvio Santos foi envenenado e enterrado vivo

      Sua esposa confessou o macabro crime!

Sentada confortavelmente na sua cadeira de couro com encosto alto, com ambas as mãos apoiadas nos braços da cadeira, a promotora quase precisou segurar o queixo para que ele não caísse com o que acabara de ouvir. Diante dela, no final do expediente de terça-feira, a polêmica advogada defensora dos direitos humanos, não viera defender um cliente… viera fazer uma confissão!

– Minha filha matou meu marido! Eu a ajudei a enterrá-lo. – disse ela sem alarde, como se estivesse falado de uma receita de bolo de maracujá!

A mui digna representante do Ministério Público, afundou-se na poltrona, como se quisesse afastar da mesa, da confidente… Com os olhos bem abertos pregados na causídica, emparelhou os neurônios, fez força para manter o maxilar quieto e disparou:

– Como é que é? A Sra. pode repetir o que disse, por favor!

– Então doutora… A sra. conhece meu marido. Ele toma remédio controlado. Ele estava muito agitado. Quando eu tentei lhe dar o remédio, ele ficou agressivo e começou me agredir. Como minha filha tentou me defender ele passou a agredi-la também! Chegou a dar-lhe um golpe com uma pá. A ferramenta atingiu a perna dela. Para nos defender minha filha teve que segurá-lo pelo pescoço, tipo ‘mata-leão’.

A promotora escutava atônita.

– Foi muito tenso – continuou a advogada. Ele tentando se soltar para nos agredir, ela tentando segurá-lo pelo pescoço, até que ele finalmente ficou sem forças, caiu no chão e ficou imóvel. Nós ficamos com muito medo. Ele não se mexeu mais, foi ficando roxo, frio. Quando a gente viu… ele estava morto!

A guardiã da lei engoliu em seco, retirou as mãos dos braços da poltrona recoberta de couro, apoiou-as sobre a mesa inundada de papeis, livros e processos, e quando articulou o queixo para fazer outra pergunta, a advogada prosseguiu:

– Nós fizemos uma cova no quintal ao lado da casa e enterramos meu marido lá…

Perplexa, a promotora precisou de alguns segundos para recuperar o fôlego antes de perguntar:

– Mas… por que vocês não chamaram a polícia, não chamaram a ambulância, não pediram socorro…

– Não adiantava mais chamar o Samu… ele já estava morto! Quando minha filha viu o pai morto ali no chão, ela entrou em pânico! Ela disse que se eu chamasse a polícia ela se mataria!

Ainda sem ter certeza se acreditava ou não naquela macabra história, a promotora perguntou.

– E por que não me procurou antes?…

– Eu estava cuidando da minha filha, doutora. Ela ficou muito abalada. Primeiro eu tinha que cuidar de quem estava vivo, depois fui cuidar do morto! – Respondeu como se estivesse seguindo um rito processual.

– E onde ela está sua filha agora? Por que ela não veio com a Sra.?

– Eu a internei doutora. Minha filha está se tratando numa clínica psiquiátrica no Vale do Paraíba.

– Meu Deus!!! E quando foi que isso aconteceu, criatura! – indagou a promotora

– Foi no final do mês passado… faz uns dez dias.

– E onde está o corpo do seu marido agora?

– Está lá, doutora… enterrado numa cova rasa no quintal, perto da janela…

 

Este caso, verídico, aconteceu na histórica e pacata São Gonçalo do Sapucaí. O restante da história está no livro “Quem Matou o Suicida”.

Perseguição no Costa Rios

Em meio aos gritos do meu parceiro com o trabuco na mão, eu podia sentir o roçar do cano do 38, ora na minha orelha, ora nos meus cabelos!

Era uma ensolarada manhã de outono. Subia eu a Avenida Prefeito Olavo Gomes de Oliveira, quando na curva do japonês o tirocínio policial disparou!… Defronte o Posto Pantanal descia um sujeito de bicicleta! Ao avistar o golzinho preto & branco dos ‘zomi’, o sujeito que vinha na banguela puxou a aba do chapelão de palha na cara tentando esconder o rosto. Meu parceiro, com poucos meses de polícia e seu sotaque paulistano, nem se deu conta do ‘detalhe’. Mas eu, polícia ‘véio’, notei o gesto discreto do chapeludo e mantive os olhos grudados nele. Quando passou por nós ele deu uma discreta olhadinha… para conferir se estavam procurando por ele ou, talvez, apenas para ver se eram policiais conhecidos! Diminuí a marcha e continuei com os olhos grudados no chapeludo… Pelo retrovisor! Metros abaixo, defronte o Vinícius Meyer, ele deu uma discreta olhada para trás! Estava devendo!!!

Antes que ele virasse a próxima esquina para entrar no Costa Rios, eu invadi a pista contrária, passei pela borda do posto do Armando e desci de volta em direção ao Aterrado! O chapeludo entrou na primeira esquina! Eu entrei na segunda… Mesmo assim, apesar de estar pedalando, ele tinha vasta dianteira e saiu na minha frente na esquina da primeira rua do Costa Rios paralela à Avenida do Aterrado! Emparelhei com ele.

O que aconteceu nos minutos seguintes eu nunca soube definir se foi cômico ou se foi trágico! Quando virei a viatura cantando pneu e iniciei a perseguição, naturalmente comentei com o novato, que se tratava de um suspeito em potencial… A sacolinha que ele levava presa ao guidão da bicicleta na mão esquerda poderia ser um tijolo de ‘erva marvada’, um quilo de ‘pedra bege fedorenta’ ou ‘farinha do capeta’, ou outra rés furtiva qualquer! Ou então o chapeludo era fugitivo! Por isso, tão logo iniciamos a perseguição, meu parceiro empunhou o trezoitão.

Quando me aproximei, o fujão da bicicleta optou pela minha esquerda… Aí é que morava o perigo!…

Enquanto eu tentava ‘fechar’ o ‘biker’ fujão, meu ‘parça’ gritava histericamente com seu sotaque paulistano:

– Para mano! Porra meu, não tá vendo que é cana, caralho!… Para senão eu vou atirar, meu! Porra, mano!

Em outra circunstância eu teria dado gargalhadas do palavreado do meu parceiro, mas naquele momento não tinha graça…

Enquanto berrava ordens, como se estivesse numa ruela centenária da Mooca, o detetive ‘grão’ sacudia sem parar o trabuco na direção do suspeito! O problema é que entre o trabuco e o fujão… estava eu ao volante! Mais precisamente minha vasta cabeleira começando ganhar tons de cinza!

Enquanto ouvia:

– “Porra meu, tá maluco mano! Eu vou atirar caralho”… – Eu podia sentir o roçar do cano do 38 niquelado ora na minha orelha, ora nos meus cabelos!

O clímax da perseguição aconteceu na penúltima esquina do bairro antes de virar para entrar no Aterrado pela porta dos fundos! Quando ele vacilou para entrar à esquerda eu encostei o para-choque do gol na traseira da bicicleta e o joguei ao chão!

Neste momento o novato quase se apoiou no meu ombro com o revolver encostado no meu peito para alvejar o fujão! Se ele puxasse o gatilho, pelo menos meu bigode ficaria chamuscado!

Transeuntes, aposentados, ciclistas pararam para assistir o imbróglio! Muitas donas de casa deixaram o feijão queimar naquela manhã! Mas tinham que satisfazer a curiosidade! Uma bicicleta meio amassada debaixo de uma viatura policial; uma sacolinha branca caída ao lado; toda aquela gritaria do policial num linguajar que mais parecia o de outro bandido, valiam ‘ingresso’!

– Porra, meu, não respeita polícia não, caralho? Vou atirar, maluco… Vai parar ou não?

Parou!

Não de medo das ameaças do policial ‘mano’, mas parou! Parou dois quarteirões depois, quando eu coloquei uma das mãos suadas na sua camisa! Meu parceiro do ‘caralho’, ainda com a porra da ordem na boca, chegou nos segundos seguintes.

Eu não o conhecia. Quando saí de Pouso Alegre na década de 80 as figurinhas do meu álbum eram Carlinhos Blau-Blau, Cirilo Bola Sete, Ailton Franklin e outros. Mas a julgar pela recusa da minha carona e desobediência às ordens da porra do meu parceiro, certamente era figurinha fácil no álbum da polícia! Quem dá um pinote dos ‘zomi’ como o diabo foge da cruz, não deve apenas um quilo de asinhas de frango ou uma magrela velha!

Ao consultar nosso ‘álbum’ de fichas amarelas – aquele mesmo que havia sido montado pelos colegas Ângelo e Décio nos anos 70 – com propaganda do “Hotel Lydia” no rodapé – não tardou aparecer a foto de um sujeito moreno, olhos negros, cabelos espandongados com o nome “Cristiano Dias”! Sua capivara incluía furtos, roubos e tentativas de homicídio, cujas penas somadas lhe garantiriam décadas de hospedagem gratuita no Hotel do Contribuinte. Estava ‘pedido’!

Cristiano, no entanto, não chegou a criar raízes no Hotel do Juquinha. Naquele mesmo ano sua gorda capivara no arquivo da polícia recebeu uma tosca cruz feita manualmente com pincel atômico vermelho!… Estava encerrada sua carreira criminosa!

Meu ex-‘parça’, “paulistano da Mooca, meu”, nunca aprendeu o ‘mineirês’ – e outros valores básicos inerentes à ingrata, porém honrada profissão policial. Ele também não criou raízes do lado de cá da lei…

Mas essa já é outra história!

 

*** Essa história completa, com o título “Um ‘puta’ bandido e um ‘porra’ policial”, começa na página 355 do livro “Quem matou o suicida”.

O Juiz e a Delegada…

       O imbróglio aconteceu por que a delegada de plantão não reconheceu a assinatura do Homem da Capa Preta no Alvará e se recusou a cumprir o ‘mandamus’!

“Quinze minutos depois um cidadão entrou no gabinete da delegada de plantão. Entrou sem bater. Tinha os poucos cabelos brancos em desalinho, usava camiseta verde, surrada, bermudão de moletom claro bastante jongolhó e chinelos tipo croc escuro – traje muito apropriado para sair na varanda no meio da noite para ver a lua cheia! – Parecia que havia acabado de sair da cama! Trazia na mão a mesma folha de papel que o advogado saíra levando minutos antes: era o mesmo ‘Alvará de Soltura’ manuscrito no restaurante nos primeiros minutos da madrugada – só estava, propositalmente, mais amassado!

O velho magistrado, do qual não se tem notícia de que algum dia tenha esboçado algum sorriso a alguém em seu gabinete ou em qualquer relação profissional, era puro siso. Sua carranca natural, agora acentuada pela insatisfação de ver sua ordem questionada obrigando-o a ir à delegacia àquela hora, inundou o gabinete da delegada.

O soldado que estava próximo à porta quase bateu continência! A escrivã, como a maioria dos policiais de baixo clero, que conhecia a figura, no mínimo soturna do Homem da Capa Preta, pareceu encolher atrás da tela do computador.

Até o ‘dimenor’, debochado e desafiador sentado diante da mesa da delegada, se encolheu e baixou os olhos. Sabia que a tempestade estava iminente…

Enfim, todos, se fossem tartarugas teriam se recolhidos em seus cascos. Melhor ainda se fossem tatu-bola… assim poderiam se enrolar no casco e rolar devagarinho para fora do gabinete.

Todos menos a delegada! Ela se manteve altiva e desafiadora!

Embora, de fato, não conhecesse o magistrado cuja assinatura aparecia no rodapé do manuscrito, sabia que estava diante dele!

Contrariando a lógica das lógicas, o juiz não foi à delegacia de polícia no meio da madrugada atestar pessoalmente a veracidade da própria assinatura e determinar a soltura do seu – até poucas horas antes – tutelado… Ele foi questionar a ousadia, digo, a ‘desobediência’ da delegada de plantão.

O diálogo travado nos minutos seguintes entre as duas autoridades, foi inenarrável. Não teve palavras de baixo calão, cacofônicas ou sequer pejorativas… Mas teve cobras, lagartos, lagartixas, aranhas e fel, muito fel! O diálogo não poderia ser mais inamistoso… e belicoso!

“Quem era aquela delegadinha de roça que não conhecia o grande e veterano magistrado e desobedecia a sua ordem? Quem era ela para questionar sua assinatura”?

“Quem era aquele senhor, quase em trajes íntimos, para invadir seu gabinete, durante um estafante e modorrento flagrante de inimputável, para impor sua… arrogância”?

Quem, dos corredores ouviu, curioso, ressabiado ou amedrontado, a conversa, garante ter ouvido ‘alto e bom som’:

– “Quem você pensa que é para invadir meu gabinete a essa hora”?

– “Você sabe com quem está falando?”

-“Posso prendê-la por desacato…” – teria ameaçado o magistrado.

-“… E quem vai cumprir a ordem”? – teria desafiado a delegada.

A troca de farpas & espinhos entre o Juiz e a delegada no gabinete a portas abertas retumbava nos corredores, livre, pesada e solta para quem quisesse ouvir… e se proteger das faíscas!

E a tensão aumentando… Prestes a pegar fogo!

O advogado – que ao ligar para o magistrado havia colocado uma boa dose de pimenta malagueta nos argumentos contra a delegada – mantinha certa distância do fogo cruzado, e já se arrependia do seu ato.

Sim… Nenhum dos dois abria mão de sua autoridade! Ou quem sabe dos seus egos! De suas teimosias…

O velho juiz, a mais alta autoridade judiciária na comarca, acostumado a ver delegados curvados à sua frente, além da sisudez de magistrado, levava na algibeira da bermuda jongolhó um pequeno trabuco.

A delegada tinha duas vantagens… Estava no seu habitat! E tinha uma .40 negra dentro do coldre pendurada na perna direita da calça operacional…

O duelo estava prestes a acontecer…

Quem sacaria primeiro?…

 

Para saber quem sacou primeiro, acesse:

[email protected]  E leia “O Juiz e a Delegada… Quem prende quem”?

Um cadáver na beira da estrada…

Quem seria?

“Três horas depois a estradinha ficou pequena para quem queria seguir para os sítios ao pé da serra ou descer para pegar a estrada principal que levava às cidades vizinhas. Uma faixa quadriculada de amarelo e preto isolava a guarita, agora toda enfumaçada, na beira da estrada. Havia carros dos dois lados da via. Três deles eram da polícia, um da militar, outro da perícia da polícia civil e o terceiro com o letreiro na traseira: “Delegacia de Homicídios”. Os curiosos ocupavam todo o entorno; queriam saber o que acontecera; de quem era o corpo carbonizado; davam palpites…

– Parece que é um andarilho… – dizia um.

– Eu ‘vi ele’ passando lá perto da minha casa ontem de tardinha… – dizia outro.

– Será que foi acidente? – indagava um terceiro.

– Acho que ele foi queimado enquanto dormia…

– Ah, não… com o calor ele teria acordado! – discordou outro.

– … Ou não. Esses andantes bebem muito. Deve ter derramado a garrafa de cachaça no fogo…

– Eu acho que alguém tocou fogo nele!

– Tá doido! Por que alguém faria uma maldade dessas com o pobre coitado?

Enquanto a perita, com carinha doce de colegial – talvez na sua terceira semana de trabalho – fotografava a mesma cena por infinitos ângulos diferentes e anotava tudo em sua prancheta, dois homens, de braços cruzados, cada um ostentando no peito um distintivo de couro com uma estrela reluzente no meio, por cima dos óculos Ray Ban, observavam a tétrica cena. Talvez, esperando que alguma teoria diferente da dos curiosos surgisse de algum lugar. Satisfeita com a infindável sequência de fotos, medidas e anotações, finalmente a jovem perita se aproximou dos dois policiais e disse:

– Por mim o corpo está liberado, doutor…

– Tem algum palpite?… – Indagou o policial mais empertigado, com distintivo dourado e vermelho.

–  Nada além do óbvio… há restos de cobertores, latas, trapos… coisas comuns de andarilho, que não foram queimados. Quanto ao corpo, a única certeza é que era de um homem, pelo tamanho dos ossos, adulto.

– Documentos…

– Tudo virou cinza.

– Algum trauma, fratura, projétil?…

– Nada visível. Só o legista, com raio x, poderá achar algo caso haja… Posso autorizar a funerária a remover o corpo para o IML e dispensar a PM?

– Ok. Bom trabalho Cintia. Obrigado. Quer interrogar alguém Alfredo? – disse o delegado, virando-se para o policial de distintivo verde.

– Não. A PM já qualificou e sabatinou a testemunha que encontrou o corpo e outros curiosos. Vai colocar tudo no BO. Eu gostaria de dar uma olhada nas imediações da guarita, ver se acho alguma coisa que os curiosos ainda não destruíram. Vamos manobrar a viatura no final da estrada, para dar tempo de os curiosos se dispersarem… – disse o detetive”.

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113.