Jó…

 É uma dessas pessoas que deixaram rastros na minha terra!

 

Jó… quando ainda rachava lenha para ganhar um prato de comida!

Ninguém sabe ao certo quando elas pararam no bairro pela primeira vez! Quando os moradores perceberam, elas estavam acampadas sob uma caneleira na beira da estrada. Dormiam sob arvores e sobre trapos! Quando se deslocavam carregavam as tralhas em sacos nas costas. Pediam o almoço aqui, o jantar ali e tornavam a arranchar sob frondosas arvores nativas. Quando chovia, dormiam na beira de ranchos ao longo da estrada. Ficavam uns dias por ali nessa rotina até que desapareciam. Cavaleiros ou carreiros de boi que levavam mercadorias ou gado de Congonhal para Pouso Alegre diziam tê-las visto caminhando ou arranchadas ao longo do caminho. Alguns meses depois voltavam a arranchar no bairro dos Coutinhos. Vinham sempre pelo bairro dos Macacos, dobravam o morro das onças e chegavam ao centro do bairro. Inicialmente eram duas: Bastiana ‘velha’ e a filha Bastiana ‘nova’. Depois vieram os filhos da Bastiana nova: Dito e Jó.

Jó cresceu andando pelas estradas quase desertas da região, andando lentamente atrás da mãe e da avó. Andava lentamente porque elas, carregando as tralhas ajoujadas nos ombros, não conseguiam andar rapidamente. E não havia pressa. Não tinha uma tarefa para tirar. Não tinha um destino aonde chegar. A única coisa que os esperava no final do caminho era uma sombra de arvore para descansar. E a sombra não ia sair do lugar ou reclamar se eles atrasassem.

A hospitalidade peculiar dos descendentes de João Coutinho Portugal, pôs fim à vida nômade da família da Bastiana. Inicialmente faziam paradas mais longas ali no bairro do que em qualquer outro trecho da região. No seio daquele povo alegre, compassivo e ordeiro – e religioso – era fácil conseguir comida. Depois de anos andando pelas estradas com as tralhas em sacos ajoujados nos ombros, no final dos anos 50, finalmente fixaram residência ali, onde construíram uma choça na beira da estrada. Era uma choça mesmo. Feita de bambus inteiros e coberta com sapé. Apenas o lado interno das paredes era preenchido com barro, para evitar a entrada do vento. Juntando pedras e barro construíram também um fogãozinho no chão na entrada da morada. A utilidade maior do fogão era esquentar água e… esquentar os pés, antes de dormir! A choça foi construída embaixo de uma moita de bambu, entre a BR 459 que seria asfaltada e a estrada Velha que levava quem quisesse para Congonhal. A água corrente ficava há cerca de cem metros abaixo no Ribeirão Santo Antônio que corta em toda extensão o bairro.

Jó era saudável e tinha braços fortes, mas tudo que aprendeu na vida durante suas andanças, era rachar lenha, carpir horta, limpar curral, atividades que não exigiam nenhuma habilidade construtiva, ferramenta especial ou apego à terra. Jamais plantou um pé de milho, jamais tirou uma tarefa de quinze braças, jamais fincou mourões e esticou uma cerca de arame farpado, jamais tangeu ou ordenhou uma vaca Jersey cor de caramelo. Aprendera desde pequeno, com a avó e a mãe, que para conseguir um prato de comida bastava rachar um monte de lenha na casa do ‘patrão’. A cachaça que ele bebia de vez em quando na vendinha do Vilino, essa custava menos. Era só pedir que alguém pagava. – Nas vendas de beira de estrada na roça, nunca faltou alguém que pagasse uma pinga para quem pedisse!

– “Cê pode dá um gole de cachaça pra mim”? – dizia Jó se aproximando do balcão de madeira da vendinha do Vilino.

Assim Jó e as Bastianas viveram no – quase – paraíso chamado bairro dos Coutinhos. Até que tempo e natureza cobraram seu preço pela vida singela e quase primitiva que levavam. O primeiro a desfalcar a família foi o Dito, o mais soturno e calado. Não muito tempo depois Bastiana velha sumiu da porta da choça, da beira do fogãozinho a lenha…

Alguns anos depois foi a vez da Bastiana nova se despedir. Morreu vítima da mesma enfermidade do filho Dito: pneumonia. Trazido para o velório na casa do padrinho, sem saber que era o da própria mãe, quando parou na beira do caixão no centro da sala, Jó tirou o boné da cabeça como era costume entre os cristãos, contemplou o rosto sereno, inerte… e limpo! da mãe, e se limitou a dizer, sem alterar a voz lenta e rasgada:

– Tá boniiiiita!

Da sala se dirigiu para a cozinha, sentou-se num banquinho na taipa do fogão como se fosse sua casa e falou:

– Tem café?

Tão solitário quanto o tamanho do seu nome, ficou Jó. E foi morar numa casinha construída pelo padrinho na beira da estrada no centro do bairro. A casinha de um cômodo só, media três por quatro metros. A mobília se resumia a uma cama e uma mesinha de madeira rústica. Um bambu sustentado por dois pedaços de arame que desciam do teto servia de guarda-roupa. Havia também, dentro da casinha, um pequeno fogão à lenha, pois Jó, como todo homem da roça, cultivava o hábito de esquentar os pés enquanto fumava seu cachimbo antes de dormir. A historia não acaba aqui.

Jó… seus últimos dias no asilo…

Jó nada produziu! Não plantou arvores; não teve filhos; não escreveu livros; mas ainda vive … na memória de alguns. O ‘bugre’ Jó é uma destas pessoas que deixaram rastros, muitos rastros, na minha terra!

 

Policia prende… e paga pra soltar!

     Os policiais estavam cumprindo a ‘lei do desarmamento’…

Passava pouco de três da tarde quando a viatura dos Homens da Lei embicou na entrada do sítio do Nicolau, ao pé da Grota do Monjolo no município de Toledo. O sargento desceu preguiçosamente do Palio, abriu a porteirinha de quatro tábuas, fechou e andou os poucos metros atrás da viatura até a porta da casinha branca de alpendre azul. Depois de acalmar ‘Gigante’, o cãozinho malhado pouco maior do que um Pinscher, o sargento fez o levantamento visual do entorno da casinha branca: um pomar e uma horta à direita, um capão de capim Napier ao lado do curral à esquerda, um pequeno ribeirão encachoeirado ao fundo, um chiqueiro com meia dúzia de porquinhos grudados na barriga de uma porca carioca e algumas galinhas ciscando aqui e ali no terreiro vigiadas de perto por um galo carijó dourado. Do rancho ao lado do curral, Nicolau, que estava apartando uma vaquinha Jersey do bezerro, se apressou para vir receber os homens da lei. Se aproximou sorridente, limpando as mãos na calça e abrindo o diálogo:

– Boa tarde sargento, boa tarde seu cabo! Que bons ventos os trazem?

– Visita de rotina, sr. Nicolau – respondeu o sargento, querendo esticar o assunto.

– Mas então vamos entrar… Vamos tomar um cafezinho – emendou o sitiante.

Os dois PMs fingiram relutância, mas, no minuto seguinte estavam na pequena, porém arejada cozinha da casa de onde exalava um delicioso cheiro de bolo de fubá. Enquanto conversavam amenidades da roça ouvindo o chilrear dos passarinhos no pomar, o café da dona Guilhermina, feito no fogão à lenha, ficou pronto. O Sargento até então nunca havia estado ali. Conhecia Nicolau apenas de vista, mas sabia da sua hospitalidade, comum a todo homem – raiz – da roça. Aliás, ele e o cabo haviam planejado chegar ao sítio exatamente por volta de três e meia da tarde… para garantir a merenda.

Como diz o velho ditado, “barriga cheia, pé na areia”. Após encher o pandu de bolo e café quente, era hora de entrar no assunto que levara a dupla de policiais ao sítio do Nicolau: ‘denúncia de porte de arma de fogo’!

– O senhor tem arma de fogo em casa? – perguntou o cabo à queima roupa.

– Tenho sim, senhor… Mais quem contou procêis?

– Ah, foram alguns amigos ocultos da lei – respondeu o sargento dando pouca importância ao ‘detalhe’. E emendou:

– O sr. pode nos mostrar a arma?

– Posso sim. Guilhermina, pega a espingardinha lá na parede do quarto… – ordenou ele.

No minuto seguinte a prendada dona de casa – aquela mesma que fizera e servira o bolo de fubá ainda morno com café quente – ‘serviu também’ a espingarda na mesa.

– O senhor tem o registro da arma?

– A espingarda tem registro não, sargento. É uma espingarda veinha, veinha…

– De quem o senhor comprou a espingarda?

– Comprei, não… É lembrança do meu saudoso avô Neco. Faz 20 anos que ele morreu. Ô saudade! Eu era o neto preferido dele, por isso ele me deu a espingardinha para guardar de recordação…

– Sinto muito seu Nicolau, mas vamos ter que levar a espingarda para a delegacia… E o senhor também!

– Mas… com que eu vou afugentar os ladrões de madrugada?…  Com que arma eu vou espantar lobos, onças e cachorros do mato que aparecerem para comer galinhas aqui no sítio!? – argumentou o sitiante.

– Sinto muito seu Nicolau, mas … “Dura lex, sed lex…” – disse o cabo gastando seu latim.

– Ô, diacho, então vamos… fazê o que, né? – concordou resignado o simplório velhinho.

Toledo, cidadezinha de 7 mil habitantes encravada nas escarpas da Serra da Mantiqueira, pertinho das nuvens, como a maioria das cidades desse porte em Minas Gerais, não tem um delegado de polícia para chamar de seu. Casos de flagrante de ‘porte de arma’ como esse são levados para a delegacia da Comarca.

E lá foi nosso “Winchester Jack” e sua espingarda de espantar gavião predador de galinhas para a delegacia de polícia de Extrema. Viagem modorrenta, já perto do crepúsculo, pela estradinha estreita e cheia de curvas. Quando chegaram a Extrema a delegacia já estava fechada. Fecha às dezoito. O jeito então foi levar o perigoso caubói do pé da Grota do Monjolo para Pouso Alegre.

Como a Regional atende 35 cidades, seu Nicolau entrou na fila. Noite já alta, ele sentou-se ao piano do paladino da lei, assinou o 14 da 10.826 e teve sua fiança – como prevê a lei – arbitrada em R$ 700. A esta altura do sacolejar da carruagem os dois policiais já estavam redondamente arrependidos de terem prendido o velhinho. Agora ao menos, era só pagar a fiança e poderiam dar-lhe uma carona de volta para casa.

– O senhor tem dinheiro para pagar a fiança? – indagou o sargento.

– Tenho não sinhor… eu nem sabia que ia ser preso!!

– Tem parente aqui que possa emprestar o dinheiro da fiança?

– Conheço ninguém nesta cidade, não senhor…

– Bom, então o senhor liga para sua casa e pede para fazer um deposito…

– Tem telefone em casa, não sinhor…

– … Tem filhos nalgum lugar que possam pagar a fiança…?

– Tenho três filhos. Todos moram na roça, tem telefone, não sinhor…

Com uma tonelada de peso na consciência por terem tirado o velhinho do conforto do seu habitat, os dois PMs se transportaram pra lá. Viram a casinha na sombra das mangueiras e abacateiros; viram as galinhas chitas, os frangos das canelas amarelas e o garboso galo carijó dourado ciscando no terreiro; viram o ribeirão cantando dolente por entre as pedras na grotinha; sentiram o cheiro do bolo de fubá da Guilhermina… Foram além! Viram o bezerro gabiru berrando de fome no cercadinho na manhã seguinte, a vaquinha malhada mugindo no pasto com a úbere cheia… Quem iria ordenhá-la? Tudo por causa de uma espingarda velha!… Tudo por causa da famigerada “lei do desarmamento”!

Andaram para lá, andaram para cá no corredor da delegacia, coçaram a cabeça, e concluíram: “Dura lex, sed lex”. Mas eles não podiam ser tão duros. Eles não podiam deixar o velhinho atrás das grades a cento e cinquenta quilômetros de casa, entregue à própria sorte. Tinham que levar Nicolau de volta para casa.

– Nos dê quinze minutos. Espere aqui que nós vamos buscar o dinheiro da fiança – disseram ao delegado e ao sitiante.

Foram a um caixa eletrônico, sacaram trezentos e cinquenta reais das suas próprias contas, pagaram a fiança do velhinho e o levaram de volta para a casinha branca na beira do ribeirão ao pé da Grota do Monjolo…

Quase tudo voltou ao normal no sítio do Nicolau. Só uma coisa mudou. Agora, se alguma raposa sorrateira abeirar o galinheiro das galinhas chitas, sem a velha espingarda de estimação para afugentá-la, só penas…

Não basta ter fé…

… É preciso fazer escolhas!

     Catolicindo Fervoroso morava sozinho no meio da baixada, a poucos quarteirões da praia. A casa já velha era média, sem luxo e carente de conforto. O quintal, no entanto, era grande, muito grande, com um grande e malcuidado pomar. Apesar do desleixo, todo ano, por conta própria, a natureza cuidava de produzir muitos frutos. Laranja, abacate, manga, guabiroba, pitanga, goiaba… Tinha até Lichia, rosada e doce, a qual atraia centenas de abelhas e marimbondos toda safra entre dezembro e janeiro.

 

Apesar da grande produção de frutas – que definhava ano a ano por falta de cuidados -, Catolicindo não auferia nenhum tipo de lucro ou boa ação com isso. Não colhia, não comia, não vendia, não doava. Excetuando uma ou outra fruta que as vezes comia no pé, toda sua produção ao longo do ano era consumida por aves e insetos, ou então apodrecia no chão forrado de folhas secas no quintal. Altruísmo em deixar as frutas para as aves? Não. Pelo contrário. Irritava-se com a algazarra que estas faziam nos momentos de banquete. Herdara a casa com o pomar já pronto e torcia para que as fruteiras morressem e parassem de produzir … e pusesse fim à balbúrdia dos passarinhos.

 

Catolicindo não tinha os olhos arregalados, as sobrancelhas grossas e a cara feia e fechada dos ranzinzas. No entanto, não abeirava a casa de ninguém e também não recebia visitas. Era indiferente com os vizinhos e com as crianças que corriam barulhentas para a praia. Era um homem. Correto, trabalhador e cumpridor dos seus deveres sociais. Especialmente o religioso. Ia todo domingo à missa na igrejinha do bairro, sempre bem-vestido, reparando nos malvestidos, levando sua surrada bíblica debaixo do braço. Quando interpelado respondia com pouca saliva aos vizinhos, mas nunca esticava a conversa. Assim vivia num bairro populoso, sem contato com ninguém.

Certo dia a baixada passou por uma tormenta. A rádio local avisou que cairia uma grande tromba d’água que alagaria todo o bairro. E aconselhou que as pessoas deixassem suas casas. Catolicindo viu as pessoas passando, indo embora apreensivas, mas continuou impassível na sua casinha!

– “Vamos embora Catolicindo! Tudo será inundado!” diziam os vizinhos.

Ele nada respondia. No máximo conversava com sua bíblia.

A aguaceira, sacudida pelo vento, desabou e alagou toda a parte baixa do bairro. Quem ‘não tinha bíblia’ acatou o conselho da defesa civil e tratou de deixar suas casas. Quem não teve tempo, foi resgatado pelos bombeiros e pela defesa civil. Cotolicindo continuou lá… com a água subindo pela canelas finas e brancas, subindo, subindo até que ele também subiu… no telhado! Um barco da defesa civil passou por lá oferecendo ajuda, mas ele respondeu:

– Não se preocupem comigo. A chuva vai parar, a enchente vai baixar, Deus proverá!

Apesar da fé – e da teimosia! – de Catolicindo, a enchente continuou subindo. Em pouco tempo as águas chegaram ao cume do telhado. Um helicóptero dos “anjos laranja” se aproximou e tentou ajudá-lo. Catolicindo segurou firme a bíblia contra o peito e respondeu:

– Deus proverá!

No instante seguinte a casa desabou! Cotolicindo – e sua bíblia – afundou! Afundou e desencarnou! Como não estava preparado para morrer, seu espírito ficou por ali, tentando achar sua bíblia, tentando entender por que a providência divina não o salvou.

Dias depois, quando a enchente baixou deixando a mostra apenas os escombros da casa, confuso e sem ter onde morar, finalmente o espírito de Catolicindo saiu vagando desnorteado e perdido e acabou sendo resgatado por um grupo de espíritos socorristas. Afinal, ele não era uma pessoa má. Mesmo tendo passado pela vida sem produzir nada que não fosse para o seu próprio sustento; mesmo não tendo repartido nada do que lhe sobrava; mesmo não tendo distribuído sequer um sorriso para as crianças que passavam correndo felizes e barulhentas em frente sua casa, ele nunca fez maldades.

E assim Catolicindo Fervoroso chegou ao Centro de Triagem de São Pedro. E chegou fervendo, bravo, revoltado com a divina providência. O próprio São Pedro, chefe do Centro de Triagem, que atende somente os casos mais complicados e dá o destino final a cada espírito que passa por ali, teve que ser chamado para acalmar Catolicindo. Já no seu gabinete, o paciencioso santo alisou as longas barbas brancas e disse:

– Então sr. Catolicindo, conte-me sua história e os motivos da sua insatisfação com Deus.

– Eu fui um bom homem, cumpri minhas obrigações, servi o exército, sempre pensei muito antes de votar, trabalhei mais de trinta anos na mesma empresa, nunca discuti com ninguém, sempre paguei minhas contas em dia, frequentei religiosamente a igreja, sempre acreditei e manifestei minha fé na providência divina…

Recostado na grande cadeira forrada com uma colcha branca para esconder o couro puído de tanto uso, São Pedro alisava pacientemente o fio mais longo da barba quase no peito enquanto ouvia Catolicindo desfiar seu rosário de realizações. Finda a chorumela São Pedro falou:

– Além de cumprir suas obrigações como cidadão, o que mais você fez na sua missão na terra?

– Missão!!! Que missão? – estranhou Catolicindo.

– Você passou um período na terra para crescer, para evoluir…

– Ninguém me falou nada sobre isso. O que eu tinha que fazer?

– Você dedicou parte do seu tempo a alguém?

– Não…

– Você tinha um bom emprego, tinha casa confortável e dinheiro recebidos de herança! Você ajudou alguém necessitado?

Catolicindo desviou o olhar pensando no baú de dinheiro que mantinha escondido no sótão, levado pelas águas. São Pedro continuou.

– Você deu o ombro a alguém que chorava?

– Você alguma vez emprestou seu ouvido a quem precisava falar?

– Você alguma vez levou uma palavra de alento para alguém que sofria?

– Você levou uma palavra de esperança para alguém que não via saída?

– Você deu ao menos um sorriso para as crianças que passavam correndo…

Catolicindo estava atordoado com tantas indagações. Gaguejou …

– Mas eu …

São Pedro o interrompeu, com um tantinho de impaciência.

– Eu, eu, eu… Tudo eu. Tem muita gente na Terra olhando somente o ‘eu’. Quase metade só enxerga o ‘eu’. Quase metade não enxerga o ‘outro’. Tudo bem, Catolicindo. Você tem o livre arbítrio para escolher crescer ou não. Só não pode reclamar! Não pode culpar ninguém pela sua estagnação… ou sua involução! Voltemos ao questionamento que o trouxe aqui tão revoltado. Você disse que confiou na Divina Providencia e foi traído, não é?…

– Sim – respondeu Catolicindo rapidamente, aproveitando o gancho que o interessava. – No momento em que eu mais precisava a providência divina não apareceu! E me deixou morrer afogado!

São Pedro fixou seu olhar manso nos olhos inquietos de Catolicindo antes de prosseguir.

– A divina providência nunca falha. Está sempre pronta para intervir em benefício daquele que a pede. Mas é uma ação de mão dupla… É preciso que o interessado faça sua parte.

– Mas eu fiz minha parte. Já falei. Deus não fez a dele. Eu estava com a bíblia na mão, esperando até o último instante, confiando. Mas Deus não mandou a divina providência…

– Catolicindo, preste atenção. Deus jamais te abandonou. Veja bem: quando a chuva começou a se formar sobre a serra e o vale, a Defesa Civil divulgou um alerta através do rádio. Mas você continuou lá…

– !!!

– Antes da tempestade desabar as autoridades enviaram sinais sonoros na região e mensagens pelo WhatsApp. Mas você ignorou.

– !

– Quando a chuva caiu, os caminhões dos Bombeiros passaram ajudando na retirada dos flagelados antes do desastre…

– !

– Quando a enchente começou, os barcos da defesa civil passaram oferecendo ajuda.

– !

– Quando você subiu no telhado, a defesa civil enviou até um helicóptero para resgatá-lo… Observe que em todos estes momentos, Deus agiu.

– Mas eu esperei a providência, a bíblia… – tentou argumentar Catolicindo.

– A bíblia, Catolicindo, te esclarece, te orienta… Mas ela não age. Cada um tem que agir. Por isso Deus deu a cada um o livre arbítrio. Para que cada um aja de acordo com sua consciência e necessidades … e arque com suas consequências! – concluiu São Pedro com mansidão.

Catolicindo ia retrucar, mas, parou, pensou, juntou no ar tudo que havia acabado de ouvir, segurou o queixo com uma mão, juntou as duas mãos em concha na testa e assim ficou por alguns instantes até que voltou a falar:

– Quer dizer que, como eu fui ‘chamado de volta’ antes da hora, e como eu não fiz nenhum mal na terra, eu vou ficar morando aqui no céu?

– Não é bem assim… Lembra do que eu falei alguns parágrafos atrás! “Você passou um período na terra para crescer, para evoluir” … E o que você fez, além de sustentar o seu corpo, para crescer e evoluir? – perguntou São Pedro abrindo largamente os braços com as mãos espalmadas!

Sem respostas Catolicindo soltou o corpo na cadeira, desacorçoado, vencido. Depois de alguns instantes de reflexão, perguntou com voz sumida, muito diferente de quando chegara ali meia hora antes.

– Mas então, o que vai ser de mim?

São Pedro, com o mesmo olhar complacente de sempre, inclinou seu corpanzil avantajado para a frente, apoiou os dois braços sobre a mesa, tomou as mãos de Catolicindo e falou paternalmente.

– Como você não fez escolhas danosas, você vai voltar para uma escola no seu nível de aprendizado por aqui e entrar na fila da reencarnação. Tem pouco mais de 13 bilhões de espíritos na fila aguardando uma nova chance de reencarnar…

A piscina da Lili…

A mesma fonte que abastecia a piscina da Lili, hoje abastece o lago do Fórum!

Media quinze metros de largura por 25 metros de comprimento. Tanto o piso quanto as paredes laterais eram de cimento queimado, rústico, da cor de cimento queimado. A água, portanto, era turva. Quem abrisse os olhos no fundo enxergava apenas escuridão. A água batia no peito dos adultos e no pescoço dos adolescentes e das mulheres sempre mais baixas do que os homens. Do lado de baixo da piscina havia apenas um cimentado, também rústico, onde as garotas estendiam as toalhas para se bronzear. Do lado de cima dois lances de uma mureta. Era de onde os garotos mais afoitos pulavam espatifando água pra todo lado fora. Uma casinha de cangalha medindo quatro por quatro, dividida ao meio por uma parede, servia de vestiário. Uns deixavam suas roupas lá, penduradas num cabide cheio de pregos numa tábua. Outros preferiam levar suas roupas consigo para a beira da piscina – para evitar furtos.

Apesar do tamanho bem diminuto, não havia limite de lotação. As vezes tinha 40 pessoas. As vezes tinha 90.

Apesar de tão pouco espaço para tanta gente, sempre aparecia alguém com uma bola… e jogavam algo parecido com polo aquático!

Não havia salva-vidas. E muitos não sabiam nadar e, embora não houvesse salva-vidas, nunca teve acidente, pois a ‘fundura’ da piscina era toda do mesmo nível, bastava ficar em pé. Mesmo assim os mais medrosos não se afastavam da margem.

Para nadar na Piscina da Lili, todos pagavam o mesmo preço: Cr$ 5. O regulamento para frequentar a piscina era simples. Bastava pagar a entrada e usar maiô ou biquíni (mulheres) e calção (homens).

Funcionava apenas no domingo, pois toda a clientela da Lili trabalhava até sábado à tarde. Só sobrava o domingo para se divertir.

Dona Lili ficava na portaria, ou seja: no portão lateral da casa que ficava na beira da estrada, cobrando o ingresso, em cash naturalmente, a única forma de pagamento naquela época. Não havia ‘cano’, pois ninguém passava pelo portão sem deixar uma nota de cinco cruzeiros!

Além do Status de nadar na Piscina da Lili, para os homens havia uma diversão a mais, uma diversão perigosa e proibida: espiar as mulheres quando elas entravam no vestiário!

Os meninos faziam escadinha entre si e se revezavam para vê-las trocar de roupa – por cima da parede que dividia a casinha! Nunca viam nada, pois elas, acanhadas, ficavam sempre encostadas na parede e na maioria das vezes colocavam as roupas por cima do maiô ou biquíni sem tirá-los.

Mesmo assim aquela sensação de estar tão perto – e furtivamente! – de uma mulher seminua, era excitante para aqueles garotos cheios de espinhas no rosto. Mas tinham que conter a excitação e fazer silencio. Se fosse percebido seria punido. Dona Lili era chamada e mandava o ‘assanhadinho’ se retirar imediatamente. A punição durava duas ou três semanas, o tempo necessário para dona Lili esquecer o rosto do assanhado!

Era o ano de 1974…  

No ano seguinte uma nova opção de lazer surgiu na cidade… e levou à falência a Piscina da Lili.  


Viagem…

      Após a despedida, Luquinha viajou nas lembranças…

– E o corpo dele, vai ficar onde? – quis saber Leonardo.

– O vovô não precisa mais desse corpo. Por isso, depois das homenagens das pessoas queridas, ele será colocado numa caixa e levado ao parque onde ficam todos os corpos das pessoas que viajaram. Ele vai ficar lá até virar pó. Esse é o ciclo da existência. Agora eu quero que vocês voltem ao que estavam fazendo e continuem brincando. Daqui a pouco, quando a mamãe chegar, nós todos vamos voltar para a cidade, preparar as homenagens para o vovô.

Ao ficar sozinho na varanda, Luquinha sentou-se na cadeira ao lado do corpo de Chico Luca… e viajou. Não a viagem metafórica ensinada aos filhos. Mas uma viagem ao passado. Uma viagem que, para ele, começou naquele exato lugar. A casa era diferente … mas era naquele exato lugar que seu pai se sentava no final do dia e início de noite. Eram dali as primeiras imagens que tinha do pai. Tanto tempo depois ele continuava o mesmo… sereno e feliz! Sorrindo maroto com as bochechas… Luquinha sorriu também, com as bochechas, tentando imitar o pai. Não conseguiu. Acabou abrindo a boca e riu baixinho. “Você não tem conserto, meu pai! Consegue me arrancar o riso até depois de morto!”, falou pra si mesmo. Levantou o chapéu de Chico Luca, olhou seu rosto, tocou, mexeu nas suas pernas, nos seus braços. Tinham esfriado um pouco mais e estavam começando enrijecer. Experiente policial, vira muitos corpos sem vida. Na busca de elucidar crimes, trocara informações com médicos legistas muitas vezes, e pôde concluir sem margem de erro: seu pai havia parado de respirar bem próximo de nove da manhã, menos de uma hora antes de sua chegada ao sítio. Um pássaro amarelo pousou na comunheira do paiol e falou:

– “bem te vi”!

Luquinha tornou a cobrir parcialmente o rosto de Chico Luca com o chapéu e continuou sentado ao seu lado, conversando com as lembranças. Eram tantas! Conversava serenamente, como dois amigos, como se o pai estivesse ali, apenas dormindo.

 

 

*** “Chico Luca & Mariana”… – livro ainda em revisão.

Falando em mazelas e carências da policia!…

     Conheço esse filme!

Outro dia, vendo uma entrevista com o delegado (aposentado) Altair Machado, no Mandu Cast, falando sobre a escassez de policiais até para escoltar presos, lembrei de alguns casos que eu protagonizei ao longo da carreira!

 

Nos anos 80, a delegacia Regional de Pouso Alegre, uma das maiores do Estado, tinha 4 viaturas oficiais. Uma Veraneio (para rondas noturnas e viagens), um fiat 147 e uma Caravan (para diligências, campanas, investigações…) e outro Fiat 147 à disposição da Perícia. Algemas tinha dois pares – exclusivamente para transporte de presos para a capital ou para outro estado. Revolver? Cada um se virava com o seu. Tinha policial que possuía apenas um Rossi 32. Trabalhei com um carcereiro que impunha sua autoridade com uma faca ‘peixeira’!

 

* Certo dia, descendo a Bueno Brandão voltando do almoço para a Delegacia, esbarrei num conhecido meliante procurado pela polícia. Japão era figurinha fácil no nosso álbum por pequenos furtos e uso de maconha – quando uso de maconha era crime previsto no artigo 16 da lei 6368/76. Eu, jovem policial, empolgado com a carreira que acabara de abraçar, não tive dúvidas! Enquadrei o meliante e disse-lhe a famigerada frase:

– “Teje preso”!!!

Sozinho, a pé, desarmado e sem as “pulseiras de prata”, atravessei a cidade conduzindo o preso numa ‘chave de braço’ até chegar à delegacia de polícia.

 

** Em 93 trabalhava eu na Delegacia de Silvianópolis quando recebi a missão de recambiar um notório condenado para nossa Comarca. O meliante havia cometido um furto anos antes numa fazenda no município de São João da Mata e dobrado a serra do cajuru. Dias depois ele cometeu outro crime e caiu nas malhas da lei  de São João da Boa Vista. Extinta sua pena lá em terras paulistas e à pedido’ cá em terras mineiras, ele foi  “extraditado” até a vizinha Poços de Caldas. O indigitado era “Peixinho”, meu velho conhecido. Velho mesmo. Velho e malvado. Na década de 70, quando eu vendia sorvetes nas ruas de Pouso Alegre, ele, mais velho e mais forte do que eu, costumava encostar no meu carrinho, chupar meia dúzia ou mais de picolés e sair sem pagar! No início da década de 80 eu o havia prendido na cidade de Campinas – Essa história, bem-humorada, está no livro “Meninos que vi crescer”! Mais bem-humorada foi nossa viagem de Poços de Caldas para Silvianópolis. Apenas nós dois na viatura. Eu atrás do volante e ele meio embodocado no porta-malas(destampado) do Uno, imobilizado por um par de pulseiras de prata.

 

*** No final de 2004, prestes a me aposentar, recebi outra missão; recambiar um preso da penitenciaria de Nova Serrana para Monte Sião, onde eu trabalhava. A missão era como tantas outras, mas tinha um ingrediente a mais. O Fiat Elba de Monte Sião não tinha condições de fazer uma viagem tão longa. Achamos a solução. Embarquei no ônibus da Gardênia (naquela época, a Gardênia não deixava ninguém na estrada! Rsrsrs…) e desci na rodoviária de BH. Cheguei de manhazinha, atravessei a famigerada “Guaicurus” ainda com cheiro de perfume barato das mariposas, peguei a Contorno, sai na Avenida dos Andradas, a pé naturalmente, e meia hora depois cheguei ao Departamento de Transportes. Lá peguei um Palio Weekend e fui buscar meu preso na ‘penita’ de Nova Serrana. Chegamos a Monte Sião no final da tarde, eu atras do volante, e meu preso, que atendia pelo epiteto de “Cafarnaum”, no banco de trás com os braços atados por dois pares de algemas na barra de proteção atrás dos bancos.

Nossa viagem de mais de 400 quilômetros foi tranquila. Viemos contando história um para o outro, estreitando laços. Ficamos quase amigos. Tão amigos que um mês depois livrei Cafarnaum de uma enrascada amorosa. Durante os meses que havia morado em Monte Sião, onde cometera diversos crimes, Cafarnaum arrumou uma namorada e foi morar com ela – meliantes são como soldados na guerra! Tem uma facilidade incrível para arrumar namoradas! Mas meu preso não era livre. Ele tinha mulher e filhos na Bahia, sua terra Natal. Tão logo ficou sabendo que o marido havia sido transferido para Monte Sião, a esposa veio visitá-lo – mulher de preso adora visitar marido na cadeia! Tudo bem. Cada um com seu cada um. O problema é que a amasia de Monte Sião não perdia uma visita de quarta-feira. Chegava sempre de mãos cheias, trazendo frutas, comidas, cigarros e chamegos! O encontro entre ‘matriz’ e ‘filial’ poderia resultar em barulho e “quebrar a rotina” do hotel do contribuinte da bucólica Monte Sião. Para evitar que a simplória cadeia e o silencioso cemitério – que ficam defronte um ao outro – aumentassem seus hospedes, caso as duas se encontrassem, barrei a visita da mineira…

– Seu ‘marido’ cometeu um ‘ilícito administrativo’ e está de castigo. Ele só poderá receber visitas na emana que vem – disse eu à jovem amante, quero dizer, amasia!

Como costumam zombar os policiais do próprio fadário, “policial ganha mal, mas as vezes se diverte”!

 

Sou – quase – da época em que os policiais eram “pegos a laço”. No início dos anos 80 era comum o Inspetor entregar três Mandados de Prisão a uma dupla de Detetives e dizer:

– Deem uma volta aí pela cidade… Tragam ao menos um desses três procurados!

– Em qual viatura a gente vai?

– Vejam se tem alguma disponível. Se não tiver, vão a pé mesmo!

 

Muita coisa mudou desde então. Hoje, para ser Detetive, tem que ter curso superior. A maioria dos policiais passam o dia – cumprem expediente – navegando… na ‘proa’ de um computador!

 

Rabo Verde… “nosso louco favorito”!

Ele foi um dos poucos ‘loucos’ que frequentaram o Hospício de Barbacena e voltaram de lá!

O destempero do nosso personagem trouxe, algumas vezes, consequências. Atendendo a reclamações de algumas senhoras mais sensíveis à palavrões, alegando que ele era um perigo e mau exemplo de educação para as crianças e donzelas que iam e voltavam das aulas nos colégios Santa Doroteia, Mons. José Paulino e Colégio Estadual, alguns maridos mais sisudos encaminhavam suas preocupações ao delegado de polícia.

– É preciso tirar o Rabo Verde do convívio com as pessoas! “Ele é louco”, diziam.

E lá ia o Rabo Verde para o hospital psiquiátrico Jorge Vaz em Barbacena. Ia no velho e barulhento trem da Rede Sul Mineira, o mesmo que o trouxera para Pouso Alegre em meados do século. No entanto, o vazio, a falta de assunto que sua presença marcante deixava nas ruas, nos bares, farmácias, durava pouco! Algumas semanas depois ele estava de volta. Não se sabe como ele achava o caminho, mas achava. Vinha no mesmo trem que o levara.

– O que aconteceu que te deixaram sair do manicômio, seu Antônio? – Indagavam alguns folgazões com um copo de cerveja na mão no Empório Goulart ou no Vila Rica, só para ouvi-lo contar do seu jeito simplório e darem risadas…

– Briguei com o doutor…

– Mas por quê?

– O doutor é burro…

– Como assim?

– Ele me entregou um jacá e mandou eu buscar água na bica: eu falei “vai você seu burro! Não tá vendo que o jacá tá furado? Aí ele ficou com raiva e mandou eu embora” …

Rabo Verde era mesmo iluminado. Ou contou com muita sorte! Ele foi uma das poucas pessoas que se tem notícia que foi internada no hospício de Barbacena, aliás várias vezes, e voltou de lá. No livro “Holocausto Brasileiro” a jornalista Daniela Arbex conta histórias de centenas, milhares de pessoas, com muito mais referências, com famílias e raízes, que entraram no malfadado hospício e de lá só saíram uma vez, fizeram uma única viagem… para o cemitério da cidade! Outras centenas e milhares não chegaram a fazer nem uma viagem… Foram enterradas nas cercanias do próprio hospício! Ou foram esquartejadas e dissecadas em faculdades de medicina de Juiz de Fora e do Rio de Janeiro sem que os familiares jamais soubessem ou buscassem informações.

Mas Rabo Verde tinha muitos quintais para carpir, escorpiões para queimar e chuchus para colher em Pouso Alegre. Por isso sempre se recusava a “buscar água no jacá”, e acabava voltando para terras manduanas, para preencher a rotina dos cidadãos de bem, alimentar a caridade das samaritanas e fazer a alegria da garotada com seus xingos e pedradas nas cercanias do centro da cidade.

Dentre todos os ‘desajustados’ que Pouso Alegre abrigou ao longo da sua história, Rabo Verde foi, sem dúvida, “nosso louco favorito”!

 

[email protected] – Quem Matou o Suicida, pags.27e28.

Milagre no Cidade Jardim

      Adolescente engravida sem ter relações sexuais com ninguém!

Fabíola mora com a mãe, o padrasto e uma tia no Cidade Jardim. Ontem pela manhã ela sentiu um mal-estar, por isso foi levada ao hospital regional para um atendimento de emergência. Felizmente não estava doente! O resultado foi uma surpresa! Os exames mostraram que a garotinha de 16 anos… vai ser mamãe!!! E muito em breve! Ela está gravida de oito meses!

 

Seria uma boa notícia para a família, não é?

Mas tem um probleminha… Fabíola é solteira! E pior!!! Ela não manteve relação sexual com ninguém!

A adolescente tem um namorado adulto, mas jura de pés juntos que nunca teve relações sexuais com ele!

 

Mas então a gravidez seria obra do Espírito Santo!?

A garotinha não se lembra de ter recebido a visita do Anjo Gabriel!… Mas lembra vagamente que durante a noite, enquanto dormia, algumas vezes ‘percebeu’ a presença do padrasto em seu quarto!

– “Desde os 13 anos, as vezes eu acordo de um sono pesado e vejo um vulto saindo do meu quarto… Quando acendo a luz ele já foi embora… Acho que é meu padrasto”!

A tia, que também mora na casa e dorme no mesmo quarto da menina, corroborou suas informações…

– “Eu também já acordei três vezes de madrugada e vi o fulano esfregando nela”!

O padrasto não nega que tenha ido ao quarto da enteada…

– “Todas as vezes que eu fui ao quarto, foi para cobri-la, para ela não pegar um resfriado”… – disse o terno padrasto.

Bem, o BO que registrou o fato tem mais detalhes sobre o ‘milagre’… mas convém calar!

 

Quando se fala em estupro, a gente logo imagina uma mulher comum voltando da escola ou do trabalho, caminhando solitária por uma rua escura no meio da noite, quando de repente, de trás de uma arvore, surge um mondrongo mal-encarado, agarra a mulher pelo braço enquanto tapa sua boca com a outra mão e a arrasta para um matagal onde rasga suas roupas intimas e consuma o ato! Esse é o clássico estupro, dos filmes de suspense dos anos 70, 80, 90…

O estupro do século XXI, é bem diferente. Esse acontece sem violência explicita, sem esperneios, sem gritos, dentro de casa! Às vezes até com a anuência de testemunhas que se calam por medo, por conveniência e as vezes até por … ignorância! Acham isso normal!

 

A gravidez obnubilada, misteriosa, – ou santa! da garotinha, é mais comum do que parece!

Ao longo da carreira policial e jornalística, deparamos com dezenas de casos parecidos! E por motivos diferentes. Algumas vezes a adolescente mantém relação com o padrasto, e, para protege-lo, diz que o pai da criança é o namorado!

Outras vezes, para pôr fim ao relacionamento da mãe, ela mantém relação com o namorado e alega que o padrasto é o tarado, provocando assim a discórdia e consequente separação!

 

O caso da garotinha do Cidade Jardim, cuja gravidez, por ora, “ainda é obra do Espírito Santo”, naturalmente foi parar na Delegacia de Mulheres de Pouso Alegre e virou Inquérito Policial. Depois que o bebezinho – que não tem nada a ver com o imbróglio! – nascer, um simples exame de DNA poderá dizer quem ele deverá chamar de “pai”!

 

Isso resolve um problema, mas cria outro! O bebê será criado sem pai… Pois o pai, seja ele quem for, deverá ficar ausente entre 08 e quinze anos… hospedado no Hotel do Juquinha!

Cirilo ‘Bola Sete’ chegou ao fim da caminhada…

Depois de algumas décadas vivendo nos velhos hotéis do contribuinte, o cidadão que retoma a liberdade “não tem mais utilidade nem pra ele e nem para a sociedade”.

Dura realidade!

Tais egressos do sistema prisional, saem moralmente cambaleantes e nunca mais se aprumam. Vivem de favores, muitas vezes em muquifos fétidos, debaixo de pontes e viadutos, nas sarjetas, nos semáforos mendigando moedas para sustentar os pequenos vícios, morrendo aos poucos, até que a morte dê o golpe fatal!

Assim foi com o egresso Cirilo do ‘Bola Sete’!

Começou cedo o caminho torto! Aos 17 anos já era figurinha fácil no álbum da polícia. Entre uma fuga e outra, um crime e outro, uma prisão e outra, Cirilo passou mais de duas décadas vendo o sol nascer quadrado. Os últimos anos foram na APAC – de onde deveria ter saído com uma profissão definida e uma oportunidade concreta de um recomeço na vida.

No entanto, é necessário muito mais do que isso para apagar vinte e tantos anos de ócio e maculas acumuladas ao longo do caminho torto! Cirilo não teve forças para isso!

Nessa foto – que eu fiz em 2010 – apoiado na grande conteira em frente a casa do seu falecido pai no Aterrado, havia poucos meses que ele havia deixado a APAC. Ainda mantinha o viço da vida. Ao contar um pouco das suas aventuras e desventuras no mundo do crime, ele ainda alimentava a esperança do recomeço… mas não conseguiu voltar ao início da juventude para recomeçar!

A outra foto, enviada por uma amiga comum esta manhã, ilustra um pouco do que as drogas – essa mesma que o governo insistiu e o STF liberou a poucos dias – podem fazer com as pessoas.

Segundo nossa amiga, Cirilo morreu dormindo essa madrugada, num muquifo qualquer cedido por outros nóias na baixada do Mandu.

– “Cirilo estava muito debilitado. Eles fizeram um miojo pra ele e deixaram ele ficar. Pelo menos morreu de barriga cheia, numa cama quentinha” – disse a amiga, que diversas vezes tentou, sem sucesso, tirá-lo dos vícios.

As pessoas que defendem a liberação das drogas – da “maconha recreativa” – deveriam conhecer um pouco mais as histórias de “Meninos que vi crescer”. Cirilo do Bola Sete é um dos meninos que vi crescer…

O MENINO NÃO CANTA MAIS …

Na quinta-feira, enquanto dormia, passou de um sonho a outro e lá ficou…

Na verdade, faz muitos anos que ele parou de cantar. Cantava afinado, com a voz fina, doce e aguda… Cantava feliz, fingindo distração enquanto passava graxa nos sapatos dos clientes. Ganhou até o apelido de “Engraxate Cantor”!
Assim era Claudinei no final da adolescência. Cantou até tropeçar numa pedra no caminho… Até tropeçar na famigerada “pedra bege fedorenta”!
Desde então desafinou, tornou-se dependente da pedra. E para conseguir dim-dim para infringir o artigo 28 da lei 11.343, precisou infringir outros artigos do código penal. Isso o levou diversas vezes para o Hotel do Juquinha, depois APAC… Tornou-se um típico “Menino que vi crescer”!
Quitou seu débito com a justiça, mas não conseguiu voltar à encruzilhada e recomeçar sem mácula … Continuou no caminho espinhoso de quem um dia fez a escolha errada. Até que numa madrugada fria, há três anos, envolveu-se numa contenda banal com um desafeto e foi ferido a golpes de tesoura.
Desde então, quase inválido, tornou-se recluso em um quarto cedido por uma sobrinha. Já não engraxava, não cantava…
Semana passada, enquanto dormia, passou de um sonho a outro e lá ficou… não acordou mais!
Na quinta-feira, 20, seu corpo voltou ao pó… do Cemitério Municipal.
Claudinei, o Engraxate Cantor, era um dos “Meninos que vi crescer”!