IRMÃO RINO, O HOMEM QUE AMAVA…

Hoje, 06 de abril, faz oito anos que ele partiu … e nos deixou imensa saudade!

Irmão Rino e sua lendária bicicleta desfilando no pátio do colégio que ele tanto amava.

Aquele homem alto, forte, dentro de sapatos pretos, calça social azul clara, camisa branca com estreitas listras levemente verdes, com a fralda por dentro da calça, parecendo ainda mais alto, era assustador! O rosto muito vermelho, parcialmente escondido pelos óculos de lentes grossas parecendo fundo de garrafa, aumentavam meu medo. Seus gestos decididos fechando a porta do suntuoso prédio atrás de si após a saída do último professor, me provocava infindáveis interrogações.

Quem era ele?

Será que era dono do colégio?

 

Às vezes uma professora retardatária acenava, acelerava os passos, pedia desculpas pelo atraso e passava quase correndo pela porta já se fechando enquanto ele resmungava alguma coisa. Nesse momento aumentava ainda mais meu terror… pois eu não entendia uma palavra do que ele falava!

 

Eu não entendia nada, mas percebia que as lindas e doces professoras bem-vestidas, com suas elegantes saias plissadas e camisas claras carregando seus livros e diários no braço esquerdo, tinham medo dele.

 

Sim, devia ser o dono!  Era sempre o último a sair. Unia as duas folhas da porta, passava a chave – tinha um imenso molho de chaves -, pendurava a penca de chaves na cinta e seguia a passos largos pela calçada até atravessar a rua e entrar no outro prédio ainda maior ali na esquina. Do outro lado da rua, eu ficava olhando até que ele entrava na Escola Profissional. Sim, devia ser alguém importante, muito importante. Talvez dono dos dois prédios.

 

Apesar do medo que eu sentia dele, havia alguma coisa que nos atraia. Volta e meia eu estava ali na frente do colégio no horário de saída dos alunos, com minha caixinha de picolés coloridos. Tinha eu dez ou onze anos de idade.

 

Na adolescência abandonei os carrinhos de picolés, de pipoca, de raspadinhas… e fui trabalhar na loja do Zezinho Gouveia, na Rua Dom Nery. As imediações do Colégio São José então se tornaram meu quintal de casa! E o ‘dono’ do colégio passou a desfilar com mais frequência diante dos meus olhos. Com isso, o gigante de fala enrolada passou a ficar menor… e menos temível. Meu medo foi, aos poucos, se transformando em respeito… e admiração! Cheguei a sonhar estudar naquele colégio.

 

Da adolescência para a vida adulta foi um pulinho. Quando vi eu já estava casado e tinha dois filhos! Como o mundo é muito menor do que parece, minha esposa foi convidada para trabalhar lá! Poucos anos depois meus filhos se tornaram alunos do colégio São José, o colégio do grandão de óculos fundo de garrafa!

 

E como atração pouca é bobagem aquela estranha atração continuou nos aproximando…

 

Em 1987 eu assumi a direção da desacreditada Liga Esportiva de Pouso Alegre. Naquele mesmo ano a secretaria municipal de educação, não se sabe por que, disse que não iria mais realizar o JEPA.

 

Aos cinquenta e sete anos, 36 deles vividos no Brasil, no Colégio São José, Irmão Rino tinha plena consciência de que toda educação do homem passa pela disciplina no esporte. Para o sisudo e disciplinado professor, apaixonado pelo esporte, – todos os esportes – um dos criadores dos Jogos Escolares em Pouso Alegre em 71, não realizar mais os jogos na cidade era como cortar a sua veia aorta! Ele morreria. Ou no mínimo ficaria paralítico! Isso não poderia acontecer. Era preciso achar uma saída! Se a Secretaria de Educação não promoveria os jogos, alguém teria que fazê-lo. Alguma instituição ou agremiação da cidade teria que fazer ou ao menos ajudar. Não se podia deixar a peteca cair.

 

Apesar de povoar meus medos e depois minha admiração, eu e o Irmão Rino nunca havíamos trocado mais do que olhares à distância. Quando muito uma discreta reverencia. Ele certamente sabia que eu era marido de uma de suas professoras e pai de dois dos seus alunos, mas talvez nem soubesse meu nome…

 

Mas o professor Walter sabia!

 

Entre 84 e 86 eu havia dirigido o Departamento de Esportes do DA da Faculdade de Direito. Já naquela época eu tinha mania de promover eventos esportivos para os colegas acadêmicos. Foram dezenas de eventos durante os dois mandatos. Futsal, vôlei masculino e feminino envolvendo os alunos da FDSM, da Faculdade de Filosofia, da Medicina, equipes de Cambui, da Fai de Santa Rita, da Escola Agrícola de Inconfidentes. O professor Walter era sempre o arbitro mais solicitado. Conhecendo, portanto, um pouco da nossa seriedade e credibilidade, o professor sugeriu uma parceria com a LEPA.

 

Em setembro daquele ano, de repente eu me vi no pátio do Colégio São Jose, diante de um microfone fazendo a abertura oficial do JEPA – missão que havia sido abandonada pela Secretaria Municipal de Esportes.

 

A partir de então meu convívio com o italiano de fala enrolada se estreitou. E pude conhecer um pouco da paixão do educador Irmão Rino pelo esporte. Paixão trazida no cabresto pela disciplina. Foi com essa rígida disciplina, em todos os aspectos, que os atletas de Pouso Alegre, de todas as escolas, se tornaram referência no Estado. A mais brilhante pode ter sido a equipe formada por estudantes de várias escolas do município, campeã estadual de handebol masculino em 1980. Nos anos seguintes o Colégio São José participou de todos os eventos de esportes especializados promovidos pela LEPA. Sua disciplina, tão necessária nos dias de hoje, ia além do esporte. Era marca registrada do educador Irmão Rino. É impossível encontrar um único cidadão de Pouso Alegre que tenha desfrutado, por algum tempo, do convívio com o Irmão Rino, e não se lembre dele com saudade, com admiração e respeito.

 

A firmeza, a disciplina, a primazia pela organização dos eventos esportivos realizados pelo Colégio São José, ou dos quais o colégio participava, durante décadas contagiaram as demais escolas do município. Até mesmo as escolas públicas, cujos estudantes queriam, com dedicação e esforço, suplantar os alunos do colégio particular. Sim, pois o TALENTO existe em qualquer camada social. O que faz despontar o talento de cada criança de cada adolescente, de cada jovem, é a dedicação, de mãos dadas com a disciplina. Esse é o legado deixado pelo saudoso Irmão Rino… o homem que amava o esporte, a disciplina, os valores morais!

 

Com tantas estatuas que o cidadão de Pouso Alegre deveria erigir para homenagear desportistas que elevaram o esporte da cidade no século passado, a do Irmão Rino merece lugar de destaque.

 

Irmão Rino dedicou 60 anos da sua vida à educação e ao esporte de Pouso Alegre. No próximo dia 30, Irmão Rino faria 94 anos de vida. Hoje, dia 06 de abril, faz oito anos que ele partiu … e nos deixou imensa saudade.

 

Onde estiver meu amigo Irmão Rino – e tenho certeza de que está em um local cheio de luz, serenidade e paz -, receba meu carinho, meu afeto e meu reconhecimento pelo que fez, durante mais de meio século, pelo esporte de Pouso Alegre. Não fui seu aluno no colégio, mas aprendi muito com você.

 

Obrigado Irmão Rino.

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