O fim do “poderoso chefão”

Mesmo sabendo que seria seu último banho de sol… ele foi para o pátio encarar a morte!

O dia 14 de julho de 2003 somente não entrou para a história do Velho Hotel da Silvestre Ferraz com duas mortes violentas porque, Gilson Bernardes, prevendo o que iria acontecer ao adentrar o pátio para o banho de sol, ficou bem próximo do portão. Quando começou o espancamento tivemos tempo de socorrê-lo antes que sucumbisse aos socos de Elias, primo de sua última vítima, assassinada a tiros alguns meses antes na Tijuca. E também porque Elias, até então, era pouco mais que um pé de couve, e fora para o banho de sol de mãos limpas.

Meia hora depois do quiproquó, com a segurança sempre falha e ainda mais debilitada, pois dois agentes tinham ido levar Gilson Índio, todo banhado em sangue ao P.S., novo agito no pátio! Ao adentrá-lo sozinho até uma distância segura além do portão, presenciei talvez a cena mais marcante dos meus vinte sete anos de carreira: os cerca de setenta presos andavam uns de um lado para outro; outros conversavam em pequenas rodinhas no centro do pátio como se nada estivesse acontecendo; alguns, encostados no muro, pareciam observar o sol morno da manhã. Três ou quatro ensaiavam gingas com uma bola de futebol puída pelo cimento rústico do pátio. A cena macabra que parecia não incomodar nenhum deles se desenrolava lentamente lá no fundo da improvisada quadra de futsal, fora do campo de visão de quem estava no portão. Chapeleiro, ou o que restava dele, deitado de costas no cimento corroído pelo tempo, dava seus últimos suspiros! A cavalo sobre ele estava Caveirinha com uma faca de cozinha de cabo branco cravada em seu abdome, girando-a em movimentos irregulares para ter certeza de que o ‘poderoso chefão’ não se levantaria! No estertor de suas forças Chapeleiro tentava segurar a lâmina prateada, até que os músculos pararam de reagir e ele ficou inerte. Quase inerte ficaram também os demais presos encostados no muro sabendo que nós iríamos intervir.

Na saída do pátio, desfigurado pelo esforço inútil para preservar a vida, desfigurado pelo sangue, pela falta de sangue, com os olhos negros fixos no céu azul, num caixão vermelho tosco e sem tampa do Corpo de Bombeiros, Chapeleiro arrastou dezenas de ‘ex-súditos’ para as grades das ‘ventanas’. Não era propriamente para despedidas. Era para ver como termina a história de um homem poderoso e errante. Ao passar pela cela das mulheres, algumas entre lágrimas próprias do sexo frágil… ou de crocodilo, esboçaram palavras do tipo:

– … Coitado, não merecia!…

E o cortejo fúnebre seguiu para o IML. Assim terminou a saga do mais poderoso chefão do velho hotel da Silvestre Ferraz.

O responsável pelo trágico e inevitável desfecho da carreira duplamente criminosa de Chapeleiro, e seu ‘pretenso’ sucessor, logo depois foi transferido para a Penitenciária Nelson Hungria em Contagem, de onde saiu anos depois, em paz com as leis dos homens. Mas esta já é outra história…

 

* In ‘“Chapeleiro”… O ultimo ‘chefão’ do Velho Hotel da Silvestre Ferraz’, pagina 269 do livro “Meninos que vi crescer”.

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