A Vendinha do “Vilino”

Deixou ‘rastros’ na minha terra.

Nasceu pequenina – uma porta e duas janelinhas – na beira da estrada. Viveu mais de quatro décadas… e morreu pequenina, na beira da estrada, com uma porta e duas janelinhas! Mas deixou histórias para contar…
Ao longo de mais de quarenta anos a vendinha do Vilino mudou três vezes de endereço, mas sempre na beira da estrada principal do bairro dos Coutinhos. A primeira foi construída entre a casa da “Lôrdes” e a casa do “Câindo”. Casinha de madeira com uma janelinha lateral, para que o vendeiro pudesse ver de longe quem se aproximava pela estrada poeirenta, outra janelinha para olhar quem passava em frente, e uma portinha no centro. No seu interior cabiam seis ou sete pessoas sentadas nos dois bancos, um grande e outro pequeno.
Ali se vendia pão com mortadela, guaraná Tubaína, paçoquinha, pirulitos e bala Chita de várias cores. O produto mais vendido, no entanto, razão de ser das vendinhas de roça, era… suco de gerereba! Tatuzinho, democrata, Moreninha, Amélia… de garrafa ou de garrafão. Por isso mesmo a vendinha não era socialmente bem-vista. Seus frequentadores ou eram jovens pouco afeitos às responsabilidades do dia seguinte, ou pouco afeitos aos hábitos caseiros. Ou então eram cidadãos menos sisudos, mais liberais…
Os conservadores não punham os pés na vendinha nem para buscar remédios! Se precisassem passar defronte a vendinha durante a noite, passavam do outro lado da estrada. Se por acaso estivessem usando lanterna, tocha de bambu ou tição de fogo para iluminar a estrada, apagavam, para não serem vistos e não ter que cumprimentar quem estivesse na janelinha da venda.
Além do secular suco de gerereba, descoberto casualmente pelos escravos de engenho séculos antes, a vendinha vendia também vinho suave e a tradicional loira gelada. A energia elétrica só chegaria ao bairro uma década e meia depois. Por isso, a cerveja era mantida em uma caixa de isopor em meio às pedras de gelo. O doce guaraná Tubaína e outros refrigerantes eram mantidos em contato com a terra, num buraco feito no barranco do lado de dentro da vendinha. Luz? Lampião à querosene!
Com raras exceções, a vendinha do Vilino foi um divisor social! Seus frequentadores quase sempre trabalhavam de camaradas para terceiros … Por isso mesmo, os conservadores, geralmente patrões, quando precisavam de um camarada para o dia seguinte, para a colheita ou plantio, para roçar pasto, para mutirão, etc… buscavam empregados – desocupados ou descompromissados – na vendinha do Vilino. A vendinha, única no bairro, era ‘ponto de encontro’ dos homens… servia de ‘agência’ de empregos. Servia também para se negociar excedente de produção agrícola, animais…
A segunda vendinha foi construída na curva da Porteira do Buraco, encostada no barranco da estrada, ao pé do terreno do ‘Tio Lilo’, duzentos metros distante da primeira. A venda cresceu. Ali cabiam sentadas encostadas na parede, quase dez pessoas. Por isso ganhou mais duas janelinhas, uma de frente para a estrada e outra na lateral. Alguns frequentadores vinham do bairro vizinho, o Canta Galo. Aos domingos, o entorno da vendinha ao pé do campo de futebol, fervia de gente. Ao lado da vendinha havia um banquinho – uma única tábua de madeira apoiada em três tocos fincados no chão – para acolher os frequentadores durante o dia. À noite não tinha utilidade, pois as pessoas não podiam ‘pegar’ sereno…
Quase tudo que vendia na sua pequenina vendinha, Vilino trazia do Bar do Nezinho em Congonhal. Inicialmente na garupa da sua bicicleta e depois no bagageiro do ônibus da Gardenia até o ‘ponto’ na beira do asfalto.
A terceira vendinha nasceu da necessidade de ‘barrar a concorrência’, já que estava localizada na beira do campo de futebol! Para isso Vilino comprou um bico de terreno do pretenso concorrente, a poucos metros da segunda, mais perto do ribeirão. Essa foi feita de alvenaria e abrigava até uma mesa de bilhar.
Vilino, desde pequeno trabalhava na roça. Por isso, excetuando os sábados e domingos, a vendinha abria sempre no finalzinho da tarde ou no crepúsculo, e fechava por volta de nove da noite. A rotina cansou o vendeiro. Depois de quase uma década na dupla atividade laborativa, Vilino vendeu a terceira vendinha para o “Tonho Dorvá”… e foi trabalhar na cidade.
A história da Vendinha do Vilino, no entanto, não se restringe à necessidade de ampliar a fonte de renda ou ao mero tino comercial. Vilino, que não se tem notícia de que tenha ostentado um único diploma escolar, era homem culto, politizado e bem informado. Ouvia diariamente, no seu radinho à pilha, “A Voz do Brasil” – programa popularmente tachado de enfadonho, no entanto mais barato, mais informativo e mais honesto do que qualquer outro programa radiofônico e ou televisivo hoje em dia.
Vilino era uma daquelas pessoas à frente do seu tempo. Ele queria propiciar informação às pessoas… ele queria estar em contato com as pessoas, ainda que fosse na sua singela vendinha de beira de estrada. Por isso, pouco tempo depois, retomou a antiga rotina. Agora, casado com ‘Marirene’, construiu sua vendinha no terreno do sogro Ovidio, na mesma curva da Porteira do Buraco, no lado oposto às duas vendinhas anteriores. Essa também, como mostram as fotos que ilustram essa crônica, era tão pequenina quanto as duas primeiras. Também tinha uma porta e duas janelinhas. E Vilino voltou a estreitar o convívio com os moradores do bairro… quase todos conterrâneos e parentes.
Da leitura dessa crônica se depreende que Vilino era um desses baixinhos tagarelas que vivem roubando a cena com causos pitorescos, piadas e palavrórios acima de cem decibéis … Ledo engano! Vilino era alto, forte, moreno e… calado. Roubava a cena sim, pois quando falava, todos se calavam para escutá-lo. Era o típico mineiro, daqueles que observam muito, que escutam muito, e só falam quando tem certeza… e só falam o suficiente!
Nos seus mais de quarenta anos de vendeiro, Vilino atendeu muitos clientes com garrucha de dois canos na algibeira; com faca na cinta; presenciou muito pé de briga; muita discussão, mas nenhuma delas passou das vias de fato. Quando ele intervia… os ânimos serenavam!
Durante décadas a pequenina Vendinha do Vilino viu na sua janelinha, nos seus banquinhos de madeira, homens sisudos… e homens hilários! Ouviu muitos casos… e causos! Ouviu muito riso… e também choro! Ouviu estórias… e histórias! Viu muitos meninos crescerem… e algumas pessoas partirem!
Avelino Augusto Coutinho, o ‘nosso’ Vilino, tocou sua vendinha de 1969 a 2011. Há poucos meses, aos 81 anos, ele voltou para os braços do Criador… Deixando rastros na minha terra!

Pouso Alegre, meio século…

… De aventuras e historias!

Cheguei a Pouso Alegre em 1969, ainda menino, de calça curta e pés no chão, com a franjinha do cabelo castanho caído na testa… Saí em 2020, com uma vasta cabeleira branca! Cresci com a cidade, nas ruas da cidade, vendo as ruas e avenidas invadindo pastos e fazendas e a população aumentando de 39 mil para 155 mil habitantes. Foram 51 anos de histórias, muitas histórias!

Dormi nas caixas de maçã, mas vivi os “Anos 70, a década de ouro da humanidade; nadei nos “Ribeirões da minha infância”; fiz bullying com o Rabo Verde; desvendei “O Mistério do Corpo Seco; fugi da guasca do lendário “Zorro da Zona Boemia”; contei “A verdadeira História do Beco do Crime”; fiz o velório do famigerado “Fernando da Gata”; fui vítima d“Os Fantasmas do Velho Hotel da Silvestre Ferraz; perdi o medo do velho Aterrado”… e pulei da velha ponte nas enchentes do Rio Mandu.

Estas histórias, vividas no último meio século, ou investigadas, estão nos meus livros “Meninos que vi crescer” e “Quem matou o suicida”.

“O velho Aterrado… E eu”, está no meu primeiro livro lançado em 2014.

“A primeira vez que atravessei a ponte sobre o velho e piscoso Mandu e adentrei o velho Aterrado, foi montado numa bicicleta Monark azul-escuro. Levava na frente da reforçada bicicleta de carga um botijão de gás. Até então eu só conhecia o lado norte do rio, aonde ia com o pai de uns amigos meus pescar mandis, piabas, tabaranas e lambaris debaixo da ponte do velho Mandu, onde hoje passa a polemica e bela avenida Perimetral.

Na ocasião o bairro já havia sido batizado com o nome do santo, mas continuava sendo chamado pelo apelido de nascença: Aterrado. Passei pela oficina de bicicletas do Wilson na cabeça da ponte e segui pedalando garboso a pesada bicicleta do Zezinho Gouveia, desviando de pessoas, de cavalos, de outras bicicletas e alguns poucos fuscas, gordinis e kombis de entrega, ora pelo passeio driblando as arvores, ora pela rua poeirenta.

Eu adorava bicicleta! Pedalar o dia inteiro pela cidade, ainda que carregando a pesada carga de vinte e oito quilos na ida e quinze na volta, era mais que um trabalho, era um prazer, uma diversão. Na época, Roberto Carlos já era ‘rei’ e a Jovem Guarda ainda era jovem, e quem mais vendia discos de duas e quatro músicas era o cantor goiano Odair Jose, o terror das empregadas… Era o ano de l973.

Já no começo daquela década, quando Simão Pedro Toledo começou transformar Pouso Alegre na mais progressista cidade do Sul de Minas, o velho Aterrado já era mal afamado. Não era qualquer um que se arriscava a atravessar o bairro. Até porque não tinha para onde ir! Depois da Curva do Japonês não existia cidade… Era só pasto. Só fazendas. A Refinações de Milho Brasil é que levaria a cidade para o sul.

… Mas demorei alguns anos para criar coragem!

Em 1969, quando comecei explorar Pouso Alegre com minha caixinha de picolés de uva, groselha, laranja, abacaxi e limão, Carlinhos Tigrinho, filho do patrão recomendou:

-Evite ir vender no Aterrado… Os moleques de lá te tomam os picolés e quebram sua caixa!

Pouso Alegre tinha 39 mil habitantes divididos em sete ou oito bairros, além do centro. Eu teria clientela suficiente nos bairros Cascalho, Primavera, Santo Antonio, Saúde, por perto de minha casa, sem ter que atravessar a ponte.

Três anos depois da advertência do filho do ‘seu’ Ferreira, fui estudar no Mons. Jose Paulino. Eu era ainda quase impúbere, mas além de estar atrasado nos estudos, precisava trabalhar durante o dia, portanto fui estudar à noite. Foi meu primeiro contato com os moradores do Aterrado. Todos mais velhos do que eu. Lembro-me de alguns… O Bernardino, o Luis Egidio, o Edesio… Lembro mais de ‘algumas’… A Geny, uma linda loira esguia de cabelos lisos, pele de pêssego… Devia ter uns 17 anos. Acho que era ‘Ferreira da Silva’, da família dos Coelhos. Não dava bola para ninguém. De vez em quando seu namorado, um rapaz forte e barbudo, motorista de caminhão vinha buscá-la na porta da escola. Depois da Geny, que não era para o meu bico, tinha a Lourdes… Essa sim eu poderia tentar, mas Francisco Carlos de Aquino, o “Flor” chegou na frente! Mas não se casaram. Eu só voltei a revê-la muitos anos depois no início dos anos 2000, na porta do velho Hotel da Silvestre Ferraz, quando ela foi visitar seu filho, o “Patinho”. Acho que ela não se lembrou de mim.

O convívio com os moradores do Aterrado no Grupo Escolar Mons. Jose Paulino e a estreita amizade com um colega de trabalho, me fez perder o medo do Aterrado e de sua gente. Fui percebendo que eram pessoas boas, normais, apesar de viver num bairro sem infraestrutura, sempre lavados três vezes por ano pelas enchentes. A mudança da família do Marcos Reolan de Castro, irmão do Tunga, do Cafado, do Bedeu, do “Dila” meu colega na sorveteria do Ferreira, todos amigos na Rua São Pedro, também contribuiu para acabar com minha fobia de Aterrado

Quando fui trabalhar na loja do Gouveia, conheci o Daniel. Ele era ‘desentupidor de fogão’. Morava no Aterrado, em frente a futura oficina do Celinho Xaxa. Fui algumas vezes à sua casa. Ser amigo de um morador do Aterrado acabou com meu medo de infância. Por isso risquei a avenida e ruelas do bairro com desenvoltura naquela manhã de meados de 73 com minha pesada bicicleta, como se estivesse no quintal de casa. Ainda bem que perdi o medo, porque meses depois chegaram as enchentes. Assim eu pude nadar no Rio Mandu no meio da garotada do Aterrado.

A ponte era o ‘point’ da juventude… O dia inteiro lotada de nadadores de rio. Piscina era coisa raríssima, coisa de rico! Cada vez que eu descia ao Aterrado para fazer uma entrega, encostava a bicicleta na oficina do Wilson e aproveitava para dar uns mergulhos. Trabalhava de bermuda e chinelos havaianas… Era só tirar a camiseta e disputar com os garotos quem saltava mais alto por sobre o parapeito da ponte! Era diversão gratuita para todas as classes sociais. Quando as águas baixavam, levava embora nossa alegria…

O inexorável tempo mudou meus hábitos, levou-me para o exército, mudou meu emprego, mudou o rio, mudou a ponte, mudou até a natureza… Já não temos enchentes como antigamente!… E nem garotos com aquela coragem!

Voltei a circular pelo velho Aterrado no início dos anos 80. Agora muito mais por suas vielas, que aumentara demais nos últimos dez anos. Já não ia levar gás de bicicleta… Ia buscar meliantes na brasilinha verde, na velha ‘barca’! Meliantes de todo tamanho, idade, peso e periculosidade. Vi muita coisa acontecer. Inclusive um colega de trabalho numa poça de lama com quatro tiros no rosto, em 83.

As lembranças do velho Aterrado, no entanto, são mais boas do que ruins. No final dos anos 80 até 92, o velho Aterrado tornou-se meu quintal de casa. Dirigindo a LEPA eu descia à vargem toda semana, seja acompanhando os jogos que eu promovia, seja participando deles com a camisa do Canarinho, do America, do Olaria, nos campos do antigo Madureira do Niquinho, do Santamaría do João cavalo, do Internacional do Zé Resende e Zé Nascimento, do Bangu do Boi, do Ditão. Hoje só resta o campo do Bangu.

No bairro que me causava pavor na minha infância eu agora realizava os mais ferrenhos clássicos do futebol amador de Pouso Alegre. Até finais de campeonatos, sem policiamento, com o campo cercado apenas por uma corda e às vezes nem isso, sem tumultos. Invasão de campo, apenas os cavalos mansos de carroça do octogenário Sr. Geraldo Eleutério, de vez em quando!

Cada bairro de Pouso Alegre tem uma origem. O N.S.Aparecida já chegou a ser chamado de Bairros dos Coutinhos. O Santo Antonio foi ‘colonizado’ pelos ‘imigrantes’ dos Afonsos, Cervo, Cantagalo. As pessoas que deixaram a zona rural do Pantâno, Cajuru, Anhumas, Imbuia se estabeleceram no Jardim Noronha, São João e Jardim Yara. O velho Aterrado acolheu os oriundos dos bairros do Sitio, Vitorino e Água Quente. Daí talvez a fama de bairro violento, devido à personalidade forte dos antigos moradores daquelas paragens do município de Silvianopolis. Não que fossem violentos, mas eram pessoas muito corretas, de estopim curto, que sempre levavam na cinta uma peixeira.  Como não eram bons de conversa, logo punham fim à discussão exibindo a ‘lapiana’. Eram pessoas que resolviam seus negócios na base do “fio do bigode”…

Os crimes que aconteciam no bairro há 40 anos, no entanto eram crimes de honra. As gerações mais novas desvirtuaram essa personalidade e o bairro ficou mal afamado. Com o crescimento da cidade e principalmente a proliferação das drogas a partir dos anos 90, o velho Aterrado ganhou status de bairro mais violento de P. Alegre. É o bairro que concentra a maior parte das “bocas de fumo” e “‘biqueiras” de drogas do tráfico “formiguinha” da cidade. A população decente, ordeira e trabalhadora do bairro, que naturalmente é a imensa maioria, é quem paga o pato.

Ah, velho Aterrado, como você cresceu! Antes era apenas a avenida empoeirada, ora estreita, ora larga e as travessas do Rolica, travessa Abrão, travessa do Bangu, travessa Cordeiro Olimpio, Rua Oscar Dantas, Padre Natalino, Aristeu Rios… Depois vieram as ruas Osvaldo Mendonça, Maria Porfiria de Abreu, Luis Prudenciano Alves, Roberto Ramos de Oliveira, João Sabino de Azevedo, Sapucaí, Antonio Pereira Sobrinho e outras tantas ruas e vielas. Agora até a Rua Nova ficou velha!!!

A Avenida Dique II à Oeste do bairro, que depois de uma década de imbróglio finalmente saiu do papel, deve contribuir entre outras coisas, para a melhora da qualidade de vida dos moradores do bairro São Geraldo.

Uma outra avenida à leste, partindo da perimetral, passando nos fundos da Rua Nova, lagoa da banana, desembocando atrás do Estádio Manduzão, levaria infraestrutura e melhoraria muito a vida do sofrido, porém orgulhoso, morador do Aterrado.

Em 2004 sugeri a construção dessa avenida e do Parque Administrativo da Prefeitura na ‘ilha da lagoa da banana’, concentrando ali todos os órgãos do poder executivo do município. Se o desenvolvimento chegasse àquela região da cidade, além de facilitar a vida dos moradores, tiraria o espaço dos meliantes que usam aquela área para ludibriar a policia. Seria muito mais fácil combater o tráfico formiguinha por ali.

A sugestão, no entanto, entrou por um ouvido e saiu pelo outro!

É apenas um sonho… Mas bem que o povo do sofrido Aterrado merece!”

Pouso Alegre, que já flertou com a coroa de ‘princesa do Sul de Minas’, brevemente será a maior cidade do sul do estado.  Quem sabe, nos próximos anos, a outrora garbosa Lagoa da Banana e seu entorno também ganhem roupagem nova e se transforme em Parque Administrativo.

Enquanto isso não acontece, viva Pouso Alegre e seus 173 anos de histórias e aventuras!

Ontem foi o dia dela… da ‘marvada’ cachaça!

‘Severina do Popote’ está completando quase quinhentos anos!

Produzida no Brasil desde que o país era criança em fraldas, – 1530 – a cachaça é a única bebida genuinamente brasileira! E desde aquela época, sempre teve vocação para estrela… tornou-se símbolo da resistência ao colonialismo de Portugal. Mais tarde no Império, virou símbolo da Independência do Brasil. Hoje é vedete em Bruxelas!

Ao longo da sua história, a cachaça passou por vários status sociais. Dos escravos, aos senhores de engenho; do proletariado, à burguesia; do balcão dos botecos, às reuniões de família!

Apreciada pela elite dominante do século dezenove, a cachacinha brasileira frequentou e desfilou bela e faceira pelo palácio real enquanto ele resistiu. Mas perdeu o trono… Com a Proclamação da República em 1889, perdeu duplamente a nobreza! A partir de então, chic era beber vinho, champanhe e whisky importados. E a velha cachacinha virou “bebida de pobre”, vendida e consumida em balcões de botecos!…

E assim ficou marginalizada durante quase um século!

A partir de 1980 a bebida feita do caldo destilado de cana, começou a dar a volta por cima, começou a reconquistar seu espaço. Hoje só no município de Salinas, no nordeste de Minas, existe cerca de 60 alambiques. Todos tentando seguir os passos da septuagenária conterrânea Havana, que não se encontra em lugar nenhum a menos de R$ 550 a garrafa. Se estiver numa prateleira de boteco, com o rotulo antigo, encardido e empoeirado há várias décadas, ninguém leva para casa por menos de oito mil reais!

Em 1995, com a estabilização do Real, aposentados e pessoas que tinham uma reserva na Poupança, sacaram as economias e foram buscar “Seleta” e “Lua Cheia” em Salinas, para vender no Sul de Minas a R$ 4 a garrafa de 600ml. Na ocasião, as tradicionais “Velho Barreiro”,  “51”, Amélia ou Democrata, custavam cerca de R$1,70 o litro! Hoje a mesma Lua Cheia custa no mercado em média R$ 80. E nem desfila entre as estrelas!

A famosa Havana, de historia controversa, a qual chegou a ser usada como moeda para pagamento semanal dos funcionários do alambique do velho Anísio Santiago, ainda joga no teatro de elite. No entanto, tem que dividir o palco com outras tantas cachacinhas que surgiram depois e investiram em qualidade e marketing. Várias delas produzidas em solos gaúcho e catarinense.

A guinada na performance da cachaça foi o armazenamento da bebida em barris de madeira. Além do acentuado sabor do Carvalho, da Umburana, do Ipê, do Balsamo… a madeira dá cor e sabor especial à bebida.

O preço médio de uma boa cachaça ouro, envelhecida cinco anos em barris de madeira, oscila em torno de R$200. – O mesmo preço de um whisky importado, da mesma idade.

Nossa cachacinha mudou a cor, mudou a qualidade, mudou o preço e mudou o jeito de beber! Não se bebe mais cachaça em copos lavrados. A cachacinha brasileira agora é servida em mini copos e até em taças de cristal! Não se bebe mais para ficar ‘tonto’. Bebe-se para relaxar!

Desde 1999 a tradicional bebida destilada brasileira, descoberta casualmente pelos escravos de engenho, tem desfilado bela e formosa nos salões dos concursos de Bruxelas na Europa e arrebatado dezenas de medalhas.

Se o consumo da ‘marvada’ se expandiu, a produção também ultrapassou as fronteiras estaduais e se espalhou Brasil afora. É raro encontrar um município brasileiro que não possua ao menos um alambique artesanal.

Ontem, 13 de setembro, foi o Dia Nacional da Cachaça! Coincidentemente a data ‘caiu’ numa segunda-feira, meu ‘dia nacional de abstinência’! – Não que eu beba todo dia, mas na segunda-feira, destilado ou fermentado, não bebo nem para remédio!

No entanto, curioso e apreciador de uma boa cachacinha, eu não poderia deixar de prestar uma singela homenagem à nossa bebida nacional, à nossa fogosa e estonteante “Severina do Popote”!

Policia Civil fecha a ‘Kasa 51’ em Pouso Alegre

A boate era usada para lavagem de dinheiro do tráfico de drogas.

A operação desencadeada na manhã desta segunda-feira, 30, prendeu dois envolvidos e apreendeu carros de luxo, incluindo um Range Rover Evoque, um Mercedes e um Jaguar. Os bens adquiridos, segundo a investigação, com dinheiro ilícito, são avaliados em mais de cinco milhões de reais. Mas é apenas a aponta do iceberg do que possui a quadrilha, avalia o delegado responsável pela operação.

A investigação do DEOESP da capital, começou há cerca de um ano, quando a policia paulista informou a polícia mineira acerca das atividades criminosas de Joao Vitor Albieiro e de sua esposa Nathalia Alessandra, signatários de dois mandados de prisão em São Paulo e Santa Catarina. Naquela ocasião, ao perceberem a polícia paulista fungando nos seus cangotes, João Vitor e a esposa dobraram a serra do cajuru e foram comer pão de queijo em Belo Horizonte. Abaixada a poeira, João Vitor e Nathalia desceram para o Sul de Minas, onde ele se apresentou à sociedade local como empresário.

Na progressista cidade sul mineira, uma das melhores do país para se empreender, João Vitor adotou novo nome: Jonathas, e adquiriu a boate ‘Kaza 51’, no centro da cidade. Mas foi o cheiro de peixe que atraiu a atenção e levou os homens da lei da capital mineira para o sul de minas… a “Big Shark”, loja montada pelo traficante para lavar dinheiro do tráfico – aliás, nome muito sugestivo!

De fato, João Vitor não é “peixe pequeno”! O moço de apenas 28 anos, é figurinha fácil no álbum da polícia interestadual. Foi preso em 2016 por roubo, processado em Santa Catarina em 2018 por tráfico. Segundo a investigação ora em curso, sua quadrilha tem ramificações no estado do Amazonas, por onde entra parte das remessas de drogas que são distribuídas por ele em São Paulo e Minas.

Durante a investigação, Rubens, um dos supostos membros da quadrilha, foi preso ainda no estado do Pará transportando uma tonelada de ‘erva marvada’.

Ainda segundo o delegado Thiago Machado, João Vitor Albieiro levava vida de nababo em Pouso Alegre. Vivia em um condomínio de alto padrão e circulava no meio social se passando por empresário e desfilando em carros de luxo! No entanto, para evitar holofotes da polícia, os bens estão registrados quase todos em nome de laranjas e de familiares, inclusive a sogra e avó da esposa, as quais respondem pelo crime de lavagem de dinheiro. Segundo a investigação, tais bens, atribuídos ao falso empresário do ramo noturno e de ‘tubarão grande’, estão espalhados por Cabreúva, Itupeva, Jundiaí, Bertioga, todos no estado de São Paulo, e agora Pouso Alegre-MG.

Dos 09 mandados de prisão, cinco investigados receberam as pulseiras de prata da lei. Dois deles – Fábio Camilo e Rafael Pessoa Romano – presos em Pouso Alegre, foram se hospedar no Hotel do Juquinha.

João Vitor, a esposa Nathalia e Julio, o braço direito do bando, conseguiram dobrar a serra do cajuru!

A demora da justiça em analisar e expedir os respectivos ‘mandamus’ solicitados pelo paladino da lei, acabou dando refresco para o traficante e parte do seu bando. João Vitor e a esposa Nathalia Alessandra e o corretor de imóveis e braço direito do bando, Julio Marangoni, mais uma vez conseguiram dobrar a serra do cajuru… mas a batata está assando pra eles!

 

Tereza Vanilda quer ouvir sua voz!

Mas não consegue… A Covid afetou sua audição!

Você pode ajudá-la a ouvir novamente!

      A sra. Tereza Vanilda,56 anos, moradora da rua Padre Natalino na Baixada do Mandú, é mais uma das milhares de pessoas que contraíram covid19 em Pouso Alegre. No dia 08 de abril ela foi internada no HRSL com o bichinho chinês. Chegou a ser entubada e durante mais de 50 dias lutou pela vida. E venceu! No dia 30 de julho ela teve alta hospitalar e voltou para casa.

Mas ficou com sequelas.

Saiu debilitada do hospital, está acamada e precisa de cuidados especiais. Embora tenha sobrevivido, Tereza teve, além da dificuldade de locomoção, uma perda significativa da audição. Agora ela depende de um aparelho auditivo para ouvir sua voz! O custo do aparelho, para ela, é alto… R$ 7.000.

A família fez uma “Vaquinha virtual” para arrecadar essa quantia.

Eu não conheço a Tereza Vanilda, mas conheço seu vizinho Henrique Claro, do qual recebi esse pedido. E confio nele.

Se você puder ajudar essa guerreira a ouvir novamente, tenha certeza que Deus irá ‘ouvir’ sua generosidade!

Deus te abençoe!

OBS:  O site da vaquinha não permite depósitos inferiores a R$25,00. Portanto, caso você queira ajudar com qualquer valor abaixo de R$25,00, poderá fazê-lo através do PIX: 07606430675, que irá direto para a conta do Leônidas, filho dela. 

 

Sequestro no Bairro dos Fernandes!

Duda foi sequestrada por um gato?

O bichano mal-intencionado entrou na residência e, quando a dona da casa abriu a porta para expulsá-lo, Duda se assustou e foi embora com ele!

O imbróglio aconteceu nesta segunda feira, 09, no bairro Recanto dos Fernandes em Pouso Alegre.

Leidy Almeida, tutora da Duda, está desesperada.

– “Ela foi criada dentro de casa! Nunca saiu na rua”! – diz Leidy.

A tutora da bela e manhosa Duda está pagando até recompensa para quem souber o paradeiro e devolver sua gata!

Quem tem um pet como companhia, sabe o valor que ele tem para seu humano!

Ajude a Duda a voltar para casa!

Thomas Green Morton… um paranormal bem normal!

      Nosso terceiro e último encontro foi na sua casa. Não fui convidado. Fui de bicão… e levei comigo 15 detetives! Missão: procurar uma espingarda calibre 12!

A primeira vez que eu o vi – ao vivo e à cores… e perfumado! – foi na recepção da delegacia de polícia de Pouso Alegre, em 98, no auge da fama. Passou por mim, deu um leve tapa no balcão, como se fosse um velho funcionário, e seguiu direto para o gabinete do delegado regional. Entrou sem bater e sem ser anunciado. Seu perfume entrou alguns segundos antes dele na DP e não conseguiu acompanhá-lo… Ficou perdido durante horas flutuando pelos corredores!

Assim era Thomas Green Morton de Souza Coutinho – meu primo distante. Não precisava ser anunciado… seu perfume o precedia! Não precisava bater… as portas – dos amigos graúdos! – estavam sempre abertas! E deixava um rastro por onde passava!

Esse foi nosso primeiro encontro. Aliás, ‘meu’ primeiro encontro, pois ele passou por mim como se eu não existisse!

Nosso segundo encontro também foi unilateral, só eu o vi! Mas desta vez foi bem menos glamouroso. Foi às cinco horas de uma manhã gelada de 2002. Eu estava tirando um cochilo no CPD da delegacia, repartição na qual eu trabalhava durante a semana, quando meu parceiro de plantão me chamou para auxiliá-lo, pois havia ‘conduzidos’! Na verdade, era apenas um conduzido: Thomas Green Morton. Ele estava sentado no frio e liso banco de madeira da DP e não me cumprimentou com o tradicional braço direito levantado e o famoso “Rá” que o tornou famoso. E nem poderia. É que ele estava amarrado… amarrado num pé de cana! Mamadiiiinho, mamadiiiiinho! E foi justamente o suco de gerereba que o levou para a delegacia no final da madrugada. Mas não foi por embriaguez ao volante… Foi por homicídio culposo ao volante. Depois de passar boa parte da madrugada abraçado com ‘Severina do Popote’ na danceteria Maracanã, Thomas abraçou o volante do seu Troller e tentou voltar para seu sítio no bairro caiçara, do outro lado da cidade. Não foi longe! Na saída da Três Corações, a pouco mais de duzentos metros da danceteria, ele entrou na Augusto Gomes de Medela como se a avenida fosse só dele, como se não houvesse amanhã! E não houve mesmo, ao menos para uma pessoa! Um pobre padeiro passava por ali naquela fria manhã a caminho do trabalho. O choque foi inevitável. A morte foi instantânea.

Demorei para reconhecer o “guru das estrelas” ali no banco da DP. Ele usava seu traje característico: coturno preto, calça preta, camisa escura, blusão de couro preto, cordões, correntes e os longos e espandongados cabelos pretos. Mas estava só. Tão só quanto um mortal comum. Não havia nenhuma estrela da música ou de novela com ele. Parecia sonolento, parecia desacorçoado, parecia embriagado, parecia um paranormal… normal!

Nosso terceiro e último encontro se deu pouco tempo depois, na sua casa no Caiçara em Pouso Alegre. Não fui convidado. Fui de bicão… e levei comigo 15 detetives! Missão: procurar uma espingarda calibre 12!

Thomas ficou famoso por desentortar garfos, fazer brotar perfume da palma da mão e curar doenças, qualquer doença, especialmente de pessoas famosas e endinheiradas. Apesar de todo esse dom para grandes obras e causas – remuneradas em dólares – Thomas tinha dificuldade para lidar com coisas pequenas… inclusive para ‘política de boa vizinhança’! Seu vizinho do lado de cima de sua chácara no Caiçara que o diga. O tiro disparado da estrada defronte derrubou quase três metros de muro! Minha visita naquela manhã ensolarada era para apreender a destruidora calibre 12.

Algumas peculiaridades no cumprimento daquele inusitado Mandado de Busca e Apreensão na chácara do Homem do Rá, tanto tempo depois, continuam latentes! A primeira foi a recepção do seu caseiro. Quando informei o propósito da ‘visita’ ele disse:

– “Ah, tá… o Thomas acorda sempre ao meio-dia. Podem esperar aí fora que a hora que ele acordar eu chamo vocês”!

Acho que o caseiro não me conhecia, rsrsrsrs…

Eram quase dez da manhã. Empurrei delicadamente o portão e entramos. Dividi o grupo de dezesseis em quatro e cada um mirou um alvo. Fui com meu grupo para a casa principal, o palácio, onde o ‘príncipe adormecido’ desfrutava das caricias de Morfeu! Na varanda sul do ‘palácio real’ havia um extenso mural donde se podia avaliar as amizades e influência do ‘guru’ – metros e metros de fotografias com pessoas importantes, dentre elas, juízes, delegados, promotores, políticos e, claro, artistas famosos! Entre as fotografias, que hoje seriam selfies com o paranormal, estavam o do homem da capa preta que assinou o mandado de busca e apreensão e a do ‘manjura’ que me passou a missão de encontrar a cartucheira! Missão ingrata e infrutífera. Durante quase duas horas varremos cada centímetro da chácara do guru… e não encontramos a malfadada arma que derrubou o muro do vizinho e chamuscou seu topete!

Dizem as más línguas, que tão logo saí da delegacia com minha mega equipe, o mesmo delegado responsável pelo IP ligou para o investigado e avisou:

– Bom dia meu amigo… estou mandando uma equipe aí na sua casa para procurar a tal espingarda. É ordem do juiz, sabe como é né … Mas fique tranquilo. É só uma formalidade – teria dito ele quase pedindo desculpas pelo incomodo.

Despertado com o burburinho da nossa respeitosa presença, Thomas ‘Rá’ Green Morton deixou sua alcova real e juntou modorrentamente a nós, em trajes de quatro paredes, protegido por um singelo roupão. Não parecia aborrecido e nem surpreso. O que chamou a atenção, no entanto, não foi sua indiferença àquela invasão legal! O que todos nós percebemos e sentimos, aliás, não sentimos foi seu cheiro! Ele não exalava seu tradicional perfume que inunda todo lugar espaço que ocupa! Parecia um paranormal… bem normal!

Desmascarado pela ‘Vênus Venenosa’ em seu programa domingueiro em 2002, O Homem do Rá saiu de cena. Passou anos longe dos holofotes, numa chácara no município de Capitólio, região do Lago de Furnas. Foi lá que ele foi preso em 2010 por conta do homicídio culposo do padeiro na saída da danceteria quase dez anos antes.

Longe dos holofotes, mas sem desprezar seus dons recebidos dos céus em forma de raio durante uma pescaria em dia chuvoso no bairro Faisqueira em 1959. Sem alarde ele continua vendendo ‘curas sensitivas’ as quais nem sempre é possível entregar. Enredado em suposto crime de cárcere privado em Pouso Alegre na semana passada, Thomas recebeu as pulseiras de prata e foi sentar-se ao piano do paladino da lei na DP. Ele é bom com garfos… as pulseiras de prata ele não conseguiu entortar!

Desta vez – sem os amigos das ‘selfies’ para avisá-lo das buscas – os homens da lei conseguiram encontrar armas na sua casa. No entanto, as características das armas comportam fiança – dentro da lei -, por isso Thomas responderá a mais um processo em liberdade!

Enfim… Thomas Green Morton continua sendo um paranormal… bem normal!

A advogada e o “Crime da Mala”

     Dois dias depois de matar sua benfeitora, o assassino voltou ao local do crime, colocou o corpo na mala e jogou na beira do rio!

Filho de família simples, correta e ordeira do interior de Minas, Ed, 38 anos, tornou-se  ovelha negra…

     A noite quente de final de janeiro de 2018 era ainda criança quando o rapaz levantou-se do chão e se atirou no sofá. Estava ofegante. Acabara de fazer muito esforço físico. A coroa dera mais trabalho do que ele esperava. Mas agora estava ali, estendida aos seu pés no tapete da sala. Depois de recuperar o fôlego, reclamou com a mulher:

– “Não precisava nada disso! Custava ter me dado cinquenta reais?” – disse ele fingindo censura.

A mulher continuou muda, imóvel, estendida no chão. E jamais responderia! Jamais se moveria! O único membro que ela moveria seria o dedo polegar… dali a quarenta e oito! Mas só moveria diante de um tosco alicate… pois estava morta, completamente morta! O fio de carregador de celular que obstruíra a passagem de oxigênio pela garganta ainda estava envolto no seu pescoço. O assassino havia enlaçado e mantido o fio em volta do pescoço dela até que ela parasse de respirar. A carteira dela, objeto da luta curta e desigual, estava jogada a um canto da sala. Indiferente ao corpo ainda quente estendido no chão, o rapaz se levantou do sofá e vasculhou freneticamente a carteira.

– “Que droga! Não tem dinheiro! Só papeis e cartões de banco”! – praguejou ele.

Despejou todo o conteúdo da carteira sobre o sofá… precisava encontrar a senha do cartão. Antes de revirar o quarto e outros possíveis locais da casa onde a advogada poderia esconder seu dinheiro, o assassino deu um pequeno empurrão com o pé, no ombro ela, para ter certeza de que ela estava morta. O corpo ainda morno e flácido apenas balançou como uma gelatina, mas continuou inerte. Durante meia hora o assassino revirou a casa da advogada em busca de dinheiro. Mas nada encontrou. Sentou-se desacorçoado outra vez no sofá da sala e olhou com raiva para o cadáver à sua frente. Soltou uma praga qualquer.

– “Toda velha que mora sozinha guarda dinheiro em casa… onde está o dinheiro? Agora não serve de nada pra você”! – pensou alto o assassino de ocasião.

O corpo continuou inerte e mudo no chão morno da sala. Apesar das morte rápida, abrupta e violenta causada pela asfixia, seu rosto estava sereno. Excetuando os longos cabelos ruivos revoltos durante a luta desesperada pela vida, o cadáver da advogada estava bem apresentável. O assassino teve pena. Arrumou-lhe uma mecha de cabelo que cobria parcialmente seu rosto e ficou por uns instantes a contemplá-la. Lembrou-se das outras vezes que batera na porta da sua casa nos últimos meses. A primeira foi para pedir comida – ganhou um pacote de macarrão e um litro de óleo. A segunda vez ofereceu para carpir o quintal da advogada. Enquanto carpia, a mulher ficou na janela conversando com ele, ouvindo – a parte sem censura das – suas histórias de vida. Naquele dia ganhou cinquenta reais. Mais do que isso, ganhou a confiança da mulher, confiança para abrir-lhe a porta naquele início de noite e dar-lhe um prato de comida.

Era a quinta vez que voltava à casa de Luzia em busca de pequenos adjutórios, a primeira no período noturno. Não tivera escolha. Uma hora atrás pedalava sua bicicleta velha, desalentado, feito barata tonta nas cercanias da Avenida Perimetral. Sentia uma angústia que não sabia de onde vinha – na verdade sabia. O peito doía, o estômago doía, a cabeça doía…  Só havia um remédio… uma pedra! Precisava urgentemente de uma pedra… uma pedra bege fedorenta! Para isso ele precisava de ‘derreal’! Mas ele não tinha dez reais na algibeira da bermuda. Poderia fazer uma troca na biqueira. Mas o que daria em troca? Ele só tinha a bicicleta velha. Rodou várias biqueiras da baixada do Mandu e ninguém quis pegar a magrela… ela não valia uma pedra! Foi aí que ele se lembrou da ‘tia boazinha’…

Apesar de a noite ainda ser uma criança, Luzia o atendeu ressabiada. No entanto, após ouvir suas chorumelas – entre elas, que não havia feito sequer uma refeição naquele dia – ela abriu a porta e o deixou entrar. O atrito começou quando ele pediu e insistiu em dinheiro. Temerosa, percebendo que fora incauta, Luzia tentou correr para porta! Ed tentou impedir que ela saísse e acusasse sua presença. E travou-se a batalha de vida ou morte… por um punhado de reais para comprar pedra bege fedorenta!

O macambúzio desfecho do encontro com a advogada e benfeitora não abalou os sentimentos e nem os desejos de Ed. Ele continuou sentindo aquela fissura, aquele mal-estar, aquela necessidade de afagar o cérebro… aquela vontade louca, indefinível de queimar uma pedra! Seu cérebro precisava ouvir o fedorento crepitar do crack, crack, crack no fundo de uma latinha amassada, de aspirar a fumaça da piteira improvisada e sentir o efeito da farinha do capeta misturada com outras porcarias! Para isso ele precisava de… dim-dim, ‘Money’, bufunfa, ‘faz-me rir’, dez, ao menos dez ‘reial’!

Depois de longos minutos revirando a casa da advogada em busca de dinheiro, sem sucesso, Ed deixou o macabro local e foi direto ao caixa eletrônico mais próximo levando apenas o cartão bancário roubado. Não conseguiu fazer o tão desejado saque. Não conseguiu o dinheiro que precisava para comprar a droga.

Mas deixou rastros…

O local do fútil e inútil crime fica num beco discreto, com duas ruelas apertadas formando uma cruz, escondido no átrio direito do coração de Pouso Alegre, frequentado apenas pelos moradores locais e entregadores em domicílio ou de correspondência. Quarenta e oito horas depois Ed voltou ao local do crime. Ele não sabia exatamente por que… mas voltou!

Talvez tenha voltado apenas para se cumprir o velho jargão da psiquiatria policialesca que diz que “o criminoso sempre volta à cena do crime”!

Talvez tenha voltado atraído pelo espírito da pobre Luzia, que exigia dele algum destino para seu corpo!

Talvez tenha voltado influenciado pelos espíritos trevosos que costumam assediar os malfeitores… para induzi-lo a outras maldades!

Talvez tenha sido arrastado pela possibilidade de lucro fácil. Sabia que não encontraria dinheiro. Mas tudo que havia lá poderia ser transformado em dinheiro. Os infindáveis ‘intrujões’ da baixada do Mandú, ou os próprios fornecedores da pedra bege fedorenta, à base de cinco por um, fazem qualquer negócio, sem perguntar a procedência do objeto que já sabem de tratar de ‘rês furtiva’.

A quarta opção parece ser a mais verossímil!

Antes de entrar, Ed sondou sorrateiramente a casa da advogada. Estava como ele deixara na noite anterior: em silencio! Silencioso também o assassino girou a fechadura da porta que ficara apenas cerrada, empurrou a porta lentamente e deparou com sua benfeitora. Luzia estava exatamente como ela a deixara na noite anterior! inerte estendida no chão! Seu crime continuava em segredo. A única diferença é que agora Luzia parecia um cadáver. Cadáver exposto no tapete da sala há 48 horas!

Na noite do crime, mesmo sem conseguir sacar o dinheiro da conta da advogada, Ed conseguiu enganar seu cérebro. A fissura havia passado. Há duas noites havia matado a pobre mulher num momento de confusão mental, confusão causada pela abstinência da droga. Naquele momento ele não tinha necessidade de drogas, mas, no futuro, poderia ter. Foi aí que a quarta opção apareceu clara e fria na sua mente! Ele sabia que a aposentada quase não tinha parentes, e poucos contatos com eles. Sabia também que Luzia era o tipo de pessoa que se relacionava com os vizinhos do ‘portão para fora’, restrito a ‘bom dia, ‘boa tarde’, ou seja: uma vida social discreta, quase invisível. Certamente ninguém perceberia sua ausência. Por isso resolveu se apossar de todos os bens moveis de Luzia. O limpador de quintal resolveu fazer uma ‘limpeza’ geral dentro da casa. Nos dias seguintes, à prestação, os moveis da advogada mudaram de dono. Levados por carroças, foram parar nas bocas de fumo e lojas de ‘intrujões’ na baixada do Mandú a menos de um quilometro dali. Um vizinho chegou a questionar Ed. Mas ele tinha uma resposta pronta e convincente.

– “Minha tia foi morar no asilo. Ela me pediu para vender os moveis dela”! – respondeu o rapaz, sem pestanejar. Aliás, ele contrariou o velho ditado de que “quem não deve não teme”. Ele devia e no entanto não temeu… e nem tremeu!

Mas afinal, e o corpo da advogada e professora aposentada Luzia? Ele continuou estendido no chão da sala de sua casa por vários dias atrapalhando Ed e seus ajudantes de carroça a arrastar os móveis? Foi enterrado no fundo do seu quintal, aquele mesmo quintal que meses antes abrira a porta para o assassino?

Não.

A maioria dos crimes, frios ou brutais, não são planejados. Eles acontecem por três motivos: por estupidez e descontrole emocional; por circunstâncias do momento e; por ausência de sensibilidade humana. Logo, acabam vindo à tona. Tivesse Ed enterrado o corpo de Luzia no seu quintal, seu crime jamais seria descoberto. Mas ele não tinha nem coragem e nem inteligência para tal. Por isso escolheu uma opção mais simplista – e arriscada! Ou quem sabe, na esperança de ver o crime descoberto, o espírito de Luzia tenha induzido o assassino a sair na rua carregando o corpo. E foi o que ele fez! Ao decidir tomar posse dos bens de Luzia, de porteira fechada, Ed pegou seu corpo, colocou numa mala, colocou a mala na garupa da sua bicicleta – aquela que não valia uma pedra de crack – e rumou para a baixada do Mandú. A mala foi deixada numa restinga de mata ciliar na beira do velho rio!

Antes de colocar os bens de Luzia numa ‘marika’ e atear fogo, Ed ainda pensou em movimentar sua conta bancária, mesmo sem senhas. Para isso precisaria das digitais da morta. Na noite seguinte à desova, três dias depois de tê-la matado, Ed voltou à beira do rio Mandú, abriu a mala e cortou com um alicate os polegares do cadáver! Usando os sinais biométricos dos dedos em putrefação, tentou mais uma vez acessar o caixa eletrônico na cabine do terminal rodoviário, a poucos metros de onde jazia a macambúzia mala com o restante do corpo!

O crime da advogada transportada numa mala e desovada na beira do rio, sem os polegares superiores, foi descoberto quatro semanas depois. Seu sumiço, no entanto, foi percebido bem antes. Uma amiga dela foi a primeira que notou seu silencio, a falta de respostas aos seus telefonemas. Amiga virtual e leitora do Blog do Airton Chips, ela manifestou sua preocupação. Foi aconselhada a levar o fato à polícia, ou aos parentes de Luzia. No dia 07 de fevereiro uma sobrinha comunicou o desaparecimento da advogada e professora aposentada, de 67 anos, à polícia civil.

Dias depois os detetives descobriam que os cartões bancários de Luzia haviam visitado caixas eletrônicos… sem a sua presença! Depois de visitar os asilos da cidade, os detetives passaram a seguir os rastros das carroças que dias antes haviam desfilado pelo beco onde morava a advogada. Não tardou chegaram ao muquifo de Ed, o ‘suspeito número um’, nas rebarbas insalubres da baixada do Mandú. Ed não estava em casa para a entrevista e rotina. Além do mais, eram ainda investigações e ele não estava em estado de flagrância, portanto não poderia receber as pulseiras de prata, por isso não o procuraram mais.

O ‘mandamus’ do homem da capa preta autorizando a prisão temporária do suspeito pelo sumiço de Luzia, foi assinado na sexta-feira, 23 de fevereiro, exatamente quatro semanas depois de ela ter sido asfixiada por ele na sala de sua casa! Mandados de prisão autorizados pelo homem da capa preta e liberados para a polícia na sexta-feira, costumam dar pelo menos dois dias de liberdade ao desfavorecido. A menos que ele cometa outro crime e receba as pulseiras de prata no final de semana! Esse foi o caso do ingrato e incauto assassino da advogada. Ele foi preso por outro crime!

No final da madrugada do sábado, 24, um gatuno sorrateiro entrou, sem convite, nas dependências da ‘Casa Dia’. Embora seja viciado em drogas e a Casa Dia se dedique a acolher, curar viciados e recuperá-los, o gatuno não pretendia se curar… Pelo contrário, pretendia conseguir recursos para alimentar seu vício. Ao acordar casualmente no meio da madrugada um interno viu o vulto sorrateiro se esgueirando pela comunidade com uma faca na mão, e soltou os cachorros… literalmente! Os cães colocaram o gatuno para correr, evitando que ele levasse a rês furtiva, a qual já havia separado para roubar.

Ganha um doce de batata doce caramelado quem adivinhar o nome do gatuno que tentou furtar a Casa Dia! Ganhou! Isso mesmo… o nome dele é Ed! Ed, o assassino da advogada.

Para confirmar o velho jargão policialesco de ‘Sir’ Arthur Conan Doyle – criador de Sherlock Holmes – ou, talvez, – mais uma vez – induzido pelo espírito da advogada em busca de justiça, o ‘criminoso voltou à cena do crime’! Na verdade, ele nem foi embora! Ficou rondando nas imediações. A tentativa de furto na entidade que vive de doações revoltou os internos e moradores do bairro. No início da tarde, ao ser visto rondando novamente a Casa Dia, populares o pegaram, deram-lhe uma surra e o entregaram para a polícia. Entregaram respirando, pois não sabiam o que ele havia feito no ‘verão passado’, quero dizer, no mês passado! Ironicamente as pulseiras de prata dos homens da lei salvaram sua vida!

A prisão de Ed, realizada por populares no final de semana, poupou o trabalho dos policiais da delegacia de homicídios. No início da semana Ed, até então apenas personagem das investigações policiais, sentou-se ao piano do delegado de Homicídios e assinou o 121. Desta vez, ‘induzido’ apenas pelo paladino da lei e seus pupilos, ele voltou mais uma vez ao local ‘dos’ crimes de latrocínio, ocultação e vilipendio de cadáver. Contra sua vontade ele contou todos os detalhes do funesto crime! Desde então o autor do ‘crime da mala’ de Pouso Alegre está hospedado no Hotel do Juquinha.

O Código Penal diz que Ed tem ‘direito’ a hospedagem gratuita por 30 anos. Isso, no entanto, vai depender de duas benevolências! A da justiça brasileira, prevista na Lei de Execuções Penais, que diz que ele tem direito a saidinhas temporárias e redução da pena para se ressocializar! E a benevolência dos ‘irmãos de caminhada’, que, na cadeia, costumam ter suas próprias leis para quem comete crimes contra crianças e idosos!

O tempo dirá quantos anos o assassino que interrompeu a respiração da advogada ficará sem respirar o benfazejo ar da liberdade!

Eu poderia…

… Estar curtindo mensagens fúteis no meu face…

Eu poderia estar compartilhando fake News no WhatsApp…

Eu poderia estar assistindo mais um espetáculo circense (de baixo nível) da CPI da pandemia…

Eu poderia estar pedalando na orla da lagoa da Pampulha ou do Mineirão…

Eu poderia estar falando de esporte, de polícia ou de política e ‘apagando incêndio’ através do programa ‘Tudo Junto & Misturado’ da Super Radio 90,9FM, como faço toda quinta-feira…

Eu poderia estar lendo um livro (tenho vários que ainda não tive tempo sequer de abrir)…

Eu poderia estar fazendo propaganda dos meus livros “Meninos que vi crescer” e “Quem matou o suicida”…

Eu poderia estar escrevendo mais um capítulo do meu livro “Cachorradas da minha vida”…

… Ou poderia, simplesmente, estar tomando o gostoso sol de inverno no meu jardim!…

… Mas preferi fazer essa singela postagem!

     O ultimo sábado 26 de junho, foi lembrado!?!?! como “Dia Internacional de Combate às Drogas”. A data foi data estipulada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução nº 42/112, de 7 de dezembro de 1987, como um dia especial de combate às drogas, criado por recomendação da Conferência Internacional sobre o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas.

     Na ocasião o MJ divulgou um balanço sobre as apreensões de drogas feitas pela PRF no período de 26 de junho de 2020 a 16 de junho de 2021.

     Foram apreendidas:

* 633 toneladas de ‘erva marvada’… também conhecida como maconha.

* 31 toneladas de ‘farinha do capeta’… também conhecida como cocaína.

* 4.638 pessoas envolvidas com o tráfico receberam as pulseiras de prata e foram sentar-se ao piano no paladino da lei nas DPs Brasil afora.

     “Abrace seu filho… Não deixe que as drogas o abracem”!

Acabou a caçada ao criminoso

Sargento troca tiros e mata estuprador na beira do rio!

Sargento Campos em 2009: – Foi ali no fundo perto da restinga, onde está hoje esse milharal, que eu troquei tiros com o bandido!

Passava de cinco e meia da tarde. O sol de fim de inverno havia acabado de se deitar atrás da restinga de mata ciliar. Estavam numa capoeira a poucos metros do rio cujas águas barrentas desciam serenas naquele trecho. Apesar da agitação do dia e especialmente da tensão daquele momento, os dois homens começaram sentir frio. Os agasalhos haviam ficado na viatura, a cerca de um quilômetro dali, na saída da cidade.

– Soldado, daqui a poucos minutos vai escurecer. Melhor suspendermos a caçada por hoje. Vá buscar a viatura. Vou ficar esperando você aqui… eu estou muito cansado – disse o sargento.

Ao ver seu subordinado atravessar a cerca de arame farpado e sair na estradinha rural do bairro Pouso do Campo, a menos de cinquenta metros dele, e seguir para a cidade, o sargento sentou-se ao chão numa pequena saliência do terreno sobre o capim batido pelo gado. Estava cansado, muito cansado. Havia saído de casa para uma patrulha florestal no município de Bom Repouso, a mais de cem quilômetros dali. Findada a operação, voltara para Pouso Alegre e subira de barco o Rio Sapucaí, já no final da tarde. Não precisava fazer isso. Já trabalhara mais de oito horas naquele dia. Mas havia dezenas de policiais colegas seus embrenhados no mato, numa arriscada caçada humana tentando prender o famigerado estuprador! O denodo policial não o deixaria descansar… E fora se juntar aos demais colegas na caçada.

Ligeiramente protegido pela saliência do terreno, sentou-se atrás de uma moita de assa-peixe. Não fosse o perigo e a tensão, dormiria! Mas era preciso ficar atento. O bandido poderia estar muito longe dali… mas poderia surgir de trás de uma moita a qualquer momento. Só a natureza falava. O silencio do crepúsculo foi cortado pelo canto triste de um Curiango bem perto do rio. De repente, apesar da sinfonia interminável dos grilos, o experiente policial ouviu o leve quebrar de galhos secos! Não estava mais só! Sem sair da saliência do terreno onde estava encostado, virou o corpo, apontou o trabuco na direção de onde ouvira o barulho e ficou atento. Poderia ser uma capivara, um lobo, um gato, ou a sua caça… Fernando da Gata! O coração bateu mais acelerado. Àquela hora, a poucos metros da mata ciliar, parecia ainda mais escuro… todos os gatos eram pardos! Aguçou bem os ouvidos e arregalou os olhos. Não tardou surgiu um vulto apalpando o terreno. Não dava para distinguir quem, mas era uma pessoa… Só podia ser o bandido! Apontou o trabuco para o vulto a menos de vinte metros e deu a ordem:

– “Quem está aí! Responda ou eu atiro”!

O vulto estacou… mas não respondeu. Silencio total. Os grilos interromperam a cantoria. Um casal de sapos que trocavam ameaças – vou, não vou, vou, não vou – na beira do barranco do rio, também silenciou. O curiango que estava mais próximo bateu asas, levantou voo rasteiro e sumiu na noite.

“Percebi que o vulto fez um pequeno movimento à direita, talvez tenha movido apenas o braço. Antes que eu decifrasse o movimento, ouvi um disparo e em seguida uma pequena chama vermelha na minha direção”.

Antes de ouvir o segundo tiro, o policial puxou o gatilho apontando para o vulto! Ouviu-se um baque surdo. Em meio à frugal fumaça, pareceu ter visto um rápido movimento do vulto. Deu mais um disparo de advertência, sem resposta. Depois do bater de asas de alguns pássaros que dormiam na restinga, silencio total! A noite demorou segundos para cair, embora os segundos demorassem uma eternidade para passar! O sargento não tinha certeza se havia acertado o vulto, se ele havia morrido ou se havia fugido. Com os olhos de lince, tentando ver algum movimento no escuro, optou pela imobilidade sob a proteção da vala e do assa-peixe à espera de reforços. Foram minutos eternos até que avistou os faróis da viatura dançando na estrada, se aproximando. Só deixou a trincheira quando o capitão, os soldados e dois civis chegaram com cães e lanternas.

No local onde o vulto recebeu o único tiro, a cerca de vinte metros à perpendicular do sargento, havia capim amassado, denotando que ele estivera ali. Sobre o capim havia um revólver calibre 38 niquelado, com manchas de sangue, com o qual ele havia disparado na direção do policial. Horas mais tarde, depois de intensa varredura, encontraram o corpo do bandido. Fernando da Gata, com um único ferimento no peito, estava numa moita de capim nas imediações do local do duelo.

Fernando “da Gata ” Soares Pereira, 21, figurinha fácil no álbum da polícia desde o final da menoridade penal, tinha uma capivara do tamanho do Rio Sapucaí – o qual ele atravessara a nado naquela sexta-feira, ou da extensão do Rio Jaguaribe no Ceará, onde ele cansou de brincar de ‘bandido & mocinho’ com a polícia local. De Russas desceu para São Paulo e de lá para o Sul de Minas, sempre com os homens da lei fungando nos seus calcanhares. Caçado ininterruptamente por dezenas de policiais mineiros durante mais de 48 horas, quis o destino que ele parasse na mira do Sargento Campos… numa capoeira de beira de rio, no crepúsculo de uma sexta-feira. Duelo sem alarde e sem testemunhas. Apenas dois tiros… um pra cá e outro pra lá! Um sem direção, cuja azeitona se cravou na terra que anos depois adubaria uma lavoura de milho! E outro certeiro, cujo projétil ainda quente penetrou no lado direito do peito do bandido, permitindo que ele corresse mais de cem metros, para morrer solitário, encoberto por uma moita de capim.

Sargento Campos e este cronista, em 2009, na DP de Santa Rita do Sapucaí, quando eu o levei ao local do duelo, 27 anos depois!

Sargento José Lucio Campos não tinha superpoderes, não usava cueca vermelha por cima do uniforme, não era super-herói! Era apenas um policial que, como a maioria, honra a farda que veste… e a instituição que paga seu salário. Um policial que toda manhã sai para o trabalho… e não sabe a hora que volta… se volta! Campos foi o policial certo, na hora certa, no lugar certo! E encerrou um ciclo de terror que assombrava o Sul de Minas naquele final de inverno de 1982.

Assim terminou a vida do assaltante e estuprador “Fernando da Gata”… mas não terminou sua história! Três semanas depois seu corpo – sem os dedos – foi recebido como herói na pequena Russas, no Ceará…