J.C. e seu fadário!

O tempo passou … mas “o vento ‘não’ levou”!

Não levou o vício de JC! não levou as aflições – e nem a firmeza de propósito – de mãe de Mariana; não levou a saudade que sentia do marido; e nem trouxe Paulinho de volta. Mas a fome trouxe alguém de volta! Duas semanas depois, ao chegar do trabalho no fim do dia, lá estava novamente J.C. sentado na calçada. Mariana se surpreendeu ao ver o filho sentado no mesmo lugar de antes. A roupa era outra, mas tão maltrapilha quanto a da vez passada. Parou na sua frente e, sem saber o que dizer, ficou esperando que o filho falasse primeiro. Depois de longos segundos olhando nos olhos tristes um do outro, JC finalmente falou.

– Tô aqui de novo… posso entrar dessa vez? – Perguntou com voz mansa, sem se levantar.

Mariana demorou para responder. Talvez porque não tivesse certeza do que responder; talvez porque o tempo tivesse abrandado seu coração; talvez porque esperasse que ele insistisse na pergunta; talvez porque esperasse que ele fizesse uma abordagem diferente! Quando por fim respondeu, foi com outra pergunta:

– Pra que você quer entrar? – Perguntou num tom de desafio.

– Só para comer um prato de comida… não sei quando comi a última vez – disse ele cabisbaixo, com a voz quase sumindo.

Desta vez Mariana respondeu com rispidez. A falta de dignidade do filho causou-lhe irritação e apressou sua resposta.

– Para comer você não precisa entrar. Espere aqui que eu vou preparar a comida… E não vá fazer como da última vez! – completou já trancando o portão por dentro. Seis minutos depois tornou a abri-lo. Desta vez JC continuava lá, sentado no mesmo lugar, na porta da casa da mãe, esperando o prato de comida …

– Entra… senta aqui na escada – disse ela com um gigantesco prato de comida na mão.

JC levantou-se com dificuldade, se apoiando no muro e foi sentar-se no primeiro dos três degraus da escadinha da porta da sala. Mariana sentou-se numa cadeira que trouxera, quase à sua frente, e ficou olhando em silencio o filho comer. Olhava para o filho sujo, magro, ossudo, olhos fundos, barba por fazer … Era difícil assistir àquela cena, olhar para aquele filho tão amado e constatar que tudo que podia fazer era aquilo… Dar-lhe um prato de comida no portão! Como a um mendigo maltrapilho qualquer! Olhava para o jovem mendigo de trinta e poucos anos, mas via outra pessoa. Via um menino moreno, corado, forte, cabelos bem cortados, de uns doze ou treze anos. O que fora feito daquele garoto?

– Tava gostoso, mãe…

A voz fraca de JC trouxe Mariana de volta ao presente. Ele havia acabado de comer e estendia-lhe o prato vazio. Mil palavras ululavam na sua mente, mas Mariana não deixou que elas passassem pela sua garganta. Recolheu o prato vazio e ficou olhando em silencio para o filho. Depois de quase um minuto, também em silencio, JC se levantou e saiu… Saiu pelo mesmo portão que entrara minutos antes, sem dizer uma palavra, mas Mariana não o viu sair. Se ele tivesse feito o inverso, entrado pela porta aberta a poucos passos da escada, ela também não teria visto. Estava por demais absorta em seus pensamentos distantes para ver alguma coisa ao seu redor… As lembranças de tudo que passara nos últimos anos a levara a tomar aquela decisão. Ela não iria passar por aquilo de novo. Mas estava sendo difícil! Muito difícil ver o filho definhando na droga daquele jeito, dar-lhe um prato de comida no portão sem ao menos um abraço, um afago, uma palavra… Isso tocou fundo sua alma! Precisou de forças para não desabar ali mesmo, na frente dele!

– Que isso mãe? Por que o portão está escancarado?… E esse prato na mão… – perguntou a filha assustada, chegando da rua.

Arrancada dos devaneios, Mariana trancou o portão e empurrou a filha para dentro de casa sem responder. Antes, porém, deu uma olhada na rua, mas não viu mais JC. Mal lavou o prato na cozinha correu para o banheiro… E o chuveiro chorou com ela! Difícil saber de onde caiu mais lagrimas! Num misto de raiva, angústia e tristeza, esmurrou as paredes do banheiro. Quando saiu e se vestiu, tentando disfarçar a cor dos olhos, a filha pegou-a pelas duas mãos, fê-la sentar-se diante dela e disse com mansidão:

– Mãe… você ficou quase meia hora no chuveiro, quase quebrou a parede com murros! Eu estou aqui… Posso te ajudar?

Mariana havia ido correndo para o banheiro. Não queria que a filha a visse chorar. Mas não adiantou… Reclinou-se para o ombro da filha e chorou novamente. Chorou baixinho, em silencio… até soluçar!

– Seu irmão esteve aqui. Pela segunda vez eu lhe dei um prato de comida… no portão! – contou Mariana, olhando-a nos olhos, recuperando a altivez. E acrescentou:

“Tá tudo bem, agora. Vai passar…”

E os dias passaram. Os anos passaram…

 

Onde estará JC agora?

 

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