O Sumiço de Renatinho!

Ele brincou de ‘orfão’ e acabou sendo adotado por um desconhecido!

Imagem Ilustrativa

Todos os dias pessoas batem à porta da delegacia de policia para comunicar o desaparecimento de alguém da família. Os motivos são os mais diversos. Mas os familiares nunca sabem informar! Tem pessoas que desaparecem contra a vontade… por rapto ou sequestro. Outras, por falta de juízo, saem mundo afora sem destino, a procura de emoções mais fortes. Adultos costumam ir embora tentar a sorte em outras paragens e saem sem deixar notícias. Muitos maridos ou esposas vão embora quando o amor ou a paixão chega ao fim. Estes, às vezes, usam apenas o pretexto de ‘comprar cigarros’! Tem aqueles que deixam o porto seguro por conta de crises de depressão! Ou por desilusão amorosa… E nunca mais encontram o caminho de casa. Tem também aqueles que simplesmente pegam a estrada, sem rumo, por distúrbios mentais. O motivo campeão de fugas do lar entre os adultos, são as dívidas. E quando voltam para casa a família já gastou  outro tanto com divulgação  de retratos, panfletos, pistas falsas e telefonemas para casa de parentes e amigos de outras cidades tentando encontra-lo! Adolescentes adoram fugir de casa para descobrir o mundo em companhia de outro adolescente com a cabeça cheia de vento, como ele…

O garotinho R.N.S.P. saiu de casa para ‘brincar de órfão’!  E acabou sendo adotado por um desconhecido e foi morar em outro estado.

Renatinho tinha dez anos de idade, morava com o pai e uma tia no Jardim São João, brincava com os amigos na rua, frequentava regularmente a escola do bairro, e não dava motivos para ninguém branquear os cabelos antes da hora. Era um bom menino. Até que um dia saiu de casa com destino a escola e não voltou mais. Depois de procurar, sem sucesso, na escola, na casa da mãe, na casa da avó, na vizinhança, no campinho de futebol, o sumiço do garoto foi comunicado à policia.

Os detetives Airton Chips e Fernando Jardim pegaram a foto do garotinho, igual a todos os garotinhos de dez anos, e repetiram todo o trajeto  antes feito pela tia do fujão. Varreram cada centímetro do bairro São João, do bairro Fernandes, Cidade Jardim onde ele tinha parentes, visitaram a escola, o pronto socorro, os rios e ribeirões, checaram revoadas de urubus, ciclo de amigos – e de possíveis inimigos do submundo da delinquência! -, só não usaram bola de cristal! mas nem sombra do garotinho. Parecia que David Copperfield ou algum Ovni estivera por aqui.

Depois de checar cada informação, por mais vaga que fosse, durante semanas, sem nada de positivo, os detetives da Delegacia de Menores foram aos poucos deixando o caso relegado à prancheta. O pai e tia também, embora não esquecesse o franzino e indefeso Renatinho, secaram as lágrimas e foram se acostumando com sua ausência permanente. Deixaram de procura-lo. Pararam de alimentar a esperança de ver novamente seu sorriso maroto! Os dias, semanas, meses não apagaram as lembranças de Renatinho, mas os pensamentos já não despertavam mais tanta emoção!

Certa manhã, bela e ensolarada de terça-feira, dona Maria teve que interromper o almoço para atender o telefone que urrava e vibrava na velha estante de madeira na sala. Ao responder o tradicional “alô” o aparelho quase caiu de sua mão, e ela quase caiu de costas. O telefonema era de outro mundo. Estava falando com u fantasma! Demorou para entender o que estava ouvindo. Mas reconheceu de imediato aquela vozinha meio estabanada que não ouvia há mais de seis meses. As palavras atropelaram os pensamentos. Mas teve certeza: Era Renatinho!

Naquele dia o almoço de dona Maria saiu um pouco atrasado, insosso e ligeiramente queimado, tamanha foi sua emoção! Renatinho estava vivo, prisioneiro em outro Estado e queria desesperadamente voltar para casa!

No dia seguinte Renatinho prestou depoimentos no gabinete da Delegada Inês Xavier , na 13ª DRSP de Pouso Alegre e desfiou seu rosário de infortúnio. Contou com detalhes as consequências de suas aventuras de falso órfão. Já refeito do susto e ainda inebriado pelos carinhos recebidos dos familiares, Renatinho contou que naquele dia, seis meses atrás, não estava a fim de ir  pra escola e resolveu passear sozinho na rodoviária de Pouso Alegre. Ali conheceu um distinto e bondoso senhor cinquentão, bem trajado, o qual puxou prosa. Ele então respondeu que era órfão e vivia na rua. O simpático cidadão pagou-lhe um lauto lanche regado a refrigerante e o convidou para conhecer sua mansão… em São Paulo! Minutos depois, sem nenhum embaraço, subiram em um ônibus da Transul e três horas depois desembarcaram no terminal do Bresser na ‘selva de pedra’. A partir daí, seu sonho se conhecer uma casa imensa cheia de quartos e esconderijos, com vários empregados usando impecáveis uniformes brancos, com jardins cheios de palmeiras e manacás circundando uma grande piscina de aguas azuis, tornou-se um cinzento pesadelo! Da estação do Bresser na Casa Branca, seguiram para uma pensão de terceira ali perto. No dia seguinte desembarcaram em Campinas e foram morar numa pequena e modesta casa de dois quartos na periferia da cidade. Ali passou a viver na companhia do novo ‘pai’!

O cinquentão que dizia chamar-se Alberto não era mau. Não o maltratava, chamava-o de filho e estava sempre por perto. Por perto mesmo, inclusive das chaves da casa. E quando se afastava trancava as portas!

No final da manhã daquela terça-feira, aproveitando um cochilo do falso pai, Renatinho correu até a casa da vizinha, pediu-lhe o telefone e finalmente conseguiu ouvir novamente a voz  de tia Maria no Jardim São João. Com isso conseguiu voltar para casa, seis meses depois! Alberto, o pai adotivo, naturalmente não esperou para dar entrevistas. Ao perceber que o garoto havia conseguido burlar sua vigilância e se comunicar com a família, ele tratou de dobrar a serra do cajurú.

Renatinho retomou sua saudável rotina e está crescendo como todo garoto de periferia de cidade média, frequentando a escola, brincando na ruas do bairro… Mas perdeu completamente o gosto por mansões paulistas e nunca mais brincou de órfão. Agora vive quietinho no seu canto, na singela casinha da tia Maria no Jardim São João.

 

*** Essa história se desenrolou em 2002. Eu a contei pela primeira vez, no jornal FOLHA, em junho de 2004. O pequeno Renatinho não existe mais. Ele agora tem 32 e virou Renato.

Por onde andará o ‘ex-órfão’, ex-caçador de aventuras?

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