CAPÍTULO V
À noite os dois agentes da lei continuaram o jogo interrompido no saloon, em meio ao comentário dos presentes. Ao lado deles havia quatro homens que haviam abusado propositalmente do whisky… estavam prontos para arrumar encrencas.
– O delegado é um fanfarrão – dizia um deles.
– Sim… ele fez aquilo para aparecer.
– Hei xerife… Por que não faz a nós o que fez a Richard? Por que não tenta, hein?
As atenções se voltaram para eles.
– Sim, por que não tenta fazer? – dizia outro provocador. É porque você é um covarde! Gosta de duelar com almofadinhas, mas tem medo de homens! – disse um terceiro apoiando a mão direita no cabo do trabuco.
Sem tirar os olhos das cartas e sem, contudo, deixar de vigiar o ambiente à sua volta, Jeff comentou:
– Morrison, vamos ter encrenca…
– Sim rapaz, esteja atento – respondeu Morrison olhando por cima das cartas.
– E então… Por que não responde xerife? – gritou o que parecia mais embebido em álcool, enquanto empinava a mesa em que estavam os dois homens da lei.
Jeff, calado, recolheu as moedas que caíram com a mesa, dirigiu-se lentamente ao autor da cena, fez o sinal de uma cruz diante do seu rosto e de repente deu-lhe um potente soco achatando seu nariz. A inesperada atitude do delegado deu início a mais uma típica briga de saloon. Desta vez o ator principal era Jeff Rogers.
No saloon havia fanfarrões, bêbados, pistoleiros, aventureiros de todo tipo… Havia os que estavam contra Jeff, mas havia também os que estavam a favor dos homens da lei. Por isso todos entraram na briga. Até quem estava neutro na questão, para não apanhar sozinho, retribuía socos e pontapés.
Enquanto o Saloon era palco de uma selvageria brutal, três vultos silenciosos se aproximavam da delegacia. Ainda em silencio arrombaram a porta e dois deles entraram enquanto o terceiro cuidava dos cavalos.
– Quem está aí? Que diabos está acontecendo? – Indagou Smith de trás das grades da cela.
– Cale essa boca. Viemos libertá-lo.
– Oh… vocês…
– Afaste-se… – disse o bandido amarrando uma banana de dinamite na tranca da cela e acendendo o rastilho.
Em poucos segundos o cadeado da cela voou e se perdeu num canto qualquer do recinto. A explosão foi abafada pelo som dos socos, pontapés e gritos emitidos no saloon, conforme o planejado. No minuto seguinte quatro vultos esgueiraram por uma rua lateral, escura, empreenderam um galope e deixaram Carson City para trás.
No saloon a luta prosseguia animada. Um sujeito forte conseguiu agarrar Morrison de costas para uma coluna de madeira no meio do recinto. Morrison fingiu fraquejar, mas quando outro sujeito desferiu um potente cruzado em sua direção, ele se abaixou repentinamente, desviando do golpe. O punho do agressor foi chocar-se contra o poste, arrancando do sujeito um urro se dor. Com Jeff acontecia algo semelhante. Um sujeito o agarrou pelas costas e outro se aproximou de frente disposto a lhe maltratar o fígado, mas foi recebido por um violento “coice de mula” que atingiu seu peito jogando-o de costas sobre uma das poucas mesas que ainda estavam de pé. James, o proprietário do saloon e seu sobrinho Pat, os quais serviam os clientes, simpatizavam mais com os homens da lei e não perdiam oportunidade de agredir seus rivais. Os que se apoiavam no balcão recebiam garrafadas nos crânios.
– Hei James… Aí vai uma bola pra vocês brincarem – disse Jeff atirando um barbudo por cima do balcão. James socou o barbudo em direção a seu sobrinho, que o rebateu em seguida. Depois de alguns segundos Pat gritou sorrindo:
– Hei xerife, tome de volta sua bola… agora está mais macia!
A briga generalizada prosseguiu por mais alguns minutos. Aos poucos os derrotados foram se retirando, uns arrastando a perna, outros limpando o sangue dos lábios. Henry William, o sujeito que provocara a briga, com seus comparsas iam se retirando do saloon contorcendo o corpo, quando…
– Hei, você! Está esquecendo de algo… O estrago é por sua conta – alertou Jeff.
– Ora, gringo, vá para os diabos – respondeu Henry puxando a portinhola de vaivém a fim de deixar o palco da quebradeira.
Jeff então sacou do colt e disparou na direção da portinhola, arrancando-a da mão do brigão ao mesmo tempo que sugeria:
– Não quer mudar de ideia Henry?
O pistoleiro, cego de raiva, enfiou a mão no bolso do colete, tirou vários dólares embolados, atirou sobre a única mesa que ficara de pé e virou as costas para sair.
– Espere. Eu acabei de gastar uma bala… Passe-me um dólar.
Henry olhou em volta e viu que exceto seus companheiros, sérios, todos os demais estavam com ar de chacota. Pensou em reagir, mas percebeu que Jeff ainda tinha o colt na mão. Achou melhor atender o pedido do defensor da lei. Ao atirar a moeda sobre a única mesa em pé, ouviu a gargalhada geral, mas limitou-se a lançar a clássica ameaça:
– Tornaremos a nos encontrar xerife – disse com ódio na voz e no olhar.
Ao entrar na delegacia minutos depois, os homens da lei tiveram uma surpresa.
– Que diabos! Levaram nosso primeiro hospede e nós nem o havíamos interrogado!
– Bolas… armaram a confusão no saloon de propósito, com o objetivo de nos distrair para que pudessem libertá-lo!
– Bolas digo, eu! Meu primeiro hospede não gostou do ambiente e resolveu se mandar.
– Não tem importância. Aonde vamos amanhã, se meu palpite estiver certo, traremos hospedes suficiente para encher seu hotel.
Desta vez quem estava furioso era Brad Macgree.
– Como isso foi acontecer? Como você admitiu passar por um vexame desse meu filho? – censurava indignado.
– Não sei pai. Tudo ia bem. Não sei como eles descobriram nossos homens.
Brad andava de um lado para outro da sala, diante do filho envergonhado sentado na poltrona. Entre uma baforada nervosa e outra do charuto, enquanto recriminava Richard pelo fiasco, pensava nos últimos acontecimentos desde que o forasteiro chegara à cidade. Até que falou:
– Esse delegado parece saber e antecipar nossos passos! Acho que temos um traidor no nosso grupo…
George, que ouvia a bronca e também tentava entender a sequência de desencontros, concordou.
– É possível. Aquele dia, se Jeff saiu da estrada, ele sabia que nossa equipe estava lá esperando a passagem da carroça com dinheiro para assaltá-la… E se sabia, deve ter descoberto também a trilha que leva ao esconderijo…
– Sim… E se ele percebeu alguma coisa, irá investigar – emendou Richard.
– Certamente – anuiu Brad. Essa pode ser a melhor oportunidade que temos para liquidá-lo de uma vez por todas, desde que estejamos preparados. Vamos dar-lhe uma calorosa recepção.
– Você tem razão Brad. Richard, chame o Ted… Diga a ele que vá ao esconderijo e avise o pessoal para receber ‘bem’ o forasteiro intrometido.
No dia seguinte os dois homens da lei tomaram a direção da trilha descoberta por Jeff dias antes. Após algumas milhas de cavalgada a trote lento saíram da estrada principal.
– Está vendo Morrison? Aqui está claro os rastros dos cavalos.
– Hum…
Um pouco mais adiante seguindo os rastros:
– Aqui a trilha se divide, como eu lhe disse. Façamos o seguinte: você vai pela estrada, digo pela esquerda para confirmar se dá mesmo no rancho de Brad. Eu seguirei em frente, devagar para que você possa me alcançar, ok?
– Combinado, mas tome cuidado.
– Deixe comigo.
Cerca de meia hora depois Morrison avistou ao longe o teto do ‘Rancho Barra Y’ de George e Brad. Ao confirmar suas suspeitas, reteve a mansa montaria, voltou e seguiu no encalço do seu ajudante.
Jeff percorrera poucas milhas seguindo a pista deixada pelos cavalos pela pradaria quase plana, quando avistou uma pedreira atrás de uma pequena ondulação do terreno.
– Hum… será aqui que eles se escondem? Não admira que ninguém os descubra… Quem pensaria em procurá-los aqui? – pensou Jeff. Atento o delegado continuou lentamente na direção da pedreira. O ajuntamento de rochas esbranquiçadas tinha uma estreita falha num dos lados, a qual servia de porta de entrada natural e uma grande clareira no centro. O jovem sabia estar na ‘boca do lobo’. Mas continuou avançando, cautelosamente, atento ao menor movimento à sua volta. Apesar da cautela, mas não percebeu que já havia sido notado. Por trás de uma rocha mais alta separada do ajuntamento, à direita da entrada da clareira, um sentinela fez pontaria e puxou lentamente o gatilho do seu rifle! O estampido fez voar um ou dois pássaros solitários que tentavam garimpar algum inseto nas imediações. Junto ao estampido o cavaleiro caiu ao chão duro nas cercanias da pedreira e ficou imóvel. O atirador desceu da pedra, engatilhou novamente o rifle e seguiu desconfiado na sua direção. Ao ouvir os passos da bota do atirador nos pedregulhos bem próximo, o “morto” rolou no chão duro fazendo aparecer o reluzente colt em sua mão direita… e um segundo tiro cortou o silencio da manhã. Desta vez o tiro foi disparado pelo jovem homem da lei… e foi certeiro. No instante seguinte o pistoleiro dobrou-se sobre as pernas e caiu sobre o próprio rifle, fulminado com um tiro na testa. Jeff se levantou, espanou a poeira, amarrou seu frustrado assassino em seu cavalo e o espancou em direção à pequena clareira entre as pedras. Ato seguinte verificou suas armas e correu para trás de uma rocha. Escondidos entre as pedras Ted Slim gritou para seus homens:
– Lá vem ele. O maldito abelhudo conseguiu passar por Bud. Atirem! Vamos fazer dele uma peneira!
O silencio na pradaria foi cortado por uma saraivada de balas em direção ao cavaleiro que avançava colado à montaria. Em poucos segundos seu corpo virou um queijo suíço. O cavalo também foi atingido e tombou a poucos metros da entrada do esconderijo. Imediatamente os atiradores deixaram seus postos para examinar sua presa.
– Desta vez acabamos com a raça do forasteiro… – dizia um, brandindo o rifle para o alto.
– Sim, é pena que não o pegamos vivo, caso contrário iríamos mata-lo arrancando sua pele aos poucos – dizia outro, em meio às gargalhadas. O riso sarcástico e sombrio, no entanto, durou pouco. E se transformou em espanto e silencio ao constatarem quem era o ‘queijo suíço’!
– Diabos! É o bud…
– Maldição! O miserável conseguiu nos enganar mais uma vez! Procurem-no, matem-no – berrou Ted, enlouquecido.
– Não há necessidade de procurar muito. Eu estou aqui Slim… – disse Jeff surgindo de trás de um rochedo com o rifle engatilhado.
– É ele, o demônio, atirem!
Começou mais um violento tiroteio. Jeff tinha a vantagem… Seu rifle já estava engatilho e cuspiu fogo. Antes que pudessem se abrigar, alvejou mortalmente cinco deles. Quando parou para recarregar o trabuco, uma bala arrancou-lhe o chapéu da cabeça.
– Epa! Eles não estão brincando, não. Vai com o colt mesmo – falou o xerife consigo mesmo, enquanto desfazia do rifle descarregado e sacava o colt 45. E continuou atirando até descarregar os dois colts. Quando o municiava novamente…
– Fique quieto onde está, xerife! Não quero liquidá-lo apenas com seis balas – falou um maduro pistoleiro, com sarcasmo, apontando o trabuco para Jeff.
– Calma rapaz. Chumbo faz mal ao fígado. Se eu comer chumbo agora não farei digestão no almoço – fez troça Jeff, vencido.
– Ora, deixe de piadas e vamos andando… Vamos! Hei pessoal, desta vez eu o peguei.
– Oh, então finalmente perdeu as asas hein forasteiro? – gracejou Ted.
– A vida tem seus vai e vem… Desta vez estou voltando – filosofou o jovem.
– É pena que você não poderá ‘ir’ novamente a lugar nenhum pois, depois do que faremos com você, nem os abutres irão querê-lo.
Um minuto antes Morrison havia chegado à pedreira. Ao ver o que se passava, desmontou, pegou seu rifle e foi se esconder atrás de umas rochas de frente para Jeff.
– Acho melhor acabar logo o sermão e começar a pancadaria, pois o xerife Morrison pode chegar a qualquer momento e estragar a festa – falou Jeff.
– Ora, é melhor pensar em outro truque, pois este é velho. Não acreditamos que aquele velho paspalho arrisque a pele para salvá-lo.
Escondido a poucos metros atrás da rocha, Morrison havia colocado o rifle contra o sol, para avisar da sua presença. Jeff entendeu o sinal. Olhou para o chão e notou o revólver que algum dos baleados deixara cair. Fez um pequeno aceno que somente o velho xerife entendeu. No momento em que o primeiro bandido se aproximou para começar a pancadaria, uma bala de Morrison atingiu suas costas.
– Hei, que?!… – Gritou Ted tentando entender de onde viera o tiro.
Aproveitando-se da confusão planejada Jeff lançou-se ao chão, apanhou o colt e abriu fogo contra seus captores, sendo seguido por Morrison que surgiu de traz dos rochedos ordenando com energia:
– Levantem as mãos! Quero prendê-los vivos. Estão sob minha mira. Muito bem meu rapaz, vamos desarmá-los.
– Prazer em revê-lo xerife. Se você demorasse mais um pouquinho eu viraria saco de pancadas, meu amigo.
– É por isso que ninguém os descobria, pois quem imaginaria um ninho de coiotes neste lugar. Mas agora acho que lhes cortamos as garras – disse Morrison olhando para o esconderijo incrustado entre as rochas.
– Se for como eu penso, estes são apenas os ‘filhotes’! Os chefes da matilha ainda estão à solta – observou Jeff.
– Bom, pelo menos agora terei muitos ‘hospedes’!
– Pena que os outros preferiram o inferno ao seu ‘hotel’. Só sobraram oito – disse Jeff sarcástico, olhando para os cadáveres espalhados pelo chão.
– … Seis, sete, oito, nove… – contava Morrison.
– Tem outro atrás das pedras e outro transformado em queijo suíço um pouco adiante – concluiu Jeff. Eram dezenove ao todo.
Uma hora depois os dois homens da lei entraram em Carson City. O primeiro a avistá-los foi o barbeiro que varria a frente do seu salão e deu o alarme.
– Hei, vejam… O xerife parece que fez uma boa caçada!
Logo quase todos os habitantes do lugar saíram na rua para ver o acontecido.
– Uau… a ultima vez que vi tantos “pássaros com as asas cortadas” foi quando o xerife Hobson prendeu a quadrilha do Mike “Caveira”. – Disse o agente funerário esfregando as mãos.
– Esse tal de Jeff lembra muito o velho xerife Hobson – comentou outro.
– Agora temos vários hospedes, Morrison. Mas devemos ser bem ‘hospitaleiros’, senão eles farão o mesmo que fez Smith – observou Jeff com ironia.
– Não se preocupe. Vamos tratá-los melhor. Pra começar vamos contratar um carcereiro.
– E eu vou refrescar a garganta no saloon e aproveitar para bater um papo com James.
A notícia do desmantelamento da quadrilha chegou rapidamente ao Rancho Barra Y. Ao tomar conhecimento dos fatos, George dispensou diálogo e berrou furioso:
– Não interessa como! Matem Jeff!
*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira,17.