… E assim surgiu o Coisa Ruim da Borda!

“Se eu ficar rico logo, a primeira filha mulher que eu tiver darei em casamento ao capeta!”

* Os bastidores dessa investigação, a ojeriza dos bordianos ao seu personagem ‘mais ilustre’, as curiosidades, os medos que a família do Portuga passou – e eu também! Os depoimentos das pessoas que se arrepiaram com a presença do “Chiquinho” na fazenda da Ponte de Pedra… Tudo isso está no meu primeiro livro de crônicas policiais, “Meninos que vi crescer”, com o título “O mistério do Coisa ruim da Borda”!

Pouso Alegre, apesar de ter soprado quase oitenta velinhas, ainda era uma criança. Criança alegre, sorridente, viçosa, pujante… Naquele início de século já dava mostras de que cresceria e se tornaria referência no Sul de Minas e no Estado das Geraes. Criança também era a noite daquele longínquo sábado de outono quando o caminhãozinho Chevrolet preto – ignição à manivela – estacionou rente ao canteiro da Avenida Duque de Caxias, no coração da cidade. Os dois amigos desceram do caminhão, pegaram suas pequenas tralhas, atravessaram a avenida e em poucos passos entraram na “Pensão da Vovó”. Fazia pouco mais de seis meses que moravam num quartinho dos fundos da velha pensão de paredes pintadas de verde, na esquina da Duque de Caxias com Bueno Brandão, de frente para o santuário. Estavam cansados. Haviam trabalhado desde as primeiras horas da manhã transportando mudanças na cidade e arrabaldes. Era o único caminhão apropriado para esse tipo de transporte na cidade. Não tiveram dificuldades para tomar banho no banheiro coletivo da pensão naquela noite. Eram os únicos hospedes naquele final de semana.

Joaquim e “Manuel” haviam chegado ao Brasil a cerca de um ano. Os dois amigos trouxeram nas guaiacas apenas o suficiente para a subsistência de alguns meses e, quem sabe, para iniciar um pequeno negócio. Desembarcaram em Santos, mas não criaram raízes na Baixada. Subiram a serra, ficaram alguns meses em São Paulo e subiram para o Sul de Minas. Acreditavam que o grande estado mineiro tinha mais a oferecer a dois jovens aventureiros com tino comercial como eles. Por isso fixaram residência na hospitaleira Pouso Alegre, única cidade banhada pelo pequenino, piscoso e charmoso Rio Mandu.

Os negócios iam de vento em popa. Quase metade do caminhão já havia sido pago. O restante, conseguido à juros junto a um patrício, seria quitado na segunda feira seguinte. O dinheiro, guardado em um rústico saco de estopa, era levado atrás do banco do caminhão para todo lugar que iam. À noite, o saco dormia em segurança debaixo da cama, ora de um, ora de outro. Os dois amigos tinham por hábito, todo sábado, visitar as “primas” a dois quarteirões da pensão, na Rua David Campista. Naquela noite, no entanto, estavam muito cansados e sem vontade de sair para satisfazer os desejos da carne. Não foram para os braços e abraços – comprados – das ‘mademoiselles’ da Zona Boemia, mas não abriram mão da sedutora ‘Severina do Popote’. Durante o jantar solitário na saleta térrea da Pensão da Vovó, se esbaldaram no suco de gerereba, principalmente “Manuel”. Joaquim, sorrateiramente, mais observava o socio e amigo do que bebia.

Naquele domingo “Manuel” acordou tarde. Acordou com o sino do santuário chamando os fiéis para a missa das nove. Custou a abrir os olhos. E quando abriu notou que o amigo Joaquim já havia se levantado. Notou também que sua pequena cama a pouco mais de um metro da dele, estava arrumada. Sentou-se na beira da cama com a cabeça entre as mãos. Lembrou-se de Severina do Popote. ‘Moreninha’ era sua cachaça preferida… mas bebera demais na noite anterior! A cabeça latejava! Mal sabia ele que sua dor de cabeça iria aumentar muito mais. A caminho do banheiro coletivo, com a toalhinha encardida no ombro, para lavar o rosto como fazia toda manhã, “Manuel” interpelou a dona da pensão.

– Bom dia Vovó. Sabe se meu sócio foi à missa?

– Bom dia ‘seu’ “Manuel”… Não. Joaquim saiu cedinho levando uma mala. Pelo jeito ia viajar… – respondeu a simpática e obesa senhora com seus cabelos turvos amarrados em tranças acentuado seu ar de vovó.

As palavras ‘cedinho’, ‘mala’, ‘viajar’ bateram como balas de canhão na cabeça de “Manuel”. Por um instante ele ficou paralisado, com a boca aberta, o queixo caído, os olhos arregalados, como se estivesse viajando para um lugar desconhecido qualquer. Foi a voz doce da velha senhora que o trouxe de volta.

– Aconteceu alguma coisa? O sr. está se sentindo bem?

Ao despertar do breve estado letárgico “Manuel” correu de volta ao quartinho dos fundos. A resposta às perguntas da dona da pensão veio segundos depois… e veio aos berros, impropérios e maldiçoes!

– O saco com o dinheiro não está aqui! Maldito Joaquim! O salafrário roubou meu dinheiro. Aquele filho de uma égua roubou o dinheiro que suei tanto para ganhar! Ele vai arder nas chamas do inferno, ora pois, se vai! Desejo que um raio caia na sua cabeça antes que ele use o meu dinheiro… Safado, ladrão, porco, filho de mariposa, covarde. Foi pra isso que ele me fez beber tanto ontem à noite! Mas o capeta vai fazer justiça. Ele há de perder tudo rapidinho e sofrer como eu estou sofrendo agora! Maldito, maldito, maldito – dizia “Manuel” esmurrando com as duas mãos a própria cabeça.

Sem o sócio e amigo – da onça – para dividir as tarefas da ‘transportadora’ e sem o dinheiro para pagar o empréstimo que fizera para comprar o caminhão, “Manuel” teve que vende-lo. Envergonhado e desiludido com a traição do conterrâneo, ele mudou-se da Pensão da Vovó e de Pouso Alegre. Após vender o caminhão e quitar a dívida com o agiota, com a pequena quantia que sobrou, o portuga arrendou um pequeno sitio nos arredores de Borda da Mata e ali recomeçou sua vida. Desta vez sem sócios! Se o amigo e compatriota Joaquim o fez chorar de raiva, a vida, os negócios o fizeram sorrir. Estava predestinado a ganhar dinheiro com o seu trabalho. Mas tinha pressa! A vontade de ficar rico, a disposição para o trabalho e o tino para os negócios, alavancaram o seu sucesso. Em poucos anos passou de arrendatário a proprietário do sítio. E a fazenda no alto da serra da “Ponte de Pedra” foi crescendo.

Não se tem notícia de que “Manuel” tenha sido desonesto com alguém, mas era avaro e jamais jogava no lixo uma oportunidade de levar vantagem nos negócios. Certamente “Manuel” não foi o criador do “jeitinho brasileiro”, mas foi, com certeza, um dos mais ferrenhos fomentadores dessa prática, hoje pejorativa. Embora fosse religioso, frequentava a igreja católica apenas por conveniência social. Trabalhador sacudido e talhado para os negócios, qualquer deus que pudesse lhe dar alguma vantagem nos negócios, poderia ser seu Deus. E parecia não estar preocupado com as consequências desse comportamento às vezes mesquinho e materialista. Foi assim que certo dia, já casado e com família constituída, com os negócios se expandindo e a fazenda crescendo, ele proferiu uma frase que colocaria a pequenina Borda da Mata no mapa do Estado e do país.

“Se eu ficar rico logo, a primeira filha mulher que eu tiver darei em casamento ao capeta!”

As pessoas que ouviram tal blasfêmia em tom de mofa, não deram atenção à ‘promessa’. Mas o capeta ouviu… e anotou na sua agenda!

A ‘prometida’ nasceu em 1940. Treze anos depois, ao chegar à idade casadoira – comum naquela época – Mocinha começou a receber as visitas e cortejos do seu… “Príncipe das Trevas”! Era meado de janeiro quando o Coisa Ruim da Borda apareceu para cobrar a promessa do portuga!

O assédio do “Chiquinho” deixou a cidade em polvorosa e atraiu a atenção de toda imprensa nacional e até estrangeira. Durante meses, meia dúzia de padres da região e centenas de jornalistas desfilaram pela pequenina “terra do pijama” tentando desvendar o mistério do Coisa Ruim da Borda.

Em 2010 eu visitei a cidade algumas vezes. Estive no velho casarão da fazenda onde tudo aconteceu, resgatando a velha história. Durante minhas investigações, em pelo duas ocasiões, pude sentir um pouco do medo que a família do Portuga sentiu em meados do século passado.

O maior mistério, no entanto, é a rejeição que os bordianos tem da própria história. Eles não gostam nem de ouvir a menção ao coisa ruim. Se você perguntar a um bordiano alguma coisa sobre o Coisa Ruim, ele vai fazer o mesmo que o ‘espírito brincalhão’ fez há 70 anos… vai fugir de você como ‘Chiquinho’ fugiu da cruz do padre Pedro Cintra!

174 anos de historias e saudade!

Ribeirões da minha infância…     

Pouso Alegre está completando 174 anos de emancipação… e outros tantos de existência ‘informal’! Sim, há duzentos anos, Pouso Alegre com o nome de Bom Jesus do Matozinhos, já travava uma batalha santa com o município vizinho de Santana do Sapucaí por causa da imagem ‘emprestada’ do santo padroeiro. Batalha esta que batizou o bairro “Ribeirão das Mortes”. Mas esta é apenas uma das histórias da pujante Pouso Alegre que me abraçou ainda pequenino e me embalou durante 51 anos.

Neste 19 de outubro, tão comemorado, resolvi homenagear minha cidade relendo as histórias que contei nos últimos 10 anos, no ‘Blog do Airton Chips’ e nos livros: “Meninos que vi crescer” e “Quem matou  suicida”.

São tantas:

“Vila São Vicente de Paula” e o Asilo N.S.Auxiliadora …

“Maria Fumaça da minha infância”…

“Pouso Alegre, meio século… De aventuras e histórias”!

“O ‘velho Aterrado… E eu”!

“A verdadeira história do beco do crime”…

“Anos 70… A década de ouro da humanidade”

“O mistério do corpo seco”

“Assim nasceu o ribeirão das mortes”…

“Ribeirões da minha infância”

“A rotina do rabo verde”

“A lenda do Zorro da Zona Boêmia”

“ Os fantasmas do velho hotel da Silvestre Ferraz”…

Para assanhar o leitor, vou reproduzir abaixo parte da história “RIBEIRÕES DA MINHA INFÂNCIA”, publicada no livro “Quem matou o suicida”:

 

“Ribeirão Primavera

‘Em cinquenta anos, caudalosos ribeirões que formavam poços e espraiados e ofereciam peixes e diversões… desapareceram! Hoje correm invisíveis, tímidos, minguados e sujos, dentro de manilhas, por baixo de ruas e avenidas. Nossos netos jamais saberão que um dia nós pescamos e nadamos em suas águas límpidas’!

A transformação geofísica e geopolítica de Pouso Alegre nos últimos cinquenta anos salta aos olhos das pessoas que nasceram ou moraram na cidade neste período. De 1970 até os dias atuais a população passou de 40 mil para mais de 150 mil habitantes. Para abrigar tanta gente, embora a cidade tenha se expandido para o alto, com dezenas de prédios acima de dez andares, a grande expansão se deu na horizontal. Por isso pastos e fazendas se tornaram bairros, ruas, avenidas e praças. A maior ocupação se deu na direção sul da cidade, nas terras planas ou onduladas da ‘baixada do Rio Mandu’ – por sinal pouco regada de cursos d’água. O crescimento da região norte, embora tenha avançado menos por causa do humor do relevo, sepultou várias nascentes e ribeirões.

Quem nasceu da virada do século para cá não nadou, não viu e nem sonha com os ribeirões que cortavam os bairros São João, Colinas de Santa Bárbara, Saúde, Primavera, Cascalho, Fátima. Nos últimos anos o único ‘ribeirão’ que corta a cidade é o formado pelas aguas pluviais que caem na bacia do bairro Primavera e inunda as ruas Bom Jesus, Mons. Dutra e Com. José Garcia. O alagamento do local talvez seja uma vingança dos ribeirões Primavera e Cascalho pela usurpação do seu leito natural. No início do século passado podia-se pescar bagres e lambaris nos poços ali existentes.

O ribeirão Primavera nascia, como é da natureza dos ribeirões, na parte alta do bairro ainda pouco habitado, entre os bairros Santo Antônio, Esplanada e João Paulo II. Em 1970 começou a ser canalizado no início da Avenida São Francisco, avenida que, aliás, tinha apenas um quarteirão: a larga e vistosa avenida que hoje passa pela porta da Câmara Municipal, começava na Rua Olegário Maciel e terminava na rua São Pedro.

Era justamente ali na esquina, na fazenda do Luiz Reis ao pé do “Calipal do Bispo”, hoje bairro João Paulo II, que o ribeirão Primavera mostrava sua maior utilidade: refrescar a garotada que não podia frequentar os clubes, ou que moravam longe dos rios Mandu e Sapucaí Mirim. Para tal não era necessário buscar os poços que desciam a restinga de mato desde o Esplanada – até porque, os poços ficavam na restinga quase virgem que separava os bairros. Bastava ser um ‘bom menino’ para frequentar a piscina do ‘seu’ Luiz Reis. A piscina de pouco mais de doze metros quadrados por setenta centímetros de profundidade, feita de tijolos e rebocada de massa grossa sem azulejos, servia a todos os garotos da região. Era só chegar à beira da porteira na entrada da chácara e pedir ao ‘seu’ Luiz Reis. Ele fazia duas ou três perguntas e deixava o garoto nadar… Mas ficava de olho! Com seu chapéu de palha e óculos escuros, ‘seu’ Luiz ficava o tempo todo sentado na sombra da varanda a poucos metros da piscina, com uma chibatinha de couro na mão, vigiando a garotada nadar. Se um moleque fizesse alguma traquinagem, de lá mesmo ele brandia a chibatinha e corrigia o garoto. Caso o infante ‘sócio do clube’ repetisse a estripulia, seu Luiz se levantava, aproximava da piscina e o mandava sair. Se o garoto saísse sem discussão, no dia seguinte podia voltar e, depois de ouvir um breve sermão antes de passar a porteira, podia nadar de novo. Nunca foi necessário usar a chibatinha de couro trançado…

O bairro Primavera dos anos 1970 cresceu. As ruas Mons. Dutra, Professor Queirós Filho, Manoel Matias e São Francisco, que já existiam naquela época até a Rua São Pedro, rasgaram os pastos à sua frente e subiram para os bairros Santo Antônio, Boa Vista, Esplanada. Já não se vê um metro de terra ali que não esteja urbanizado.

O que restou do ribeirão Primavera virou duas minas de águas potáveis, uma, a Mina do João Paulo II e a outra, a Mina da Câmara, servida em três bicas na beira da Avenida São Francisco, na esquina de baixo da Casa de Leis. Ali, centenas de pessoas enchem seus galões com água fresca e cristalina todos os dias. O Ribeirão Primavera da minha infância, que corria por dentro da piscina do ‘seu’ Luiz Reis, mudou de endereço… Hoje mora nos recantos da memória, na fronteira do bucolismo com a saudade…

Há meio século havia ainda outros ribeirões deslizando ora alegres e sorridentes, ora sombrios e sorrateiros pelas baixadas e restingas urbanas de Pouso Alegre, tais como:

Ribeirão Cascalho

Ribeirão Saúde

Ribeirão São João

Ribeirão Santa Bárbara

Ribeirão Fátima

Ribeirão das Mortes… nosso clube popular.

Que pena que os ‘ribeirões da minha infância’ não esperaram para serem apresentados aos meus filhos e netos”…

Pouso Alegre, meio século…

… De aventuras e historias!

Cheguei a Pouso Alegre em 1969, ainda menino, de calça curta e pés no chão, com a franjinha do cabelo castanho caído na testa… Saí em 2020, com uma vasta cabeleira branca! Cresci com a cidade, nas ruas da cidade, vendo as ruas e avenidas invadindo pastos e fazendas e a população aumentando de 39 mil para 155 mil habitantes. Foram 51 anos de histórias, muitas histórias!

Dormi nas caixas de maçã, mas vivi os “Anos 70, a década de ouro da humanidade; nadei nos “Ribeirões da minha infância”; fiz bullying com o Rabo Verde; desvendei “O Mistério do Corpo Seco; fugi da guasca do lendário “Zorro da Zona Boemia”; contei “A verdadeira História do Beco do Crime”; fiz o velório do famigerado “Fernando da Gata”; fui vítima d“Os Fantasmas do Velho Hotel da Silvestre Ferraz; perdi o medo do velho Aterrado”… e pulei da velha ponte nas enchentes do Rio Mandu.

Estas histórias, vividas no último meio século, ou investigadas, estão nos meus livros “Meninos que vi crescer” e “Quem matou o suicida”.

“O velho Aterrado… E eu”, está no meu primeiro livro lançado em 2014.

“A primeira vez que atravessei a ponte sobre o velho e piscoso Mandu e adentrei o velho Aterrado, foi montado numa bicicleta Monark azul-escuro. Levava na frente da reforçada bicicleta de carga um botijão de gás. Até então eu só conhecia o lado norte do rio, aonde ia com o pai de uns amigos meus pescar mandis, piabas, tabaranas e lambaris debaixo da ponte do velho Mandu, onde hoje passa a polemica e bela avenida Perimetral.

Na ocasião o bairro já havia sido batizado com o nome do santo, mas continuava sendo chamado pelo apelido de nascença: Aterrado. Passei pela oficina de bicicletas do Wilson na cabeça da ponte e segui pedalando garboso a pesada bicicleta do Zezinho Gouveia, desviando de pessoas, de cavalos, de outras bicicletas e alguns poucos fuscas, gordinis e kombis de entrega, ora pelo passeio driblando as arvores, ora pela rua poeirenta.

Eu adorava bicicleta! Pedalar o dia inteiro pela cidade, ainda que carregando a pesada carga de vinte e oito quilos na ida e quinze na volta, era mais que um trabalho, era um prazer, uma diversão. Na época, Roberto Carlos já era ‘rei’ e a Jovem Guarda ainda era jovem, e quem mais vendia discos de duas e quatro músicas era o cantor goiano Odair Jose, o terror das empregadas… Era o ano de l973.

Já no começo daquela década, quando Simão Pedro Toledo começou transformar Pouso Alegre na mais progressista cidade do Sul de Minas, o velho Aterrado já era mal afamado. Não era qualquer um que se arriscava a atravessar o bairro. Até porque não tinha para onde ir! Depois da Curva do Japonês não existia cidade… Era só pasto. Só fazendas. A Refinações de Milho Brasil é que levaria a cidade para o sul.

… Mas demorei alguns anos para criar coragem!

Em 1969, quando comecei explorar Pouso Alegre com minha caixinha de picolés de uva, groselha, laranja, abacaxi e limão, Carlinhos Tigrinho, filho do patrão recomendou:

-Evite ir vender no Aterrado… Os moleques de lá te tomam os picolés e quebram sua caixa!

Pouso Alegre tinha 39 mil habitantes divididos em sete ou oito bairros, além do centro. Eu teria clientela suficiente nos bairros Cascalho, Primavera, Santo Antonio, Saúde, por perto de minha casa, sem ter que atravessar a ponte.

Três anos depois da advertência do filho do ‘seu’ Ferreira, fui estudar no Mons. Jose Paulino. Eu era ainda quase impúbere, mas além de estar atrasado nos estudos, precisava trabalhar durante o dia, portanto fui estudar à noite. Foi meu primeiro contato com os moradores do Aterrado. Todos mais velhos do que eu. Lembro-me de alguns… O Bernardino, o Luis Egidio, o Edesio… Lembro mais de ‘algumas’… A Geny, uma linda loira esguia de cabelos lisos, pele de pêssego… Devia ter uns 17 anos. Acho que era ‘Ferreira da Silva’, da família dos Coelhos. Não dava bola para ninguém. De vez em quando seu namorado, um rapaz forte e barbudo, motorista de caminhão vinha buscá-la na porta da escola. Depois da Geny, que não era para o meu bico, tinha a Lourdes… Essa sim eu poderia tentar, mas Francisco Carlos de Aquino, o “Flor” chegou na frente! Mas não se casaram. Eu só voltei a revê-la muitos anos depois no início dos anos 2000, na porta do velho Hotel da Silvestre Ferraz, quando ela foi visitar seu filho, o “Patinho”. Acho que ela não se lembrou de mim.

O convívio com os moradores do Aterrado no Grupo Escolar Mons. Jose Paulino e a estreita amizade com um colega de trabalho, me fez perder o medo do Aterrado e de sua gente. Fui percebendo que eram pessoas boas, normais, apesar de viver num bairro sem infraestrutura, sempre lavados três vezes por ano pelas enchentes. A mudança da família do Marcos Reolan de Castro, irmão do Tunga, do Cafado, do Bedeu, do “Dila” meu colega na sorveteria do Ferreira, todos amigos na Rua São Pedro, também contribuiu para acabar com minha fobia de Aterrado

Quando fui trabalhar na loja do Gouveia, conheci o Daniel. Ele era ‘desentupidor de fogão’. Morava no Aterrado, em frente a futura oficina do Celinho Xaxa. Fui algumas vezes à sua casa. Ser amigo de um morador do Aterrado acabou com meu medo de infância. Por isso risquei a avenida e ruelas do bairro com desenvoltura naquela manhã de meados de 73 com minha pesada bicicleta, como se estivesse no quintal de casa. Ainda bem que perdi o medo, porque meses depois chegaram as enchentes. Assim eu pude nadar no Rio Mandu no meio da garotada do Aterrado.

A ponte era o ‘point’ da juventude… O dia inteiro lotada de nadadores de rio. Piscina era coisa raríssima, coisa de rico! Cada vez que eu descia ao Aterrado para fazer uma entrega, encostava a bicicleta na oficina do Wilson e aproveitava para dar uns mergulhos. Trabalhava de bermuda e chinelos havaianas… Era só tirar a camiseta e disputar com os garotos quem saltava mais alto por sobre o parapeito da ponte! Era diversão gratuita para todas as classes sociais. Quando as águas baixavam, levava embora nossa alegria…

O inexorável tempo mudou meus hábitos, levou-me para o exército, mudou meu emprego, mudou o rio, mudou a ponte, mudou até a natureza… Já não temos enchentes como antigamente!… E nem garotos com aquela coragem!

Voltei a circular pelo velho Aterrado no início dos anos 80. Agora muito mais por suas vielas, que aumentara demais nos últimos dez anos. Já não ia levar gás de bicicleta… Ia buscar meliantes na brasilinha verde, na velha ‘barca’! Meliantes de todo tamanho, idade, peso e periculosidade. Vi muita coisa acontecer. Inclusive um colega de trabalho numa poça de lama com quatro tiros no rosto, em 83.

As lembranças do velho Aterrado, no entanto, são mais boas do que ruins. No final dos anos 80 até 92, o velho Aterrado tornou-se meu quintal de casa. Dirigindo a LEPA eu descia à vargem toda semana, seja acompanhando os jogos que eu promovia, seja participando deles com a camisa do Canarinho, do America, do Olaria, nos campos do antigo Madureira do Niquinho, do Santamaría do João cavalo, do Internacional do Zé Resende e Zé Nascimento, do Bangu do Boi, do Ditão. Hoje só resta o campo do Bangu.

No bairro que me causava pavor na minha infância eu agora realizava os mais ferrenhos clássicos do futebol amador de Pouso Alegre. Até finais de campeonatos, sem policiamento, com o campo cercado apenas por uma corda e às vezes nem isso, sem tumultos. Invasão de campo, apenas os cavalos mansos de carroça do octogenário Sr. Geraldo Eleutério, de vez em quando!

Cada bairro de Pouso Alegre tem uma origem. O N.S.Aparecida já chegou a ser chamado de Bairros dos Coutinhos. O Santo Antonio foi ‘colonizado’ pelos ‘imigrantes’ dos Afonsos, Cervo, Cantagalo. As pessoas que deixaram a zona rural do Pantâno, Cajuru, Anhumas, Imbuia se estabeleceram no Jardim Noronha, São João e Jardim Yara. O velho Aterrado acolheu os oriundos dos bairros do Sitio, Vitorino e Água Quente. Daí talvez a fama de bairro violento, devido à personalidade forte dos antigos moradores daquelas paragens do município de Silvianopolis. Não que fossem violentos, mas eram pessoas muito corretas, de estopim curto, que sempre levavam na cinta uma peixeira.  Como não eram bons de conversa, logo punham fim à discussão exibindo a ‘lapiana’. Eram pessoas que resolviam seus negócios na base do “fio do bigode”…

Os crimes que aconteciam no bairro há 40 anos, no entanto eram crimes de honra. As gerações mais novas desvirtuaram essa personalidade e o bairro ficou mal afamado. Com o crescimento da cidade e principalmente a proliferação das drogas a partir dos anos 90, o velho Aterrado ganhou status de bairro mais violento de P. Alegre. É o bairro que concentra a maior parte das “bocas de fumo” e “‘biqueiras” de drogas do tráfico “formiguinha” da cidade. A população decente, ordeira e trabalhadora do bairro, que naturalmente é a imensa maioria, é quem paga o pato.

Ah, velho Aterrado, como você cresceu! Antes era apenas a avenida empoeirada, ora estreita, ora larga e as travessas do Rolica, travessa Abrão, travessa do Bangu, travessa Cordeiro Olimpio, Rua Oscar Dantas, Padre Natalino, Aristeu Rios… Depois vieram as ruas Osvaldo Mendonça, Maria Porfiria de Abreu, Luis Prudenciano Alves, Roberto Ramos de Oliveira, João Sabino de Azevedo, Sapucaí, Antonio Pereira Sobrinho e outras tantas ruas e vielas. Agora até a Rua Nova ficou velha!!!

A Avenida Dique II à Oeste do bairro, que depois de uma década de imbróglio finalmente saiu do papel, deve contribuir entre outras coisas, para a melhora da qualidade de vida dos moradores do bairro São Geraldo.

Uma outra avenida à leste, partindo da perimetral, passando nos fundos da Rua Nova, lagoa da banana, desembocando atrás do Estádio Manduzão, levaria infraestrutura e melhoraria muito a vida do sofrido, porém orgulhoso, morador do Aterrado.

Em 2004 sugeri a construção dessa avenida e do Parque Administrativo da Prefeitura na ‘ilha da lagoa da banana’, concentrando ali todos os órgãos do poder executivo do município. Se o desenvolvimento chegasse àquela região da cidade, além de facilitar a vida dos moradores, tiraria o espaço dos meliantes que usam aquela área para ludibriar a policia. Seria muito mais fácil combater o tráfico formiguinha por ali.

A sugestão, no entanto, entrou por um ouvido e saiu pelo outro!

É apenas um sonho… Mas bem que o povo do sofrido Aterrado merece!”

Pouso Alegre, que já flertou com a coroa de ‘princesa do Sul de Minas’, brevemente será a maior cidade do sul do estado.  Quem sabe, nos próximos anos, a outrora garbosa Lagoa da Banana e seu entorno também ganhem roupagem nova e se transforme em Parque Administrativo.

Enquanto isso não acontece, viva Pouso Alegre e seus 173 anos de histórias e aventuras!

Aventura na festa da Borda

Meu apelido tem origem na famosa e simpática dupla de heróis “patrulheiros da (…) estrada…”. No entanto, dez anos antes, eu poderia ser chamado de “Pipoqueiro da estrada”!             

Mauritânia Furtado: 43 anos depois voltei para agradecer a bela  e gentil senhora que me deu um prato de comida!

A cena era de parar o trânsito! Quem passou pela MG 290  no meio daquela ensolarada e fresca tarde de julho, arregalou os olhos e depois colou o olhar no retrovisor do carro até sumir na curva da estrada. À beira da via um grupo de lavradores, uns descalços outros usando galochas de borracha, chapéus, outros portando enxadas nos ombros cercavam um pequeno veículo que parecia ser um carrinho de vendedor ambulante… um mascate! Quem diminuiu a velocidade pode constatar que de fato, era um carrinho de vendedor… de pipoca! Mas não era pipoca branca e quentinha para degustar assistindo sessão da tarde! Eram pipocas coloridas – verde, amarela, vermelha, laranja… – e amendoim torrado coberto com chocolate! A cena inusitada daquele carrinho sendo empurrado por dois garotos rodovia afora no meio da tarde lenta de julho atraiu a atenção dos lavradores que carpiam arroz na várzea superior na baixada do bairro Anhumas. Curiosos vieram até a beira da estrada tentar entender o que era aquilo! Certamente nunca tinham visto pipoca colorida, juntada com melado grudento e cortada em pedaços! Portanto, tinham que experimentar para ver que gosto tinha aquilo! Se os lavradores saciaram a fome e a curiosidade, os dois vendedores tiraram a barriga da miséria… Venderam dúzias de tabletes de pipoca colorida… pelo dobro do preço!

– Para onde vocês estão indo com esse carrinho? – indagou um dos lavradores.

– Vamos vender pipoca na festa da Borda… – respondeu o mais franzino.

– Nossa! Vocês nem chegaram na metade do caminho ainda! – observou outro, tentando desgrudar a pipoca vermelha dos dentes…

Saciada a fome e a curiosidade da clientela… e o bolso dos pipoqueiros! os dois garotos retomaram lenta e resolutamente a viagem, empurrando o carrinho colorido estrada afora, atraindo o olhar curioso dos poucos motoristas que passavam.

A aventura começara duas horas mais cedo perto da rodoviária de Pouso Alegre. Eu passava por ali empurrando aleatoriamente meu carrinho de pipoca quando esbarrei no meu velho amigo Rui de Paula – Sim, eu era menino, tinha apenas 12 anos, mas já tinha ‘velhas’ amizades. O Rui era muito mais velho do que eu: vinte meses! A amizade com o Rui era importante, pois ele morava no Aterrado… e eu morria de medo de ir ao Aterrado. Com a amizade fui aos poucos ganhando confiança!

Depois de trocar dois centavos de prosa o Rui falou:

– Hoje é dia de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Borda da Mata… Está tendo festa lá.  Vamos lá vender pipoca?

Aos doze anos de idade eu conhecia duas cidades: Congonhal, onde nasci e Pouso Alegre, onde eu morava há dois anos. A única coisa que eu sabia sobre Borda da Mata… é que a cidade ficava na direção de Borda da Mata! Mesmo assim, se o Rui que tinha catorze anos, era mais alto e mais forte do eu, era meu amigo, e sabia que tinha festa na Borda, não pensei duas vezes.

Saímos da praça João Pinheiro, em Pouso Alegre, à uma e quinze da tarde. Às sete e quinze da noite deixamos a MG 290 e entramos na rua principal de Borda da Mata empurrando o carrinho colorido. Logo adiante, na primeira travessa à esquerda, paramos para satisfazer a curiosidade de algumas crianças e começar nossas vendas! O burburinho da criançada atraiu a atenção de uma senhora na terceira casa da rua. Quando a bela mulher morena, esguia, de cabelos longos e olhar suave saiu ao portão, aproveitei para pedir-lhe um copo d’agua. Antes de atender meu pedido, ela fez algumas perguntas. Minutos depois voltou com os copos d’agua e dois pratos alombados de comida quentinha: arroz branco, feijão de caldo vermelho e grosso e bife de alcatra. Foi a melhor refeição trivial que já comi na vida!

Saciada a fome do corpo, fomos saciar a fome do espírito… a fome de aventura e de alguns trocados! Por volta de oito da noite chegamos à praça Antonio Megale. Chegamos devagar devido à dificuldade para abrir caminho com o carrinho colorido em meio a tanta gente. Estacionamos ao lado do jardim e começamos a vender nosso produto. Em menos de uma hora vendemos tudo. Não sobrou sequer um pacotinho de pipoca colorida ou um saquinho marrom de amendoim ‘pra contar a história’! Como tudo era novidade, vendi pelo dobro do preço. Faturei num só dia o que precisaria de três semanas de boas vendas para ganhar!

Dois terços da aventura realizados, era hora de voltar para casa! Teríamos que enfrentar mais 27 quilômetros de estrada gelada, no meio da noite, mais seis horas de viagem empurrando o carrinho vazio?

Às nove e meia da noite eu atravessava a avenida Duque de Caxias, ao lado do mercado municipal de Pouso Alegre, recém reformado pela construtora do Fiíco, quando avistei o Waltinho, filho do meu patrão…

– O que aconteceu? Onde você estava até essa hora? – perguntou ele, com expressão visivelmente preocupada.

– Eu estava numa festa na Vendinha… Olha consegui vender tudo hoje – respondi com naturalidade. E subimos a Getúlio Vargas em direção à casa do dono do carrinho de pipocas coloridas. Eles nunca souberam da minha aventura na festa da Borda!

Em 2014, quarenta e três anos depois, voltei à mesma casa para levar um exemplar autografado do meu primeiro livro – Meninos que vi crescer – àquela gentil senhora que, espontaneamente, nos servira aquele manjar dos anjos. Mauritania Furtado estava então com 87 anos. Claro que ela não se lembrava de mim… mas se lembrava dos dois garotos e do carrinho de pipocas coloridas!

Esse ‘capitulo’ é parte da historia “O mistério do Coisa Ruim da Borda”, uma das 50 historias do meu primeiro livro “Meninos que vi crescer”!

A propósito, neste mês de abril, faz 68 anos que o “Chiquinho”, conhecido como ‘Coisa Ruim da Borda’, fez sua última aparição no casarão do Portuga na Fazenda da Ponde de Pedra!

Será que foi a ultima aparição mesmo???

“Quem matou o suicida”

O crime que deu titulo ao livro…

O pescador pedalava lentamente sua bicicleta pela trilha batida que saía na estrada, quando sentiu necessidade de fazer xixi. Passara as primeiras horas da manhã dando banho na minhoca na beira do rio e mal pescara meia dúzia de mandis. Na verdade, ele sabia que seria assim. As águas do Rio Lambari estavam muito sujas para pescar alguma coisa além de mandi. Só foi para a beira do rio por dois motivos: para manter o hábito… e para ficar longe da mulher! Encostou a velha bicicleta roxa com cesto na traseira e as varas de pesca amarradas ao quadro, em um arbusto na beira da trilha, entrou no mato e foi logo abrindo a braguilha.

Enquanto a bexiga lentamente esvaziava, deixando aquela sensação de alívio, deixou os olhos divagarem para o interior da mata. Observou os galhos, os cipós, um pássaro marrom de calda longa… – dizem que é alma-de-gato! De repente seus olhos pararam em um vulto pendurado num galho. Antes mesmo de fechar a braguilha inclinou o corpo tentando ver melhor o vulto. Sentiu um calafrio. Deu dois passos à direita, levantou um galho que dificultava a visão e… Arregalou bem os olhos!

Era mesmo uma pessoa!

A cena era macabra!

O corpo rijo pendurado na forquilha da árvore, com os pés a menos de um metro do chão, parecia balançar suavemente, não tanto pela brisa suave que penetrava através da folhagem, mas pela nuvem de mosquitos que se deliciava com o corpo em putrefação.

Martim Pescador, 55 anos, já vira pessoas mortas, inclusive por causas externas, mas a visão o deixou impressionado. Ainda com os pés fincados no chão, percorreu os arredores num raio de cento e oitenta graus procurando alguém com os olhos. Não viu ninguém e o silêncio confirmou: estavam sozinhos! Deu alguns passos à frente e foi circulando o palco, até ficar de frente para o pendurado…

– “Meu Deus! É o Jacinto…

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Um corpo inerte e sem vida pendurado na ponta de uma corda, no galho de uma árvore no meio do mato, acima de um banquinho jogado de lado, certamente encerra a história do enforcado! Mas pode começar uma intrigante história de mistério, de amor, de paixão, de dinheiro… – ou falta dele!

O que, aos olhos dos familiares, dos amigos, dos curiosos e até da polícia – aquela que se limita a cumprir o ‘horário de expediente’ – parece um típico suicídio, para um policial de verdade, aquele que ama o que faz e busca esclarecer os fatos e colocá-los na mesa do Homem da Capa Preta, pode ser um crime! Um crime covarde, tramado e executado pelo vizinho do lado, por um desconhecido ou até pelo amigo de baladas!

      No controverso título “quem matou o suicida”, mais importante do que saber quem é o assassino, é perceber a fragilidade da investigação policial que, por isso mesmo, na maioria das vezes deixa o assassino impune. O tino policial, a argúcia do velho detetive e o desfecho da história de “Quem matou o suicida”, no entanto, ‘pagam o ingresso’!

     “Quem matou o suicida” é apenas uma das histórias deste livro, que desnuda o heroísmo do policial, que o exibe como um mortal comum, sujeito a erros, medos, deslizes profissionais e… traições. “O último dia do policial”; “Por que os cães não atacavam Fernando da Gata?”; “O batateiro do bigode falho”; “Os fantasmas do velho hotel da Silvestre Ferraz”. Histórias macabras como “O esquartejador de Silvianópolis”; “O assassinato de Silvio Santos”; “Larissa de Extrema”; “Larissa de Pouso Alegre” são uma amostra disso.

      E tem muito mais.

      Além dos casos policiais, vivenciados ou investigados pelo autor, o livro traz histórias de vida tais como: “Maria, 90 anos de solidão”, “Guermina e o Catre”, “O menino que dormia sobre as caixas de maçã”…

      É impossível não se emocionar com o drama vivido por “Paulinho & Mariana, os pais do nóia JC”. Ou não ligar o sinal de alerta com a precocidade com que os adolescentes iniciam nas drogas, e seus riscos, em: “Tragicomédia no Hospital Frei Caetano”.

      Traz também histórias hilárias como “A múmia de Bueno Brandão e os Três ossos pequenos”; “O louco e a cascavel” …

      O bucolismo, o saudosismo e a transformação sociocultural de Pouso Alegre no último meio século pode se ‘pegar com a mão’ nas histórias “Ribeirões da minha infância”; “A lenda do Zorro da Zona Boêmia”; “O mistério do Corpo Seco” – que misteriosamente ‘sumiu’ do primeiro livro do autor – e; “Anos 70, a década de ouro da humanidade”.

     Enfim, uma obra para matar a saudade dos tempos idos, desnudar a alma do ser humano, e constatar que ainda existem profissionais que amam o que fazem – profissionais capazes de levar uma “Mensagem à Garcia” -, mas estão cada vez mais escassos!

     Tudo isso narrado com bom humor e de um jeito gostoso de ler, por alguém que viveu a vida toda em contato com as pessoas, nas ruas, há décadas contando casos policiais na imprensa de Pouso Alegre.

     Boa leitura!

     Airton Chips

* Para continuar a ler e saber “Quem matou o suicida”, adquira seu livro físico numas das livrarias ou bancas de jornais de Pouso Alegre, ou através da nossa loja virtual. Você pode ler também ‘online’, na Amazon.com.br

Aqui você encontra quem matou o suicida!

O livro está disponível nos seguintes lugares:


O novo livro de Crônicas Policiais de Airton Chips já está à venda. Além de crônicas, o livro trás lendas urbanas, personagens que marcaram época, e mostra a transformação sociocultural do Sul de Minas, especialmente de Pouso Alegre, a cidade que transformou fazendas e pastos em bairros ruas e avenidas e quadruplicou a população nos últimos 50 anos. Cinquenta anos acompanhados passo a passo pelo autor.

Em Pouso Alegre o livro está disponível nas livrarias:

– Livraria Intelecto, Rua Capitão Pedro Narciso, 85 centro (ao lado da antiga estação ferroviária), fone 3422-4097 e 9.8700.4097.

– Livraria “Quiosque do Saber”, no Serrasul Shopping, fone 3427-5559 e 9.9726-3279.

Nas bancas:

– Banca do Toninho, na avenida Duque de Caxias, 128, centro Fone 9.9915-6331.

– Banca Federal (Sergio), praça Garcia Coutinho, 11, centro, Fone 9.9253-0415.

– Banca Catedral (Ligia – Venicio), praça Garcia Coutinho, 01, Fone 9. 9989-3446.

– Banca Central (Ernani), praça Senador Jose Bento, 47, centro, Fone 3421-4610.

– Banca Cometa ( Júlio), praça Senador José Bento s/n, Fone 9.9996-6646.

– Banca do Chico, Avenida Dr. Lisboa (em frente o Bradesco), Fone 3412-1764.

– Banca Alternativa (Cristina), Hipermercado Baronesa, Fone 3449-1743.

Preços dos livros:

* Nas bancas e livrarias R$ 38,90.

* Através do site de vendas www.facebook.com/blogdoairtonchips/shop/ R$ 44,90 ( entregue sem custo em qualquer lugar do Brasil).

* No formato digital, no site Amazon (Kindle), R$ 24,90.  

Por que os cães não atacavam “Fernando da Gata”?

Quase três décadas mais tarde eu descobri o que deixava os esguios Dobermans… ‘tão dóceis’!

‘Bichinhos’ iguais a este nunca atacaram Fernando da Gata… Porque será?

Toda cidade tem uma história de bandido para contar. Algumas têm mais de uma. Pouso Alegre, a cidade que mais cresceu no Sul de Minas no último meio século – pulou de 40 mil em 1970 para 150 mil habitantes atualmente – também tem suas histórias. O mais ilustre bandido que pisou e deixou rastros indeléveis em terras manduanas, atendia pelo nome de “Fernando da Gata”…

O famoso – às avessas! – que passou sorrateiro pela cidade, deixando para trás um rastro de suspense, de medo, de fatos e de boatos, foi Fernando Soares Pereira, o “Fernando da Gata”. O baixinho cearense ficou menos de uma semana na cidade… mas fez estragos em algumas famílias e na população! Tão sorrateiro como agiu na calada da noite o bandido se foi levando quilos e toneladas de joias! Quilos de anéis, cordões e pulseiras de famílias abastadas da cidade… E toneladas de dignidade! Ele estuprou quatro recatadas senhoras, esposas de ricos empresários… na frente dos seus maridos! Vindo de Russas-CE, Fernando da Gata fez escala na capital paulista e, bem que tentou mudar de vida. Trabalhou alguns meses na construção civil, mas seu ‘talento’ criminoso era por demais valioso para ser desperdiçado debaixo de sacos de cimento, pilhas de tijolos e latas de concreto! O famigerado bandido nascera talhado para grandes empreitadas… ainda que fossem para o mal! Em poucos meses de atividade criminosa na capital paulista, o Eldorado dos nordestinos, o baixinho cearense se tornou celebridade… no álbum da polícia! E colocou toda a polícia civil paulistana nos seus calcanhares… E a imprensa, ávida por furos jornalísticos, também!

Foi assim que, para dar folga às madames paulistanas, o assaltante solitário foi parar em Pouso Alegre em meados de 1982. Fernando da Gata chegou à cidade no mês do ‘cachorro louco’! Não por acaso, de todos os predicados atribuídos a ele, o principal, era exatamente sua capacidade de acalmar e dominar ‘cachorros loucos’! Não eram exatamente loucos, mas eram ferozes cães de guarda, especialmente os esguios ‘Dobermanns’, os quais reinavam nos quintais das mansões naquele começo de década depois que a luzes se apagavam! Ninguém ousaria entrar nos quintais na calada da noite. Ninguém… menos Fernando da Gata! Os donos das casas até ouviam os latidos ferozes dos seus ‘dobermanns’ no meio da noite. Mas quando se arriscavam a abrir a porta ou espiar pela janela, lá estava o amigo fiel sentado num canto do quintal! Atento, mas silencioso. Como se tivesse visto apenas um gato em cima do muro e o intruso já tivesse ido embora. Minutos depois o gato, quero dizer, o “da Gata”, estava no seu quarto apontando um trabuco para o seu nariz!
Mas como o esguio Dobermann parou de latir e se aquietou no canto?
Esse foi o grande mistério que Fernando da Gata levou com ele no crepúsculo de um dia frio de inverno, no começo de setembro, nas margens do Rio Sapucaí, uma semana e meia depois de protagonizar a maior caçada policial da história e colocar Pouso Alegre no mapa nacional com suas façanhas. Fernando da Gata não matou os cães de guarda. Sequer tocou em algum cachorro! Ou talvez tenha tocado… para lhes fazer um cafuné!

– Como pode, um cachorro que quase pula muros para atacar quem passa na calçada do lado de fora, ficar quietinho no canto do quintal enquanto o bandido entra e arromba a porta da casa do dono? – Perguntavam as pessoas com os olhos saltando das órbitas.

– Ele tem parte com o demônio! – Respondiam umas, fazendo o sinal da cruz!

– Ele hipnotiza os cães! – Diziam outras, incrédulas.

Seu fascínio sobre os ferozes Dobermanns – ou o contrário! – virou mito. Vinte e sete anos depois da sua morte desvendei o mistério… E matei o mito!

O livro está à venda…

Para desvendar o mistério de “Por que os cães não atacavam Fernando da Gata”, acesse… https://www.facebook.com/blogdoairtonchips/shop/

A rotina do Rabo Verde

O louco mais querido da cidade…

“A rotina do Rabo Verde” e outras trinta cronicas policiais estão no livro “Quem matou o suicida”.

A figura carrancuda dentro de um conjunto cáqui encardido, debaixo de um chapéu amassado fazendo sombra para o par de olhos azuis, com um saco nas costas, sem saber ler ou escrever, sem lenço & sem documentos e sem um teto para chamar de seu, Rabo Verde figura entre as personagens mais ilustres de Pouso Alegre no Século XX…

Até a poucas décadas, antes do advento dos celulares e seus aplicativos, quando as pessoas tinham tempo para olhar e sentir a rotina à sua volta, era possível perceber alguns personagens do cotidiano se misturando à nossa história. Toda cidade, grande ou pequena, tinha seus personagens assim. Pouso Alegre teve vários no século passado. Chimango, Maria Coquinha, Ananias, Padre Mateus, Nego Artur e tantos outros. Quando, nas rodinhas de saudosistas, falamos dos personagens folclóricos que marcaram a cidade, o primeiro que nos vem à mente é o… “Rabo Verde”!

A expressão inquieta, o jeito soturno, o modo sacudido de emitir as palavras – muitas ininteligíveis – a mania de resmungar sozinho palavras desconexas sem uma sequência lógica de fala, a sujeira do traje, o saco de roupa que sempre carregava nas costas, a mania de catar comida no lixo – embora não lhe faltasse uma alma boa para encher sua marmita gratuitamente ou em troca de capina de quintal – faziam de ‘seu’ Antônio Barnabé um louco! Mas era um louco inofensivo. Jamais fazia mal a alguém. Desde que não lhe chamassem pelo apelido de Rabo Verde! Aí, além dos palavrões impublicáveis, pedras, tijolos, sabugos, ou qualquer objeto que estivesse ao seu alcance tornava-se uma arma! As crianças se divertiam com sua brabeza… Os pais arrancavam os cabelos de preocupação! Passada a raiva, ele fazia troça do próprio apelido!

-Quem tem o rabo verde, seu Antônio?

– Arara, papagaio… e eu!

Durante décadas, desde meados do século passado, essa figura simples fez parte da rotina das pessoas em Pouso Alegre…

– O Rabo Verde foi preso… Ele foi levado no ‘forninho’ pra delegacia, o filho do delegado foi pro hospital, muito sangue… Ele tá muito machucado… – disse estabanado o garoto entrando correndo no Empório Goulart, no final da tarde!

– Calma, menino! Conta essa história direito! Por que prenderiam o Rabo Verde? Ele não faz mal a ninguém. O que tem o filho do delegado com isso? – interrompeu o comerciante enquanto servia uma dose de Fernet a um freguês cativo…

– Dessa vez acho que ele fez, sim… Ele deu uma pedrada na cabeça do menino, o filho do delegado!

– Espera, espera, espera… Você está dizendo que o Rabo Verde acertou uma pedrada na cabeça de um garoto? E o garoto é filho daquele delegado novo que chegou à cidade?!

– … É isso mesmo. Nóis tava lá na beira da linha esperando pra ver a Maria Fumaça, aí o Rabo Verde tava passando… e a pedrada acertou bem na cabeça do Serginho…

– Peraí, vocês mexeram com o pobre coitado? Por que não correram?

– Nós corremos, mas o Serginho não sabia que tinha que correr…

– Caramba! Filho do delegado… e lerdo! – comentou um freguês do empório entrando na conversa.

– É. Mas é que ele é novo na cidade. Veio da capital. Ainda não conhece as molecagens do interior – interveio outro freguês assíduo do empório.

– E esse delegado novo também não conhece o Rabo Verde. Dizem que ele é um capeta! Vai querer arrancar o couro do pobre coitado! Precisamos fazer alguma coisa. Alguém precisa ir à delegacia explicar para o delegado que o ‘nosso’ Rabo Verde não bate bem da cabeça…

Um dos fregueses do Mario Goulart, que costumava chegar sempre no finalzinho da tarde para bebericar o suco de ‘gerereba’ e jogar conversa fora, se prontificou a ir  à delegacia. Primeiro para saber a gravidade da situação; segundo, para tentar livrar a barra do Rabo Verde.

… Tentou, mas não conseguiu. Afinal, lesão é lesão tanto na capital quanto na pacata Pouso Alegre de vinte mil habitantes!

E o “Rabo Verde” foi se hospedar no Velho Hotel da Silvestre Ferraz!

Para continuar lendo a “Rotina do Rabo Verde”, acesse… https://www.facebook.com/blogdoairtonchips/shop/

*Em Pouso Alegre, o livro está à disposição na Livraria Intelecto e em todas as bancas de jornais.

“Quem matou o suicida”

Este é o título do novo livro de Airton Chips.

“Quem matou o suicida”… o livro caçula de Airton Chips

      Seis anos depois de “Meninos que vi crescer”, o colunista policial e escritor Airton Chips lança agora seu segundo livro de crônicas policiais.

“Quem matou o suicida?” segue a mesma linha de “Meninos que vi crescer”, lançado em 2014. São crônicas policiais vivenciadas pelo policial e colunista ao longo da sua carreira, nos últimos quarenta anos. Algumas são tensas, tristes, macabras… Outras são hilárias, divertidas, comoventes, saudosistas…

No controverso título “Quem matou o suicida”, – a intrigante estória de um fazendeiro encontrado morto na ponta de uma corda no meio do mato, numa pequena cidade do interior de Minas – mais importante do que saber quem é o assassino, é perceber a fragilidade da investigação policial que, por isso mesmo, na maioria das vezes deixa o assassino impune. O tino policial, a argucia do velho detetive e o desfecho da história de “Quem matou o suicida”, no entanto, ‘pagam o ingresso’!

“Quem matou o suicida” é apenas uma das trinta e uma histórias deste denso livro que desnuda o heroísmo do policial; que o exibe como um mortal comum, sujeito a erros, medos, deslizes profissionais e… traições! “O último dia do policial”; “Porque os cães não atacavam Fernando da Gata”; “O batateiro do bigode falho”; “Os fantasmas do velho hotel da Silvestre Ferraz”; histórias macabras como “O esquartejador de Silvianópolis”; “O assassinato de Silvio Santos”; “Larissa de Extrema”; “Larissa de Pouso Alegre” são uma amostra disso.

“Paulinho & Mariana, os pais do nóia JC”, mostra o drama de uma família cujo filho aos dezesseis anos trocou o banco da escola pelo banco da esquina com os amigos de ‘baseados’ e nunca mais conseguiu deixar as drogas. A curta história passada em um plantão médico, com o título “Tragicomédia no Hospital Frei Caetano” mostra a precocidade com que os adolescentes iniciam perigosamente nas drogas. Além desta o livro traz outras histórias hilárias tais como “A múmia de Bueno Brandão e os Três ossos pequenos”; “O louco e a cascavel” e; “Um puta bandido e um porra policial”.

O bucolismo, o saudosismo e a transformação sociocultural de Pouso Alegre no último meio século estão presentes nas histórias “Ribeirões da minha infância”; “A lenda do Zorro da Zona Boêmia”; “Anos 70, a década de ouro da humanidade” e; “O mistério do Corpo Seco” – que misteriosamente ‘sumiu’ do primeiro livro do autor.

Além dos casos policiais, vivenciados ou investigados pelo autor ao longo da carreira, o livro traz comoventes histórias de vida, de superação, tais como: “Maria, 90 anos de solidão”, “Guermina e o Catre”, “O menino que dormia nas caixas de maçã” …

E para começar a leitura: “A rotina do Rabo Verde”! o louco mais querido de Pouso Alegre no século passado, com lugar cativo na galeria de pessoas ilustres do Museu Tuany Toledo. Enfim, uma obra para matar a saudade dos tempos idos, para desnudar a alma do ser humano e, constatar que ainda existem profissionais que amam o que fazem – profissionais capazes de levar uma “Mensagem à Garcia”! -, mas estão cada vez mais escassos!

Tudo isso narrado com bom humor, de um jeito gostoso de ler, por alguém que cresceu em contato com as pessoas, nas ruas, observando o comportamento humano. Alguém que viveu e há décadas conta casos policiais na imprensa de Pouso Alegre.

A ‘família’ está aumentando…

“Quem matou o suicida” pode ser encontrado e adquirido nas livrarias e bancas de jornais de Pouso Alegre e região, ou, através do site “www.facebook.com/blogdoairtonchips/shop” – entregue sem custo em qualquer lugar do Brasil.

Vá buscar ao seu!

 

Os vendedores de fazenda da esquina da Catedral!

Eram cinco ou seis vendedores vendendo e comprando entre eles para fisgar os matutos…!

O casarão cheio de janelas na esquina, deu lugar ao Edifício Teixeira…!

Contar historias de Pouso Alegre é fácil… O difícil é escolher apenas uma história para contar! São Tantas.
Tem histórias da infância, histórias vividas, historias antigas, histórias que eu investiguei, histórias policiais…!
Essa é uma de meia idade, dos anos 1970… Uma historia pouco conhecida. É a historia dos “Vendedores de cortes de fazenda”!

No inicio da década de 70, o lugar mais perto que se achava roupas feitas para comprar, era na famosa Rua Maria Marcolina, no Braz, ou na Rua 13 de Maio, em São Paulo. Em Pouso Alegre, quem precisasse de roupa, tinha que comprar a ‘fazenda’ e levar às costureiras para fazer. Alfaiate só tinha o Keide, na Dr. Lisboa; o Gouveia, na Dom Nery; o Mario, na Com. Jose Garcia, e mais uns dois ou três que só faziam ternos e ainda assim, por encomenda!

Casas para comprar o tecido, a ‘fazenda’, não faltavam…
Tinha a Casa Senador, a Casas Pernambucanas, Casa Mendes, a ‘Cotonfil’ e tantas outras.

E tinha também os vendedores ambulantes de fazenda!
Eles faziam ponto na calçada da Praça Senador José Bento, naquele trechinho, entre a esquina da Afonso Pena e a Casa Morato.

Na época o Edifício Teixeira – construido no lugar onde fora o casarão do Senador Eduardo Amaral-, ainda estava na base. O terreno era cercado por um alto muro de tábuas.
Naquele trecho de calçada havia comerciantes de todo tipo…
Tinha o ‘Dito Seleiro’, cujos filhos vendiam selas, arreios, chibatas de couro, bainha de facões, etc.
Tinha vendedor de picolé ‘Milk Money’, com carrinho ambulante;
Tinha vendedor de panos de prato…

Eu era o vendedor de Raspadinha…! Aliás, fui o único garoto na história de Pouso Alegre a vender Raspadinha! E não é essa que vocês estão pensando, não…
Ficava quase na esquina da Afonso Pena, ao lado dos filhos do sorumbático Dito Seleiro, de olhos vermelhos!
No mesmo trecho, andando pra lá e pra cá, de acordo com a conveniência, ficavam os vendedores de fazenda…!
Tinha o Ze Maria, o Ze Gato, o Ze Bonitinho, o Josias, o Osvaldo, o Alicam…
Eu só soube o nome deles décadas depois nos clubes de carteados nas imediações do Mercado Municipal.
Eram uns seis ou sete ladinos, todos mancomunados entre si para ‘tomar’ o dinheiro dos capiaus que por ali passavam.
Era difícil escapar de suas artimanhas!

O golpe funcionava assim:

* Quando o capiau – cidadão geralmente usando calça caqui, camisa lisa ou listrada com a fralda por dentro da calça, chapéu e botina rústica de couro – passava, denotando que era ‘da roça’, geralmente trazendo a guaiaca recheada, um dos vendedores então se aproximava e oferecia o corte de tecido!
* Enquanto o vendedor tentava enrolar o cliente indeciso, outro companheiro passava de mãos vazias, parava, fingia se interessar pelo corte, dizia que estava muito barato e ‘comprava’ os tecidos…
* Incentivado pelo ‘comprador’, o capiau também acabava comprando alguns cortes…
* Às vezes, quando o capiau estava relutante em cair na tramoia, o vendedor propunha uma compra casada;
* – Olha, estes seis cortes a cinquenta cada um, dá 300… São os últimos que tenho… Se vocês juntos arrematarem o resto, eu faço tudo por duzentos cruzeiros… cem para cada um, quase metade do custo! – dizia ele… e fechava o negócio.
* O falso comprador então se afastava, ia tomar um cafezinho no mercado municipal ali perto, – ou uma dose de suco de gerereba! – e meia hora depois voltava para devolver os cortes e pegar seu dinheiro de volta!
E o ciclo recomeçava, com os personagens em papeis invertidos!

Os estelionatários do calçadão da Casa Morato ‘deram’ a manta em muitos capiaus ingênuos que por ali passaram ostentando seu embornal de lona cor de terra a tiracolo!

Eu tinha na época 12 anos de idade. Achava aquilo curioso, mas não sabia exatamente o que estava acontecendo.
Sim, mas, o que havia de mais em os camelôs usarem aquele ardil para vender o seu produto?
Bem… é que, se não fosse a ladainha do vendedor e principalmente do falso comprador, o matuto não compraria nada!
Além do mais, os cortes de tecido ‘empurrados’ na lábia goela abaixo do roceiro, eram da pior qualidade… Não valiam sequer um quinto do preço pelo qual eram vendidos!

Uma década depois, já na policia, eu entendi que, o que os vendedores de fazenda do calçadão da Casa Morato faziam, era uma modalidade de “Conto do Vigário”!

Décadas depois reencontrei os vendedores de fazenda nos clubes de carteados nas imediações do Mercado Municipal. Não eram tão velhos mas quase tinham vida desregrada. Hoje quase todos já morreram. Um deles, ironicamente eu levei agonizante para o pronto socorro numa quarta feira de 1992. Na segunda-feira seguinte eu soube que o baianinho Josias havia sido sepultado no sábado anterior!

Nenhum daqueles vendedores de fazenda, que passaram a ‘manta’ nos capiaus no “Calçadão da Casa Morato” nos anos 70, conseguiu comprar sequer um palmo de terra com o dinheiro ganho na venda fraudulenta de ‘cortes de fazenda’!