Um aviso do além!

O estranho telefonema evitou um acidente fatal!

O acidente aconteceu na ultima curva antes de chegar à Barraca do Sineval…

 

Numa morna tarde de inverno qualquer de 97, estava eu quieto no meu canto sentando uma testemunha ao piano no cartório da Delegacia de Silvianópolis, quando o telefone tocou. O único aparelho da DP ficava na recepção. Interrompi minha oitiva e fui até o balcão mas… perdi a pernada! Era um trote! Era um trote do “além”…

Tão logo grudei o aparelho na orelha a pessoa do outro lado começou a falar de maneira assustadora…

– “Vai acontecer um terrííííível acideeennnnteee”!…

A voz, entre infantil e feminina – e cavernosa – parecia estar vindo do fundo de um túmulo… ou de um filme de terror!

A princípio pensei na minha irmã Lucimar. Ela tinha o hábito de imitar voz macabra. Antes que eu fizesse a tradicional pergunta “quem está falando”? a pessoa – pessoa??? – desligou!…

E fiquei só com o cabo do guarda-chuva na mão! Quero dizer, com o aparelho mudo na mão.

Muito atarefado naquele dia – coisa rara para um policial na pacata Silvianópolis – voltei para o cartório e continuei minhas oitivas. Esqueci completamente o macabro … “recado”!

Por volta de seis e meia, já noite escura, fechei a DP, sentei atrás do volante do Fiat Uno GMG 5815 e peguei a estrada de volta para Pouso Alegre. Tão logo entrei na MG 179, lembrei do telefonema misterioso do início da tarde. Dois anos antes, numa destas viagens de volta para casa, no início da descida logo depois da curva do bananal, eu havia capotado meu escortinho cinza. Uma coisa ligou à outra… Ao lembrar do recado e do acidente com meu carro, tirei o pé do acelerador!

Por alguns quilômetros segui segurando firme no volante e pensando no estranho telefonema de horas antes…

Quem teria feito aquela brincadeira?

Por que a pessoa não continuou falando?

A única resposta que ouvi foi o ronco rouco do motor da surrada viatura policial cortando o silencio da estrada deserta. Esqueci novamente o incidente e voltei a conversar comigo mesmo, pensando apenas “na morte da cabritinha”. Passei pelo Santo Amaro, pela barraca deserta da “Donana”, dobrei a subida da pedra e comecei a descer as três curvas que desaguam na ‘Mina do Sineval’.

Quando me aproximei da última curva antes da mina, o ‘aviso macabro’ da tarde se materializou!!! De repente eu me vi diante do “terrrrriiiiiiveeelll acideeeennnte”!

No meio da curva, uma boiada inteira surgiu na minha frente!!!

Na verdade, uma ‘vacada’! Eram umas dez ou doze novilhas e vacas crioulas pretas e malhadas descendo a trote lento pela contramão da estrada!

Assustadas ou orientadas pelo farol da viatura, exatamente no meio da curva as ruminantes resolveram pegar o atalho! Com o QI próprio dos bovinos, as reses invadiram a pista e atravessaram a trote a pista de rolamento na minha frente…

Gritei, freiei, xinguei, chamei uns seis ou sete santos, dancei na pista, desviei o quanto pude, mas… a última não teve jeito!

Já saindo para o acostamento à minha direita, atropelei a retardada, desculpe, a retardatária!

Com o baque a novilha preta foi atirada no mato do acostamento, deu uma cambalhota, levantou-se, tentou engatar um trote atrás das outras, mas… as pernas bambearam! No terceiro passo desengonçado a pobre res capotou na beira da estrada e ali ficou estirada…

Em situação parecida ficou meu surrado Uno preto & branco, porém sobre as quatro rodas! Consegui evitar um acidente fatal, no entanto a viatura não mais se mexeu. Ficou ali, amassada, embicada, com o radiador furado, sangrando na beira da pista escura.

A viçosa e imprudente novilha crioula, com suas gordas e suculentas picanhas, não teve a mesma sorte. Uma hora depois de cruzar a trote o meu caminho, ela se despediu do mundo cruel. O mesmo guincheiro que rebocou o Uno inerte da PC para a oficina, sangrou a novilha que agonizava na beira da pista. Sangrou, esquartejou e levou para casa. Até onde eu soube, ele comeu churrasco por minha conta durante várias semanas!

Enquanto seguia de carona para Pouso Alegre, o telefonema cavernoso do meio da tarde voltou a bailar na minha memória. Graças ao ‘recado do além’ eu fiquei mais atento, tirei o pé, e consegui evitar o “terrrriiiiivveeelll acideeennnnte”!

O “Mestiço” da Rua do Queima

Vinte e sete anos de trabalho… e aventuras perigosas! O “Mestiço” faz parte delas…!

Aquela manhã de 06 de setembro era a quarta vez que Fidélio me recebia para o café da manhã – que, por causa da pressa, era servido sempre no quarto!

A primeira vez ele chegou a abrir a janela para pular, mas, vendo que cairia nos meus braços, preferiu ficar quietinho no cantinho da parede, atrás da janela.

Na segunda vez foi pego com a calça – literalmente – na mão tentando vesti-la…

Na terceira quem viveu alguns segundos de suspense e medo foi eu… Ao abrir a janelinha deparei com o quarto na penumbra, em silencio, quase arrumadinho. Sobre a cama havia dois vultos envoltos na coberta! Pensei com meus botões:

– “Será que é ‘pegadinha’”!?

Com o cano frio do trezoitão niquelado, coração batendo acelerado, em suspense, sem piscar, levantei lentamente o edredon e… Surpresa!!! Lá estava Fidelio! Encolhido, com cara de ressaca!…

Sem abrir a boca – ele era mesmo de pouca prosa, ainda mais quando subjugado! – deve ter praguejado: “PQP Chips, me dá sossego! Me deixa dormir em paz”…

Das vezes anteriores, embora não tenha tido tempo de saltar a janela e vazar pelos fundos do quintal para dobrar a serra do cajuru e se enfurnar na mata ciliar do Rio Sapucaí do outro lado da rua, ele pelo menos teve tempo de acordar… por causa do latido dos vira-latas! Eram três. Havia um pardo e um malhadinho, pequenos, que latiam ardido durante todo o tempo de nossas visitas, visitas que nunca passavam de dois ou três minutos. Nenhum deles nos faria mal. Mas havia um vira-latas de porte médio, mestiço, ‘fisionomia’ de Pitt Bull, pelagem de Pastor Alemão e biotipo de Pastor de Mallinóis, mais ou menos, que inspirava cuidados. Toda vez que eu pulava o muro amanhecendo o dia ele vinha me cumprimentar com a boca aberta exibindo seu melhor sorriso cheio de dentes alvos! Ele mostrava os dentes e eu mostrava o trabuco niquelado com seis azeitonas, e seguia avançando pela varanda rapidamente em direção à janela do último quarto da casinha amarela. Com um olho nele e outro na janela…

Agora estava eu ali novamente para a ultima “operação café da manha” da carreira policial. Cheguei com o motor do Palio já desligado e parei na frente da casa simples da Rua do Queima. O silencio era mortal. Tudo tinha que ser rápido e silencioso! Além do trinta e oito especial niquelado, cabo de madeira que eu levava com o dedo no gatilho eu contava com a mais poderosa das armas: a surpresa! Era necessário surpreender o meliante ainda nos braços de Morfeu! Saltei da viatura, fechei a porta sem bater, dei uma rápida espiadela pela greta do portão, subi no muro e saltei para dentro do quintal. Que azar!!!

Caí quase em cima do meu velho amigo de dentes alvos! Mestiço estava dormindo há pouco mais de um metro do muro! De repente eu me vi ali cara a cara com meu velho amigo de genética indefinida. Cara a cara mesmo!!!

Quando ele, com o susto e um grito, se pôs de pé, e eu me abaixei com a flexão das pernas para amortecer a queda do muro, nos vimos a poucos centímetros do focinho um do outro… Dava para sentir o hálito quente de dentes sem escovar um do outro!

Mestiço não sabia o que fazer. Durante um segundo ou dois ele ficou ali jogando saliva quente na minha cara, pensando se corria ou se me enchia de abraços e beijos ardentes… e rascantes!

A distância entre nós era mínima. Mais perto ainda da sua cara estava o cano frio do trezoitão niquelado… Para evitar que o segundo salto do mestiço fosse sobre mim, só havia uma coisa que eu podia fazer! E fiz!… apertei o gatilho do trezoitão!!!

 

Estes e outros fatos estão na crônica “O ultimo dia do policial, no meu segundo livro “Quem matou o suicida”  [email protected]

O Juiz e a Delegada…

       O imbróglio aconteceu por que a delegada de plantão não reconheceu a assinatura do Homem da Capa Preta no Alvará e se recusou a cumprir o ‘mandamus’!

“Quinze minutos depois um cidadão entrou no gabinete da delegada de plantão. Entrou sem bater. Tinha os poucos cabelos brancos em desalinho, usava camiseta verde, surrada, bermudão de moletom claro bastante jongolhó e chinelos tipo croc escuro – traje muito apropriado para sair na varanda no meio da noite para ver a lua cheia! – Parecia que havia acabado de sair da cama! Trazia na mão a mesma folha de papel que o advogado saíra levando minutos antes: era o mesmo ‘Alvará de Soltura’ manuscrito no restaurante nos primeiros minutos da madrugada – só estava, propositalmente, mais amassado!

O velho magistrado, do qual não se tem notícia de que algum dia tenha esboçado algum sorriso a alguém em seu gabinete ou em qualquer relação profissional, era puro siso. Sua carranca natural, agora acentuada pela insatisfação de ver sua ordem questionada obrigando-o a ir à delegacia àquela hora, inundou o gabinete da delegada.

O soldado que estava próximo à porta quase bateu continência! A escrivã, como a maioria dos policiais de baixo clero, que conhecia a figura, no mínimo soturna do Homem da Capa Preta, pareceu encolher atrás da tela do computador.

Até o ‘dimenor’, debochado e desafiador sentado diante da mesa da delegada, se encolheu e baixou os olhos. Sabia que a tempestade estava iminente…

Enfim, todos, se fossem tartarugas teriam se recolhidos em seus cascos. Melhor ainda se fossem tatu-bola… assim poderiam se enrolar no casco e rolar devagarinho para fora do gabinete.

Todos menos a delegada! Ela se manteve altiva e desafiadora!

Embora, de fato, não conhecesse o magistrado cuja assinatura aparecia no rodapé do manuscrito, sabia que estava diante dele!

Contrariando a lógica das lógicas, o juiz não foi à delegacia de polícia no meio da madrugada atestar pessoalmente a veracidade da própria assinatura e determinar a soltura do seu – até poucas horas antes – tutelado… Ele foi questionar a ousadia, digo, a ‘desobediência’ da delegada de plantão.

O diálogo travado nos minutos seguintes entre as duas autoridades, foi inenarrável. Não teve palavras de baixo calão, cacofônicas ou sequer pejorativas… Mas teve cobras, lagartos, lagartixas, aranhas e fel, muito fel! O diálogo não poderia ser mais inamistoso… e belicoso!

“Quem era aquela delegadinha de roça que não conhecia o grande e veterano magistrado e desobedecia a sua ordem? Quem era ela para questionar sua assinatura”?

“Quem era aquele senhor, quase em trajes íntimos, para invadir seu gabinete, durante um estafante e modorrento flagrante de inimputável, para impor sua… arrogância”?

Quem, dos corredores ouviu, curioso, ressabiado ou amedrontado, a conversa, garante ter ouvido ‘alto e bom som’:

– “Quem você pensa que é para invadir meu gabinete a essa hora”?

– “Você sabe com quem está falando?”

-“Posso prendê-la por desacato…” – teria ameaçado o magistrado.

-“… E quem vai cumprir a ordem”? – teria desafiado a delegada.

A troca de farpas & espinhos entre o Juiz e a delegada no gabinete a portas abertas retumbava nos corredores, livre, pesada e solta para quem quisesse ouvir… e se proteger das faíscas!

E a tensão aumentando… Prestes a pegar fogo!

O advogado – que ao ligar para o magistrado havia colocado uma boa dose de pimenta malagueta nos argumentos contra a delegada – mantinha certa distância do fogo cruzado, e já se arrependia do seu ato.

Sim… Nenhum dos dois abria mão de sua autoridade! Ou quem sabe dos seus egos! De suas teimosias…

O velho juiz, a mais alta autoridade judiciária na comarca, acostumado a ver delegados curvados à sua frente, além da sisudez de magistrado, levava na algibeira da bermuda jongolhó um pequeno trabuco.

A delegada tinha duas vantagens… Estava no seu habitat! E tinha uma .40 negra dentro do coldre pendurada na perna direita da calça operacional…

O duelo estava prestes a acontecer…

Quem sacaria primeiro?…

 

Para saber quem sacou primeiro, acesse:

[email protected]  E leia “O Juiz e a Delegada… Quem prende quem”?

“Os Fantasmas do Velho Hotel… “

Construída em 1932, a velha cadeia testemunhou infindáveis, maquiavélicas e fantasmagóricas histórias. Desativado em 2009, o carcomido prédio ainda abriga em seus sombrios corredores muitos… ‘fantasmas’!

“Pedro Louco” é um deles!

      Pedro Louco protagonizou um dos fatos mais marcantes da história do Velho Hotel da Silvestre Ferraz. O fato aconteceu nos idos de 1970, no tempo em que puxar cadeia ainda era vergonhoso, mas de certa forma era também bucólico, romântico e principalmente educativo!

     Pedro Louco não era bandido. Ao contrário, era um sujeito honesto, trabalhador e honrado. Honra daquelas que se lava com sangue. Certa vez um conhecido caminhoneiro, aproveitando sua ausência, passou uma ‘cantada’ na sua esposa, na borracharia onde ela o ajudava. Ao tomar conhecimento da ofensa, Pedro Louco pegou seu trabuco e foi atrás do caminhoneiro abusado. A honra foi lavada na subida da serra de Ipuiuna. Desde então Pedro Louco tornou-se hóspede do Velho Hotel da Silvestre Ferraz.

     Com menos de trinta hóspedes no velho hotel naquela década, gozando do privilégio de preso ‘cela livre’, após distribuir os ‘bandecos’ e varrer os corredores, Pedro Louco descia para a delegacia, onde também fazia limpeza. De lá, eventualmente, dobrava a esquina e se dirigia ao bar do Vaguinho Dorigatti na Com. Jose Garcia, para abraçar a estonteante “Severina do Popote”. Ia e voltava sempre acompanhado de um detetive… que também gostava do famigerado suco de gerereba com torresmo!

Numa tardinha fresca de 78, quando Pedro Louco saía do bar do Vaguinho ao lado de um detetive, um irmão do caminhoneiro se aproximou sorrateiro e, sem alarde, descarregou o trabuco na cabeça do borracheiro! A fumaça dos tiros entrou pelas narinas do detetive antes que ele esboçasse qualquer reação.

Cumprida a vingança pela morte do irmão, o assassino entregou a arma ainda fumegante ao detetive e foi ocupar o lugar de Pedro Louco no Velho Hotel da Silvestre Ferraz!

 

* Pedro Louco é apenas um dos “Fantasmas do Velho Hotel da Silvestre Ferraz”.

No livro “Quem matou o suicida” há muitos outros”!

… Mariana, mãe do nóia JC

 

(Imagem ilustrativa)

“De repente a campainha do telefone arrancou Mariana dos seus pensamentos. Levou um susto. Era tudo que esperava! Um telefonema, de algum lugar, com alguma notícia! Podia ser de qualquer lugar. Desde que fosse a respeito do filho. Da varanda até a estante onde estava o aparelho não gastou três segundos! Pegou o aparelho e o apertou junto à orelha…

– Aê dona, seguinte… Seu filho tá agarrado aqui no muquifo, cheio de pedra. Se você não pagar o que ele me deve dentro de uma hora, vou encher ele de furo, tá ligado?

– Como é que é? Não entendi… meu filho… – tentou argumentar Mariana, mas foi interrompida pelo interlocutor com a voz ainda mais tenebrosa e incisiva:

– Seguinte dona, ‘prestenção’ que só vou falar uma vez… Faz dois dias que o vacilão do seu filho está aqui na baixada queimando a pedra. Conheço ele. Sei que ele não para, não. O nóia tá me devendo trezentas pratas! Se essa grana não estiver aqui dentro de uma hora, vou fazer picadinho dele, tá entendendo?

Mariana sentiu um filete de gelo escorrer pela espinha. Na verdade, quando o traficante falou atabalhoado pela primeira vez, ela já havia entendido. Já ouvira aquelas ameaças e cobranças outras vezes. Era sempre o marido quem ia buscar o filho na sarjeta, mas era ela quem atendia o telefone. Não tinha trezentos reais na carteira. Aliás, há muito não deixava dinheiro na carteira! Enquanto ouvia as ameaças do traficante ia pensando no que fazer. Teve ímpetos de mandar o traficante catar coquinhos, de dizer que não estava nem aí para suas ameaças, que não importava mais com o filho. Teve vontade de simplesmente desligar o telefone e ver no que dava. Afastou o aparelho do ouvido, olhou para ele com desprezo e ódio e o depositou placidamente no gancho, sem dizer uma palavra. Sentou-se muda no sofá. Sentiu um certo torpor.

… Viu o menino franzino balbuciar desajeitadamente o ‘mãmã’ com pouco mais de um ano.

… Viu o filhinho com a roupinha humilde, mas limpa, acenando para ela na porta da escola no primeiro dia de aula.

… Ouviu a voz eufórica do filho falando dos novos amigos da escolinha… Viu o garoto adolescente, sorrateiro, tentando esconder o boletim escolar cheio de anotações em vermelho…

… Viu o menino sair de casa tantas vezes bem arrumado, usando bermuda, camiseta e tênis novos, perfumado…

… Viu o filho tantas vezes chegar a casa com a roupa suja, rasgada, as vezes a roupa nem era dele, fedendo, às vezes descalço.

… Viu o menino enfurnado no quarto, taciturno, arredio.

… Viu o menino tantas vezes entrar no carro com o pai, levando uma pequena mochila nas mãos, partir para mais uma clínica de recuperação.

… Viu o corpo do menino magro, ossudo, pele empalidecida num caixão tosco na funerária…

… Viu o aparelho telefônico vibrando na estante.

Demorou para ouvir o som do aparelho. Pegou-o e o levou lentamente ao ouvido, muda. Ouviu a mesma voz de antes…

– E aê, tia! Vai deixar o vacilão morrer aqui mermo?

Mariana continuou muda.

– Tá de sacanagem, né tia! Tá de sacanagem que não sabe o que vai acontecer com o seu nóia? – insistiu o traficante já mais exaltado. Escute – disse ele – vou te fazer um favor… Vou levar seu filho aí na porta da tua casa agora. Quando chegar aí quero minha grana. Se não estiver com as trezentas pratas na mão, furo seu garotão aí na sua porta, na sua frente, tá ligado?”

 

 

(Paulinho & Mariana, os pais do nóia JC /“Quem Matou o Suicida” – Airton Chips – primavera de 2020).

 

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Tensão na beira do rio

       Se soltasse a corda… morreria o filho! Se não soltasse, morreriam os dois!

“Popota retirou a cápsula vazia e colocou outra intacta no tambor. Girou, esticou o braço, apontou a arma para Renato e lentamente foi movendo o braço e o Taurus na direção de Mateus. A tensão aumentou. Seria mais uma cena de tortura… ou desta vez ele atiraria? – pensou Renato. De repente um novo estampido cortou o espaço espantando um ou outro sabiá que pousava nas frondosas mangueiras. A bala desta vez tinha um alvo. Um alvo indireto, mas tinha um alvo. Atingiu em cheio a perna esquerda traseira da cadeira. Sem uma das pernas a cadeira caiu de costas para trás. Só o impacto da bala talvez não fosse suficiente para derrubá-la do barranco. Mas no susto Mateus deu um salto para trás e caiu do barranco! Desta vez Renato estava acompanhando o alvo e não o movimento do dedo do bandido. Foi providencial! Quase com um só salto desesperado ele agarrou o filho pendurado no barranco! Enquanto tentava desesperadamente trazer a cadeira e o filho, amarrados, de volta, Popota lentamente substituiu o projétil deflagrado por outro, levantou-se do tosco toco, deu três passos adiante, apontou o Taurus para Renato e ordenou:

– Solte a cadeira!

A perna da cadeira não aguentou o peso e se quebrou. Num milésimo de segundo Renato conseguiu segurar a corda que prendia os pés do filho à madeira, mas ele desceu um pouco mais. Agora ele estava totalmente pendurado no barranco. Popota votou a ordenar:

– Solte a corda!

Renato podia sentir o calor do bandido a um metro apontando o revólver para ele. Olhou para baixo, para aquele poço sereno. Nem sinal de Tortuga que havia mergulhado ali minutos antes. Se o filho estivesse livre das amarras talvez tivesse alguma chance. No entanto, preso ao que restava da cadeira velha, teria morte lenta e desesperada se debatendo no fundo do rio, se ele soltasse. Se não soltasse… o bandido mataria os dois!

– Vou falar pela última vez – soou a voz, agora colérica, do psicopata.

Depois silencio total. O filho suspenso apenas pelo braço direito já pesava o dobro. Pode ouvir o leve ranger da mola do gatilho sendo pressionada para trás. Apesar da fé, contraiu os ouvidos para minimizar o estrondo. E o estrondo veio”…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113.

Geraldo… o ‘eremita’ de Corinto

     Há anos ele dorme numa caixa de papelão sob uma marquise e passa os dias nas imediações da sua ‘casa’!

Depois de ficar ao menos sete meses com o mesmo traje, de agosto para cá, ele já trocou de roupa três vezes!

Desde o dia em que mudei para meu novo endereço no São Luis, notei sua figura silenciosa e taciturna sob a marquise do deposito da transportadora. Ele estava sentado sobre um ‘puf’ de papelão e tinha ao lado, devidamente dobrados e empilhados, um tufo comprido de mais papelão. A princípio achei que ele fosse um dos funcionários da empresa, embora usasse uma roupa diferente dos demais. Podia ser um ‘chapa’, um daqueles serviçais contratados para serviços pesados esporádicos! A impressão se reforçou à noite, quando tornei a passar por ali e ele estava sentado no mesmo puf, fumando seu cigarrinho. Pensei com meus botões:

– “Além de chapa, ele deve fazer ‘bico’ de vigia do deposito”!

Nos dias seguintes, a caminho da escola, passei a nota-lo de manhãzinha mexendo nalguns cestos de lixo, dois quarteirões abaixo na mesma rua. Voltei a confabular com meus botões:

– “Ele deve morar no porão de uma dessas casas por aqui. Deve estar colocando o lixo para fora”!

Era começo de fevereiro, dias de chuva na região da Pampulha. Durante o dia, o sujeito desaparecia. No início da noite lá estava ele solitário, pitando novamente na porta da transportadora.

O período chuvoso durou pouco. São Pedro foi econômico na região em 2022. No meio de março as chuvas já haviam saído de férias. Bom para o meu personagem, que passou a circular de novo nas imediações… e se tornou mais visível.

Com a chegada precoce da seca, meu ‘observado’ passou a desfilar discreta e lentamente diante dos meus olhos todos os dias. Foi aí que eu me dei conta: ele não trabalhava no deposito da transportadora, nem de chapa e nem de vigia. Na verdade ele ‘mora’ ali na porta. Depois de espantar os pernilongos com a fumaça do seu cigarrinho, ele arma sua cama de papelão e dorme ainda noite criança… E se levanta com o cantar do galo do ‘seu’ Jorge, na outra ponta do quarteirão. A comprida caixa de papelão que serve de cama, serve também de canastra ou cômoda para guardar seus lençóis, travesseiros e cobertores. Desfaz a cama, dobra tudo, empilha num canto da porta da transportadora e vai para a lida.

Seus movimentos começam justamente na subida da rua, onde mexe num cesto de lixo aqui, outro acolá em busca do desjejum. Mas não tarda aparece alguém,  ainda de pijama, num portão com um pão e um copo de café. Mesmo saciado ele ainda busca alguma coisa nos cestos de lixo, pois, para o vício do tabaco não existe muitas almas bondosas.

O descanso da sua árdua labuta do dia a dia acontece no mesmo trecho onde ele toma o desjejum. Senta, fuma o cigarrinho, traça uma marmita, as vezes deita-se no chão forrado de papelão e assim passa boa parte do dia descansando na sombra das frondosas mangueiras ao lado de um grande muro sem construção. Sua rotina se resume a circular por ali, quase sempre na mesma rua em que ‘mora’. Como diria meu saudoso amigo, detetive ‘Pinguim’: “sem nem um passarinho para tratar”! Vida melhor não há.

À noite os papelões viram cama…

Mas, e a higiene pessoal, a troca de roupa…

Desde que concluí que meu vizinho é um morador de rua, passei a observá-lo mais atentamente. Não foi difícil perceber que ele usa sempre o mesmo traje. Calça de brim cor de cimento queimado, camisa de pequenas listras claras, boné de uma firma qualquer, botina de cano alto na cor da calça e, invariavelmente – faça chuva ou faça sol – uma jaqueta grande, caqui, pendendo também para o cimento verde. Parece quase um uniforme. De fevereiro, quando o conheci, até meados de agosto, ele trajou sempre o mesmo ‘conjunto’!

Sociabilidade?

Zero.

Das poucas vezes que passo por ele à pé ou pedalando, estendo-lhe o tradicional bom dia belorizontino. As vezes ele responde com um grunhido rouco, desatento ou medroso. Na maioria das vezes responde com o silencio. Até o momento não o vi trocar uma palavra com ninguém!

Outro dia, sensibilizado com a performance da pobre criatura, ao voltar de uma caminhada, resolvi investigar a vida do meu vizinho e, quem sabe, interferir na vida dele. Abordei seus vizinhos mais próximos: os funcionários da transportadora em cuja porta ele ‘mora’!

– Rapais, mexe c’ele não, sô! Seu Geraldo tá bem assim. Ele num precisa de nada não – disse o gerente da firma gastando seu peculiar belorizontez.

– Segundo os vizinhos, tem uns 15 anos que ele tá aqui no bairro. Só aqui na porta do deposito tem uns 3 anos que ele dorme. Desde que eu vim trabalhar aqui ele já dormia aí! – corroborou o auxiliar do gerente.

– Ele está com a mesma roupa desde fevereiro… – tentei esticar a conversa.

– Tá? A gente já se acostumou tanto que nem repara mais…

– E banho? Eu moro no fim da rua. Tenho banheiro externo… eu poderia…

– Ih moço, seu Geraldo não liga pra banho não sô. Eu tenho chuveiro aqui no deposito, para os funcionários… Já ofereci, mas ele não quis não. Um tempo atrás eu insisti muito pra ele tomar banho. Ele saiu resmungando e ficou vários dias sem aparecer aqui… – interpelou o gerente.

– E comida…

– Comida sobra. Tem dia que ele ganha umas três marmitas na mesma hora.

– Vocês têm informação sobre a procedência dele? Saúde mental…

– Parece que ele é de Corinto (norte de Minas). Ouvi dizer que ele tem até casa lá – informou o gerente.

– Além de comida e banho, sabem se alguém tentou tirá-lo da rua?

– Tempos atras o pessoal da Assistência Social esteve aí, queriam levar ele… Ele não quis não – respondeu o secretário.

Eu imaginava que minha investigação redundaria nisso.

São mais de 40 anos esbarrando na rua em pessoas com perfil parecido. Esbarrando e observando…

Das minhas observações, posso concluir que os moradores de rua hoje, pertencem a três grupos.

A – ‘Loucos de todo gênero’.

B – Desajustado familiar.

C – Egressos do sistema prisional.

Os loucos não têm noção de higiene, de vida organizada em grupo familiar ou grupo social e nem obrigações pessoais. Essa é uma condição natural. A pessoa já nasce com esse ‘dom’! E não tem conserto… só vai mudar quando parar de respirar!

O desajustado é aquele que, embora tenha conciência, discernimento dos seus direitos e deveres, ele não se sujeita as regras e obrigações no seio da família. Prefere viver na rua, sem dar satisfação a ninguém dos seus atos. Neste perfil se enquadram também as pessoas que desacorçoaram diante das dificuldades da vida – muitas vezes chefes de família já maduros – e foram pra a rua pra fugir dos problemas.

O terceiro e mais numeroso grupo, é o dos egressos do sistema prisional. Geralmente são pessoas que começaram cedo no crime. Não aprenderam a trabalhar. Acostumados com o ócio nas cadeias, não valorizam o trabalho. Some-se a isso a discriminação social pela condição de egresso da prisão, o que é natural. Afinal, em todo país subdesenvolvido, há milhares de pessoas com ficha limpa procurando emprego. Enfraquecidos pelo vício das drogas, pouquíssimos conseguem se inserir no mercado de trabalho. Quase a sua totalidade está nos semáforos das médias e grandes cidades fazendo malabarismos e tentando sujar os para-brisas dos carros que passam em troca de uma moeda. Não raro estão cometendo pequenos delitos para sobreviver.

Com o advento do Crack – a droga mais viciante e barata do mercado – em meados dos anos 90, os egressos do sistema prisional quintuplicaram nas duas últimas duas décadas… E não dá sinais de parar por aí! Portanto, não esperem que os semáforos se esvaziem!

Mas o que essa definição de morador de rua tem a ver com o nosso pacato Geraldo do bairro São Luís?

Nada. Até onde as investigações me conduziram, o ‘ermitão urbano’ de Corinto tem um único vicio: o tabaco. E ele não incomoda ninguém… Pelo contrário. Ele não quer nenhum tipo de relacionamento com ninguém. E se afasta de fininho para não ser incomodado!

Desisti de interferir na vida do Geraldo…

Mas não desisti de pensar nele!

É quase impossível mergulhar debaixo de um lençol limpo, cheiroso, numa cama macia, espaçosa e não lembrar de Deus…

… E não lembrar de Geraldo!

Procurado!

     Numa investigação policial, nenhum indicio pode ser descartado!

Seis da tarde na delegacia regional de polícia. O homem de meia idade, fisionomia séria, ligeiramente grisalho, parou diante da foto colada no mural na entrada da delegacia. “Desaparecido”, dizia a legenda em letras garrafais acima da foto. “Saiu de casa na quarta-feira com destino à Aparecida e não deu mais notícias”, dizia logo baixo do nome com outras informações.

– Alfredo, é você que está com aquele caso do mendigo carbonizado? – perguntou o grisalho ao detetive que conversava numa pequena rodinha ali na recepção.

– Sim Inspetor!

– Ele tinha uma mochila, não tinha? Traga-me essa mochila na inspetoria – ordenou.

– Inspetor… são seis horas. Acabou o expediente. Pode ser amanhã cedo? – disse o jovem detetive, com indisfarçável má vontade, olhando para o pulso.

A presunção do rapaz surpreendeu o velho inspetor. Velho na profissão, pois tinha quase trinta anos de trabalho e cabeleira grisalha, embora mal tivesse soprado cinquenta velinhas. Por isso pensou em responder à altura da sua autoridade, mas se conteve. Olhou para o relógio de pulseira marrom no braço e respondeu:

– Faltam trinta e cinco segundos para as dezoito horas. Coloque essa mochila na minha mesa antes das dezoito! – falou retirando o cartaz do quadro.

Os colegas de Alfredo que estavam conversando amenidades na rodinha olharam para ele e iam fazer alguma troça, mas Alfredo falou antes:

– Inspetor, eu joguei a mochila no latão de lixo ontem à tarde…

Se a espetada anterior do detetive batera no músculo, a estupidez bateu agora numa parte mais sensível do inspetor. Não era feitio do calejado policial questionar comportamento pessoal de seus subordinados fora das quatro paredes da inspetoria, mas dessa vez não podia ficar barato…

– Você jogou evidências de uma investigação policial, em andamento, no lixo? – questionou o inspetor frisando cada palavra.

– Era só uma mochila fedida de um mendigo, inspetor! – desafiou o detetive, tentando justificar a ‘varada n’água’. A emenda, no entanto, soou pior que o soneto. E o inspetor desafinou de vez a censura…

– Escuta jovem, onde você aprendeu que morte de mendigo não precisa ser esclarecida? Não foi na academia de polícia civil paulista, certamente. Você já terminou seu estágio probatório? – desta vez o novato não retrucou. E o inspetor completou:

– Você está com sorte… os lixeiros estão em greve! Ninguém recolheu o lixo na cidade nos últimos dias. Torça para que a mochila do suposto mendigo ainda esteja no latão de lixo. Você vai procurar sozinho ou precisa de ajuda? – Como não obteve resposta virou as costas dizendo:

– Estou esperando a mochila na minha sala.

Três minutos depois Alfredo entrou na sala do inspetor com a mochila na mão…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113. 

Os primeiros passos no crime…

Popota começou cedo a ‘caminhada’.

Imagem Ilustrativa

Aos treze anos, com uma camiseta na qual cabia quase dois dele, uma bermuda de moletom cortada sem costura pelas canelas, os pés sujinhos no chão, e uma latinha na mão, pedia moedinhas nos semáforos.

Quando conseguia ganhar alguns trocados e nenhum marmanjo lhe tomava antes de chegar em casa, entregava tudo à mãe… Era para comprar comida!

Quando o movimento nos semáforos estava ruim, ele saia pedindo pelas ruas. Foi aí que começou perceber que nas lojas e mercados, muitas vezes os lojistas estavam distraídos. Era fácil pegar um objeto ou outro e sair de fininho, sem ser percebido.

Com os pequenos furtos começou ganhar dinheiro além de migalhas. A primeira coisa que fez foi renovar seu ‘guarda-roupa’.

Aos quinze anos já desfilava de calça jeans, camiseta e tênis de marca. O boné, também de marca e de aba fina, dava o toque final. Intrujão para comprar seus ‘cabritos’ não faltavam. Só no seu bairro, sob a fachada de ‘brechó’ e outros objetos usados, havia uns três estabelecimentos que compravam qualquer coisa sem perguntar pela procedência… por um décimo do valor de mercado! Dois deles adotavam outra moeda de troca… ‘erva marvada’, pedra bege fedorenta ou farinha do capeta ao gosto do cliente! Essa moeda valia três vezes mais. Com isso o introdução ganhava duas vezes. Além de ganhar na aquisição de mercadoria barata, alimentava também sua biqueira e a clientela de drogas, pois os pequenos delinquentes vendiam dois terços da droga trocada por mercadoria surrupiada.

De ladrãozinho de lojas e aviãozinho do tráfico à assaltante de farmácias, postos de combustíveis e supermercados foi um pulinho… foi só seguir o inexorável passar dos dias.

No final da menoridade, ‘Popota’, o garoto pobre da baixada já era figurinha fácil no álbum da polícia. Conhecia todos os conselheiros tutelares da cidade, assistentes sociais, promotor e o juiz da infância e da juventude!… e até o lado interno de alguns ‘centros socioeducativos’! Nada disso, no entanto, o educou.

Duas semanas depois de completar dezoito anos enroscou-se nas malhas da lei. Caiu tentando roubar uma farmácia…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113. 

 

Flagrante!!!

A cena paralisou suas mãos!

Imagem ilustrativa

Apesar de a noite ser ainda uma criança, fazia muito frio na rua. Na penumbra do interior do carro, ligeiramente oculta pela sombra de uma arvore, Joana esperava pacientemente. Chegara no início da tarde à cidade. Tivera tempo de sobra para fazer sua investigação. Descobrira onde era o escritório, parte da rotina, dos horários e agora estava ali, a poucos metros da porta da casa de Paula. Segundo seus levantamentos ela saia do trabalho por volta das seis da tarde e antes de ir para casa passava no supermercado. Já eram mais de sete horas… estava demorando! De repente um carro diminuiu a velocidade, sinalizou e parou na frente do seu carro. Joana percebeu que era um homem ao volante. Sentiu o coração disparar! Esperou alguns segundos. A porta do passageiro se abriu e uma mulher protegida por um grande casaco bege saiu tentando equilibrar nos braços um pacote de papeis. Quando ela se virou para contornar a frente do carro, Joana pode ver com certeza: Era Paula! Um ligeiro frio percorreu sua espinha. Nesse instante a porta do motorista se abriu e um homem, que já mexia no banco traseiro, fez movimentos de descer. O coração de Joana bateu a duzentos por minuto. O homem saiu do carro de costas pra ela…

Era Renato?

O grande casaco escuro aumentava sua silhueta… O rapaz alto e corpulento, cabelos curtos… era Renato!!

Ele deu um passo em direção à Paula, recolheu os papeis das mãos dela, juntou os dois pacotes e atravessaram o passeio em direção ao portão da casa da jovem advogada. Joana tinha os olhos colados no casal.

Num instante ela abriu o portão, virou-se para o homem e deu-lhe um longo beijo apaixonado.

Joana ia saltar do carro para surpreender o casal, mas de repente ficou paralisada. A cena foi muito forte. Um misto de sentimentos a invadiu naquele momento. Queria não ter visto aquilo. Sentiu um certo asco! Por um segundo desviou os olhos.

Quando voltou a olhar para o casal, Joana já havia fechado o portão e Renato estava entrando no seu carro.

Era mesmo Renato! Estava mais magro e usava barba, coisa que não fazia há anos.

Enquanto pensava no que fazer, o motorista deu partida, deu seta e saiu do local. Joana pensou em seguir o carro de Renato, mas seus dedos travaram, grudaram no molho de chaves e ela não conseguiu dar partida.

Quando finalmente conseguiu virar a chave no orifício da ignição, o carro de Renato já virava a esquina.

“Foi melhor assim”, pensou Joana. “Eu não ia conseguir dirigir. Ia acabar batendo o carro”. Ficou longos minutos ali olhando a rua silenciosa e fria. Baixou um palmo o vidro do motorista para deixar entrar o ar frio da noite. Pareceu ouvir o barulho do chuveiro de Paula. Viu-a nua, esfregando o sabonete pelo corpo, cantarolando uma canção qualquer debaixo do chuveiro. Viu Renato alto, forte, ereto entrando nu no chuveiro… tentou desviar o ‘olhar’ e instintivamente sacudiu a cabeça, querendo se afastar da cena! Com isso Paula e Renato sumiram do banheiro, sumiram da sua imaginação!

Só então se deu conta de que estava ali há quase dez minutos desde que vira o carro de Renato virar a esquina.

Mas será que era mesmo Renato? De costas, era o mesmo porte físico. Alto, ombros largos… De frente os ombros largos mantinham o casaco aberto fazendo uma figura corpulenta, mas parecia mais magro… ou seria mais jovem e atlético? Mas era Renato. Tinha certeza. Ou será que não? Ou será que apenas seu subconsciente viu Renato ali se despedindo de Paula com aquele beijo apaixonado?

Pensou em descer do carro, tocar a campainha e ir falar com Paula. Dizer que havia descoberto seu romance com seu marido. Mas de que adiantaria? Poderia ter dito isso mais cedo no escritório dela! Ou até por telefone, sem sair de casa! Ela certamente negaria. “Eu tinha que ter abordado os dois abraçados no portão”, pensou Joana. “Pegá-los em flagrante… e ver que explicação ele daria para ter abandonado a família de maneira tão covarde. Ver que recado ele daria para seus filhos adolescentes que sempre o tiveram como herói”! Assim pensando Joana rumou para o hotel. Precisava sair da rua, ficar entre quatro paredes, sozinha, para extravasar sua revolta, sua mágoa, sua dor… Precisava esmurrar alguma coisa. Chorar, talvez. Sim. Precisava chorar. Chorar bastante, até esvaziar todos aqueles sentimentos confusos que pressionavam seu peito… e seu cérebro! Tudo que precisava agora era de quatro paredes… para esconder suas lágrimas!

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

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