Pouso Alegre, meio século…

… De aventuras e historias!

Cheguei a Pouso Alegre em 1969, ainda menino, de calça curta e pés no chão, com a franjinha do cabelo castanho caído na testa… Saí em 2020, com uma vasta cabeleira branca! Cresci com a cidade, nas ruas da cidade, vendo as ruas e avenidas invadindo pastos e fazendas e a população aumentando de 39 mil para 155 mil habitantes. Foram 51 anos de histórias, muitas histórias!

Dormi nas caixas de maçã, mas vivi os “Anos 70, a década de ouro da humanidade; nadei nos “Ribeirões da minha infância”; fiz bullying com o Rabo Verde; desvendei “O Mistério do Corpo Seco; fugi da guasca do lendário “Zorro da Zona Boemia”; contei “A verdadeira História do Beco do Crime”; fiz o velório do famigerado “Fernando da Gata”; fui vítima d“Os Fantasmas do Velho Hotel da Silvestre Ferraz; perdi o medo do velho Aterrado”… e pulei da velha ponte nas enchentes do Rio Mandu.

Estas histórias, vividas no último meio século, ou investigadas, estão nos meus livros “Meninos que vi crescer” e “Quem matou o suicida”.

“O velho Aterrado… E eu”, está no meu primeiro livro lançado em 2014.

“A primeira vez que atravessei a ponte sobre o velho e piscoso Mandu e adentrei o velho Aterrado, foi montado numa bicicleta Monark azul-escuro. Levava na frente da reforçada bicicleta de carga um botijão de gás. Até então eu só conhecia o lado norte do rio, aonde ia com o pai de uns amigos meus pescar mandis, piabas, tabaranas e lambaris debaixo da ponte do velho Mandu, onde hoje passa a polemica e bela avenida Perimetral.

Na ocasião o bairro já havia sido batizado com o nome do santo, mas continuava sendo chamado pelo apelido de nascença: Aterrado. Passei pela oficina de bicicletas do Wilson na cabeça da ponte e segui pedalando garboso a pesada bicicleta do Zezinho Gouveia, desviando de pessoas, de cavalos, de outras bicicletas e alguns poucos fuscas, gordinis e kombis de entrega, ora pelo passeio driblando as arvores, ora pela rua poeirenta.

Eu adorava bicicleta! Pedalar o dia inteiro pela cidade, ainda que carregando a pesada carga de vinte e oito quilos na ida e quinze na volta, era mais que um trabalho, era um prazer, uma diversão. Na época, Roberto Carlos já era ‘rei’ e a Jovem Guarda ainda era jovem, e quem mais vendia discos de duas e quatro músicas era o cantor goiano Odair Jose, o terror das empregadas… Era o ano de l973.

Já no começo daquela década, quando Simão Pedro Toledo começou transformar Pouso Alegre na mais progressista cidade do Sul de Minas, o velho Aterrado já era mal afamado. Não era qualquer um que se arriscava a atravessar o bairro. Até porque não tinha para onde ir! Depois da Curva do Japonês não existia cidade… Era só pasto. Só fazendas. A Refinações de Milho Brasil é que levaria a cidade para o sul.

… Mas demorei alguns anos para criar coragem!

Em 1969, quando comecei explorar Pouso Alegre com minha caixinha de picolés de uva, groselha, laranja, abacaxi e limão, Carlinhos Tigrinho, filho do patrão recomendou:

-Evite ir vender no Aterrado… Os moleques de lá te tomam os picolés e quebram sua caixa!

Pouso Alegre tinha 39 mil habitantes divididos em sete ou oito bairros, além do centro. Eu teria clientela suficiente nos bairros Cascalho, Primavera, Santo Antonio, Saúde, por perto de minha casa, sem ter que atravessar a ponte.

Três anos depois da advertência do filho do ‘seu’ Ferreira, fui estudar no Mons. Jose Paulino. Eu era ainda quase impúbere, mas além de estar atrasado nos estudos, precisava trabalhar durante o dia, portanto fui estudar à noite. Foi meu primeiro contato com os moradores do Aterrado. Todos mais velhos do que eu. Lembro-me de alguns… O Bernardino, o Luis Egidio, o Edesio… Lembro mais de ‘algumas’… A Geny, uma linda loira esguia de cabelos lisos, pele de pêssego… Devia ter uns 17 anos. Acho que era ‘Ferreira da Silva’, da família dos Coelhos. Não dava bola para ninguém. De vez em quando seu namorado, um rapaz forte e barbudo, motorista de caminhão vinha buscá-la na porta da escola. Depois da Geny, que não era para o meu bico, tinha a Lourdes… Essa sim eu poderia tentar, mas Francisco Carlos de Aquino, o “Flor” chegou na frente! Mas não se casaram. Eu só voltei a revê-la muitos anos depois no início dos anos 2000, na porta do velho Hotel da Silvestre Ferraz, quando ela foi visitar seu filho, o “Patinho”. Acho que ela não se lembrou de mim.

O convívio com os moradores do Aterrado no Grupo Escolar Mons. Jose Paulino e a estreita amizade com um colega de trabalho, me fez perder o medo do Aterrado e de sua gente. Fui percebendo que eram pessoas boas, normais, apesar de viver num bairro sem infraestrutura, sempre lavados três vezes por ano pelas enchentes. A mudança da família do Marcos Reolan de Castro, irmão do Tunga, do Cafado, do Bedeu, do “Dila” meu colega na sorveteria do Ferreira, todos amigos na Rua São Pedro, também contribuiu para acabar com minha fobia de Aterrado

Quando fui trabalhar na loja do Gouveia, conheci o Daniel. Ele era ‘desentupidor de fogão’. Morava no Aterrado, em frente a futura oficina do Celinho Xaxa. Fui algumas vezes à sua casa. Ser amigo de um morador do Aterrado acabou com meu medo de infância. Por isso risquei a avenida e ruelas do bairro com desenvoltura naquela manhã de meados de 73 com minha pesada bicicleta, como se estivesse no quintal de casa. Ainda bem que perdi o medo, porque meses depois chegaram as enchentes. Assim eu pude nadar no Rio Mandu no meio da garotada do Aterrado.

A ponte era o ‘point’ da juventude… O dia inteiro lotada de nadadores de rio. Piscina era coisa raríssima, coisa de rico! Cada vez que eu descia ao Aterrado para fazer uma entrega, encostava a bicicleta na oficina do Wilson e aproveitava para dar uns mergulhos. Trabalhava de bermuda e chinelos havaianas… Era só tirar a camiseta e disputar com os garotos quem saltava mais alto por sobre o parapeito da ponte! Era diversão gratuita para todas as classes sociais. Quando as águas baixavam, levava embora nossa alegria…

O inexorável tempo mudou meus hábitos, levou-me para o exército, mudou meu emprego, mudou o rio, mudou a ponte, mudou até a natureza… Já não temos enchentes como antigamente!… E nem garotos com aquela coragem!

Voltei a circular pelo velho Aterrado no início dos anos 80. Agora muito mais por suas vielas, que aumentara demais nos últimos dez anos. Já não ia levar gás de bicicleta… Ia buscar meliantes na brasilinha verde, na velha ‘barca’! Meliantes de todo tamanho, idade, peso e periculosidade. Vi muita coisa acontecer. Inclusive um colega de trabalho numa poça de lama com quatro tiros no rosto, em 83.

As lembranças do velho Aterrado, no entanto, são mais boas do que ruins. No final dos anos 80 até 92, o velho Aterrado tornou-se meu quintal de casa. Dirigindo a LEPA eu descia à vargem toda semana, seja acompanhando os jogos que eu promovia, seja participando deles com a camisa do Canarinho, do America, do Olaria, nos campos do antigo Madureira do Niquinho, do Santamaría do João cavalo, do Internacional do Zé Resende e Zé Nascimento, do Bangu do Boi, do Ditão. Hoje só resta o campo do Bangu.

No bairro que me causava pavor na minha infância eu agora realizava os mais ferrenhos clássicos do futebol amador de Pouso Alegre. Até finais de campeonatos, sem policiamento, com o campo cercado apenas por uma corda e às vezes nem isso, sem tumultos. Invasão de campo, apenas os cavalos mansos de carroça do octogenário Sr. Geraldo Eleutério, de vez em quando!

Cada bairro de Pouso Alegre tem uma origem. O N.S.Aparecida já chegou a ser chamado de Bairros dos Coutinhos. O Santo Antonio foi ‘colonizado’ pelos ‘imigrantes’ dos Afonsos, Cervo, Cantagalo. As pessoas que deixaram a zona rural do Pantâno, Cajuru, Anhumas, Imbuia se estabeleceram no Jardim Noronha, São João e Jardim Yara. O velho Aterrado acolheu os oriundos dos bairros do Sitio, Vitorino e Água Quente. Daí talvez a fama de bairro violento, devido à personalidade forte dos antigos moradores daquelas paragens do município de Silvianopolis. Não que fossem violentos, mas eram pessoas muito corretas, de estopim curto, que sempre levavam na cinta uma peixeira.  Como não eram bons de conversa, logo punham fim à discussão exibindo a ‘lapiana’. Eram pessoas que resolviam seus negócios na base do “fio do bigode”…

Os crimes que aconteciam no bairro há 40 anos, no entanto eram crimes de honra. As gerações mais novas desvirtuaram essa personalidade e o bairro ficou mal afamado. Com o crescimento da cidade e principalmente a proliferação das drogas a partir dos anos 90, o velho Aterrado ganhou status de bairro mais violento de P. Alegre. É o bairro que concentra a maior parte das “bocas de fumo” e “‘biqueiras” de drogas do tráfico “formiguinha” da cidade. A população decente, ordeira e trabalhadora do bairro, que naturalmente é a imensa maioria, é quem paga o pato.

Ah, velho Aterrado, como você cresceu! Antes era apenas a avenida empoeirada, ora estreita, ora larga e as travessas do Rolica, travessa Abrão, travessa do Bangu, travessa Cordeiro Olimpio, Rua Oscar Dantas, Padre Natalino, Aristeu Rios… Depois vieram as ruas Osvaldo Mendonça, Maria Porfiria de Abreu, Luis Prudenciano Alves, Roberto Ramos de Oliveira, João Sabino de Azevedo, Sapucaí, Antonio Pereira Sobrinho e outras tantas ruas e vielas. Agora até a Rua Nova ficou velha!!!

A Avenida Dique II à Oeste do bairro, que depois de uma década de imbróglio finalmente saiu do papel, deve contribuir entre outras coisas, para a melhora da qualidade de vida dos moradores do bairro São Geraldo.

Uma outra avenida à leste, partindo da perimetral, passando nos fundos da Rua Nova, lagoa da banana, desembocando atrás do Estádio Manduzão, levaria infraestrutura e melhoraria muito a vida do sofrido, porém orgulhoso, morador do Aterrado.

Em 2004 sugeri a construção dessa avenida e do Parque Administrativo da Prefeitura na ‘ilha da lagoa da banana’, concentrando ali todos os órgãos do poder executivo do município. Se o desenvolvimento chegasse àquela região da cidade, além de facilitar a vida dos moradores, tiraria o espaço dos meliantes que usam aquela área para ludibriar a policia. Seria muito mais fácil combater o tráfico formiguinha por ali.

A sugestão, no entanto, entrou por um ouvido e saiu pelo outro!

É apenas um sonho… Mas bem que o povo do sofrido Aterrado merece!”

Pouso Alegre, que já flertou com a coroa de ‘princesa do Sul de Minas’, brevemente será a maior cidade do sul do estado.  Quem sabe, nos próximos anos, a outrora garbosa Lagoa da Banana e seu entorno também ganhem roupagem nova e se transforme em Parque Administrativo.

Enquanto isso não acontece, viva Pouso Alegre e seus 173 anos de histórias e aventuras!

8 thoughts on “Pouso Alegre, meio século…

  1. Oi o Sr n faz mais aquelas matéria engraçada sobre a bandidagem pq?
    Sinto falta daquilo eu dava muita risada com suas escrita
    Fiko chato aki pq so posta coisa do livro
    O q houve pra vc parar? Foi ameaçado?
    Pq sempre venho aki ver se tem coisas atuais e nunca tem
    Acho q quem quer ler livro q o compre
    Sdd
    Tomara q volte

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