O louco mais querido da cidade…
A figura carrancuda dentro de um conjunto cáqui encardido, debaixo de um chapéu amassado fazendo sombra para o par de olhos azuis, com um saco nas costas, sem saber ler ou escrever, sem lenço & sem documentos e sem um teto para chamar de seu, Rabo Verde figura entre as personagens mais ilustres de Pouso Alegre no Século XX…
Até a poucas décadas, antes do advento dos celulares e seus aplicativos, quando as pessoas tinham tempo para olhar e sentir a rotina à sua volta, era possível perceber alguns personagens do cotidiano se misturando à nossa história. Toda cidade, grande ou pequena, tinha seus personagens assim. Pouso Alegre teve vários no século passado. Chimango, Maria Coquinha, Ananias, Padre Mateus, Nego Artur e tantos outros. Quando, nas rodinhas de saudosistas, falamos dos personagens folclóricos que marcaram a cidade, o primeiro que nos vem à mente é o… “Rabo Verde”!
A expressão inquieta, o jeito soturno, o modo sacudido de emitir as palavras – muitas ininteligíveis – a mania de resmungar sozinho palavras desconexas sem uma sequência lógica de fala, a sujeira do traje, o saco de roupa que sempre carregava nas costas, a mania de catar comida no lixo – embora não lhe faltasse uma alma boa para encher sua marmita gratuitamente ou em troca de capina de quintal – faziam de ‘seu’ Antônio Barnabé um louco! Mas era um louco inofensivo. Jamais fazia mal a alguém. Desde que não lhe chamassem pelo apelido de Rabo Verde! Aí, além dos palavrões impublicáveis, pedras, tijolos, sabugos, ou qualquer objeto que estivesse ao seu alcance tornava-se uma arma! As crianças se divertiam com sua brabeza… Os pais arrancavam os cabelos de preocupação! Passada a raiva, ele fazia troça do próprio apelido!
-Quem tem o rabo verde, seu Antônio?
– Arara, papagaio… e eu!
Durante décadas, desde meados do século passado, essa figura simples fez parte da rotina das pessoas em Pouso Alegre…
– O Rabo Verde foi preso… Ele foi levado no ‘forninho’ pra delegacia, o filho do delegado foi pro hospital, muito sangue… Ele tá muito machucado… – disse estabanado o garoto entrando correndo no Empório Goulart, no final da tarde!
– Calma, menino! Conta essa história direito! Por que prenderiam o Rabo Verde? Ele não faz mal a ninguém. O que tem o filho do delegado com isso? – interrompeu o comerciante enquanto servia uma dose de Fernet a um freguês cativo…
– Dessa vez acho que ele fez, sim… Ele deu uma pedrada na cabeça do menino, o filho do delegado!
– Espera, espera, espera… Você está dizendo que o Rabo Verde acertou uma pedrada na cabeça de um garoto? E o garoto é filho daquele delegado novo que chegou à cidade?!
– … É isso mesmo. Nóis tava lá na beira da linha esperando pra ver a Maria Fumaça, aí o Rabo Verde tava passando… e a pedrada acertou bem na cabeça do Serginho…
– Peraí, vocês mexeram com o pobre coitado? Por que não correram?
– Nós corremos, mas o Serginho não sabia que tinha que correr…
– Caramba! Filho do delegado… e lerdo! – comentou um freguês do empório entrando na conversa.
– É. Mas é que ele é novo na cidade. Veio da capital. Ainda não conhece as molecagens do interior – interveio outro freguês assíduo do empório.
– E esse delegado novo também não conhece o Rabo Verde. Dizem que ele é um capeta! Vai querer arrancar o couro do pobre coitado! Precisamos fazer alguma coisa. Alguém precisa ir à delegacia explicar para o delegado que o ‘nosso’ Rabo Verde não bate bem da cabeça…
Um dos fregueses do Mario Goulart, que costumava chegar sempre no finalzinho da tarde para bebericar o suco de ‘gerereba’ e jogar conversa fora, se prontificou a ir à delegacia. Primeiro para saber a gravidade da situação; segundo, para tentar livrar a barra do Rabo Verde.
… Tentou, mas não conseguiu. Afinal, lesão é lesão tanto na capital quanto na pacata Pouso Alegre de vinte mil habitantes!
E o “Rabo Verde” foi se hospedar no Velho Hotel da Silvestre Ferraz!
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*Em Pouso Alegre, o livro está à disposição na Livraria Intelecto e em todas as bancas de jornais.