Sequestro no Bairro dos Fernandes!

Duda foi sequestrada por um gato?

O bichano mal-intencionado entrou na residência e, quando a dona da casa abriu a porta para expulsá-lo, Duda se assustou e foi embora com ele!

O imbróglio aconteceu nesta segunda feira, 09, no bairro Recanto dos Fernandes em Pouso Alegre.

Leidy Almeida, tutora da Duda, está desesperada.

– “Ela foi criada dentro de casa! Nunca saiu na rua”! – diz Leidy.

A tutora da bela e manhosa Duda está pagando até recompensa para quem souber o paradeiro e devolver sua gata!

Quem tem um pet como companhia, sabe o valor que ele tem para seu humano!

Ajude a Duda a voltar para casa!

Thomas Green Morton… um paranormal bem normal!

      Nosso terceiro e último encontro foi na sua casa. Não fui convidado. Fui de bicão… e levei comigo 15 detetives! Missão: procurar uma espingarda calibre 12!

A primeira vez que eu o vi – ao vivo e à cores… e perfumado! – foi na recepção da delegacia de polícia de Pouso Alegre, em 98, no auge da fama. Passou por mim, deu um leve tapa no balcão, como se fosse um velho funcionário, e seguiu direto para o gabinete do delegado regional. Entrou sem bater e sem ser anunciado. Seu perfume entrou alguns segundos antes dele na DP e não conseguiu acompanhá-lo… Ficou perdido durante horas flutuando pelos corredores!

Assim era Thomas Green Morton de Souza Coutinho – meu primo distante. Não precisava ser anunciado… seu perfume o precedia! Não precisava bater… as portas – dos amigos graúdos! – estavam sempre abertas! E deixava um rastro por onde passava!

Esse foi nosso primeiro encontro. Aliás, ‘meu’ primeiro encontro, pois ele passou por mim como se eu não existisse!

Nosso segundo encontro também foi unilateral, só eu o vi! Mas desta vez foi bem menos glamouroso. Foi às cinco horas de uma manhã gelada de 2002. Eu estava tirando um cochilo no CPD da delegacia, repartição na qual eu trabalhava durante a semana, quando meu parceiro de plantão me chamou para auxiliá-lo, pois havia ‘conduzidos’! Na verdade, era apenas um conduzido: Thomas Green Morton. Ele estava sentado no frio e liso banco de madeira da DP e não me cumprimentou com o tradicional braço direito levantado e o famoso “Rá” que o tornou famoso. E nem poderia. É que ele estava amarrado… amarrado num pé de cana! Mamadiiiinho, mamadiiiiinho! E foi justamente o suco de gerereba que o levou para a delegacia no final da madrugada. Mas não foi por embriaguez ao volante… Foi por homicídio culposo ao volante. Depois de passar boa parte da madrugada abraçado com ‘Severina do Popote’ na danceteria Maracanã, Thomas abraçou o volante do seu Troller e tentou voltar para seu sítio no bairro caiçara, do outro lado da cidade. Não foi longe! Na saída da Três Corações, a pouco mais de duzentos metros da danceteria, ele entrou na Augusto Gomes de Medela como se a avenida fosse só dele, como se não houvesse amanhã! E não houve mesmo, ao menos para uma pessoa! Um pobre padeiro passava por ali naquela fria manhã a caminho do trabalho. O choque foi inevitável. A morte foi instantânea.

Demorei para reconhecer o “guru das estrelas” ali no banco da DP. Ele usava seu traje característico: coturno preto, calça preta, camisa escura, blusão de couro preto, cordões, correntes e os longos e espandongados cabelos pretos. Mas estava só. Tão só quanto um mortal comum. Não havia nenhuma estrela da música ou de novela com ele. Parecia sonolento, parecia desacorçoado, parecia embriagado, parecia um paranormal… normal!

Nosso terceiro e último encontro se deu pouco tempo depois, na sua casa no Caiçara em Pouso Alegre. Não fui convidado. Fui de bicão… e levei comigo 15 detetives! Missão: procurar uma espingarda calibre 12!

Thomas ficou famoso por desentortar garfos, fazer brotar perfume da palma da mão e curar doenças, qualquer doença, especialmente de pessoas famosas e endinheiradas. Apesar de todo esse dom para grandes obras e causas – remuneradas em dólares – Thomas tinha dificuldade para lidar com coisas pequenas… inclusive para ‘política de boa vizinhança’! Seu vizinho do lado de cima de sua chácara no Caiçara que o diga. O tiro disparado da estrada defronte derrubou quase três metros de muro! Minha visita naquela manhã ensolarada era para apreender a destruidora calibre 12.

Algumas peculiaridades no cumprimento daquele inusitado Mandado de Busca e Apreensão na chácara do Homem do Rá, tanto tempo depois, continuam latentes! A primeira foi a recepção do seu caseiro. Quando informei o propósito da ‘visita’ ele disse:

– “Ah, tá… o Thomas acorda sempre ao meio-dia. Podem esperar aí fora que a hora que ele acordar eu chamo vocês”!

Acho que o caseiro não me conhecia, rsrsrsrs…

Eram quase dez da manhã. Empurrei delicadamente o portão e entramos. Dividi o grupo de dezesseis em quatro e cada um mirou um alvo. Fui com meu grupo para a casa principal, o palácio, onde o ‘príncipe adormecido’ desfrutava das caricias de Morfeu! Na varanda sul do ‘palácio real’ havia um extenso mural donde se podia avaliar as amizades e influência do ‘guru’ – metros e metros de fotografias com pessoas importantes, dentre elas, juízes, delegados, promotores, políticos e, claro, artistas famosos! Entre as fotografias, que hoje seriam selfies com o paranormal, estavam o do homem da capa preta que assinou o mandado de busca e apreensão e a do ‘manjura’ que me passou a missão de encontrar a cartucheira! Missão ingrata e infrutífera. Durante quase duas horas varremos cada centímetro da chácara do guru… e não encontramos a malfadada arma que derrubou o muro do vizinho e chamuscou seu topete!

Dizem as más línguas, que tão logo saí da delegacia com minha mega equipe, o mesmo delegado responsável pelo IP ligou para o investigado e avisou:

– Bom dia meu amigo… estou mandando uma equipe aí na sua casa para procurar a tal espingarda. É ordem do juiz, sabe como é né … Mas fique tranquilo. É só uma formalidade – teria dito ele quase pedindo desculpas pelo incomodo.

Despertado com o burburinho da nossa respeitosa presença, Thomas ‘Rá’ Green Morton deixou sua alcova real e juntou modorrentamente a nós, em trajes de quatro paredes, protegido por um singelo roupão. Não parecia aborrecido e nem surpreso. O que chamou a atenção, no entanto, não foi sua indiferença àquela invasão legal! O que todos nós percebemos e sentimos, aliás, não sentimos foi seu cheiro! Ele não exalava seu tradicional perfume que inunda todo lugar espaço que ocupa! Parecia um paranormal… bem normal!

Desmascarado pela ‘Vênus Venenosa’ em seu programa domingueiro em 2002, O Homem do Rá saiu de cena. Passou anos longe dos holofotes, numa chácara no município de Capitólio, região do Lago de Furnas. Foi lá que ele foi preso em 2010 por conta do homicídio culposo do padeiro na saída da danceteria quase dez anos antes.

Longe dos holofotes, mas sem desprezar seus dons recebidos dos céus em forma de raio durante uma pescaria em dia chuvoso no bairro Faisqueira em 1959. Sem alarde ele continua vendendo ‘curas sensitivas’ as quais nem sempre é possível entregar. Enredado em suposto crime de cárcere privado em Pouso Alegre na semana passada, Thomas recebeu as pulseiras de prata e foi sentar-se ao piano do paladino da lei na DP. Ele é bom com garfos… as pulseiras de prata ele não conseguiu entortar!

Desta vez – sem os amigos das ‘selfies’ para avisá-lo das buscas – os homens da lei conseguiram encontrar armas na sua casa. No entanto, as características das armas comportam fiança – dentro da lei -, por isso Thomas responderá a mais um processo em liberdade!

Enfim… Thomas Green Morton continua sendo um paranormal… bem normal!

A advogada e o “Crime da Mala”

     Dois dias depois de matar sua benfeitora, o assassino voltou ao local do crime, colocou o corpo na mala e jogou na beira do rio!

Filho de família simples, correta e ordeira do interior de Minas, Ed, 38 anos, tornou-se  ovelha negra…

     A noite quente de final de janeiro de 2018 era ainda criança quando o rapaz levantou-se do chão e se atirou no sofá. Estava ofegante. Acabara de fazer muito esforço físico. A coroa dera mais trabalho do que ele esperava. Mas agora estava ali, estendida aos seu pés no tapete da sala. Depois de recuperar o fôlego, reclamou com a mulher:

– “Não precisava nada disso! Custava ter me dado cinquenta reais?” – disse ele fingindo censura.

A mulher continuou muda, imóvel, estendida no chão. E jamais responderia! Jamais se moveria! O único membro que ela moveria seria o dedo polegar… dali a quarenta e oito! Mas só moveria diante de um tosco alicate… pois estava morta, completamente morta! O fio de carregador de celular que obstruíra a passagem de oxigênio pela garganta ainda estava envolto no seu pescoço. O assassino havia enlaçado e mantido o fio em volta do pescoço dela até que ela parasse de respirar. A carteira dela, objeto da luta curta e desigual, estava jogada a um canto da sala. Indiferente ao corpo ainda quente estendido no chão, o rapaz se levantou do sofá e vasculhou freneticamente a carteira.

– “Que droga! Não tem dinheiro! Só papeis e cartões de banco”! – praguejou ele.

Despejou todo o conteúdo da carteira sobre o sofá… precisava encontrar a senha do cartão. Antes de revirar o quarto e outros possíveis locais da casa onde a advogada poderia esconder seu dinheiro, o assassino deu um pequeno empurrão com o pé, no ombro ela, para ter certeza de que ela estava morta. O corpo ainda morno e flácido apenas balançou como uma gelatina, mas continuou inerte. Durante meia hora o assassino revirou a casa da advogada em busca de dinheiro. Mas nada encontrou. Sentou-se desacorçoado outra vez no sofá da sala e olhou com raiva para o cadáver à sua frente. Soltou uma praga qualquer.

– “Toda velha que mora sozinha guarda dinheiro em casa… onde está o dinheiro? Agora não serve de nada pra você”! – pensou alto o assassino de ocasião.

O corpo continuou inerte e mudo no chão morno da sala. Apesar das morte rápida, abrupta e violenta causada pela asfixia, seu rosto estava sereno. Excetuando os longos cabelos ruivos revoltos durante a luta desesperada pela vida, o cadáver da advogada estava bem apresentável. O assassino teve pena. Arrumou-lhe uma mecha de cabelo que cobria parcialmente seu rosto e ficou por uns instantes a contemplá-la. Lembrou-se das outras vezes que batera na porta da sua casa nos últimos meses. A primeira foi para pedir comida – ganhou um pacote de macarrão e um litro de óleo. A segunda vez ofereceu para carpir o quintal da advogada. Enquanto carpia, a mulher ficou na janela conversando com ele, ouvindo – a parte sem censura das – suas histórias de vida. Naquele dia ganhou cinquenta reais. Mais do que isso, ganhou a confiança da mulher, confiança para abrir-lhe a porta naquele início de noite e dar-lhe um prato de comida.

Era a quinta vez que voltava à casa de Luzia em busca de pequenos adjutórios, a primeira no período noturno. Não tivera escolha. Uma hora atrás pedalava sua bicicleta velha, desalentado, feito barata tonta nas cercanias da Avenida Perimetral. Sentia uma angústia que não sabia de onde vinha – na verdade sabia. O peito doía, o estômago doía, a cabeça doía…  Só havia um remédio… uma pedra! Precisava urgentemente de uma pedra… uma pedra bege fedorenta! Para isso ele precisava de ‘derreal’! Mas ele não tinha dez reais na algibeira da bermuda. Poderia fazer uma troca na biqueira. Mas o que daria em troca? Ele só tinha a bicicleta velha. Rodou várias biqueiras da baixada do Mandu e ninguém quis pegar a magrela… ela não valia uma pedra! Foi aí que ele se lembrou da ‘tia boazinha’…

Apesar de a noite ainda ser uma criança, Luzia o atendeu ressabiada. No entanto, após ouvir suas chorumelas – entre elas, que não havia feito sequer uma refeição naquele dia – ela abriu a porta e o deixou entrar. O atrito começou quando ele pediu e insistiu em dinheiro. Temerosa, percebendo que fora incauta, Luzia tentou correr para porta! Ed tentou impedir que ela saísse e acusasse sua presença. E travou-se a batalha de vida ou morte… por um punhado de reais para comprar pedra bege fedorenta!

O macambúzio desfecho do encontro com a advogada e benfeitora não abalou os sentimentos e nem os desejos de Ed. Ele continuou sentindo aquela fissura, aquele mal-estar, aquela necessidade de afagar o cérebro… aquela vontade louca, indefinível de queimar uma pedra! Seu cérebro precisava ouvir o fedorento crepitar do crack, crack, crack no fundo de uma latinha amassada, de aspirar a fumaça da piteira improvisada e sentir o efeito da farinha do capeta misturada com outras porcarias! Para isso ele precisava de… dim-dim, ‘Money’, bufunfa, ‘faz-me rir’, dez, ao menos dez ‘reial’!

Depois de longos minutos revirando a casa da advogada em busca de dinheiro, sem sucesso, Ed deixou o macabro local e foi direto ao caixa eletrônico mais próximo levando apenas o cartão bancário roubado. Não conseguiu fazer o tão desejado saque. Não conseguiu o dinheiro que precisava para comprar a droga.

Mas deixou rastros…

O local do fútil e inútil crime fica num beco discreto, com duas ruelas apertadas formando uma cruz, escondido no átrio direito do coração de Pouso Alegre, frequentado apenas pelos moradores locais e entregadores em domicílio ou de correspondência. Quarenta e oito horas depois Ed voltou ao local do crime. Ele não sabia exatamente por que… mas voltou!

Talvez tenha voltado apenas para se cumprir o velho jargão da psiquiatria policialesca que diz que “o criminoso sempre volta à cena do crime”!

Talvez tenha voltado atraído pelo espírito da pobre Luzia, que exigia dele algum destino para seu corpo!

Talvez tenha voltado influenciado pelos espíritos trevosos que costumam assediar os malfeitores… para induzi-lo a outras maldades!

Talvez tenha sido arrastado pela possibilidade de lucro fácil. Sabia que não encontraria dinheiro. Mas tudo que havia lá poderia ser transformado em dinheiro. Os infindáveis ‘intrujões’ da baixada do Mandú, ou os próprios fornecedores da pedra bege fedorenta, à base de cinco por um, fazem qualquer negócio, sem perguntar a procedência do objeto que já sabem de tratar de ‘rês furtiva’.

A quarta opção parece ser a mais verossímil!

Antes de entrar, Ed sondou sorrateiramente a casa da advogada. Estava como ele deixara na noite anterior: em silencio! Silencioso também o assassino girou a fechadura da porta que ficara apenas cerrada, empurrou a porta lentamente e deparou com sua benfeitora. Luzia estava exatamente como ela a deixara na noite anterior! inerte estendida no chão! Seu crime continuava em segredo. A única diferença é que agora Luzia parecia um cadáver. Cadáver exposto no tapete da sala há 48 horas!

Na noite do crime, mesmo sem conseguir sacar o dinheiro da conta da advogada, Ed conseguiu enganar seu cérebro. A fissura havia passado. Há duas noites havia matado a pobre mulher num momento de confusão mental, confusão causada pela abstinência da droga. Naquele momento ele não tinha necessidade de drogas, mas, no futuro, poderia ter. Foi aí que a quarta opção apareceu clara e fria na sua mente! Ele sabia que a aposentada quase não tinha parentes, e poucos contatos com eles. Sabia também que Luzia era o tipo de pessoa que se relacionava com os vizinhos do ‘portão para fora’, restrito a ‘bom dia, ‘boa tarde’, ou seja: uma vida social discreta, quase invisível. Certamente ninguém perceberia sua ausência. Por isso resolveu se apossar de todos os bens moveis de Luzia. O limpador de quintal resolveu fazer uma ‘limpeza’ geral dentro da casa. Nos dias seguintes, à prestação, os moveis da advogada mudaram de dono. Levados por carroças, foram parar nas bocas de fumo e lojas de ‘intrujões’ na baixada do Mandú a menos de um quilometro dali. Um vizinho chegou a questionar Ed. Mas ele tinha uma resposta pronta e convincente.

– “Minha tia foi morar no asilo. Ela me pediu para vender os moveis dela”! – respondeu o rapaz, sem pestanejar. Aliás, ele contrariou o velho ditado de que “quem não deve não teme”. Ele devia e no entanto não temeu… e nem tremeu!

Mas afinal, e o corpo da advogada e professora aposentada Luzia? Ele continuou estendido no chão da sala de sua casa por vários dias atrapalhando Ed e seus ajudantes de carroça a arrastar os móveis? Foi enterrado no fundo do seu quintal, aquele mesmo quintal que meses antes abrira a porta para o assassino?

Não.

A maioria dos crimes, frios ou brutais, não são planejados. Eles acontecem por três motivos: por estupidez e descontrole emocional; por circunstâncias do momento e; por ausência de sensibilidade humana. Logo, acabam vindo à tona. Tivesse Ed enterrado o corpo de Luzia no seu quintal, seu crime jamais seria descoberto. Mas ele não tinha nem coragem e nem inteligência para tal. Por isso escolheu uma opção mais simplista – e arriscada! Ou quem sabe, na esperança de ver o crime descoberto, o espírito de Luzia tenha induzido o assassino a sair na rua carregando o corpo. E foi o que ele fez! Ao decidir tomar posse dos bens de Luzia, de porteira fechada, Ed pegou seu corpo, colocou numa mala, colocou a mala na garupa da sua bicicleta – aquela que não valia uma pedra de crack – e rumou para a baixada do Mandú. A mala foi deixada numa restinga de mata ciliar na beira do velho rio!

Antes de colocar os bens de Luzia numa ‘marika’ e atear fogo, Ed ainda pensou em movimentar sua conta bancária, mesmo sem senhas. Para isso precisaria das digitais da morta. Na noite seguinte à desova, três dias depois de tê-la matado, Ed voltou à beira do rio Mandú, abriu a mala e cortou com um alicate os polegares do cadáver! Usando os sinais biométricos dos dedos em putrefação, tentou mais uma vez acessar o caixa eletrônico na cabine do terminal rodoviário, a poucos metros de onde jazia a macambúzia mala com o restante do corpo!

O crime da advogada transportada numa mala e desovada na beira do rio, sem os polegares superiores, foi descoberto quatro semanas depois. Seu sumiço, no entanto, foi percebido bem antes. Uma amiga dela foi a primeira que notou seu silencio, a falta de respostas aos seus telefonemas. Amiga virtual e leitora do Blog do Airton Chips, ela manifestou sua preocupação. Foi aconselhada a levar o fato à polícia, ou aos parentes de Luzia. No dia 07 de fevereiro uma sobrinha comunicou o desaparecimento da advogada e professora aposentada, de 67 anos, à polícia civil.

Dias depois os detetives descobriam que os cartões bancários de Luzia haviam visitado caixas eletrônicos… sem a sua presença! Depois de visitar os asilos da cidade, os detetives passaram a seguir os rastros das carroças que dias antes haviam desfilado pelo beco onde morava a advogada. Não tardou chegaram ao muquifo de Ed, o ‘suspeito número um’, nas rebarbas insalubres da baixada do Mandú. Ed não estava em casa para a entrevista e rotina. Além do mais, eram ainda investigações e ele não estava em estado de flagrância, portanto não poderia receber as pulseiras de prata, por isso não o procuraram mais.

O ‘mandamus’ do homem da capa preta autorizando a prisão temporária do suspeito pelo sumiço de Luzia, foi assinado na sexta-feira, 23 de fevereiro, exatamente quatro semanas depois de ela ter sido asfixiada por ele na sala de sua casa! Mandados de prisão autorizados pelo homem da capa preta e liberados para a polícia na sexta-feira, costumam dar pelo menos dois dias de liberdade ao desfavorecido. A menos que ele cometa outro crime e receba as pulseiras de prata no final de semana! Esse foi o caso do ingrato e incauto assassino da advogada. Ele foi preso por outro crime!

No final da madrugada do sábado, 24, um gatuno sorrateiro entrou, sem convite, nas dependências da ‘Casa Dia’. Embora seja viciado em drogas e a Casa Dia se dedique a acolher, curar viciados e recuperá-los, o gatuno não pretendia se curar… Pelo contrário, pretendia conseguir recursos para alimentar seu vício. Ao acordar casualmente no meio da madrugada um interno viu o vulto sorrateiro se esgueirando pela comunidade com uma faca na mão, e soltou os cachorros… literalmente! Os cães colocaram o gatuno para correr, evitando que ele levasse a rês furtiva, a qual já havia separado para roubar.

Ganha um doce de batata doce caramelado quem adivinhar o nome do gatuno que tentou furtar a Casa Dia! Ganhou! Isso mesmo… o nome dele é Ed! Ed, o assassino da advogada.

Para confirmar o velho jargão policialesco de ‘Sir’ Arthur Conan Doyle – criador de Sherlock Holmes – ou, talvez, – mais uma vez – induzido pelo espírito da advogada em busca de justiça, o ‘criminoso voltou à cena do crime’! Na verdade, ele nem foi embora! Ficou rondando nas imediações. A tentativa de furto na entidade que vive de doações revoltou os internos e moradores do bairro. No início da tarde, ao ser visto rondando novamente a Casa Dia, populares o pegaram, deram-lhe uma surra e o entregaram para a polícia. Entregaram respirando, pois não sabiam o que ele havia feito no ‘verão passado’, quero dizer, no mês passado! Ironicamente as pulseiras de prata dos homens da lei salvaram sua vida!

A prisão de Ed, realizada por populares no final de semana, poupou o trabalho dos policiais da delegacia de homicídios. No início da semana Ed, até então apenas personagem das investigações policiais, sentou-se ao piano do delegado de Homicídios e assinou o 121. Desta vez, ‘induzido’ apenas pelo paladino da lei e seus pupilos, ele voltou mais uma vez ao local ‘dos’ crimes de latrocínio, ocultação e vilipendio de cadáver. Contra sua vontade ele contou todos os detalhes do funesto crime! Desde então o autor do ‘crime da mala’ de Pouso Alegre está hospedado no Hotel do Juquinha.

O Código Penal diz que Ed tem ‘direito’ a hospedagem gratuita por 30 anos. Isso, no entanto, vai depender de duas benevolências! A da justiça brasileira, prevista na Lei de Execuções Penais, que diz que ele tem direito a saidinhas temporárias e redução da pena para se ressocializar! E a benevolência dos ‘irmãos de caminhada’, que, na cadeia, costumam ter suas próprias leis para quem comete crimes contra crianças e idosos!

O tempo dirá quantos anos o assassino que interrompeu a respiração da advogada ficará sem respirar o benfazejo ar da liberdade!

Eu poderia…

… Estar curtindo mensagens fúteis no meu face…

Eu poderia estar compartilhando fake News no WhatsApp…

Eu poderia estar assistindo mais um espetáculo circense (de baixo nível) da CPI da pandemia…

Eu poderia estar pedalando na orla da lagoa da Pampulha ou do Mineirão…

Eu poderia estar falando de esporte, de polícia ou de política e ‘apagando incêndio’ através do programa ‘Tudo Junto & Misturado’ da Super Radio 90,9FM, como faço toda quinta-feira…

Eu poderia estar lendo um livro (tenho vários que ainda não tive tempo sequer de abrir)…

Eu poderia estar fazendo propaganda dos meus livros “Meninos que vi crescer” e “Quem matou o suicida”…

Eu poderia estar escrevendo mais um capítulo do meu livro “Cachorradas da minha vida”…

… Ou poderia, simplesmente, estar tomando o gostoso sol de inverno no meu jardim!…

… Mas preferi fazer essa singela postagem!

     O ultimo sábado 26 de junho, foi lembrado!?!?! como “Dia Internacional de Combate às Drogas”. A data foi data estipulada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio da Resolução nº 42/112, de 7 de dezembro de 1987, como um dia especial de combate às drogas, criado por recomendação da Conferência Internacional sobre o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas.

     Na ocasião o MJ divulgou um balanço sobre as apreensões de drogas feitas pela PRF no período de 26 de junho de 2020 a 16 de junho de 2021.

     Foram apreendidas:

* 633 toneladas de ‘erva marvada’… também conhecida como maconha.

* 31 toneladas de ‘farinha do capeta’… também conhecida como cocaína.

* 4.638 pessoas envolvidas com o tráfico receberam as pulseiras de prata e foram sentar-se ao piano no paladino da lei nas DPs Brasil afora.

     “Abrace seu filho… Não deixe que as drogas o abracem”!

Acabou a caçada ao criminoso

Sargento troca tiros e mata estuprador na beira do rio!

Sargento Campos em 2009: – Foi ali no fundo perto da restinga, onde está hoje esse milharal, que eu troquei tiros com o bandido!

Passava de cinco e meia da tarde. O sol de fim de inverno havia acabado de se deitar atrás da restinga de mata ciliar. Estavam numa capoeira a poucos metros do rio cujas águas barrentas desciam serenas naquele trecho. Apesar da agitação do dia e especialmente da tensão daquele momento, os dois homens começaram sentir frio. Os agasalhos haviam ficado na viatura, a cerca de um quilômetro dali, na saída da cidade.

– Soldado, daqui a poucos minutos vai escurecer. Melhor suspendermos a caçada por hoje. Vá buscar a viatura. Vou ficar esperando você aqui… eu estou muito cansado – disse o sargento.

Ao ver seu subordinado atravessar a cerca de arame farpado e sair na estradinha rural do bairro Pouso do Campo, a menos de cinquenta metros dele, e seguir para a cidade, o sargento sentou-se ao chão numa pequena saliência do terreno sobre o capim batido pelo gado. Estava cansado, muito cansado. Havia saído de casa para uma patrulha florestal no município de Bom Repouso, a mais de cem quilômetros dali. Findada a operação, voltara para Pouso Alegre e subira de barco o Rio Sapucaí, já no final da tarde. Não precisava fazer isso. Já trabalhara mais de oito horas naquele dia. Mas havia dezenas de policiais colegas seus embrenhados no mato, numa arriscada caçada humana tentando prender o famigerado estuprador! O denodo policial não o deixaria descansar… E fora se juntar aos demais colegas na caçada.

Ligeiramente protegido pela saliência do terreno, sentou-se atrás de uma moita de assa-peixe. Não fosse o perigo e a tensão, dormiria! Mas era preciso ficar atento. O bandido poderia estar muito longe dali… mas poderia surgir de trás de uma moita a qualquer momento. Só a natureza falava. O silencio do crepúsculo foi cortado pelo canto triste de um Curiango bem perto do rio. De repente, apesar da sinfonia interminável dos grilos, o experiente policial ouviu o leve quebrar de galhos secos! Não estava mais só! Sem sair da saliência do terreno onde estava encostado, virou o corpo, apontou o trabuco na direção de onde ouvira o barulho e ficou atento. Poderia ser uma capivara, um lobo, um gato, ou a sua caça… Fernando da Gata! O coração bateu mais acelerado. Àquela hora, a poucos metros da mata ciliar, parecia ainda mais escuro… todos os gatos eram pardos! Aguçou bem os ouvidos e arregalou os olhos. Não tardou surgiu um vulto apalpando o terreno. Não dava para distinguir quem, mas era uma pessoa… Só podia ser o bandido! Apontou o trabuco para o vulto a menos de vinte metros e deu a ordem:

– “Quem está aí! Responda ou eu atiro”!

O vulto estacou… mas não respondeu. Silencio total. Os grilos interromperam a cantoria. Um casal de sapos que trocavam ameaças – vou, não vou, vou, não vou – na beira do barranco do rio, também silenciou. O curiango que estava mais próximo bateu asas, levantou voo rasteiro e sumiu na noite.

“Percebi que o vulto fez um pequeno movimento à direita, talvez tenha movido apenas o braço. Antes que eu decifrasse o movimento, ouvi um disparo e em seguida uma pequena chama vermelha na minha direção”.

Antes de ouvir o segundo tiro, o policial puxou o gatilho apontando para o vulto! Ouviu-se um baque surdo. Em meio à frugal fumaça, pareceu ter visto um rápido movimento do vulto. Deu mais um disparo de advertência, sem resposta. Depois do bater de asas de alguns pássaros que dormiam na restinga, silencio total! A noite demorou segundos para cair, embora os segundos demorassem uma eternidade para passar! O sargento não tinha certeza se havia acertado o vulto, se ele havia morrido ou se havia fugido. Com os olhos de lince, tentando ver algum movimento no escuro, optou pela imobilidade sob a proteção da vala e do assa-peixe à espera de reforços. Foram minutos eternos até que avistou os faróis da viatura dançando na estrada, se aproximando. Só deixou a trincheira quando o capitão, os soldados e dois civis chegaram com cães e lanternas.

No local onde o vulto recebeu o único tiro, a cerca de vinte metros à perpendicular do sargento, havia capim amassado, denotando que ele estivera ali. Sobre o capim havia um revólver calibre 38 niquelado, com manchas de sangue, com o qual ele havia disparado na direção do policial. Horas mais tarde, depois de intensa varredura, encontraram o corpo do bandido. Fernando da Gata, com um único ferimento no peito, estava numa moita de capim nas imediações do local do duelo.

Fernando “da Gata ” Soares Pereira, 21, figurinha fácil no álbum da polícia desde o final da menoridade penal, tinha uma capivara do tamanho do Rio Sapucaí – o qual ele atravessara a nado naquela sexta-feira, ou da extensão do Rio Jaguaribe no Ceará, onde ele cansou de brincar de ‘bandido & mocinho’ com a polícia local. De Russas desceu para São Paulo e de lá para o Sul de Minas, sempre com os homens da lei fungando nos seus calcanhares. Caçado ininterruptamente por dezenas de policiais mineiros durante mais de 48 horas, quis o destino que ele parasse na mira do Sargento Campos… numa capoeira de beira de rio, no crepúsculo de uma sexta-feira. Duelo sem alarde e sem testemunhas. Apenas dois tiros… um pra cá e outro pra lá! Um sem direção, cuja azeitona se cravou na terra que anos depois adubaria uma lavoura de milho! E outro certeiro, cujo projétil ainda quente penetrou no lado direito do peito do bandido, permitindo que ele corresse mais de cem metros, para morrer solitário, encoberto por uma moita de capim.

Sargento Campos e este cronista, em 2009, na DP de Santa Rita do Sapucaí, quando eu o levei ao local do duelo, 27 anos depois!

Sargento José Lucio Campos não tinha superpoderes, não usava cueca vermelha por cima do uniforme, não era super-herói! Era apenas um policial que, como a maioria, honra a farda que veste… e a instituição que paga seu salário. Um policial que toda manhã sai para o trabalho… e não sabe a hora que volta… se volta! Campos foi o policial certo, na hora certa, no lugar certo! E encerrou um ciclo de terror que assombrava o Sul de Minas naquele final de inverno de 1982.

Assim terminou a vida do assaltante e estuprador “Fernando da Gata”… mas não terminou sua história! Três semanas depois seu corpo – sem os dedos – foi recebido como herói na pequena Russas, no Ceará…

Lázaro… o “Fernando da Gata” do Cerrado

Caçada ao maníaco que matou casal e dois filhos em Ceilândia, chega ao decimo dia.

      Psicopata de 32 anos tem mais de 200 homens nos seus calcanhares… mas ainda não sentiu o frio das pulseiras de prata!

Lázaro Barbosa… o “Maníaco do Cerrado”.

O bárbaro assassinato de uma família inteira aconteceu no dia 09 de junho, na cidade de Ceilândia, no Distrito Federal. Lázaro Barbosa matou a tiros e golpes de faca o cidadão Cláudio Vidal de Oliveira, de 48 anos, e os filhos dele Gustavo Marques Vidal, 21, e Carlos Eduardo Marques Vidal, 15 anos. Cleonice Marques de Andrade, 43, esposa de Claudio, foi levada como refém e morta logo em seguida na beira de um córrego. Desde então, centenas de policiais do Distrito Federal estão na sombra do assassino!

Após o assassinato da família de Claudio, ainda em Ceilândia, Lázaro invadiu um sitio, fez o caseiro e sua filha de reféns e roubou a propriedade. Só então ele dobrou a serra do cajuru em direção ao município de Cocalzinho de Goiás.

Por onde passa o guampudo vai deixando um rastro de crimes. Em Cocalzinho de Goiás ele invadiu uma fazenda, atirou em quatro pessoas e ateou fogo na casa. No domingo, quatro dias depois dos primeiros crimes, o meliante furtou um carro para fugir, mas o abandonou ao avistar uma barreira policial. E continuou a fuga pela mata. Ainda no município de Cocalzinho, na segunda-feira, durante uma tentativa de roubo, ele teria sido alvejado por um sitiante e fugido. No mesmo dia ele pediu comida em outro sitio na região, onde teria passado a noite, antes de fugir para a mata. Na terça-feira, durante tentativa de abordagem, o guampudo reagiu à prisão e baleou dois policiais no município de Edelândia… e continuou dobrando a serra do cajuru!

As últimas informações sobre o “Maníaco do Cerrado” são desta quinta-feira, 17, quando a polícia o avistou numa mata da região e trocou tiros com ele. Mesmo ferido ele continuou a fuga pela mata. Segundo o secretário de Segurança de Goiás, são mais de trezentos policiais perseguindo o bandido com helicóptero, carros, cavalos e à pé, pelo mato.

Apesar de ter centenas de policiais fungando no seu cangote, o “maníaco do Cerrado” ainda não sentiu o frio das pulseiras de prata.

Lázaro Barbosa é figurinha fácil no álbum da polícia desde 2007. Naquele ano ele cometeu duplo assassinato na cidade de Barra dos Mendes, na Bahia. Embora tenha caído nas malhas da lei, o guampudo, então com 18 anos, não criou raízes no Hotel do Juquinha baiano! Dez dias depois ele abriu um ‘tatu’ na cela e dobrou a serra do cajuru.

Dois anos depois, sabedor de que em Brasília, onde o sol nasce para todos mas  a lei penal não atinge a todos, Lázaro Barbosa foi para lá. Mas enroscou-se nas malhas da lei… Acusado de roubo, estupro e porte de armas, o meliante foi parar no velho hotel da Papuda.

Foi no presidio onde os ‘papudos’ de colarinho branco tiram férias, que Lázaro recebeu um laudo psicológico que o descreve como “psicopata imprevisível”, com comportamento agressivo, impulsivo, instabilidade emocional e falta de controle e equilíbrio.

Apesar desse laudo, no ano seguinte, em 2014, já condenado pelos crimes de duplo homicídio, estupro, roubo e porte ilegal de arma, Lázaro teve sua pena convertida para o regime semiaberto! Como frequentou cursos de “ressocialização” no interior do presidio, ele ganhou o “atestado de bom comportamento”. Daí para nova fuga foi um pulinho. Em 2016 Lázaro vazou da Papuda e dobrou a serra do cajuru.

Dois anos mais tarde Lázaro caiu novamente nas malhas da lei. Foi preso no município de Águas Lindas de Goiás. E mais uma vez não criou raízes atrás das grades! Fugiu dias depois da prisão, e continuou a exibir seu ‘atestado de bom comportamento’ na região! Meses depois, em abril de 2020, ele invadiu uma chácara no município de Santo Antonio do Descoberto e, na tentativa de roubar, acabou golpeando um idoso com um machado.

Antes da chacina da família em Ceilândia, o maníaco do cerrado esteve em ao menos duas cenas de crimes violentos. No dia 26 de abril ele invadiu uma casa no Distrito Federal e depois de trancar o morador e seu filho no quarto, arrastou a esposa dele para o mato e a estuprou. No dia 17 de maio, ainda na região do Sol Nascente, ele invadiu outra casa e fez toda a família de refém. Atrás de um trezoitão e de uma lapiana ele obrigou os homens a ficarem nus e os trancou no quarto, onde ficaram desde às sete da noite até a meia noite… enquanto as mulheres foram obrigadas a irem para cozinha fazer o jantar para ele!

 

O perfil do “Maníaco do Cerrado” tem algumas semelhanças com o do famigerado “Fernando da Gata”, notório bandido que aterrorizou Pouso Alegre em 1982. O cearense de Russas, era mais discreto, mais silencioso, mais objetivo com seus crimes. Ele agia sempre na penumbra da noite, para roubar joias e, de quebra, estuprava suas vítimas na presença de seus maridos! Caçado por dezenas de policiais mineiros, civis e militares, três dias depois da infeliz decisão de voltar à Pouso Alegre, o ‘baixinho’ cearense respirou pela última vez numa capoeira nas margens do Rio Sapucaí. A azeitona quente – apenas uma – disparada pelo então Sargento Campos, que estava sozinho naquela beira de rio no crepúsculo do dia 02 de setembro, entrou pelo lado direito do peito do bandido, encerrando sua trajetória de crimes em três Estados da federação.

O “maníaco do Cerrado”, mais barulhento, mais violento, mais desnorteado, mas… de “bom comportamento”! segundo o atestado carcerário do velho hotel da Papuda, superou o recorde de caçada. Nesta sexta-feira já são dez dias embrenhado nas matas e cerrados de Goiás… Mas a batata está assando pra ele!

 

* “Os últimos dias de Fernando da Gata” são contados no livro “Meninos que vi crescer”!

Pessoas que deixaram rastros na minha terra…

ANSELMO COUTINHO

        À primeira vista, de longe, parecia uma cena corriqueira na roça: uma pessoa parcialmente debruçada sobre um pequeno córrego, bebendo água. À medida que foi se aproximando, no entanto, o retireiro foi ficando preocupado com a inércia do vulto com as pernas estendidas na beira da estrada. Quando chegou um pouco mais perto, percebeu que a pessoa não se mexia! Desceu ligeiramente tenso da bagageira e se aproximou. Ressabiado, torcia para estar enganado, mas já antevia o pior. Sim!… o homem estava sem vida! Metade do corpo, da cintura para baixo, estava estendida na estradinha roxa, dura, salpicada de cascalho. A outra metade do corpo estava imersa numa poça de água e lodo. Muito antes de o perito criminal da polícia civil chegar ao funesto local o retireiro tirou suas conclusões…

     “Ele deve ter se debruçado para beber água no arroio, e colocou o corpo um pouco para frente. Ao tentar se equilibrar com as mãos, elas afundaram no lodo e o corpo sem apoio se inclinou na pequena poça d’água… E ele se afogou em menos de um palmo de água e lodo”!

     Mais tarde o médico legista do IML de Pouso Alegre encontrou terra e areia na traqueia do morto e confirmou o ‘laudo’ do retireiro. O eremita havia, de fato, morrido asfixiado… por afogamento, numa poça d’água de menos de um palmo de profundidade!

     O pequeno arroio nasce no meio da serra, poucos metros acima da estrada, entre pedras e arvores e desce calma e pacientemente o terreno acidentado, serpenteando a restinga. Na beira da estrada, junto à cerca de arame farpado, há uma discreta barragem para evitar que a lâmina d’água atravesse provoque lama ou erosão no leito carroçável. Por ali passam diariamente uma bagageira transportando leite, e o gado durante o manejo, além de uma ou outra caminhonete que eventualmente vai à fazenda encravada ao pé da grota alguns metros adiante. Junto à minúscula barragem a água fria e cristalina se acumula formando um poço de pouco mais de um metro de diâmetro e menos de um palmo de profundidade, até escoar por um cano que passa por baixo da estrada, sem danificá-la. As escassas pessoas que passam por ali, se por acaso tiver um copo, ou mesmo com as mãos em concha, podem usufruir do precioso líquido para saciar a sede. Se não tiver a vasilha, a pessoa pode inclinar-se na borda da barragem e, bem ao gosto do homem do campo, beber direto no pequeno poço. Mas isso nem sempre é possível! É que, por se tratar da parte baixa do pasto e trilha natural do gado que desce a encosta, ao passar pelo pequeno poço, os cascos corroem o fundo, provocam lodo e sujam a água tornando-a temporariamente impropria para consumo.

      Esse lodo foi traiçoeiro… 

      Apesar de um amor platônico não correspondido, sequer revelado, Anselmo era uma pessoa feliz, de bem com a vida. Querido e respeitado por todos no bairro, ele esbanjava e irradiava alegria aonde chegava. Contador de causos, arrancava risos até dos mais sisudos sessentões de barbas longas da época. Nas carpinas de roça, nas roçadas de pasto ou nas tardinhas na “Arvinha”, nos idos de 1950, 60 e 70 – essa é outra história que daria um livro! – Anselmo roubava os holofotes com seu causos! 

     Com fala mansa e respeitosa, e forte sotaque português – característica marcante dos Coutinhos até a geração anterior à sua – escondia muito bem sua desilusão amorosa. E fez, para si mesmo, o clássico juramento de jamais levar alguém ao altar. Prometeu e cumpriu. Apesar da alegria que espalhou à sua volta durante os setenta e poucos anos, às vezes se permitia filosofar com o próprio destino num tom ligeiramente triste:

“Todos nós temos o direito de ter uma ilusão”!

     Anselmo Coutinho conheceu a orfandade de pai ainda jovem. Isso certamente consolidou sua promessa de não se casar. Como bom filho que era, dedicou-se a cuidar da mãe. Quando a queridíssima ‘tia’ “Bida” desencarnou, Anselmo viu-se completamente livre, sem amarras e sem ‘um passarinho para tratar’! E deu uma guinada na vida. Deixou a gostosa casa à beira da estrada, no centro do bairro dos Coutinhos, onde se costumava rezar terços comunitários, e mudou-se para a serra. Foi viver sozinho, cercado apenas de bois de corte, vacas crioulas que lactavam apenas para amamentar os filhotes, lobos, onças jaguatiricas, quatis, tatus, cascavéis e jararacas! Não é exagero. A fazenda do Maurinho fica a cerca de cinco quilômetros do centro do bairro, em um vale deserto – que se assemelha a uma bacia – no alto da serra junto às nascentes do Ribeirão Santo Antonio. A tarefa do Anselmo não era produzir… Era apenas manter os pastos limpos e cuidar do gado. E o alegre, extrovertido e boa prosa Anselmo Coutinho, por escolha, virou eremita! Viveu anos numa tapera de porte médio, da qual usava apenas dois cômodos: a minúscula cozinha – com um fogãozinho à lenha logo na entrada, tendo como moveis apenas uma prateleira rústica de madeira, feira por ele mesmo – e um quartinho, cujos moveis se resumiam a um varal de bambu onde pendurava suas roupas e um colchão estendido no chão. E viveu em paz, feliz. 

    Nós que amávamos Anselmo e apreciávamos sua companhia, nos preocupávamos com ele.

“Se acontecer um acidente com ele, se for atacado por um animal ou por uma cobra, ele não terá ninguém para socorrê-lo” – dizia um.

“Deus me livre! Se acontecer uma coisa dessas, quando a gente ficar sabendo, só vamos achar os ossos”! – dizia outro.

     Mas nada podíamos fazer. Era a escolha do Anselmo. E ele era muito feliz vivendo sozinho na serra longe de tudo.

     A desilusão amorosa de Anselmo – pela linda Clarice, do bairro vizinho – da qual menos de meia dúzia de pessoas sabiam, não mudou em nada sua índole ou seu comportamento. Anselmo ‘viveu a vida toda de bem com a vida’. Para isso ele contou com sua ‘outra’ paixão – paixão da maioria dos brasileiros! – … ‘Severina do Popote’! Nos finais de semana, ou prestes a saborear um torresminho ou virado de frango, ele abraçava com prazer a sedutora e estonteante… água que passarinho não bebe! rsrsrsrs… 

     Malungo e criado a poucos metros da casa do meu avô, Anselmo era amigo próximo do meu amado e saudoso pai. Não eram raras suas visitas à meu pai, tanto na roça quanto na cidade, apenas para contar causos, jogar conversa fora e alimentar a amizade.

    A fazenda na qual Anselmo viveu muitos anos – feliz – como eremita, ficava no caminho das mangueiras – ah, as famosas mangueiras… essa é outra história! À caminho das mangueiras, passei algumas vezes pelo rancho do Anselmo no alto da serra. Sabedor da sua paixão por Severina do Popote, algumas vezes levei a ‘estonteante’ para ele. Em nenhuma das vezes o encontrei nas imediações do rancho. Por isso eu sempre deixei as garrafas, envelhecidas em sassafrás, sob a taipa do fogão da sua cozinha – a porta do rancho, como quase todas as casas da roça, não possuía fechadura por fora. A porta ficava amarrada por um barbante ou tira de couro cru pelo lado de fora. Não tive oportunidade de conversar com ele sobre os ‘presentes misteriosos’ que às vezes apareciam na taipa do fogãozinho preto da sua cozinha.

      Duas vezes por mês, sempre aos sábados, Anselmo descia a serra para visitar amigos e parentes no bairro. Na volta, já no final da tarde, parava na vendinha do ‘Vilino’. O cavalinho castanho, tão pacato quanto seu dono, ficava parado defronte a venda na beira da estrada. Nem era preciso amarrá-lo. Bastava soltar as rédeas no chão. Essa era a senha para o simplório animal… O cavalinho sabia que seu dono estava por perto e que era preciso esperá-lo. E o pacato e cordato quadrúpede ficava ali, cabisbaixo, quase cochilando, ouvindo a conversa alta que geralmente sai das vendinhas nos fins de tarde. De vez em quando sacudia o rabo ou balançava a crina para espantar os mosquitos, enquanto esperava pacientemente seu dono…

     Ao pé da noite, depois de entornar algumas doses da cangibrina, com fatias de mortadela como tira-gosto, Anselmo montava o castanho e seguia passo a passo de volta para casa, para a serra, levando pendurado no ombro o embornal com meia dúzia de pães murchos, uma rodilha de linguiça de porco curada e uma garrafa de suco de gerereba…

     Presenciei estas cenas muitas vezes, quando jogava futebol no campo do Sergio, ao lado da vendinha do Vilino, na segunda metade dos anos 1990.

     Estas foram as últimas imagens que guardei do meu conterrâneo e saudoso amigo Anselmo Coutinho.

     Na manhã do dia 19 de março de 2.000 – dia de São José – um palmo de água cristalina, que descia brincando a serra, interrompeu a vida leve, livre e solta do eremita Anselmo Coutinho. Pessoa simples e nobre… que deixou rastros na minha terra!

A Despedida do Chiquinho…

Depois de três meses ouvindo rezas e ritos do padre Cintra na fazenda do Portuga, o Coisa Ruim da Borda decidiu ir embora! Mas prometeu que quando o ‘padre chato’ morresse, ele voltaria para buscar sua prometida!

A historia completa do “Coisa Ruim da Borda” e outras 49 cronicas investigadas pelo detetive estão neste livro.

Eram menos de dez da manhã de meados do mês de fevereiro quando o fazendeiro recolheu algumas rezes no curral, chamou a filha mais velha e disse-lhe:

– Mocinha, sua mãe vai me ajudar a curar bernes do gado… Vá você para a cozinha preparar o almoço!

A bela garota de 13 anos, prendada e obediente como todas de sua idade naquela época, simplesmente anuiu e foi cumprir a ordem do pai. Ao entrar na cozinha do casarão assobradado, na encosta de um pasto no alto da colina, estacou assustada diante do que viu e voltou correndo para chamar o pai…

– Ué, pai… o sr. me mandou fazer o almoço, mas o almoço está pronto! Está quentinho pronto para ser servido! Vem ver!

Sem entender o que a menina estava falando e sem tempo para discussão, Portuga soltou a corda que havia acabado de passar no pescoço de uma bezerra e foi para dentro de casa, acompanhado da esposa. Ao entrar na cozinha teve a mesma surpresa da filha… na taipa do fogão à lenha, panelas com feijão, arroz, abobrinha, torresmo ainda soltavam fumaça…

– Mas que diabos! Quem fez esta comida?

Neste instante um vulto quase invisível passou correndo em ziguezague pela cozinha em direção ao quintal deixando no ar um cheiro de enxofre e uma risada esganiçada e zombeteira. Ainda surpreso com a aparição da comida pronta, e com os pelos todos do corpo arrepiados, Portuga se aproximou das panelas e verificou que a comida estava tão cheirosa e saborosa quanto a que a esposa fazia todos os dias.

Esse foi o primeiro sinal da presença do Chiquinho na fazenda!

Mais tarde, cavalgando pelo pasto na lida com o gado, Portuga sentiu que seu cavalo arriou nas patas traseiras, como se alguém tivesse montado na garupa.

Por volta de nove da noite, quando tudo se aquietou na fazenda, os cachorros começaram a latir como se estivessem tentando afugentar uma alcateia. E depois passaram a uivar em lúgubre agonia. E assim vararam a madrugada.

Na manhã seguinte, ainda com cara de quem não dormiu, Portuga arreou o alazão e, embora não fosse fervoroso cristão, foi à cidade procurar o padre.

Desde então, durante várias semanas, o jovem pároco da cidade subiu a serra da Ponte de Pedra com sua batina preta cobrindo as ancas do pangaré castanho para benzer no casarão do Portuga. O benzimento passou a exorcismo e nas semanas seguintes outros padres mais velhos e mais experientes da região, como o padre Oriolo, de Pouso Alegre, o padre Alderige, de Santa Rita de Caldas, padres Capuchinhos de Ouro Fino vieram tentar expulsar o espírito brincalhão da fazenda do portuga…

Com os padres vieram também os repórteres… de todos os cantos do Brasil! A revista “O Cruzeiro”, a maior da época, estampou a história do Coisa Ruim da Borda na sua capa e nas suas páginas. Mas nada disso afugentou o Chiquinho. Cansados de subir a serra para as sessões de exorcismo, os padre mais experientes voltaram para sua paroquias… E o Coisa Ruim da Borda ficou só por conta do jovem padre Cintra.

Apesar da pouca experiência, o jovem e intrépido padre Pedro não abandonou seu rebanho. Toda tarde ele arriava seu cavalo e subia a serra da Ponte de Pedra para rezar no casarão do Portuga e tentar convencer Chiquinho a ir embora. Até que uma noite, depois de muitas Aves Marias e outros rituais católicos ‘exorcizantes’, finalmente Chiquinho se cansou, perdeu as estribeiras e disse com voz enfadada:

– Vou-me embora desta casa! Não aguento mais a reza desse padre!

E a paz voltou a reinar na fazenda do morro da Ponte de Pedra. O Coisa Ruim da Borda havia sido exorcizado.

Jornalistas e curiosos se plantão juram de pés juntos, que antes de partir, Chiquinho teria acrescentado:

– “Mas depois que esse padre chato morrer, eu voltarei para buscar o que é meu”!

A última aparição do Coisa Ruim da Borda aconteceu – isso é fato, está registrado no ‘Livro do Tombo’ da Matriz de Nossa Senhora do Carmo em Borda da Mata – no dia 23 de abril de 1953, há 68 anos!

O Padre Pedro Cintra morreu em 2003!

Será que Chiquinho voltou mesmo para buscar sua prometida?

O Mistério do Coisa Ruim da Borda – desvendado – está no livro “Meninos que vi crescer!

Aventura na festa da Borda

Meu apelido tem origem na famosa e simpática dupla de heróis “patrulheiros da (…) estrada…”. No entanto, dez anos antes, eu poderia ser chamado de “Pipoqueiro da estrada”!             

Mauritânia Furtado: 43 anos depois voltei para agradecer a bela  e gentil senhora que me deu um prato de comida!

A cena era de parar o trânsito! Quem passou pela MG 290  no meio daquela ensolarada e fresca tarde de julho, arregalou os olhos e depois colou o olhar no retrovisor do carro até sumir na curva da estrada. À beira da via um grupo de lavradores, uns descalços outros usando galochas de borracha, chapéus, outros portando enxadas nos ombros cercavam um pequeno veículo que parecia ser um carrinho de vendedor ambulante… um mascate! Quem diminuiu a velocidade pode constatar que de fato, era um carrinho de vendedor… de pipoca! Mas não era pipoca branca e quentinha para degustar assistindo sessão da tarde! Eram pipocas coloridas – verde, amarela, vermelha, laranja… – e amendoim torrado coberto com chocolate! A cena inusitada daquele carrinho sendo empurrado por dois garotos rodovia afora no meio da tarde lenta de julho atraiu a atenção dos lavradores que carpiam arroz na várzea superior na baixada do bairro Anhumas. Curiosos vieram até a beira da estrada tentar entender o que era aquilo! Certamente nunca tinham visto pipoca colorida, juntada com melado grudento e cortada em pedaços! Portanto, tinham que experimentar para ver que gosto tinha aquilo! Se os lavradores saciaram a fome e a curiosidade, os dois vendedores tiraram a barriga da miséria… Venderam dúzias de tabletes de pipoca colorida… pelo dobro do preço!

– Para onde vocês estão indo com esse carrinho? – indagou um dos lavradores.

– Vamos vender pipoca na festa da Borda… – respondeu o mais franzino.

– Nossa! Vocês nem chegaram na metade do caminho ainda! – observou outro, tentando desgrudar a pipoca vermelha dos dentes…

Saciada a fome e a curiosidade da clientela… e o bolso dos pipoqueiros! os dois garotos retomaram lenta e resolutamente a viagem, empurrando o carrinho colorido estrada afora, atraindo o olhar curioso dos poucos motoristas que passavam.

A aventura começara duas horas mais cedo perto da rodoviária de Pouso Alegre. Eu passava por ali empurrando aleatoriamente meu carrinho de pipoca quando esbarrei no meu velho amigo Rui de Paula – Sim, eu era menino, tinha apenas 12 anos, mas já tinha ‘velhas’ amizades. O Rui era muito mais velho do que eu: vinte meses! A amizade com o Rui era importante, pois ele morava no Aterrado… e eu morria de medo de ir ao Aterrado. Com a amizade fui aos poucos ganhando confiança!

Depois de trocar dois centavos de prosa o Rui falou:

– Hoje é dia de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Borda da Mata… Está tendo festa lá.  Vamos lá vender pipoca?

Aos doze anos de idade eu conhecia duas cidades: Congonhal, onde nasci e Pouso Alegre, onde eu morava há dois anos. A única coisa que eu sabia sobre Borda da Mata… é que a cidade ficava na direção de Borda da Mata! Mesmo assim, se o Rui que tinha catorze anos, era mais alto e mais forte do eu, era meu amigo, e sabia que tinha festa na Borda, não pensei duas vezes.

Saímos da praça João Pinheiro, em Pouso Alegre, à uma e quinze da tarde. Às sete e quinze da noite deixamos a MG 290 e entramos na rua principal de Borda da Mata empurrando o carrinho colorido. Logo adiante, na primeira travessa à esquerda, paramos para satisfazer a curiosidade de algumas crianças e começar nossas vendas! O burburinho da criançada atraiu a atenção de uma senhora na terceira casa da rua. Quando a bela mulher morena, esguia, de cabelos longos e olhar suave saiu ao portão, aproveitei para pedir-lhe um copo d’agua. Antes de atender meu pedido, ela fez algumas perguntas. Minutos depois voltou com os copos d’agua e dois pratos alombados de comida quentinha: arroz branco, feijão de caldo vermelho e grosso e bife de alcatra. Foi a melhor refeição trivial que já comi na vida!

Saciada a fome do corpo, fomos saciar a fome do espírito… a fome de aventura e de alguns trocados! Por volta de oito da noite chegamos à praça Antonio Megale. Chegamos devagar devido à dificuldade para abrir caminho com o carrinho colorido em meio a tanta gente. Estacionamos ao lado do jardim e começamos a vender nosso produto. Em menos de uma hora vendemos tudo. Não sobrou sequer um pacotinho de pipoca colorida ou um saquinho marrom de amendoim ‘pra contar a história’! Como tudo era novidade, vendi pelo dobro do preço. Faturei num só dia o que precisaria de três semanas de boas vendas para ganhar!

Dois terços da aventura realizados, era hora de voltar para casa! Teríamos que enfrentar mais 27 quilômetros de estrada gelada, no meio da noite, mais seis horas de viagem empurrando o carrinho vazio?

Às nove e meia da noite eu atravessava a avenida Duque de Caxias, ao lado do mercado municipal de Pouso Alegre, recém reformado pela construtora do Fiíco, quando avistei o Waltinho, filho do meu patrão…

– O que aconteceu? Onde você estava até essa hora? – perguntou ele, com expressão visivelmente preocupada.

– Eu estava numa festa na Vendinha… Olha consegui vender tudo hoje – respondi com naturalidade. E subimos a Getúlio Vargas em direção à casa do dono do carrinho de pipocas coloridas. Eles nunca souberam da minha aventura na festa da Borda!

Em 2014, quarenta e três anos depois, voltei à mesma casa para levar um exemplar autografado do meu primeiro livro – Meninos que vi crescer – àquela gentil senhora que, espontaneamente, nos servira aquele manjar dos anjos. Mauritania Furtado estava então com 87 anos. Claro que ela não se lembrava de mim… mas se lembrava dos dois garotos e do carrinho de pipocas coloridas!

Esse ‘capitulo’ é parte da historia “O mistério do Coisa Ruim da Borda”, uma das 50 historias do meu primeiro livro “Meninos que vi crescer”!

A propósito, neste mês de abril, faz 68 anos que o “Chiquinho”, conhecido como ‘Coisa Ruim da Borda’, fez sua última aparição no casarão do Portuga na Fazenda da Ponde de Pedra!

Será que foi a ultima aparição mesmo???

O promotor, a camareira e os peões de Silvianópolis

Se fosse hoje a camareira seria processada por racismo!

O prédio do Fórum Homero Brasil é o mesmo… mas naquela época não havia grades em volta!

Durante as obras do asfaltamento da estrada que liga o município de Silvianópolis ao vizinho município de Turvolândia, no final da década de 1980, os funcionários da empreiteira ficaram hospedados na Pousada do Tanque, uma das duas pensões da cidade, – a outra estava em reforma – bem perto do famoso Tanque da velha Santana do Sapucaí.

Naquele mesmo ano um jovem promotor de justiça, cuja cor da pele nos remete a afrodescendentes, foi designado para trabalhar no fórum local. Enquanto não se mudava para a Comarca, o promotor também se instalou na pensão, única disponível. E se arrependeu!

Sem opções de lazer na velha e pequenina Santana do Sapucaí, e habituado aos estudos, depois do expediente no fórum, o promotor gastava seu tempo debruçado sobre os livros em busca de mais conhecimentos. Mas só depois que os peões dormiam…!

Já os ‘peões’, depois de um dia inteiro de trabalho pesado, procuravam relaxar nos braços de Severina do Popote e jogar conversa fora na pensão até a hora de dormir. Quando se levantavam de manhazinha, ninguém mais dormia na pensão, tamanha era a balburdia que faziam na hora do café da manhã.

O jovem, introspectivo e sisudo promotor, que só pegaria no expediente no fórum depois do meio dia, não se levantava, mas ficava rolando na cama até que os peões saíssem para o trabalho. Só então voltava para os braços de Morfeu, para completar o sono. Por conta disso, o mui digno guardião das leis, chegara a cogitar a possibilidade de uma transferência para outra Comarca, antes mesmo de criar raízes na velha Santana.

Um fato banal, porém hilário, veio corroborar sua decisão!…

Numa bela manhã veio trabalhar na pensão uma nova camareira. Apesar de prestimosa em lavar pratos e talheres e experiente em trocar fronhas e esticar lençóis, ela não conhecia todos os hospedes! Depois de servir o café da manhã para a peonada e lavar os ‘trem’ do café, Jurema foi arrumar os quartos. De repente deu de cara com o promotor enrolado nos seus lençóis, nos braços de Morfeu. Simples como ela só, e querendo ajudar o hospede que supunha retardatário, sacudiu os lençóis, bateu no ombro do promotor e foi dizendo:

– Acorda negão!!! A sua turma já foi p’ra estrada faz tempo!!!

… Ele acordou mesmo! Acordou pela ultima vez naquela pensão…

Aquele foi seu terceiro e último dia de trabalho em Silvianópolis. O fórum da comarca abriu vacância e ficou várias semanas sem um mui digno RMP, até que um novo fosse designado para substituir o promotor que fora confundido com os peões da obra da estrada de Turvolândia!

Tempos bons aqueles da década de 80, quando o cidadão tinha liberdade de expressão, sem frescura! Tempos em que “Negão” era apenas uma forma carinhosa de se dirigir ou se referir a uma pessoa querida ou conhecida. Nos dias atuais, regidos pelo – pseudo – politicamente correto, a espevitada, inocente e bem-humorada camareira seria chamada na chincha… – coitada! Se não conseguisse dobrar a serra do cajuru, receberia pulseiras de prata e seria levada no táxi do contribuinte para sentar-se ao piano do paladino da lei na DP! … E depois seria levada às barras dos tribunais e enquadrada no crime de racismo!

Saudades de Santana … Saudades dos anos 80!