Ontem foi o dia dela… da ‘marvada’ cachaça!

‘Severina do Popote’ está completando quase quinhentos anos!

Produzida no Brasil desde que o país era criança em fraldas, – 1530 – a cachaça é a única bebida genuinamente brasileira! E desde aquela época, sempre teve vocação para estrela… tornou-se símbolo da resistência ao colonialismo de Portugal. Mais tarde no Império, virou símbolo da Independência do Brasil. Hoje é vedete em Bruxelas!

Ao longo da sua história, a cachaça passou por vários status sociais. Dos escravos, aos senhores de engenho; do proletariado, à burguesia; do balcão dos botecos, às reuniões de família!

Apreciada pela elite dominante do século dezenove, a cachacinha brasileira frequentou e desfilou bela e faceira pelo palácio real enquanto ele resistiu. Mas perdeu o trono… Com a Proclamação da República em 1889, perdeu duplamente a nobreza! A partir de então, chic era beber vinho, champanhe e whisky importados. E a velha cachacinha virou “bebida de pobre”, vendida e consumida em balcões de botecos!…

E assim ficou marginalizada durante quase um século!

A partir de 1980 a bebida feita do caldo destilado de cana, começou a dar a volta por cima, começou a reconquistar seu espaço. Hoje só no município de Salinas, no nordeste de Minas, existe cerca de 60 alambiques. Todos tentando seguir os passos da septuagenária conterrânea Havana, que não se encontra em lugar nenhum a menos de R$ 550 a garrafa. Se estiver numa prateleira de boteco, com o rotulo antigo, encardido e empoeirado há várias décadas, ninguém leva para casa por menos de oito mil reais!

Em 1995, com a estabilização do Real, aposentados e pessoas que tinham uma reserva na Poupança, sacaram as economias e foram buscar “Seleta” e “Lua Cheia” em Salinas, para vender no Sul de Minas a R$ 4 a garrafa de 600ml. Na ocasião, as tradicionais “Velho Barreiro”,  “51”, Amélia ou Democrata, custavam cerca de R$1,70 o litro! Hoje a mesma Lua Cheia custa no mercado em média R$ 80. E nem desfila entre as estrelas!

A famosa Havana, de historia controversa, a qual chegou a ser usada como moeda para pagamento semanal dos funcionários do alambique do velho Anísio Santiago, ainda joga no teatro de elite. No entanto, tem que dividir o palco com outras tantas cachacinhas que surgiram depois e investiram em qualidade e marketing. Várias delas produzidas em solos gaúcho e catarinense.

A guinada na performance da cachaça foi o armazenamento da bebida em barris de madeira. Além do acentuado sabor do Carvalho, da Umburana, do Ipê, do Balsamo… a madeira dá cor e sabor especial à bebida.

O preço médio de uma boa cachaça ouro, envelhecida cinco anos em barris de madeira, oscila em torno de R$200. – O mesmo preço de um whisky importado, da mesma idade.

Nossa cachacinha mudou a cor, mudou a qualidade, mudou o preço e mudou o jeito de beber! Não se bebe mais cachaça em copos lavrados. A cachacinha brasileira agora é servida em mini copos e até em taças de cristal! Não se bebe mais para ficar ‘tonto’. Bebe-se para relaxar!

Desde 1999 a tradicional bebida destilada brasileira, descoberta casualmente pelos escravos de engenho, tem desfilado bela e formosa nos salões dos concursos de Bruxelas na Europa e arrebatado dezenas de medalhas.

Se o consumo da ‘marvada’ se expandiu, a produção também ultrapassou as fronteiras estaduais e se espalhou Brasil afora. É raro encontrar um município brasileiro que não possua ao menos um alambique artesanal.

Ontem, 13 de setembro, foi o Dia Nacional da Cachaça! Coincidentemente a data ‘caiu’ numa segunda-feira, meu ‘dia nacional de abstinência’! – Não que eu beba todo dia, mas na segunda-feira, destilado ou fermentado, não bebo nem para remédio!

No entanto, curioso e apreciador de uma boa cachacinha, eu não poderia deixar de prestar uma singela homenagem à nossa bebida nacional, à nossa fogosa e estonteante “Severina do Popote”!

Tereza Vanilda quer ouvir sua voz!

Mas não consegue… A Covid afetou sua audição!

Você pode ajudá-la a ouvir novamente!

      A sra. Tereza Vanilda,56 anos, moradora da rua Padre Natalino na Baixada do Mandú, é mais uma das milhares de pessoas que contraíram covid19 em Pouso Alegre. No dia 08 de abril ela foi internada no HRSL com o bichinho chinês. Chegou a ser entubada e durante mais de 50 dias lutou pela vida. E venceu! No dia 30 de julho ela teve alta hospitalar e voltou para casa.

Mas ficou com sequelas.

Saiu debilitada do hospital, está acamada e precisa de cuidados especiais. Embora tenha sobrevivido, Tereza teve, além da dificuldade de locomoção, uma perda significativa da audição. Agora ela depende de um aparelho auditivo para ouvir sua voz! O custo do aparelho, para ela, é alto… R$ 7.000.

A família fez uma “Vaquinha virtual” para arrecadar essa quantia.

Eu não conheço a Tereza Vanilda, mas conheço seu vizinho Henrique Claro, do qual recebi esse pedido. E confio nele.

Se você puder ajudar essa guerreira a ouvir novamente, tenha certeza que Deus irá ‘ouvir’ sua generosidade!

Deus te abençoe!

OBS:  O site da vaquinha não permite depósitos inferiores a R$25,00. Portanto, caso você queira ajudar com qualquer valor abaixo de R$25,00, poderá fazê-lo através do PIX: 07606430675, que irá direto para a conta do Leônidas, filho dela. 

 

Pessoas que deixaram rastros na minha terra…

ANSELMO COUTINHO

        À primeira vista, de longe, parecia uma cena corriqueira na roça: uma pessoa parcialmente debruçada sobre um pequeno córrego, bebendo água. À medida que foi se aproximando, no entanto, o retireiro foi ficando preocupado com a inércia do vulto com as pernas estendidas na beira da estrada. Quando chegou um pouco mais perto, percebeu que a pessoa não se mexia! Desceu ligeiramente tenso da bagageira e se aproximou. Ressabiado, torcia para estar enganado, mas já antevia o pior. Sim!… o homem estava sem vida! Metade do corpo, da cintura para baixo, estava estendida na estradinha roxa, dura, salpicada de cascalho. A outra metade do corpo estava imersa numa poça de água e lodo. Muito antes de o perito criminal da polícia civil chegar ao funesto local o retireiro tirou suas conclusões…

     “Ele deve ter se debruçado para beber água no arroio, e colocou o corpo um pouco para frente. Ao tentar se equilibrar com as mãos, elas afundaram no lodo e o corpo sem apoio se inclinou na pequena poça d’água… E ele se afogou em menos de um palmo de água e lodo”!

     Mais tarde o médico legista do IML de Pouso Alegre encontrou terra e areia na traqueia do morto e confirmou o ‘laudo’ do retireiro. O eremita havia, de fato, morrido asfixiado… por afogamento, numa poça d’água de menos de um palmo de profundidade!

     O pequeno arroio nasce no meio da serra, poucos metros acima da estrada, entre pedras e arvores e desce calma e pacientemente o terreno acidentado, serpenteando a restinga. Na beira da estrada, junto à cerca de arame farpado, há uma discreta barragem para evitar que a lâmina d’água atravesse provoque lama ou erosão no leito carroçável. Por ali passam diariamente uma bagageira transportando leite, e o gado durante o manejo, além de uma ou outra caminhonete que eventualmente vai à fazenda encravada ao pé da grota alguns metros adiante. Junto à minúscula barragem a água fria e cristalina se acumula formando um poço de pouco mais de um metro de diâmetro e menos de um palmo de profundidade, até escoar por um cano que passa por baixo da estrada, sem danificá-la. As escassas pessoas que passam por ali, se por acaso tiver um copo, ou mesmo com as mãos em concha, podem usufruir do precioso líquido para saciar a sede. Se não tiver a vasilha, a pessoa pode inclinar-se na borda da barragem e, bem ao gosto do homem do campo, beber direto no pequeno poço. Mas isso nem sempre é possível! É que, por se tratar da parte baixa do pasto e trilha natural do gado que desce a encosta, ao passar pelo pequeno poço, os cascos corroem o fundo, provocam lodo e sujam a água tornando-a temporariamente impropria para consumo.

      Esse lodo foi traiçoeiro… 

      Apesar de um amor platônico não correspondido, sequer revelado, Anselmo era uma pessoa feliz, de bem com a vida. Querido e respeitado por todos no bairro, ele esbanjava e irradiava alegria aonde chegava. Contador de causos, arrancava risos até dos mais sisudos sessentões de barbas longas da época. Nas carpinas de roça, nas roçadas de pasto ou nas tardinhas na “Arvinha”, nos idos de 1950, 60 e 70 – essa é outra história que daria um livro! – Anselmo roubava os holofotes com seu causos! 

     Com fala mansa e respeitosa, e forte sotaque português – característica marcante dos Coutinhos até a geração anterior à sua – escondia muito bem sua desilusão amorosa. E fez, para si mesmo, o clássico juramento de jamais levar alguém ao altar. Prometeu e cumpriu. Apesar da alegria que espalhou à sua volta durante os setenta e poucos anos, às vezes se permitia filosofar com o próprio destino num tom ligeiramente triste:

“Todos nós temos o direito de ter uma ilusão”!

     Anselmo Coutinho conheceu a orfandade de pai ainda jovem. Isso certamente consolidou sua promessa de não se casar. Como bom filho que era, dedicou-se a cuidar da mãe. Quando a queridíssima ‘tia’ “Bida” desencarnou, Anselmo viu-se completamente livre, sem amarras e sem ‘um passarinho para tratar’! E deu uma guinada na vida. Deixou a gostosa casa à beira da estrada, no centro do bairro dos Coutinhos, onde se costumava rezar terços comunitários, e mudou-se para a serra. Foi viver sozinho, cercado apenas de bois de corte, vacas crioulas que lactavam apenas para amamentar os filhotes, lobos, onças jaguatiricas, quatis, tatus, cascavéis e jararacas! Não é exagero. A fazenda do Maurinho fica a cerca de cinco quilômetros do centro do bairro, em um vale deserto – que se assemelha a uma bacia – no alto da serra junto às nascentes do Ribeirão Santo Antonio. A tarefa do Anselmo não era produzir… Era apenas manter os pastos limpos e cuidar do gado. E o alegre, extrovertido e boa prosa Anselmo Coutinho, por escolha, virou eremita! Viveu anos numa tapera de porte médio, da qual usava apenas dois cômodos: a minúscula cozinha – com um fogãozinho à lenha logo na entrada, tendo como moveis apenas uma prateleira rústica de madeira, feira por ele mesmo – e um quartinho, cujos moveis se resumiam a um varal de bambu onde pendurava suas roupas e um colchão estendido no chão. E viveu em paz, feliz. 

    Nós que amávamos Anselmo e apreciávamos sua companhia, nos preocupávamos com ele.

“Se acontecer um acidente com ele, se for atacado por um animal ou por uma cobra, ele não terá ninguém para socorrê-lo” – dizia um.

“Deus me livre! Se acontecer uma coisa dessas, quando a gente ficar sabendo, só vamos achar os ossos”! – dizia outro.

     Mas nada podíamos fazer. Era a escolha do Anselmo. E ele era muito feliz vivendo sozinho na serra longe de tudo.

     A desilusão amorosa de Anselmo – pela linda Clarice, do bairro vizinho – da qual menos de meia dúzia de pessoas sabiam, não mudou em nada sua índole ou seu comportamento. Anselmo ‘viveu a vida toda de bem com a vida’. Para isso ele contou com sua ‘outra’ paixão – paixão da maioria dos brasileiros! – … ‘Severina do Popote’! Nos finais de semana, ou prestes a saborear um torresminho ou virado de frango, ele abraçava com prazer a sedutora e estonteante… água que passarinho não bebe! rsrsrsrs… 

     Malungo e criado a poucos metros da casa do meu avô, Anselmo era amigo próximo do meu amado e saudoso pai. Não eram raras suas visitas à meu pai, tanto na roça quanto na cidade, apenas para contar causos, jogar conversa fora e alimentar a amizade.

    A fazenda na qual Anselmo viveu muitos anos – feliz – como eremita, ficava no caminho das mangueiras – ah, as famosas mangueiras… essa é outra história! À caminho das mangueiras, passei algumas vezes pelo rancho do Anselmo no alto da serra. Sabedor da sua paixão por Severina do Popote, algumas vezes levei a ‘estonteante’ para ele. Em nenhuma das vezes o encontrei nas imediações do rancho. Por isso eu sempre deixei as garrafas, envelhecidas em sassafrás, sob a taipa do fogão da sua cozinha – a porta do rancho, como quase todas as casas da roça, não possuía fechadura por fora. A porta ficava amarrada por um barbante ou tira de couro cru pelo lado de fora. Não tive oportunidade de conversar com ele sobre os ‘presentes misteriosos’ que às vezes apareciam na taipa do fogãozinho preto da sua cozinha.

      Duas vezes por mês, sempre aos sábados, Anselmo descia a serra para visitar amigos e parentes no bairro. Na volta, já no final da tarde, parava na vendinha do ‘Vilino’. O cavalinho castanho, tão pacato quanto seu dono, ficava parado defronte a venda na beira da estrada. Nem era preciso amarrá-lo. Bastava soltar as rédeas no chão. Essa era a senha para o simplório animal… O cavalinho sabia que seu dono estava por perto e que era preciso esperá-lo. E o pacato e cordato quadrúpede ficava ali, cabisbaixo, quase cochilando, ouvindo a conversa alta que geralmente sai das vendinhas nos fins de tarde. De vez em quando sacudia o rabo ou balançava a crina para espantar os mosquitos, enquanto esperava pacientemente seu dono…

     Ao pé da noite, depois de entornar algumas doses da cangibrina, com fatias de mortadela como tira-gosto, Anselmo montava o castanho e seguia passo a passo de volta para casa, para a serra, levando pendurado no ombro o embornal com meia dúzia de pães murchos, uma rodilha de linguiça de porco curada e uma garrafa de suco de gerereba…

     Presenciei estas cenas muitas vezes, quando jogava futebol no campo do Sergio, ao lado da vendinha do Vilino, na segunda metade dos anos 1990.

     Estas foram as últimas imagens que guardei do meu conterrâneo e saudoso amigo Anselmo Coutinho.

     Na manhã do dia 19 de março de 2.000 – dia de São José – um palmo de água cristalina, que descia brincando a serra, interrompeu a vida leve, livre e solta do eremita Anselmo Coutinho. Pessoa simples e nobre… que deixou rastros na minha terra!

A Despedida do Chiquinho…

Depois de três meses ouvindo rezas e ritos do padre Cintra na fazenda do Portuga, o Coisa Ruim da Borda decidiu ir embora! Mas prometeu que quando o ‘padre chato’ morresse, ele voltaria para buscar sua prometida!

A historia completa do “Coisa Ruim da Borda” e outras 49 cronicas investigadas pelo detetive estão neste livro.

Eram menos de dez da manhã de meados do mês de fevereiro quando o fazendeiro recolheu algumas rezes no curral, chamou a filha mais velha e disse-lhe:

– Mocinha, sua mãe vai me ajudar a curar bernes do gado… Vá você para a cozinha preparar o almoço!

A bela garota de 13 anos, prendada e obediente como todas de sua idade naquela época, simplesmente anuiu e foi cumprir a ordem do pai. Ao entrar na cozinha do casarão assobradado, na encosta de um pasto no alto da colina, estacou assustada diante do que viu e voltou correndo para chamar o pai…

– Ué, pai… o sr. me mandou fazer o almoço, mas o almoço está pronto! Está quentinho pronto para ser servido! Vem ver!

Sem entender o que a menina estava falando e sem tempo para discussão, Portuga soltou a corda que havia acabado de passar no pescoço de uma bezerra e foi para dentro de casa, acompanhado da esposa. Ao entrar na cozinha teve a mesma surpresa da filha… na taipa do fogão à lenha, panelas com feijão, arroz, abobrinha, torresmo ainda soltavam fumaça…

– Mas que diabos! Quem fez esta comida?

Neste instante um vulto quase invisível passou correndo em ziguezague pela cozinha em direção ao quintal deixando no ar um cheiro de enxofre e uma risada esganiçada e zombeteira. Ainda surpreso com a aparição da comida pronta, e com os pelos todos do corpo arrepiados, Portuga se aproximou das panelas e verificou que a comida estava tão cheirosa e saborosa quanto a que a esposa fazia todos os dias.

Esse foi o primeiro sinal da presença do Chiquinho na fazenda!

Mais tarde, cavalgando pelo pasto na lida com o gado, Portuga sentiu que seu cavalo arriou nas patas traseiras, como se alguém tivesse montado na garupa.

Por volta de nove da noite, quando tudo se aquietou na fazenda, os cachorros começaram a latir como se estivessem tentando afugentar uma alcateia. E depois passaram a uivar em lúgubre agonia. E assim vararam a madrugada.

Na manhã seguinte, ainda com cara de quem não dormiu, Portuga arreou o alazão e, embora não fosse fervoroso cristão, foi à cidade procurar o padre.

Desde então, durante várias semanas, o jovem pároco da cidade subiu a serra da Ponte de Pedra com sua batina preta cobrindo as ancas do pangaré castanho para benzer no casarão do Portuga. O benzimento passou a exorcismo e nas semanas seguintes outros padres mais velhos e mais experientes da região, como o padre Oriolo, de Pouso Alegre, o padre Alderige, de Santa Rita de Caldas, padres Capuchinhos de Ouro Fino vieram tentar expulsar o espírito brincalhão da fazenda do portuga…

Com os padres vieram também os repórteres… de todos os cantos do Brasil! A revista “O Cruzeiro”, a maior da época, estampou a história do Coisa Ruim da Borda na sua capa e nas suas páginas. Mas nada disso afugentou o Chiquinho. Cansados de subir a serra para as sessões de exorcismo, os padre mais experientes voltaram para sua paroquias… E o Coisa Ruim da Borda ficou só por conta do jovem padre Cintra.

Apesar da pouca experiência, o jovem e intrépido padre Pedro não abandonou seu rebanho. Toda tarde ele arriava seu cavalo e subia a serra da Ponte de Pedra para rezar no casarão do Portuga e tentar convencer Chiquinho a ir embora. Até que uma noite, depois de muitas Aves Marias e outros rituais católicos ‘exorcizantes’, finalmente Chiquinho se cansou, perdeu as estribeiras e disse com voz enfadada:

– Vou-me embora desta casa! Não aguento mais a reza desse padre!

E a paz voltou a reinar na fazenda do morro da Ponte de Pedra. O Coisa Ruim da Borda havia sido exorcizado.

Jornalistas e curiosos se plantão juram de pés juntos, que antes de partir, Chiquinho teria acrescentado:

– “Mas depois que esse padre chato morrer, eu voltarei para buscar o que é meu”!

A última aparição do Coisa Ruim da Borda aconteceu – isso é fato, está registrado no ‘Livro do Tombo’ da Matriz de Nossa Senhora do Carmo em Borda da Mata – no dia 23 de abril de 1953, há 68 anos!

O Padre Pedro Cintra morreu em 2003!

Será que Chiquinho voltou mesmo para buscar sua prometida?

O Mistério do Coisa Ruim da Borda – desvendado – está no livro “Meninos que vi crescer!

Aventura na festa da Borda

Meu apelido tem origem na famosa e simpática dupla de heróis “patrulheiros da (…) estrada…”. No entanto, dez anos antes, eu poderia ser chamado de “Pipoqueiro da estrada”!             

Mauritânia Furtado: 43 anos depois voltei para agradecer a bela  e gentil senhora que me deu um prato de comida!

A cena era de parar o trânsito! Quem passou pela MG 290  no meio daquela ensolarada e fresca tarde de julho, arregalou os olhos e depois colou o olhar no retrovisor do carro até sumir na curva da estrada. À beira da via um grupo de lavradores, uns descalços outros usando galochas de borracha, chapéus, outros portando enxadas nos ombros cercavam um pequeno veículo que parecia ser um carrinho de vendedor ambulante… um mascate! Quem diminuiu a velocidade pode constatar que de fato, era um carrinho de vendedor… de pipoca! Mas não era pipoca branca e quentinha para degustar assistindo sessão da tarde! Eram pipocas coloridas – verde, amarela, vermelha, laranja… – e amendoim torrado coberto com chocolate! A cena inusitada daquele carrinho sendo empurrado por dois garotos rodovia afora no meio da tarde lenta de julho atraiu a atenção dos lavradores que carpiam arroz na várzea superior na baixada do bairro Anhumas. Curiosos vieram até a beira da estrada tentar entender o que era aquilo! Certamente nunca tinham visto pipoca colorida, juntada com melado grudento e cortada em pedaços! Portanto, tinham que experimentar para ver que gosto tinha aquilo! Se os lavradores saciaram a fome e a curiosidade, os dois vendedores tiraram a barriga da miséria… Venderam dúzias de tabletes de pipoca colorida… pelo dobro do preço!

– Para onde vocês estão indo com esse carrinho? – indagou um dos lavradores.

– Vamos vender pipoca na festa da Borda… – respondeu o mais franzino.

– Nossa! Vocês nem chegaram na metade do caminho ainda! – observou outro, tentando desgrudar a pipoca vermelha dos dentes…

Saciada a fome e a curiosidade da clientela… e o bolso dos pipoqueiros! os dois garotos retomaram lenta e resolutamente a viagem, empurrando o carrinho colorido estrada afora, atraindo o olhar curioso dos poucos motoristas que passavam.

A aventura começara duas horas mais cedo perto da rodoviária de Pouso Alegre. Eu passava por ali empurrando aleatoriamente meu carrinho de pipoca quando esbarrei no meu velho amigo Rui de Paula – Sim, eu era menino, tinha apenas 12 anos, mas já tinha ‘velhas’ amizades. O Rui era muito mais velho do que eu: vinte meses! A amizade com o Rui era importante, pois ele morava no Aterrado… e eu morria de medo de ir ao Aterrado. Com a amizade fui aos poucos ganhando confiança!

Depois de trocar dois centavos de prosa o Rui falou:

– Hoje é dia de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Borda da Mata… Está tendo festa lá.  Vamos lá vender pipoca?

Aos doze anos de idade eu conhecia duas cidades: Congonhal, onde nasci e Pouso Alegre, onde eu morava há dois anos. A única coisa que eu sabia sobre Borda da Mata… é que a cidade ficava na direção de Borda da Mata! Mesmo assim, se o Rui que tinha catorze anos, era mais alto e mais forte do eu, era meu amigo, e sabia que tinha festa na Borda, não pensei duas vezes.

Saímos da praça João Pinheiro, em Pouso Alegre, à uma e quinze da tarde. Às sete e quinze da noite deixamos a MG 290 e entramos na rua principal de Borda da Mata empurrando o carrinho colorido. Logo adiante, na primeira travessa à esquerda, paramos para satisfazer a curiosidade de algumas crianças e começar nossas vendas! O burburinho da criançada atraiu a atenção de uma senhora na terceira casa da rua. Quando a bela mulher morena, esguia, de cabelos longos e olhar suave saiu ao portão, aproveitei para pedir-lhe um copo d’agua. Antes de atender meu pedido, ela fez algumas perguntas. Minutos depois voltou com os copos d’agua e dois pratos alombados de comida quentinha: arroz branco, feijão de caldo vermelho e grosso e bife de alcatra. Foi a melhor refeição trivial que já comi na vida!

Saciada a fome do corpo, fomos saciar a fome do espírito… a fome de aventura e de alguns trocados! Por volta de oito da noite chegamos à praça Antonio Megale. Chegamos devagar devido à dificuldade para abrir caminho com o carrinho colorido em meio a tanta gente. Estacionamos ao lado do jardim e começamos a vender nosso produto. Em menos de uma hora vendemos tudo. Não sobrou sequer um pacotinho de pipoca colorida ou um saquinho marrom de amendoim ‘pra contar a história’! Como tudo era novidade, vendi pelo dobro do preço. Faturei num só dia o que precisaria de três semanas de boas vendas para ganhar!

Dois terços da aventura realizados, era hora de voltar para casa! Teríamos que enfrentar mais 27 quilômetros de estrada gelada, no meio da noite, mais seis horas de viagem empurrando o carrinho vazio?

Às nove e meia da noite eu atravessava a avenida Duque de Caxias, ao lado do mercado municipal de Pouso Alegre, recém reformado pela construtora do Fiíco, quando avistei o Waltinho, filho do meu patrão…

– O que aconteceu? Onde você estava até essa hora? – perguntou ele, com expressão visivelmente preocupada.

– Eu estava numa festa na Vendinha… Olha consegui vender tudo hoje – respondi com naturalidade. E subimos a Getúlio Vargas em direção à casa do dono do carrinho de pipocas coloridas. Eles nunca souberam da minha aventura na festa da Borda!

Em 2014, quarenta e três anos depois, voltei à mesma casa para levar um exemplar autografado do meu primeiro livro – Meninos que vi crescer – àquela gentil senhora que, espontaneamente, nos servira aquele manjar dos anjos. Mauritania Furtado estava então com 87 anos. Claro que ela não se lembrava de mim… mas se lembrava dos dois garotos e do carrinho de pipocas coloridas!

Esse ‘capitulo’ é parte da historia “O mistério do Coisa Ruim da Borda”, uma das 50 historias do meu primeiro livro “Meninos que vi crescer”!

A propósito, neste mês de abril, faz 68 anos que o “Chiquinho”, conhecido como ‘Coisa Ruim da Borda’, fez sua última aparição no casarão do Portuga na Fazenda da Ponde de Pedra!

Será que foi a ultima aparição mesmo???

O promotor, a camareira e os peões de Silvianópolis

Se fosse hoje a camareira seria processada por racismo!

O prédio do Fórum Homero Brasil é o mesmo… mas naquela época não havia grades em volta!

Durante as obras do asfaltamento da estrada que liga o município de Silvianópolis ao vizinho município de Turvolândia, no final da década de 1980, os funcionários da empreiteira ficaram hospedados na Pousada do Tanque, uma das duas pensões da cidade, – a outra estava em reforma – bem perto do famoso Tanque da velha Santana do Sapucaí.

Naquele mesmo ano um jovem promotor de justiça, cuja cor da pele nos remete a afrodescendentes, foi designado para trabalhar no fórum local. Enquanto não se mudava para a Comarca, o promotor também se instalou na pensão, única disponível. E se arrependeu!

Sem opções de lazer na velha e pequenina Santana do Sapucaí, e habituado aos estudos, depois do expediente no fórum, o promotor gastava seu tempo debruçado sobre os livros em busca de mais conhecimentos. Mas só depois que os peões dormiam…!

Já os ‘peões’, depois de um dia inteiro de trabalho pesado, procuravam relaxar nos braços de Severina do Popote e jogar conversa fora na pensão até a hora de dormir. Quando se levantavam de manhazinha, ninguém mais dormia na pensão, tamanha era a balburdia que faziam na hora do café da manhã.

O jovem, introspectivo e sisudo promotor, que só pegaria no expediente no fórum depois do meio dia, não se levantava, mas ficava rolando na cama até que os peões saíssem para o trabalho. Só então voltava para os braços de Morfeu, para completar o sono. Por conta disso, o mui digno guardião das leis, chegara a cogitar a possibilidade de uma transferência para outra Comarca, antes mesmo de criar raízes na velha Santana.

Um fato banal, porém hilário, veio corroborar sua decisão!…

Numa bela manhã veio trabalhar na pensão uma nova camareira. Apesar de prestimosa em lavar pratos e talheres e experiente em trocar fronhas e esticar lençóis, ela não conhecia todos os hospedes! Depois de servir o café da manhã para a peonada e lavar os ‘trem’ do café, Jurema foi arrumar os quartos. De repente deu de cara com o promotor enrolado nos seus lençóis, nos braços de Morfeu. Simples como ela só, e querendo ajudar o hospede que supunha retardatário, sacudiu os lençóis, bateu no ombro do promotor e foi dizendo:

– Acorda negão!!! A sua turma já foi p’ra estrada faz tempo!!!

… Ele acordou mesmo! Acordou pela ultima vez naquela pensão…

Aquele foi seu terceiro e último dia de trabalho em Silvianópolis. O fórum da comarca abriu vacância e ficou várias semanas sem um mui digno RMP, até que um novo fosse designado para substituir o promotor que fora confundido com os peões da obra da estrada de Turvolândia!

Tempos bons aqueles da década de 80, quando o cidadão tinha liberdade de expressão, sem frescura! Tempos em que “Negão” era apenas uma forma carinhosa de se dirigir ou se referir a uma pessoa querida ou conhecida. Nos dias atuais, regidos pelo – pseudo – politicamente correto, a espevitada, inocente e bem-humorada camareira seria chamada na chincha… – coitada! Se não conseguisse dobrar a serra do cajuru, receberia pulseiras de prata e seria levada no táxi do contribuinte para sentar-se ao piano do paladino da lei na DP! … E depois seria levada às barras dos tribunais e enquadrada no crime de racismo!

Saudades de Santana … Saudades dos anos 80!

Pessoas que deixaram rastros na minha terra!

Filomena…

Segunda casa da Filomena no bairro dos Coutinhos… também de pau-a-pique, (Foto de 1990, cedida por Hilário Coutinho).

Filomena morava com os irmãos ‘Zelino’ e Messias… Nenhum dos três se casou. Eram muito queridos e respeitados no bairro, mas eram de pouca prosa. O mais comunicativo era o caçula Messias… ele era surdo-mudo! Toda vez que se aproximava de alguém na estrada, emitia sons, gesticulava e sorria. Nunca consegui entender um gesto ou palavra sequer… mas eu tinha certeza que ele estava feliz em conversar com alguém.

Sua casa foi a última de pau-a-pique e ser demolida no bairro. Era amarela, grande, baixa, rente ao chão, cheia de janelas de madeira, coberta de telhas de bica como todas as casas da roça. Em seu lugar foi construída outra, também de pau-a-pique… Agora branca. Tinha um pequeno terreiro em volta. Algumas flores nativas. Logo em seguida começavam as plantações, uns dois hectares de terra roxa, plana. As vezes plantavam mandioca, outras vezes milho, feijão… Certa vez plantaram batata-doce, roxa. Quando plantavam milho a casa de pau-a-pique desaparecia atras do milharal. Como não usavam adubo, de vez em quando precisavam descansar a terra… aí simplesmente não plantavam nada e deixavam a soqueira de milho virar pasto, para arrendo. Animais na casa e no seu entorno, além de tatus e pacas que viviam do outro lado do ribeirão e frequentemente vinham comer milho no quintal, apenas galinhas e um gato preguiçoso. Ah, tinha também alguns lagartos do tamanho de jacarés, que vinham comer tenros pintinhos amarelinhos ainda em penugem na beira do terreiro! É dela uma frase que era contada em toda roda de contadores de causos do bairro… Nos seus afazeres domésticos um gato gordo e preguiçoso vivia se esfregando na barra do seu vestido, enquanto pedia comida. No mesmo ritmo enfadonho do gato ela teria dito:

– Chiiiiiiipa gaaaato, ôh amolaaaaannnnntttteeee…

Filomena tinha dois hábitos marcantes… Um, era não ir às casa das pessoas. Não que fosse antissocial, pois conversava muito bem com as pessoas quando as encontrava na estrada. E também recebia com cortesia as que a visitavam. Falava do tempo, reclamava da poeira, da falta de chuva, da falta de sol, da colheita que estava próxima… O outro hábito era ir à missa na igreja matriz de Congonhal, religiosamente, nos dois sentidos, todo domingo. Na capelinha do bairro ela ia uma vez por mês, pois o padre só vinha pastorear seu rebanho uma vez na ultima semana de cada mês! Chegava cedo. Se a missa era às sete da noite, muito antes de o sol recolher os bigodes ela já estava sentada num dos bancos ou na frente da capelinha na beira da estrada, no centro do bairro dos Coutinhos. Vinha devagar, caminhando ao lado do inquieto Messias – quando a capelinha ficou pronta, Zelino já havia partido – Se sabia que estava adiantada para a missa, vinha ainda mais devagar.

O passar dos anos promoveu muitas mudanças, muitas transformações sociais no país. Inclusive no bairro dos Coutinhos. Uma das mudanças diz respeito ao número de veículos existentes no bairro. A outra reporta ao hábito de oferecer carona. Há poucas décadas, ninguém passava de carro pela estrada sem oferecer carona para quem estivesse caminhando, fosse conhecido ou não. Porém, décadas atrás havia pouquíssimos veículos circulando ali. Durante muito tempo o único veículo, além da bicicleta, do cavalo ou do carro de boi, que levantou poeira na estrada do bairro dos Coutinhos, foi o Jipe com capota e janelas de lona do Abrão Venâncio! Hoje dezenas de carros, de todas as marcas e modelos, trafegam quase dia e noite! Mas ninguém oferece carona a ninguém! Até porque, ninguém conhece ninguém!

Essa transformação, da qual os irmãos “Lino” assistiram boa parte, não mudou uma vírgula as suas vidas. Os seis quilômetros que separavam sua casa de pau-a-pique amarela na Vargem do Coqueiro, da igreja Matriz de São José em Congonhal para a missa dominical, continuaram sendo percorridos com o mesmo motor… à pé! Iam sempre à ‘missa de cedo’, a das oito da manhã. Depois da missa faziam o mercado semanal no armazém do ‘Zé Véio’, distribuíam em três sacos de sal, jogavam nas costas e voltavam passo-a-passo para casa. Quem fosse à ‘missa do dia’, às dez da manhã, podia cruzar com os três irmãos ao longo da rodovia… Zelino, Filomena e Messias, em fila indiana, sempre nessa ordem, voltando lentamente para casa. Ela, na maioria das vezes, debaixo de um guarda sol preto.

A casa de pau-a-pique da Filomena era a mais próxima da minha, menos de duzentos metros, na direção da ‘civilização’. Bastava sair à janela da sala da nossa casa alta para avistar o telhado da casa dela. No entanto só fui lá uma vez, salvo engano, em 1987, velar o octogenário corpo do Zelino. A ausência do irmão mais velho mudou uma única coisa na vida de Filomena… Agora ela era vista na estrada do bairro, a caminho da missa em Congonhal, na companhia ‘apenas’ do irmão surdo-mudo e sorridente!

Seis anos mais tarde, aos 78 anos, o sorridente Messias calou de vez sua voz, tirou seus passos da estradinha poeirenta do bairro, e foi morar com o irmão no andar de cima!

A ausência do irmão caçula e silencioso, mais uma vez não alterou os hábitos de Filomena. Uma vez por mês ela beijava a ponta dos dedos e depositava o beijo na imagem do Menino Jesus de Praga, padroeiro da capelinha do bairro dos Coutinhos. A ‘missa de cedo’ aos domingos, continuou levando Filomena à igreja matriz de Congonhal… agora sozinha!

Certa manhã de domingo, em meados dos anos 90, depois da missa de cedo, demorei-me alguns minutos num mercadinho. Quando peguei a estrada alcancei Filomena. Sua figura era inconfundível, desde longe. Debaixo do velho chapéu de sol preto, ela seguia, como sempre passo a passo à margem da rodovia. Usava a costumeira saia grande quase arrastando pelo chão, uma discreta blusinha clara, um crucifixo de madeira pendurado no peito e o lenço bege cobrindo o coque de cabelos cinzas. Parei meu Escort prata alguns metros à sua frente e quando ela passou, ofereci carona!

– Não… Eu vou à pé mesmo! – respondeu ela, quase no mesmo ritmo em que falava com seu gato… e continuou andando.

Mais tarde comentei o fato na cozinha enfumaçada do meu tio …

– Ela escuta pouco e tem a vista ruim… Decerto ela não reconheceu você! – respondeu o ‘filósofo’ Antonio Paula.

O relógio de Filomena e dos irmãos sempre fora o sol, a lua e… o galo! Quando o sol se deitava, era hora de dormir. Quando o galo cantava, era hora de se levantar. Agora, octogenária, sem os irmãos para cuidar, sem o gato modorrento e amolaaaaaaannnnteeee se esfregando na barra da sua saia cinza na cozinha da sua casa -agora branca -, com a vista cansada e os ouvidos menos apurados, Filomena começou a confundir as horas do dia… e da noite! Como conservava o hábito de ir à missa na capelinha do bairro e à missa de cedo – e como mineiro, ainda mais Coutinho! não perde a hora – Filomena chegava sempre muito adiantada às solenidades religiosas. Se o ‘Pequeno Príncipe’ de Saint Exupery já estava à postos meia hora antes do encontro, Filomena se preparava muito melhor… Se a missa no bairro era às seis e meia da tarde, ela chegava com o sol alto… antes das cinco! Essa falta de noção das horas não acarretava prejuízo a ninguém… mas causava cenas ao menos curiosas! Bem curiosas…

Já debilitada pela idade e precisando de mais tempo para percorrer os seis quilômetros de estrada que a levariam à tradicional missa de cedo em Congonhal, Filomena saia de casa muuuuuito cedo… antes de o galo cantar! E muitas vezes chegava à igreja muitas horas antes de o educado e cortês sacristão Zé Olimpio abrir as portas. Tornou-se comum ver a velhinha solitária, sentada ao pé da pilastra da torre da matriz, ainda de madrugada, esperando o dia amanhecer! Se essa cena era comum, inusitado era cruzar com ela usando uma blusinha parda sobre o indefectível vestido cinza – o de ir à missa! – com a barra roçando a ponta da guanxuma, caminhando lentamente à margem da rodovia deserta, sob o plácido luar da lua cheia, no meio da madrugada!

Esta cena me remete à “Maria… 90 anos de solidão”, história da velhinha também octogenária que saiu para catar gravetos no pasto perto da sua casa à meia noite de lua cheia! A historia de Maria está no livro “Quem Matou o Suicida”!

Quem presenciou esta cena – uma velhinha caminhando solitária pela estrada de madrugada, iluminada pela lua cheia – com certeza, não parou para oferecer carona!

Se estivesse entre nós, hoje, em dias de Covid, Filomena não teria dificuldade de distanciamento. Era totalmente avessa a aglomerações. Alguns diziam que ela também não gostava de ser fotografada. Filmada então, nem pensar! Certa tarde fresca de meados dos anos 90, consegui filmar Filomena há cerca de cinquenta metros. Era um sábado, dia de missa na capelinha do bairro…

Filomena vinha lentamente pela estrada poeirenta, sem pressa de chegar. Quando eu a vi, a pretexto de filmar a casa da Catarina, posicionei a filmadora e fui captando uma panorâmica, lentamente, passando pela estrada por onde ela vinha. Demorei um pouco mais na figura octogenária, aproximei a imagem e segui filmando até a torre da igreja. Alguém que me viu filmando sutilmente a velhinha com fama de pouca prosa, falou:

– Se ela souber que você a filmou, ela vai te xingar!

… Acho que, de fato, ao menos de longe, Filomena não tinha vista muito boa!… rsrsrsrs.

Essa foi a última vez que vi Filomena caminhando. Em 2001, já sob os cuidados e o carinho dos funcionários do Asilo de Congonhal, Filomena foi se juntar aos irmãos Zelino e Messias… e, quem sabe, ao seu gato amolannnnte.

‘Filomena do Lino’ foi uma destas pessoas que exigiam pouco da vida… das pessoas, mas teve presença marcante na vida de várias gerações do bairro dos Coutinhos! Lembra um pouco, ao menos o título, do clássico de Erico Veríssimo inspirado nos ensinamentos bíblicos… “Olhai os Lírios do Campo”…

Poucas pessoas deixaram tantos rastros, – literalmente –, como Filomena, na minha terra!

 

*** Um velho hospede do Hotel do Juquinha acaba de tropeçar e cair nas malhas da lei.

Breve você vai saber, aqui no blog, quem é ele e os detalhes da sua prisão.

Uma dica: ele tem nome de cantor!

Assalto ao Baronesa…

… E o dilema do detetive endividado!

Ferreira era um daqueles raros policiais que viviam exclusivamente do salário recebido do Estado. A maioria dos seus colegas tinham uma atividade paralela: uns faziam ‘bicos’ como segurança, outros tinham um comercio, alguns tinham rendas digamos…‘não declaráveis’!

Ferreira bem que tentou descolar uma renda extra. Iniciou uma granja de codornas, tentou criar galinhas entrou no ramo de mascate de roupas, foi cobrador de dívidas, foi cartola de futebol amador, enveredou-se pelo jornalismo e pelas ondas do rádio… mas nada disso rendia dim-dim! Há anos vivia no vermelho. Nos últimos anos, quando os dois filhos foram para a faculdade a situação… piorou! Pagava a faculdade dos garotos uma vez por ano, sempre em janeiro… Senão não renovava a matrícula!

Certa madrugada o detetive Ferreira teve a oportunidade de colocar as finanças em dia…

Primeiros minutos de uma madrugada fresca de segunda feira. O plantão na velha delegacia de polícia da Silvestre Ferraz estava um marasmo só. Os aviõezinhos e formiguinhas haviam distribuído toda a ‘farinha’ da cidade na madrugada anterior; os pés de cana já haviam ido dormir; os guampudos que, por qualquer motivo, costumam descer o borralho na cara-metade, também já estavam nos braços de Morfeu…  E a DP estava entregue às moscas. Até que, um telefonema da PM solicitou a presença do Perito Criminal a um local de roubo! Uma quadrilha havia feito uma limpeza no cofre do Baronesa!

Não é comum o detetive de plantão acompanhar o perito a locais de crime. Menos ainda o Ferreira, pois ele trabalhava na DH e, além de gostar, tinha mais experiência na investigação de homicídios. No entanto, quando o perito passou pelo hall com sua maleta e o convidou para acompanhá-lo ao local do roubo, ele topou. Afinal, além de quebrar a rotina, dois policiais teriam mais chances de encontrar as pistas que levariam aos assaltantes. Mal sabia o detetive que aquela seria uma das madrugadas mais “conflituosas” da sua carreira!

Os bandidos haviam entrado pelos fundos do hipermercado e após render o segurança, foram direto para o escritório. Embora tivessem completo domínio da situação e um pouquinho de perspicácia… Para evitar chamar a atenção de outros seguranças e da vizinhança no início da madrugada, eles não acenderam as luzes. Usaram lanternas para iluminar o caminho e o local do ‘pote de ouro’. Mas tinham pressa, muita pressa… e pouca habilidade e delicadeza! Após encheram os malotes com tudo que podiam carregar saíram correndo no escuro… E foram deixando os vestígios do crime pelo caminho.

Comunicado o roubo, a PM naturalmente foi a primeira a chegar ao local do sinistro… e não tocou nos ‘vestígios’!

Quando o detetive Ferreira e o perito chegaram ao local, depararam com uma cena inusitada! Ao longo da rampa de acesso ao escritório havia dezenas de pacotes de dinheiro amarradinhos com elásticos, espalhados pelo chão! Foi aí que começou o dilema do detetive Ferreira!

Com a aposentadoria quase batendo à porta, e as contas vencidas quase chegando ao pescoço, de repente ele viu a oportunidade de sair do atoleiro de dívidas. A solução estava a seus pés! Literalmente a seus pés! Bastava abaixar-se e pegar um pacotinho. Um mísero pacotinho resolveria todos seus problemas. Não precisava ficar rico. Bastava apenas pagar as contas.

Todos os pacotinhos de dinheiro espalhados, desde o escritório até ao longo da rampa, continham cem notas. As de R$ 50 somavam, portanto, cinco mil reais. As de R$100 somavam dez mil. Um pacotinho daqueles de notas de cinquenta daria para pagar todas as dívidas da faculdade dos meninos e talvez sobrasse para comer uma pizza no Pier! Se pegasse um pacotinho de notas de cem, daria para colocar e manter suas contas no verde por muito tempo. Quem sabe até passar um final de semana num hotelzinho duas estrelas em São Lourenço ou Caxambu! Precisava ser rápido e sutil! Lá atrás o gerente, ou talvez o dono do hipermercado, conversava com o oficial da PM. O perito ao seu lado estava absorto tirando fotos. Não podia escolher… Tinha que abaixar-se rapidamente e pegar o pacotinho que estivesse ao alcance da mão.

Pegar ou não pegar o pacotinho de dinheiro? This is the question!

Enquanto desciam lentamente a rampa registrando cada detalhe que pudesse identificar os assaltantes, Ferreira travou sua mais notória batalha entre o bem e o mal. Precisava pegar aquele dinheiro para pagar suas contas… Mas não podia fazê-lo! Era contra seus princípios! Além do mais, embora vivesse sempre no vermelho… andava de cabeça erguida!

“Você viveu até aqui sem pegar o que é dos outros. Esse não é seu. Não é certo”, dizia um anjinho de braços cruzados, com uma coroa dourada sobre a cabeça, à sua direita.

“Deixa de se tolo! Não tem ninguém vendo! Vai ficar na conta dos assaltantes mesmo”, dizia um chifrudinho sacudindo um tridente em brasa!

O dilema vivido pelo velho detetive naquela madrugada lembra a piada do Papa Paulo VI quando da visita de Sofia Loren – dona do mais belo par de seios de meados do século passado, ao Vaticano. Dizem que quando ela se inclinou para beijar-lhe a mão, os voluptuosos e rosados seios quase saltaram para fora do decote! Diante de tão sublime visão, o santo papa engoliu em seco e não conseguiu desviar os olhos. Ao perceber o ligeiro devaneio do papa, o anjinho à sua direita teria exclamado com os olhos arregalados:

“Papa Paaaaauuuulo”!!!

Já o ‘chifrudinho’ da esquerda teria encorajado o santo – assanhado – papa, mudando apenas a interjeição…

“‘papa’, Paulo, ‘papa’…”

 

Mas o detetive Ferreira não ‘papou’!

Seu anjinho de aureola dourada venceu a batalha!

Os pacotinhos de notas de cinquenta e de cem continuaram espalhados na rampa do escritório do Baronesa à disposição do seu dono.

De volta à delegacia Ferreira gastou o resto da madrugada para fazer o relatório do caso e de outros em investigação. De manhã, quando chegou em casa, dormiu o sono dos justos. À mesa do almoço contou o fato à família. Os filhos ouviram em silencio. Se limitaram a pousar cada um a mão no seu ombro. Um breve afago… um afago que não tem pacotes de notas de cem que pague!

Nos anos seguintes, com a promoção por antiguidade e o consequente aumento de salário, e o término da faculdade do filho mais velho, Ferreira começou equilibrar as finanças. Três anos mais tarde, ao aposentar-se, finalmente zerou as contas. Apesar de ter vivido muitos anos no vermelho, Ferreira sempre teve sinal verde por onde passou… e sempre pode encostar a cabeça no travesseiro e entregar-se imediatamente às caricias de Morfeu!

Anos atrás, durante um encontro casual com o perito, Ferreira relembrou o fato e disse que estava pensando em contar nas redes sociais o dilema vivido naquela madrugada.

“Eu não faria isso… Pode parecer demagogia”! – disse o cético perito.

Hoje Ferreira finalmente resolveu contar o dilema daquela noite.

“Julguem como quiserem” – disse ele.

“Como cuidar de um familiar com Covid em casa!”

Mensagens da Internet – Utilidade Publica

(Imagem ilustrativa)

“Vejo muitos “posts” aterrorizando as pessoas sobre o número de MORTES… mas não vejo autoridades orientando familiares e amigos das pessoas contaminadas pelo CORONAVÍRUS.

 

Repassando orientações aos leitores!

 

1) não tenha “medo” da pessoa que você vai cuidar, ela precisa da sua ajuda.

 

2) ela precisa ficar “isolada”, então, deixe-a num quarto, numa sala, numa área de pouca passagem para as outras pessoas.

 

3) se você tiver um banheiro separado, tipo um “quarto de hóspedes” é lá que essa pessoa deve ficar, sem sair…se você não tem um lugar assim, deixe a pessoa numa sala arejada, ela deve estar todo o tempo de máscara, deve higienizar as mãos sempre e, não sair daquele local… (só sai pra tomar banho e usar o banheiro).

 

4) se o banheiro for de uso comum, tudo bem… não se desespere… após a pessoa tomar banho, fazer necessidades, ela mesma pode pegar um pano com álcool a 70% ou solução de água sanitária 50 ml + 950 ml de água e passar na tampa do vaso sanitário, no chão do banheiro, nas torneiras, na pia, na maçaneta da porta… se a pessoa for idosa, você coloca luvas, máscaras, prende seu cabelo e vai lá passar essa solução em tudo!

 

5) em todas as portas da casa você deve colocar um pano úmido com água sanitária especialmente naquele ambiente em que a pessoa está.

 

6) se você puder comprar copos, garfos, facas e colheres descartáveis será melhor…, mas… se não puder, deixe uma bacia com água e água sanitária para a pessoa colocar os talheres, copos e pratos “de molho” nesta mistura… e você pegará essa bacia 1x por dia, com luvas e lavará os objetos 1x por dia… a pessoa infectada não vai tocar na bacia… vai apenas depositar os objetos na solução. Marque os talheres com esmalte para unha(vermelho)… assim você tem certeza de que não vai misturá-los… Marque os copos e pratos, também com as iniciais do nome da pessoa.

 

7) cobertores, lençóis, fronhas, cobertas, travesseiros devem ficar isolados, até que a pessoa se recupere… não lave-os junto com as roupas da casa… (se for lavar e reutilizar, use uma mistura com água e um pouco de água sanitária pra deixar de molho antes de lavar!)

 

8) Ofereça os remédios sempre em copos descartáveis…ou num guardanapo de papel.

 

9) você, que é “cuidador” e seus familiares, que estão na casa, devem manter distância dessa pessoa e devem USAR MÁSCARAS TAMBÉM.

 

10) Devem manter distância mas… “cobri-la” com AMOR e RESPEITO!

 

Lembre-se… MANTENHA A CALMA!

Essa pessoa precisará muito mais de você do que você jamais precisou de alguém!

 

Se achou essa postagem muito importante copie e cole na sua linha do tempo. Isto é UTILIDADE PÚBLICA! Pratique o bem! Ele, no final, sempre vence!! Seja generoso, empático e respeitoso. Logo… logo, pousaremos em solo seguro com nossas mentes mais maduras e coração mais amoroso! #empatiaaoproximo

Pedalar na Lagoa… um aprendizado para a vida!

Quem conseguir não xingar e nem ser xingado… pode pegar a ‘carteirinha’!

     O movimento começa cedo, de manhãzinha, e não tem hora para acabar. Durante todo o dia, até a noite, são centenas de pessoas pedalando em torno da lagoa. Alguns indo para o trabalho – à tarde voltando -, alguns fazendo entregas, muitos treinando para competições e a maioria apenas fazendo turismo ou cuidando da saúde física e mental.

Essa é a Sapucaia, que equivocadamente deu nome a varias cidades e rios do Sul de Minas…

     Durante todo o percurso da Avenida Negrão de Lima, numa extensão de 20 quilômetros, há uma ciclofaixa, lenta, no elevado do canteiro, reservada aos bikers. Mas nem todos pedalam em segurança. Ao longo de todo o percurso há placas de alerta aos motoristas:

“Cuidado: Ciclistas em Treinamento”!

     No entorno da lagoa pedalam homens, mulheres e crianças de todas as idades, dos 7 aos 70 anos. Aliás, há muitos baby-bikers de 4 ou 5 anos pedalando por ali. E tem também senhores com mais de oitenta primaveras!

Impossível não parar para as selfies e ‘conversar’ com JK, Niemeyer, Burle Max e Portinari…

     Nos finais de semanas ensolarados, a faixa de 1,80m fica pequena para tanta gente. É aí que mora o perigo!

É aí que começa o “aprendizado para a vida”… Aprendizado de paciência, de tolerância, de educação, de respeito ao próximo e, principalmente… de controle dos próprios sentimentos e emoções!

Nem todos seguem as normas:

– pedalar sempre à direita da faixa;

– não invadir a esquerda sem olhar;

– não parar na faixa;

– não pedalar em dupla paralelo ao amigo ou à namorada;

Paralela à ciclofaixa há outra faixa pavimentada de igual tamanho… Essa é exclusiva para pedestres, que correm ou que caminham.

– Não pedalar na faixa de pedestres…

E a recíproca é verdadeira:

– Não caminhar na ciclofaixa!

Apesar de tudo isso, tem gente que trafega aqui ou acolá até com as mãos fora do guidom!

A inobservância destas normas de segurança e bem viver, durante a semana, pode provocar expressões do tipo:

– Desculpe… foi mal…

E reações do tipo:

– ‘Belê’… tranquilo…

Já nos finais de semana o caldo engrossa. As expressões mais comuns são:

– ‘Prestenção’ mané… Tem mais gente na pista… Não sabe andar, fica em casa… Jumento… chifrudo… (e tem coisa pior).

Durante a semana, com pouco movimento, os ciclistas, quando se aproximam de um distraído, pedem passagem com um bem humorado cumprimento:

– Bom diiiiia, boa taaarde… – e o distraído responde acanhado:

– desculpe!…

No domingo, com a faixa disputada por centenas de ciclistas, – e pedestres – distraídos, especialmente o turista ou o domingueiro fazendo selfie enquanto pedala, o linguajar perde um pouco do ‘romantismo’! De longe os incomodados já vão vociferando com rispidez:

– Direita, direita, olha a frente, direiiiita… ‘baraaaaalho’!

E quando passam, além da comunicação expressa no rosto e no olhar, se comunicam também com o braço… e não raro também com o ‘dedo médio’!

Praça do Museu de Arte, o ponto mais movimentado da lagoa. Ninguém passa por aqui sem levar muitas… fotografias!

    Enfim… pedalar na lagoa; curtir o ar puro; o frescor das arvores – ali tem uma fileira de Sapucaia, arvore que dá nome a rios e cidades no Sul de Minas – contemplar o visual dos diversos tons da agua, nem sempre limpa; os pescadores que banham minhocas diariamente por ali e de vez em quando fisgam uma tilápia ‘emperreada’, rsrsrsr; as academias ao ar livre; os trechos sombrios e desabitados da avenida; os pontos turísticos tais como a Casa do Baile, a Capela de São Francisco, o Mirante com as estátuas de JK, Niemeyer, Burle Max e Portinari defronte a ‘Casa Kubitschek’,  o Museu de Arte, cenário de infindáveis selfies e vídeos de noivas ou mulheres gravidas; a barragem da Av. Antonio Carlos, ponto final e cenário para mais fotografias, e finalmente a Praça de Yemanjá a Rainha da “Lagoa”, para curtir o por do sol!… É um aprendizado e tanto!

Praça de Yemanjá…  O passeio só fica completo quando se chega aqui. Melhor ainda se for no final da tarde…

 

     Depois de muito treinamento, depois de conviver com essa diversidade de comportamentos, de perfis tão diferentes, cada um se achando no direito disso e daquilo e um pouco dono de tudo… se você conseguir pedalar durante dez dias seguidos pelo orla da lagoa da Pampulha:

– Sem atrapalhar ninguém!

– Sem ser atrapalhado por ninguém!

– Sem dizer um palavrão…

– … e sem ser xingado por ninguém!

Então você aprendeu…  você cresceu…  você evoluiu…

Então você ‘pode passar no escritório’ e pegar sua ‘carteirinha’!

Você está preparado para viver em sociedade!