O “Mestiço” da Rua do Queima

Vinte e sete anos de trabalho… e aventuras perigosas! O “Mestiço” faz parte delas…!

Aquela manhã de 06 de setembro era a quarta vez que Fidélio me recebia para o café da manhã – que, por causa da pressa, era servido sempre no quarto!

A primeira vez ele chegou a abrir a janela para pular, mas, vendo que cairia nos meus braços, preferiu ficar quietinho no cantinho da parede, atrás da janela.

Na segunda vez foi pego com a calça – literalmente – na mão tentando vesti-la…

Na terceira quem viveu alguns segundos de suspense e medo foi eu… Ao abrir a janelinha deparei com o quarto na penumbra, em silencio, quase arrumadinho. Sobre a cama havia dois vultos envoltos na coberta! Pensei com meus botões:

– “Será que é ‘pegadinha’”!?

Com o cano frio do trezoitão niquelado, coração batendo acelerado, em suspense, sem piscar, levantei lentamente o edredon e… Surpresa!!! Lá estava Fidelio! Encolhido, com cara de ressaca!…

Sem abrir a boca – ele era mesmo de pouca prosa, ainda mais quando subjugado! – deve ter praguejado: “PQP Chips, me dá sossego! Me deixa dormir em paz”…

Das vezes anteriores, embora não tenha tido tempo de saltar a janela e vazar pelos fundos do quintal para dobrar a serra do cajuru e se enfurnar na mata ciliar do Rio Sapucaí do outro lado da rua, ele pelo menos teve tempo de acordar… por causa do latido dos vira-latas! Eram três. Havia um pardo e um malhadinho, pequenos, que latiam ardido durante todo o tempo de nossas visitas, visitas que nunca passavam de dois ou três minutos. Nenhum deles nos faria mal. Mas havia um vira-latas de porte médio, mestiço, ‘fisionomia’ de Pitt Bull, pelagem de Pastor Alemão e biotipo de Pastor de Mallinóis, mais ou menos, que inspirava cuidados. Toda vez que eu pulava o muro amanhecendo o dia ele vinha me cumprimentar com a boca aberta exibindo seu melhor sorriso cheio de dentes alvos! Ele mostrava os dentes e eu mostrava o trabuco niquelado com seis azeitonas, e seguia avançando pela varanda rapidamente em direção à janela do último quarto da casinha amarela. Com um olho nele e outro na janela…

Agora estava eu ali novamente para a ultima “operação café da manha” da carreira policial. Cheguei com o motor do Palio já desligado e parei na frente da casa simples da Rua do Queima. O silencio era mortal. Tudo tinha que ser rápido e silencioso! Além do trinta e oito especial niquelado, cabo de madeira que eu levava com o dedo no gatilho eu contava com a mais poderosa das armas: a surpresa! Era necessário surpreender o meliante ainda nos braços de Morfeu! Saltei da viatura, fechei a porta sem bater, dei uma rápida espiadela pela greta do portão, subi no muro e saltei para dentro do quintal. Que azar!!!

Caí quase em cima do meu velho amigo de dentes alvos! Mestiço estava dormindo há pouco mais de um metro do muro! De repente eu me vi ali cara a cara com meu velho amigo de genética indefinida. Cara a cara mesmo!!!

Quando ele, com o susto e um grito, se pôs de pé, e eu me abaixei com a flexão das pernas para amortecer a queda do muro, nos vimos a poucos centímetros do focinho um do outro… Dava para sentir o hálito quente de dentes sem escovar um do outro!

Mestiço não sabia o que fazer. Durante um segundo ou dois ele ficou ali jogando saliva quente na minha cara, pensando se corria ou se me enchia de abraços e beijos ardentes… e rascantes!

A distância entre nós era mínima. Mais perto ainda da sua cara estava o cano frio do trezoitão niquelado… Para evitar que o segundo salto do mestiço fosse sobre mim, só havia uma coisa que eu podia fazer! E fiz!… apertei o gatilho do trezoitão!!!

 

Estes e outros fatos estão na crônica “O ultimo dia do policial, no meu segundo livro “Quem matou o suicida”  [email protected]

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