Geraldo… o ‘eremita’ de Corinto

     Há anos ele dorme numa caixa de papelão sob uma marquise e passa os dias nas imediações da sua ‘casa’!

Depois de ficar ao menos sete meses com o mesmo traje, de agosto para cá, ele já trocou de roupa três vezes!

Desde o dia em que mudei para meu novo endereço no São Luis, notei sua figura silenciosa e taciturna sob a marquise do deposito da transportadora. Ele estava sentado sobre um ‘puf’ de papelão e tinha ao lado, devidamente dobrados e empilhados, um tufo comprido de mais papelão. A princípio achei que ele fosse um dos funcionários da empresa, embora usasse uma roupa diferente dos demais. Podia ser um ‘chapa’, um daqueles serviçais contratados para serviços pesados esporádicos! A impressão se reforçou à noite, quando tornei a passar por ali e ele estava sentado no mesmo puf, fumando seu cigarrinho. Pensei com meus botões:

– “Além de chapa, ele deve fazer ‘bico’ de vigia do deposito”!

Nos dias seguintes, a caminho da escola, passei a nota-lo de manhãzinha mexendo nalguns cestos de lixo, dois quarteirões abaixo na mesma rua. Voltei a confabular com meus botões:

– “Ele deve morar no porão de uma dessas casas por aqui. Deve estar colocando o lixo para fora”!

Era começo de fevereiro, dias de chuva na região da Pampulha. Durante o dia, o sujeito desaparecia. No início da noite lá estava ele solitário, pitando novamente na porta da transportadora.

O período chuvoso durou pouco. São Pedro foi econômico na região em 2022. No meio de março as chuvas já haviam saído de férias. Bom para o meu personagem, que passou a circular de novo nas imediações… e se tornou mais visível.

Com a chegada precoce da seca, meu ‘observado’ passou a desfilar discreta e lentamente diante dos meus olhos todos os dias. Foi aí que eu me dei conta: ele não trabalhava no deposito da transportadora, nem de chapa e nem de vigia. Na verdade ele ‘mora’ ali na porta. Depois de espantar os pernilongos com a fumaça do seu cigarrinho, ele arma sua cama de papelão e dorme ainda noite criança… E se levanta com o cantar do galo do ‘seu’ Jorge, na outra ponta do quarteirão. A comprida caixa de papelão que serve de cama, serve também de canastra ou cômoda para guardar seus lençóis, travesseiros e cobertores. Desfaz a cama, dobra tudo, empilha num canto da porta da transportadora e vai para a lida.

Seus movimentos começam justamente na subida da rua, onde mexe num cesto de lixo aqui, outro acolá em busca do desjejum. Mas não tarda aparece alguém,  ainda de pijama, num portão com um pão e um copo de café. Mesmo saciado ele ainda busca alguma coisa nos cestos de lixo, pois, para o vício do tabaco não existe muitas almas bondosas.

O descanso da sua árdua labuta do dia a dia acontece no mesmo trecho onde ele toma o desjejum. Senta, fuma o cigarrinho, traça uma marmita, as vezes deita-se no chão forrado de papelão e assim passa boa parte do dia descansando na sombra das frondosas mangueiras ao lado de um grande muro sem construção. Sua rotina se resume a circular por ali, quase sempre na mesma rua em que ‘mora’. Como diria meu saudoso amigo, detetive ‘Pinguim’: “sem nem um passarinho para tratar”! Vida melhor não há.

À noite os papelões viram cama…

Mas, e a higiene pessoal, a troca de roupa…

Desde que concluí que meu vizinho é um morador de rua, passei a observá-lo mais atentamente. Não foi difícil perceber que ele usa sempre o mesmo traje. Calça de brim cor de cimento queimado, camisa de pequenas listras claras, boné de uma firma qualquer, botina de cano alto na cor da calça e, invariavelmente – faça chuva ou faça sol – uma jaqueta grande, caqui, pendendo também para o cimento verde. Parece quase um uniforme. De fevereiro, quando o conheci, até meados de agosto, ele trajou sempre o mesmo ‘conjunto’!

Sociabilidade?

Zero.

Das poucas vezes que passo por ele à pé ou pedalando, estendo-lhe o tradicional bom dia belorizontino. As vezes ele responde com um grunhido rouco, desatento ou medroso. Na maioria das vezes responde com o silencio. Até o momento não o vi trocar uma palavra com ninguém!

Outro dia, sensibilizado com a performance da pobre criatura, ao voltar de uma caminhada, resolvi investigar a vida do meu vizinho e, quem sabe, interferir na vida dele. Abordei seus vizinhos mais próximos: os funcionários da transportadora em cuja porta ele ‘mora’!

– Rapais, mexe c’ele não, sô! Seu Geraldo tá bem assim. Ele num precisa de nada não – disse o gerente da firma gastando seu peculiar belorizontez.

– Segundo os vizinhos, tem uns 15 anos que ele tá aqui no bairro. Só aqui na porta do deposito tem uns 3 anos que ele dorme. Desde que eu vim trabalhar aqui ele já dormia aí! – corroborou o auxiliar do gerente.

– Ele está com a mesma roupa desde fevereiro… – tentei esticar a conversa.

– Tá? A gente já se acostumou tanto que nem repara mais…

– E banho? Eu moro no fim da rua. Tenho banheiro externo… eu poderia…

– Ih moço, seu Geraldo não liga pra banho não sô. Eu tenho chuveiro aqui no deposito, para os funcionários… Já ofereci, mas ele não quis não. Um tempo atrás eu insisti muito pra ele tomar banho. Ele saiu resmungando e ficou vários dias sem aparecer aqui… – interpelou o gerente.

– E comida…

– Comida sobra. Tem dia que ele ganha umas três marmitas na mesma hora.

– Vocês têm informação sobre a procedência dele? Saúde mental…

– Parece que ele é de Corinto (norte de Minas). Ouvi dizer que ele tem até casa lá – informou o gerente.

– Além de comida e banho, sabem se alguém tentou tirá-lo da rua?

– Tempos atras o pessoal da Assistência Social esteve aí, queriam levar ele… Ele não quis não – respondeu o secretário.

Eu imaginava que minha investigação redundaria nisso.

São mais de 40 anos esbarrando na rua em pessoas com perfil parecido. Esbarrando e observando…

Das minhas observações, posso concluir que os moradores de rua hoje, pertencem a três grupos.

A – ‘Loucos de todo gênero’.

B – Desajustado familiar.

C – Egressos do sistema prisional.

Os loucos não têm noção de higiene, de vida organizada em grupo familiar ou grupo social e nem obrigações pessoais. Essa é uma condição natural. A pessoa já nasce com esse ‘dom’! E não tem conserto… só vai mudar quando parar de respirar!

O desajustado é aquele que, embora tenha conciência, discernimento dos seus direitos e deveres, ele não se sujeita as regras e obrigações no seio da família. Prefere viver na rua, sem dar satisfação a ninguém dos seus atos. Neste perfil se enquadram também as pessoas que desacorçoaram diante das dificuldades da vida – muitas vezes chefes de família já maduros – e foram pra a rua pra fugir dos problemas.

O terceiro e mais numeroso grupo, é o dos egressos do sistema prisional. Geralmente são pessoas que começaram cedo no crime. Não aprenderam a trabalhar. Acostumados com o ócio nas cadeias, não valorizam o trabalho. Some-se a isso a discriminação social pela condição de egresso da prisão, o que é natural. Afinal, em todo país subdesenvolvido, há milhares de pessoas com ficha limpa procurando emprego. Enfraquecidos pelo vício das drogas, pouquíssimos conseguem se inserir no mercado de trabalho. Quase a sua totalidade está nos semáforos das médias e grandes cidades fazendo malabarismos e tentando sujar os para-brisas dos carros que passam em troca de uma moeda. Não raro estão cometendo pequenos delitos para sobreviver.

Com o advento do Crack – a droga mais viciante e barata do mercado – em meados dos anos 90, os egressos do sistema prisional quintuplicaram nas duas últimas duas décadas… E não dá sinais de parar por aí! Portanto, não esperem que os semáforos se esvaziem!

Mas o que essa definição de morador de rua tem a ver com o nosso pacato Geraldo do bairro São Luís?

Nada. Até onde as investigações me conduziram, o ‘ermitão urbano’ de Corinto tem um único vicio: o tabaco. E ele não incomoda ninguém… Pelo contrário. Ele não quer nenhum tipo de relacionamento com ninguém. E se afasta de fininho para não ser incomodado!

Desisti de interferir na vida do Geraldo…

Mas não desisti de pensar nele!

É quase impossível mergulhar debaixo de um lençol limpo, cheiroso, numa cama macia, espaçosa e não lembrar de Deus…

… E não lembrar de Geraldo!

Procurado!

     Numa investigação policial, nenhum indicio pode ser descartado!

Seis da tarde na delegacia regional de polícia. O homem de meia idade, fisionomia séria, ligeiramente grisalho, parou diante da foto colada no mural na entrada da delegacia. “Desaparecido”, dizia a legenda em letras garrafais acima da foto. “Saiu de casa na quarta-feira com destino à Aparecida e não deu mais notícias”, dizia logo baixo do nome com outras informações.

– Alfredo, é você que está com aquele caso do mendigo carbonizado? – perguntou o grisalho ao detetive que conversava numa pequena rodinha ali na recepção.

– Sim Inspetor!

– Ele tinha uma mochila, não tinha? Traga-me essa mochila na inspetoria – ordenou.

– Inspetor… são seis horas. Acabou o expediente. Pode ser amanhã cedo? – disse o jovem detetive, com indisfarçável má vontade, olhando para o pulso.

A presunção do rapaz surpreendeu o velho inspetor. Velho na profissão, pois tinha quase trinta anos de trabalho e cabeleira grisalha, embora mal tivesse soprado cinquenta velinhas. Por isso pensou em responder à altura da sua autoridade, mas se conteve. Olhou para o relógio de pulseira marrom no braço e respondeu:

– Faltam trinta e cinco segundos para as dezoito horas. Coloque essa mochila na minha mesa antes das dezoito! – falou retirando o cartaz do quadro.

Os colegas de Alfredo que estavam conversando amenidades na rodinha olharam para ele e iam fazer alguma troça, mas Alfredo falou antes:

– Inspetor, eu joguei a mochila no latão de lixo ontem à tarde…

Se a espetada anterior do detetive batera no músculo, a estupidez bateu agora numa parte mais sensível do inspetor. Não era feitio do calejado policial questionar comportamento pessoal de seus subordinados fora das quatro paredes da inspetoria, mas dessa vez não podia ficar barato…

– Você jogou evidências de uma investigação policial, em andamento, no lixo? – questionou o inspetor frisando cada palavra.

– Era só uma mochila fedida de um mendigo, inspetor! – desafiou o detetive, tentando justificar a ‘varada n’água’. A emenda, no entanto, soou pior que o soneto. E o inspetor desafinou de vez a censura…

– Escuta jovem, onde você aprendeu que morte de mendigo não precisa ser esclarecida? Não foi na academia de polícia civil paulista, certamente. Você já terminou seu estágio probatório? – desta vez o novato não retrucou. E o inspetor completou:

– Você está com sorte… os lixeiros estão em greve! Ninguém recolheu o lixo na cidade nos últimos dias. Torça para que a mochila do suposto mendigo ainda esteja no latão de lixo. Você vai procurar sozinho ou precisa de ajuda? – Como não obteve resposta virou as costas dizendo:

– Estou esperando a mochila na minha sala.

Três minutos depois Alfredo entrou na sala do inspetor com a mochila na mão…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113. 

Os primeiros passos no crime…

Popota começou cedo a ‘caminhada’.

Imagem Ilustrativa

Aos treze anos, com uma camiseta na qual cabia quase dois dele, uma bermuda de moletom cortada sem costura pelas canelas, os pés sujinhos no chão, e uma latinha na mão, pedia moedinhas nos semáforos.

Quando conseguia ganhar alguns trocados e nenhum marmanjo lhe tomava antes de chegar em casa, entregava tudo à mãe… Era para comprar comida!

Quando o movimento nos semáforos estava ruim, ele saia pedindo pelas ruas. Foi aí que começou perceber que nas lojas e mercados, muitas vezes os lojistas estavam distraídos. Era fácil pegar um objeto ou outro e sair de fininho, sem ser percebido.

Com os pequenos furtos começou ganhar dinheiro além de migalhas. A primeira coisa que fez foi renovar seu ‘guarda-roupa’.

Aos quinze anos já desfilava de calça jeans, camiseta e tênis de marca. O boné, também de marca e de aba fina, dava o toque final. Intrujão para comprar seus ‘cabritos’ não faltavam. Só no seu bairro, sob a fachada de ‘brechó’ e outros objetos usados, havia uns três estabelecimentos que compravam qualquer coisa sem perguntar pela procedência… por um décimo do valor de mercado! Dois deles adotavam outra moeda de troca… ‘erva marvada’, pedra bege fedorenta ou farinha do capeta ao gosto do cliente! Essa moeda valia três vezes mais. Com isso o introdução ganhava duas vezes. Além de ganhar na aquisição de mercadoria barata, alimentava também sua biqueira e a clientela de drogas, pois os pequenos delinquentes vendiam dois terços da droga trocada por mercadoria surrupiada.

De ladrãozinho de lojas e aviãozinho do tráfico à assaltante de farmácias, postos de combustíveis e supermercados foi um pulinho… foi só seguir o inexorável passar dos dias.

No final da menoridade, ‘Popota’, o garoto pobre da baixada já era figurinha fácil no álbum da polícia. Conhecia todos os conselheiros tutelares da cidade, assistentes sociais, promotor e o juiz da infância e da juventude!… e até o lado interno de alguns ‘centros socioeducativos’! Nada disso, no entanto, o educou.

Duas semanas depois de completar dezoito anos enroscou-se nas malhas da lei. Caiu tentando roubar uma farmácia…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

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Um tiro à sangue frio…

O assassino puxou o gatilho para mostrar o desprezo que tinha pela vida!

” Sem entender a ordem, o meliante ‘cara de tartaruga’, deu alguns passos e parou ao lado da cadeira que prendia o garoto. Cruzou os braços e continuou de cara fechada esperando nova ordem. Popota continuou a chorumela…

– Olha para esses dois na beira do rio, doutor Renato… Totalmente fragilizados e indefesos. Se eu der um tiro na cabeça de cada um agora, considerando que o nível do rio está baixo, com sorte, pode ser que amanhã mesmo os bombeiros achem seus corpos. Eu pergunto: qual a diferença entre um e outro diante de uma bala?

Renato se remexeu no tosco toco de madeira. Entendeu a pergunta e sabia a resposta, mas preferiu se fazer de desentendido, e tentou mudar de assunto.

– A diferença está no coração da pessoa que puxar o gatilho – falou.

– Resposta errada doutor Renato… Quer ver?

Popota abriu o tambor do Taurus, conferiu as seis balas, girou o tambor com a mão esquerda e antes que parasse de girar fechou o tambor com violência, esticou o braço, apontou lentamente na direção dos dois homens na beira do barranco e… puxou o gatilho!

Renato sentiu o suor escorrer por baixo da camisa. O coração veio à boca. Tentou levantar-se, mas o cano ainda soltando fumaça virou-se para a sua direção…

Tortuga arregalou os olhos, tentou descruzar os braços, mas… Já era tarde! O projetil quente penetrou no triangulo entre o nariz e as sobrancelhas! A tentativa de um movimento desesperado para se defender ou para fugir, afastou ligeiramente seus pés do chão tornando-o mais leve, arremessando-o para trás. Somado o movimento instintivo de defesa ao impacto do projetil, o corpo pesado do bandido voou no ar e mergulhou de braços abertos, de costas, nas águas turvas do rio. Após soprar a fumaça do cano do trabuco, Popota falou com naturalidade:

– A diferença doutor, é que ninguém vai sentir falta dele… Ele é descartável!

Renato estava aturdido. Mas encarou o bandido.

– Você atirou no seu amigo só para mostrar a diferença entre uma pessoa e outra? – perguntou.

– Não só por isso. Atirei por três motivos. Primeiro: ele era ‘talarico’! Segundo: ele não era meu amigo! Era só companheiro de caminhada. Terceiro: Ele era descartável. Ninguém vai notar a falta dele. Nem os ‘parças’ dele vão perguntar o que aconteceu com ele. Agora olha para o seu meninão…”

 

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Flagrante!!!

A cena paralisou suas mãos!

Imagem ilustrativa

Apesar de a noite ser ainda uma criança, fazia muito frio na rua. Na penumbra do interior do carro, ligeiramente oculta pela sombra de uma arvore, Joana esperava pacientemente. Chegara no início da tarde à cidade. Tivera tempo de sobra para fazer sua investigação. Descobrira onde era o escritório, parte da rotina, dos horários e agora estava ali, a poucos metros da porta da casa de Paula. Segundo seus levantamentos ela saia do trabalho por volta das seis da tarde e antes de ir para casa passava no supermercado. Já eram mais de sete horas… estava demorando! De repente um carro diminuiu a velocidade, sinalizou e parou na frente do seu carro. Joana percebeu que era um homem ao volante. Sentiu o coração disparar! Esperou alguns segundos. A porta do passageiro se abriu e uma mulher protegida por um grande casaco bege saiu tentando equilibrar nos braços um pacote de papeis. Quando ela se virou para contornar a frente do carro, Joana pode ver com certeza: Era Paula! Um ligeiro frio percorreu sua espinha. Nesse instante a porta do motorista se abriu e um homem, que já mexia no banco traseiro, fez movimentos de descer. O coração de Joana bateu a duzentos por minuto. O homem saiu do carro de costas pra ela…

Era Renato?

O grande casaco escuro aumentava sua silhueta… O rapaz alto e corpulento, cabelos curtos… era Renato!!

Ele deu um passo em direção à Paula, recolheu os papeis das mãos dela, juntou os dois pacotes e atravessaram o passeio em direção ao portão da casa da jovem advogada. Joana tinha os olhos colados no casal.

Num instante ela abriu o portão, virou-se para o homem e deu-lhe um longo beijo apaixonado.

Joana ia saltar do carro para surpreender o casal, mas de repente ficou paralisada. A cena foi muito forte. Um misto de sentimentos a invadiu naquele momento. Queria não ter visto aquilo. Sentiu um certo asco! Por um segundo desviou os olhos.

Quando voltou a olhar para o casal, Joana já havia fechado o portão e Renato estava entrando no seu carro.

Era mesmo Renato! Estava mais magro e usava barba, coisa que não fazia há anos.

Enquanto pensava no que fazer, o motorista deu partida, deu seta e saiu do local. Joana pensou em seguir o carro de Renato, mas seus dedos travaram, grudaram no molho de chaves e ela não conseguiu dar partida.

Quando finalmente conseguiu virar a chave no orifício da ignição, o carro de Renato já virava a esquina.

“Foi melhor assim”, pensou Joana. “Eu não ia conseguir dirigir. Ia acabar batendo o carro”. Ficou longos minutos ali olhando a rua silenciosa e fria. Baixou um palmo o vidro do motorista para deixar entrar o ar frio da noite. Pareceu ouvir o barulho do chuveiro de Paula. Viu-a nua, esfregando o sabonete pelo corpo, cantarolando uma canção qualquer debaixo do chuveiro. Viu Renato alto, forte, ereto entrando nu no chuveiro… tentou desviar o ‘olhar’ e instintivamente sacudiu a cabeça, querendo se afastar da cena! Com isso Paula e Renato sumiram do banheiro, sumiram da sua imaginação!

Só então se deu conta de que estava ali há quase dez minutos desde que vira o carro de Renato virar a esquina.

Mas será que era mesmo Renato? De costas, era o mesmo porte físico. Alto, ombros largos… De frente os ombros largos mantinham o casaco aberto fazendo uma figura corpulenta, mas parecia mais magro… ou seria mais jovem e atlético? Mas era Renato. Tinha certeza. Ou será que não? Ou será que apenas seu subconsciente viu Renato ali se despedindo de Paula com aquele beijo apaixonado?

Pensou em descer do carro, tocar a campainha e ir falar com Paula. Dizer que havia descoberto seu romance com seu marido. Mas de que adiantaria? Poderia ter dito isso mais cedo no escritório dela! Ou até por telefone, sem sair de casa! Ela certamente negaria. “Eu tinha que ter abordado os dois abraçados no portão”, pensou Joana. “Pegá-los em flagrante… e ver que explicação ele daria para ter abandonado a família de maneira tão covarde. Ver que recado ele daria para seus filhos adolescentes que sempre o tiveram como herói”! Assim pensando Joana rumou para o hotel. Precisava sair da rua, ficar entre quatro paredes, sozinha, para extravasar sua revolta, sua mágoa, sua dor… Precisava esmurrar alguma coisa. Chorar, talvez. Sim. Precisava chorar. Chorar bastante, até esvaziar todos aqueles sentimentos confusos que pressionavam seu peito… e seu cérebro! Tudo que precisava agora era de quatro paredes… para esconder suas lágrimas!

 

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Um cadáver na beira da estrada…

Quem seria?

“Três horas depois a estradinha ficou pequena para quem queria seguir para os sítios ao pé da serra ou descer para pegar a estrada principal que levava às cidades vizinhas. Uma faixa quadriculada de amarelo e preto isolava a guarita, agora toda enfumaçada, na beira da estrada. Havia carros dos dois lados da via. Três deles eram da polícia, um da militar, outro da perícia da polícia civil e o terceiro com o letreiro na traseira: “Delegacia de Homicídios”. Os curiosos ocupavam todo o entorno; queriam saber o que acontecera; de quem era o corpo carbonizado; davam palpites…

– Parece que é um andarilho… – dizia um.

– Eu ‘vi ele’ passando lá perto da minha casa ontem de tardinha… – dizia outro.

– Será que foi acidente? – indagava um terceiro.

– Acho que ele foi queimado enquanto dormia…

– Ah, não… com o calor ele teria acordado! – discordou outro.

– … Ou não. Esses andantes bebem muito. Deve ter derramado a garrafa de cachaça no fogo…

– Eu acho que alguém tocou fogo nele!

– Tá doido! Por que alguém faria uma maldade dessas com o pobre coitado?

Enquanto a perita, com carinha doce de colegial – talvez na sua terceira semana de trabalho – fotografava a mesma cena por infinitos ângulos diferentes e anotava tudo em sua prancheta, dois homens, de braços cruzados, cada um ostentando no peito um distintivo de couro com uma estrela reluzente no meio, por cima dos óculos Ray Ban, observavam a tétrica cena. Talvez, esperando que alguma teoria diferente da dos curiosos surgisse de algum lugar. Satisfeita com a infindável sequência de fotos, medidas e anotações, finalmente a jovem perita se aproximou dos dois policiais e disse:

– Por mim o corpo está liberado, doutor…

– Tem algum palpite?… – Indagou o policial mais empertigado, com distintivo dourado e vermelho.

–  Nada além do óbvio… há restos de cobertores, latas, trapos… coisas comuns de andarilho, que não foram queimados. Quanto ao corpo, a única certeza é que era de um homem, pelo tamanho dos ossos, adulto.

– Documentos…

– Tudo virou cinza.

– Algum trauma, fratura, projétil?…

– Nada visível. Só o legista, com raio x, poderá achar algo caso haja… Posso autorizar a funerária a remover o corpo para o IML e dispensar a PM?

– Ok. Bom trabalho Cintia. Obrigado. Quer interrogar alguém Alfredo? – disse o delegado, virando-se para o policial de distintivo verde.

– Não. A PM já qualificou e sabatinou a testemunha que encontrou o corpo e outros curiosos. Vai colocar tudo no BO. Eu gostaria de dar uma olhada nas imediações da guarita, ver se acho alguma coisa que os curiosos ainda não destruíram. Vamos manobrar a viatura no final da estrada, para dar tempo de os curiosos se dispersarem… – disse o detetive”.

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

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174 anos de historias e saudade!

Ribeirões da minha infância…     

Pouso Alegre está completando 174 anos de emancipação… e outros tantos de existência ‘informal’! Sim, há duzentos anos, Pouso Alegre com o nome de Bom Jesus do Matozinhos, já travava uma batalha santa com o município vizinho de Santana do Sapucaí por causa da imagem ‘emprestada’ do santo padroeiro. Batalha esta que batizou o bairro “Ribeirão das Mortes”. Mas esta é apenas uma das histórias da pujante Pouso Alegre que me abraçou ainda pequenino e me embalou durante 51 anos.

Neste 19 de outubro, tão comemorado, resolvi homenagear minha cidade relendo as histórias que contei nos últimos 10 anos, no ‘Blog do Airton Chips’ e nos livros: “Meninos que vi crescer” e “Quem matou  suicida”.

São tantas:

“Vila São Vicente de Paula” e o Asilo N.S.Auxiliadora …

“Maria Fumaça da minha infância”…

“Pouso Alegre, meio século… De aventuras e histórias”!

“O ‘velho Aterrado… E eu”!

“A verdadeira história do beco do crime”…

“Anos 70… A década de ouro da humanidade”

“O mistério do corpo seco”

“Assim nasceu o ribeirão das mortes”…

“Ribeirões da minha infância”

“A rotina do rabo verde”

“A lenda do Zorro da Zona Boêmia”

“ Os fantasmas do velho hotel da Silvestre Ferraz”…

Para assanhar o leitor, vou reproduzir abaixo parte da história “RIBEIRÕES DA MINHA INFÂNCIA”, publicada no livro “Quem matou o suicida”:

 

“Ribeirão Primavera

‘Em cinquenta anos, caudalosos ribeirões que formavam poços e espraiados e ofereciam peixes e diversões… desapareceram! Hoje correm invisíveis, tímidos, minguados e sujos, dentro de manilhas, por baixo de ruas e avenidas. Nossos netos jamais saberão que um dia nós pescamos e nadamos em suas águas límpidas’!

A transformação geofísica e geopolítica de Pouso Alegre nos últimos cinquenta anos salta aos olhos das pessoas que nasceram ou moraram na cidade neste período. De 1970 até os dias atuais a população passou de 40 mil para mais de 150 mil habitantes. Para abrigar tanta gente, embora a cidade tenha se expandido para o alto, com dezenas de prédios acima de dez andares, a grande expansão se deu na horizontal. Por isso pastos e fazendas se tornaram bairros, ruas, avenidas e praças. A maior ocupação se deu na direção sul da cidade, nas terras planas ou onduladas da ‘baixada do Rio Mandu’ – por sinal pouco regada de cursos d’água. O crescimento da região norte, embora tenha avançado menos por causa do humor do relevo, sepultou várias nascentes e ribeirões.

Quem nasceu da virada do século para cá não nadou, não viu e nem sonha com os ribeirões que cortavam os bairros São João, Colinas de Santa Bárbara, Saúde, Primavera, Cascalho, Fátima. Nos últimos anos o único ‘ribeirão’ que corta a cidade é o formado pelas aguas pluviais que caem na bacia do bairro Primavera e inunda as ruas Bom Jesus, Mons. Dutra e Com. José Garcia. O alagamento do local talvez seja uma vingança dos ribeirões Primavera e Cascalho pela usurpação do seu leito natural. No início do século passado podia-se pescar bagres e lambaris nos poços ali existentes.

O ribeirão Primavera nascia, como é da natureza dos ribeirões, na parte alta do bairro ainda pouco habitado, entre os bairros Santo Antônio, Esplanada e João Paulo II. Em 1970 começou a ser canalizado no início da Avenida São Francisco, avenida que, aliás, tinha apenas um quarteirão: a larga e vistosa avenida que hoje passa pela porta da Câmara Municipal, começava na Rua Olegário Maciel e terminava na rua São Pedro.

Era justamente ali na esquina, na fazenda do Luiz Reis ao pé do “Calipal do Bispo”, hoje bairro João Paulo II, que o ribeirão Primavera mostrava sua maior utilidade: refrescar a garotada que não podia frequentar os clubes, ou que moravam longe dos rios Mandu e Sapucaí Mirim. Para tal não era necessário buscar os poços que desciam a restinga de mato desde o Esplanada – até porque, os poços ficavam na restinga quase virgem que separava os bairros. Bastava ser um ‘bom menino’ para frequentar a piscina do ‘seu’ Luiz Reis. A piscina de pouco mais de doze metros quadrados por setenta centímetros de profundidade, feita de tijolos e rebocada de massa grossa sem azulejos, servia a todos os garotos da região. Era só chegar à beira da porteira na entrada da chácara e pedir ao ‘seu’ Luiz Reis. Ele fazia duas ou três perguntas e deixava o garoto nadar… Mas ficava de olho! Com seu chapéu de palha e óculos escuros, ‘seu’ Luiz ficava o tempo todo sentado na sombra da varanda a poucos metros da piscina, com uma chibatinha de couro na mão, vigiando a garotada nadar. Se um moleque fizesse alguma traquinagem, de lá mesmo ele brandia a chibatinha e corrigia o garoto. Caso o infante ‘sócio do clube’ repetisse a estripulia, seu Luiz se levantava, aproximava da piscina e o mandava sair. Se o garoto saísse sem discussão, no dia seguinte podia voltar e, depois de ouvir um breve sermão antes de passar a porteira, podia nadar de novo. Nunca foi necessário usar a chibatinha de couro trançado…

O bairro Primavera dos anos 1970 cresceu. As ruas Mons. Dutra, Professor Queirós Filho, Manoel Matias e São Francisco, que já existiam naquela época até a Rua São Pedro, rasgaram os pastos à sua frente e subiram para os bairros Santo Antônio, Boa Vista, Esplanada. Já não se vê um metro de terra ali que não esteja urbanizado.

O que restou do ribeirão Primavera virou duas minas de águas potáveis, uma, a Mina do João Paulo II e a outra, a Mina da Câmara, servida em três bicas na beira da Avenida São Francisco, na esquina de baixo da Casa de Leis. Ali, centenas de pessoas enchem seus galões com água fresca e cristalina todos os dias. O Ribeirão Primavera da minha infância, que corria por dentro da piscina do ‘seu’ Luiz Reis, mudou de endereço… Hoje mora nos recantos da memória, na fronteira do bucolismo com a saudade…

Há meio século havia ainda outros ribeirões deslizando ora alegres e sorridentes, ora sombrios e sorrateiros pelas baixadas e restingas urbanas de Pouso Alegre, tais como:

Ribeirão Cascalho

Ribeirão Saúde

Ribeirão São João

Ribeirão Santa Bárbara

Ribeirão Fátima

Ribeirão das Mortes… nosso clube popular.

Que pena que os ‘ribeirões da minha infância’ não esperaram para serem apresentados aos meus filhos e netos”…

O estupro de Beto Cowboy

Apagado o fogo da paixão, ele foi embora… Mas deixou um coração ferido para trás!

Hotel “Recanto das Margaridas”, em Santa Rita do Sapucaí.

Beto Cowboy era um sujeito alto, forte, brejeiro… e bonito! Era de pouca prosa, muito sério, mas tinha um semblante agradável. Tinha no olhar e no comportamento um certo mistério! Era o típico sujeito capaz de despertar emoções nos corações femininos. Por onde passava, sempre despertava desejos e paixões. Radicado no Vale do Paraíba, trabalhava no pequeno circo de rodeios rodando a região. Era um dos peões mais solicitados da companhia. Depois de cada apresentação noturna saia pela cidade, para abraçar umas loiras… e às vezes uma morena! Não raro amanhecia nos braços de uma das suas fãs!

Mariana, vinte e poucos anos, era uma mulher bonita, fogosa, carinhosa, sonhadora, dona do próprio nariz embora a vida não fosse um mar de rosas. Apesar de madura, tinha um espírito aventureiro e acreditava em príncipe encantado.

Certo dia o príncipe apareceu na cidade … Em um circo de rodeios! Sem pensar muito nas consequências Mariana se deixou levar pelos encantos de Beto Cowboy. Amanheceram debaixo do mesmo lençol. No dia seguinte, após meia dúzia de juras de amor eterno e promessas de que voltaria para ela, Beto Cowboy baixou lona e pegou a estrada. As juras? Ah, as juras foram sopradas pelo vento e se perderam ao longo do tempo.

A noite de amor de Beto Cowboy & Mariana, no entanto, ainda que tardio, deu fruto. Chegou nove meses depois… Uma bela menina mais linda do que a mãe.

O mundo e o circo têm duas coisas em comum: ambos são redondos e dão muitas ‘voltas’!

Quinze anos depois, numa dessas voltas que o mundo dá, e o circo também, Beto Cowboy levantou lona outra vez em Santa Rita do Sapucaí! Ao saber que tinha uma filha adolescente, quis conhecê-la. A emoção de conhecer um ‘pedacinho’ seu, abalou seus alicerces. Mais maduro e calejado, o peão pensou em abandonar o picadeiro e criar raízes na cidade.

A ferida no peito de Mariana havia cicatrizado. A presença do príncipe, agora mais maduro, mais discreto e mais charmoso, reacendeu a antiga paixão. Dois dias depois o circo baixou lona outra vez e partiu. Desta vez levava um peão a menos. Beto Cowboy ficou nos braços de Mariana. Juntaram os cobertores.

Beto Cowboy não teve dificuldades para arrumar meios de subsistência. Homem forte, saudável, desincumbia-se de qualquer tarefa que não exigisse diploma técnico ou universitário. Parecia que depois de anos e anos de vida (errante), sem nem um passarinho para tratar, finalmente ele iria criar raízes – em Santa Rita do Sapucaí.

As atividades do dia a dia, embora fossem dignas, prazerosas e rendessem o pão na mesa… não rendiam aplausos. Beto Cowboy começou a ficar acabrunhado. Mariana lhe dava tudo que uma mulher bonita e fogosa poderia lhe dar. No entanto, a rotina não anda junto com a fantasia, com a poesia… Sem poesia a vida a dois perde um pouco do brilho, vai ficando opaca. Além do mais, o artista não vive sem aplausos!

Beto Cowboy juntou a tralha.

As discussões foram curtas e breves… Houve choros e juras de amor… Mas nada amoleceu o coração cigano do cowboy. E ele pegou a estrada…

Não houve atritos, não houve pé-na-porta, não houve barraco… Mas Mariana ficou muito ferida!

Beto Cowboy saiu da vida de Mariana… mas não saiu do seu coração! Coração ferido… de mulher abandonada! Duas vezes abandonada…

O tempo, remédio para todos os males, passou. Parecia ter curado as feridas…

O grande e histórico Rio Paraíba do Sul continuou descendo, ora lento, ora rápido em direção ao mar.

Certo dia o circo recebeu três carrancudos clientes muito antes da hora do show. Queriam conhecer Beto Cowboy. Quando ele se identificou, um dos visitantes sacou da algibeira um papel timbrado: era uma ‘carta branca’ do ‘homem da capa preta’ da Comarca de Santa Rita do Sapucaí! Após ler parcimoniosamente o “mandamus”, o homem da lei estendeu um par de pulseiras de pratas e disse aquelas duas palavrinhas que fazem gelar a espinha de qualquer cidadão:

– “Teje Preso”

– Preso?! Mas por quê? – quis saber o patrão do peão.

– Estupro da própria filha. É o que está aqui no Mandado – informou o policial.

No crepúsculo daquele mesmo dia Beto Cowboy foi conhecer, por dentro, o “Hotel Recanto das Margaridas”!

A recepção não foi das melhores…

Pela ‘lei social’ – leia-se Código Penal – o crime de estupro custa ao estuprador de 6 a 10 anos de liberdade… ou de estadia gratuita no hotel do contribuinte. Pela lei dos ‘manos’, ou dos ‘irmãos de caminhada’, a pena pode custar mais. Além da segregação imediata do convívio com os demais presos, pode custar um braço, uma perna, algumas costelas e, na maioria das vezes, custa a vida!

Quando chegamos para dar apoio ao ‘banho de sol’ naquela segunda-feira, o carcereiro me disse que havia um preso no ‘seguro’, com algumas costelas quebradas. Era Beto Cowboy! A pancadaria havia acontecido na virada da noite se sexta-feira. Tão logo o novo hospede fez o ‘check in’ no famoso hotel – Presidio Modelo do Sul de Minas – inaugurado em abril de 99, as ‘terezas’ começaram a circular pelos sombrios corredores, levando e trazendo ‘pipas’… Em poucos minutos a cadeia toda sabia que o tal cowboy havia assinado um 213, crime que, segundo a lei do cárcere, exige justiça sumária.

Nas primeiras horas da noite os ‘justiceiros de garotinhas’ estupradas apenas espalharam o terror.

Quando as luzes da meia noite se apagaram, Beto Cowboy entrou no borralho! Teve sorte… foram apenas algumas costelas quebradas e um deslocamento de clavícula! O mais difícil foi aguentar essas dores durante mais de 48 horas no chão frio e escuro do ‘seguro’… sem uma novalgina sequer!

A clavícula, eu e a doutora Tatiana, usando um lençol, puxando cada um de um lado e um forte tranco, colocamos no lugar. E Beto Cowboy voltou sem dores físicas para o famoso hotel.

As fraturas cicatrizaram com carinhos e afagos de uma ‘enfermeira’ pra lá de especial!

Dois dias depois conheci Mariana. No início da tarde, quando cheguei para o apoio e triagem às visitas de presos, Mariana estava lá… Era a primeira da fila! Não parecia ter mágoa do estuprador. Pelo contrário… Parecia ter saudade, muita saudade! Nas semanas seguintes Mariana foi sempre a primeira da fila para visitar o… “estuprador de estimação”!

O detalhe dessa história é que… Beto Cowboy NÃO cometeu estupro contra a filha!

Acusá-lo de ter estuprado a filha, foi a maneira que Mariana encontrou para se vingar pelo segundo abandono ou… para trazer Beto Cowboy para perto dela!

“… O hospede do quarto zero”

Passava da meia noite quando o hospede do quarto ‘zero’ despertou. Estava deitado de lado na cama. A primeira coisa que viu ao abrir os olhos foi Lobinha. A cadela, como todo bom cão de guarda à noite, tinha os olhos cerrados, mas não dormia. Ao perceber os movimentos do hospede, levantou a cabeça que repousava sobre as patas dianteiras cruzadas e ficou esperando os próximos movimentos. Sem a menor ideia de onde estava, o enfermo virou-se na cama. Fitou o teto à meia luz dégradé que saia de um abajur no canto do quarto… tentou sentar-se na cama e… sentiu dor! O corpo todo doía. Parecia ter sido atropelado. Algumas partes doíam mais. Um ponto na coxa direita, outro nas costelas do mesmo lado, um galo na cabeça e outro na têmpora latejavam… “Porque estava assim?”, pensou. A cabeça estava confusa, muito confusa. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo e nem de onde estava. A pouca luz que saia filtrada pelas gretas do abajur se perdiam antes de chegar ao teto do quarto… não sabia se estava num quarto, numa mata… num túmulo. Estaria vivo… estaria morto… estaria dormindo, sonhando?… Tentou olhar novamente para a silhueta do animal à sua direita – seria mesmo um animal ou uma quimera? Ao virar-se para olhar para o animal sentiu uma pontada na costela… voltou à posição anterior. A dor parou. Ficou só o latejamento. Experimentou virar-se para o lado contrário, para o canto. Sentiu alívio. Achou a posição mais confortável… Fechou os olhos. Voltou a dormir. Não viu o vulto alto saindo do banheiro…

Uma hora depois a porta do quarto Zero se abriu lentamente. Uma silhueta feminina, delicada, sem rosto, parou no vão da porta apoiando uma mão no portal. Ficou assim longos segundos… até os olhos se acostumarem com a pouca luz do abajur. Lobinha ao lado da cama novamente levantou a cabeça que continuava apoiada nas patas cruzadas, arregalou muito os olhos azuis, ficou esperando um gesto ou uma palavra… que não aconteceu. Lentamente a silhueta se afastou do portal puxando suavemente a porta atrás de si e deixou o quarto. Era Valentina. Ao ver o vulto do desconhecido deitado de lado, Valentina concluiu que ele havia se virado na cama, portanto estava vivo! Seus lábios quase esboçaram um sorriso de alívio.

 

Esse texto é parte integrante do livro “Uma viagem que não chegou ao fim”!

 

Flores da Sapucaia

A arvore que engana os incautos!

Flores prontas para desabrochar

Semana passada publiquei no Blog e nas minhas redes sociais uma crônica sobre a “Sapucaia… a arvore que enganou o historiador”!

Pois é… Ela enganou a mim também!

Flores roxas escondidas entre as folhas rosas… o motivo do meu engano!

O motivo da crônica foi esclarecer aos leitores que a arvore que deu nome às cidades de Santa Rita do Sapucaí, São Gonçalo do Sapucaí, São Bento do Sapucaí e aos rios do mesmo nome no Sul de Minas, era na verdade o ‘Óleo Copaíba’, e não a Sapucaia, como batizou equivocadamente o historiador.

Num trecho da matéria afirmei que a Sapucaia, que há décadas ornamentam a orla da Lagoa da Pampulha e outras praças de Belo Horizonte, não dá flores!

Foi aí que a bela Sapucaia me enganou!

Que ironia! Explicando o engano do historiador, eu também fui ‘enganado’… e enganei o leitor!

O fato é que, a Sapucaia dá flores, sim, e lindas por sinal!

As flores começam com grandes botões roxos. À medida que vão desabrochando adquirem uma coloração lilás e acabam ficando brancas, até cair ao chão.

Quando chega a esse ponto… É o fim da flor!

Lembram um pouco o Manacá da Serra que, ao contrário, nascem de botões brancos, se abrem e assumem a cor lilás até forrar o chão!