Olá meus estimados leitores.
Já estava com saudades de vocês. Espero que tenham se divertido ou descansado muito no carnaval. O meu foi um pouco corrido. No sábado Festa da Uva em Vinhedo, domingo churrasco em família, segunda anfitrionando familiares e à noite o falecimento de uma pessoa querida me levou para o Rio de Janeiro. No final da quarta quando abri o computador recebi um convite irrecusável dos meus filhos para ver o São Paulo fazer um papelão diante do Bragantino… Só agora pude finalmente trazer alguma coisa de novo para vocês. Comecemos com o singelo tributo ao companheiro Sidraque…
Em 1996 o capixaba Sidraque Correia da Rocha, 36 anos, veio para Minas em busca de sonhos e ingressou na policia civil. Alguns de seus colegas ouviram-no perguntar ainda na Acadepol;
– O que eu estou fazendo aqui? Por que será que entrei para a policia?
E ele mesmo responder…
– Acho que é por causa do meu senso de justiça, de heroísmo…
Esta conjectura introspectiva do jovem policial mostrou em pouco tempo a muita gente quem era Sidraque. Ele foi designado inicialmente para trabalhar em Pouso Alegre. Daqui seguiu para Extrema, de lá voltou para perto da família em Teófilo Otoni e, a pedido, voltou para o Sul de Minas… Para São Gonçalo do Sapucai, depois Careaçu, Silvianópolis e novamente Pouso Alegre.
Apesar de ter trabalhado em poucas cidades em 7 anos, ele se tornou conhecido e lembrado em todo o Estado, através do curso de formação policial que fez com outros 400 detetives de todos os rincões das Minas Gerais, na academia de policia civil. Conhecido justamente por este jeito às vezes introspectivo, outras expansivo, outras espeloteado sem dizer coisa com coisa, mas sempre com autenticidade, generosidade e bom humor.
Contam alguns colegas que, numa de suas tiradas, uma senhora chegou à recepção da delegacia de policia e disse que havia sido roubada, tendo o meliante levado todo seu dinheiro e seus documentos. Sidraque, olhando muito atentamente para ela exclamou;
– Nossa!!! E agora. O que a senhora vai fazer???
No segundo seguinte ele se deu conta de que ela estava ali em busca de respostas e atitudes e não de perguntas e tratou de registrar o B.O. para ela.
O policial de origem libanesa era na verdade um grande artista. Era musico, poliglota – falava razoavelmente sete idiomas – e nas horas de folga trabalhava de pintor de parede, cabeleireiro, dedetizador e dava aulas de grego, aramaico e latim. Quando chegou a Pouso Alegre em l996, pintou todo prédio da delegacia regional… e não recebeu um centavo por isso!!
O domingo de carnaval, 22 de fevereiro de 2004, amanheceu chovendo em toda região. Durante uma pequena aragem por volta de dez da manha, Sidraque encontrou casualmente com seu destino. Ele voltava da feira trazendo frutas e verduras para a esposa e o casal de filhos imberbes que amava com fervor, quando surgiu à sua frente um cidadão que fora vitima de furto no dia anterior, informando que o suspeito estava num boteco ali perto e pediu providencias.
O policial que estava sempre à disposição de quem quer que o procurasse, se propôs abordar o suspeito sozinho, pois além de não dispor de tempo para buscar reforço, ele era o único investigador da cidade. O mocinho – mocinho mesmo, recém completados 18 anos, franzino – que realmente tinha culpa no cartório, passou sebo nas canelas e dobrou a serra do cajuru. Sidraque saiu nos seus calcanhares. Enfurnaram-se numa extensa área onde se começava um loteamento, em direção ao ribeirão e sumiram da vista da vitima e de dezenas de curiosos que acorreram para a porta do bar. Minutos depois ouviram três tiros vindos lá do ribeirão. Estremeceram tentando imaginar o que estava se passando. Um dos curiosos exclamou;
– Nossa… O Sidraque matou fulano…
Continuaram olhando estupefatos e no minuto seguinte avistaram o larapio – agora assassino – subindo o pasto do outro lado do ribeirão, até sumir de vista, levando a arma do policial. Quando a vitima e curiosos chegaram à beira do ribeirão, lá estava o detetive Sidraque com três tiros no peito, inerte
A chuva que ao que parece dera uma pequena trégua suficiente apenas para o sempre resoluto policial cumprir seu destino, voltou a cair torrencialmente sob o seu corpo e os de dezenas de policiais que varreram cada palmo de Monte Sião naquele domingo de carnaval, à procura do ladrãozinho pé-de-couve. Ele não foi encontrado. Oito meses depois, quando cheguei à bucólica e rica Monte Sião, tentei desenterrar o assassino do policial. Mas, sozinho, como os demais colegas, não obtive êxito.
Nunca soubemos o que aconteceu entre o policial e o meliante naquela beira de ribeirão. Só o que se sabe é que o policial tinha uma pistola carregada na cinta e seguiu a lei ao pé da letra enquanto o meliante, na primeira chance que teve … preferiu matá-lo com sua própria arma. Morreu o policial… morreu um artista, um cidadão admirável. E deixou como herança uma pensão de – descontados assistência medica, contribuição de aposentadoria, intermináveis descontos de empréstimos bancários – R$ 480 reais na época. E deixou também um colchão de casal, dois de solteiro, um fogão, um guarda roupa, um teclado, seus tesouros Mirna de 9 e Misaque de 11 anos… e sonhos, melancolia e saudade.