‘Um puta’ bandido e ‘um porra’ policial

Ao voltar de três meses de ‘ferias premio’, por castigo – pois na concepção da chefia eu não deveria tirar férias! – fui mandado pra rua… Para trabalhar. O que aliás foi o mesmo que jogar o sapo na agua… Eu estava morrendo de saudade da rua! Na ocasião eu ainda conservava meu HO 38, mais enferrujado do que niquelado, que o inspetor Angelo havia me depositado informalmente em 1981. Algemas no entanto! nem pensar! Se tivesse que prender alguém eu que me virasse com o cinto, cordas, embiras ou qualquer coisa que servisse para imobilizar as mãos do meliante!

Numa bela manhã de outono, subia eu a Prefeito Olavo Gomes de Oliveira, quando na curva do japonês o tirocínio deu o alerta… Defronte o Posto Pantanal descia um sujeito de bicicleta! Ao avistar o golzinho preto & branco 6252 na curva, o sujeito que vinha na banguela puxou a aba do chapelão de palha na cara tentando cobrir o rosto. Meu parceiro Rogerinho, com poucos meses de policia e seu sotaque paulistano nem se deu conta do ‘detalhe’. Mas eu, policia ‘véio’, notei o gesto discreto do chapeludo e mantive os olhos grudados nele. Quando passou por nós ele deu uma discreta olhadinha…! para conferir se estavam procurando por ele ou talvez apenas para ver se eram policiais conhecidos! Diminui a marcha e continuei com os olhos grudados no chapeludo, pelo retrovisor…! Defronte o Vinicius Meyer ele deu uma discreta olhada para trás…! Estava devendo !!! Antes que ele virasse a próxima esquina para entrar no Costa Rios, eu invadi a pista contraria, passei pela borda do posto do Armando e desci de volta em direção ao aterrado! O moço – que eu não sabia quem era – tinha culpa no cartório! Teve inicio uma curta, mas alucinante perseguição. O chapeludo entrou na primeira esquina! Eu entrei na segunda…! Mesmo assim, apesar de estar pedalando, ele tinha vasta dianteira e saiu na minha frente na esquina da primeira rua do Costa Rios paralela à Avenida Ver. Antônio Costa Rios…! Emparelhei com ele.

O que aconteceu nos minutos seguintes eu nunca soube definir se foi cômico ou trágico! Quando virei a viatura cantando pneu e iniciei a perseguição, naturalmente comentei com o novato Rogerinho que se tratava de um suspeito em potencial…! A sacolinha que ele levava presa ao guidão da bicicleta na mão esquerda poderia ser um tijolo de maconha, uma res furtiva qualquer! Ou então o chapeludo era fugitivo! Por isso, tão logo iniciamos a perseguição, Rogerinho empunhou o trezoitão… Quando emparelhei, ele optou pela minha esquerda… Aí é que estava o perigo! Enquanto eu tentava ‘fechar’ o biker fujão, Rogerinho gritava histericamente com seu sotaque paulistano:

– Para mano! Porra meu, não tá vendo que é cana, caralho… Para senão eu vou atirar, meu! Porra mano!

Em outra circunstância eu daria gargalhada do palavreado do parceiro, mas naquele momento não dava… Enquanto dava ordens para o bandido como se estivesse numa ruela centenária da Mooca, Rogerinho sacudia sem parar o trabuco para o fujão! O problema é que entre ele e o fujão estava eu ao volante! Mais precisamente minha cabeça! Enquanto ouvia:

– Porra meu, tá maluco mano! Eu vou atirar caralho… – Eu podia ouvir o roçar do cano do 38 niquelado ora na minha orelha, ora nos meus cabelos!!! O clímax da perseguição aconteceu na penúltima esquina do bairro antes de virar para entrar no Aterrado pela porta dos fundos! Quando ele vacilou para entrar à esquerda eu encostei o para-choque do gol na traseira da bicicleta e o joguei ao chão! Neste momento Rogerinho quase se apoiou no meu ombro com o revolver encostado no meu peito, para alvejar o fujão! Se ele puxasse o gatinho, pelo menos meu bigode ficaria chamuscado…!

Disposto a não se deixar prender o suspeito levantou do chão e correu na direção contraria! Aliás ele mal tocou no chão quente do asfalto! Tive tempo apenas de retirar a chave da ignição e saí fungando no seu cangote! Apesar de cansado, pois pedalara freneticamente os últimos duzentos ou trezentos metros, o suspeito era bem mais alto do que eu e, portanto suas pernas lhe davam vantagem na corrida. Alguns metros atrás de mim vinha meu intrépido parceiro desfiando a mesma ladainha com sotaque paulistano…;

– Porra, meu, não respeita policia não, caralho? Vou atirar, maluco… Vai parar ou não?

Parou! Não de medo das ameaças do policial ‘mano’, mas parou! Parou quando eu coloquei uma das mãos suadas na sua…

 

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Arapuca p’ra pegar Franguinho em Santa Rita

Embora inadimplente de Pensão Alimentícia não seja um criminoso, tem alguns que fogem da policia pior do que o Fernando da Gata!!!

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Certa tarde recebemos a incumbência de prender um devedor de pensão que deveria estar morando no bairro Roseira, ao pé da Serra da Manoela em Santa Rita do Sapucaí. Chamava-se Reinaldo e atendia também pela alcunha de “Franguinho”! – que eu supus pelo apelido no diminutivo, que fosse um pixote! Não o achamos por lá – devedor de pensão muda mais que cigano – mas localizamos sua moradia, na casa do novo sogro no condomínio Chácaras do Vintém. – provável futuro avô de mais uma criança para reclamar pensão alimentícia! Quando paramos a viatura na frente da rua ouvimos um guaiú de cachorros no quintal. Entendemos imediatamente porque e corremos para lá, mas já era tarde. Nos fundos do quintal começava uma plantação de milho que estava até azul de tão tenra e viçosa. Subi na ponta de um mourão de eucalipto roliço e vi somente aquele mar de milho embonecando, com suas espigas de cabelos multicores e os pendões bege-mostarda saciando enxames de abelhas, marimbondos e vaquinhas com seu pólen. A brisa leve e mansa do fim da tarde balançava suavemente o milharal proporcionando um belo espetáculo da natureza ‘domestica’. Franguinho poderia estar ofegante em qualquer lugar daquela roça de meio alqueire de milho hibrido que em três semanas daria deliciosas pamonhas. Achar uma agulha no palheiro do milharal dali a três meses ou mesmo um franguinho carijó, seria mais fácil do que achar o ‘nosso’ Franguinho caloteiro naquele momento. Na volta de mãos vazias para a delegacia tive uma idéia… E fiz uma proposta aos meus parceiros, o  padrinho Benicio e o jovem Kleber.

– Vou arrancar as penas do Franguinho amanha às cinco e meia da tarde ou na quarta às oito e meia da manha. Se meu plano falhar pago meia dúzia de picolés de groselha para cada um. Se der certo quero um picolé de leite…!

Na tarde seguinte sentei diante do computador, digitei um Mandado de Intimação nos seguintes termos;

 

“… Juiz da Vara de Família ( )  intima o cidadão Reinaldo A. de O., … a comparecer ao Fórum da Comarca, à Praça Santa Rita, às 08h30 do dia tal”.

 

Dei um rabisco qualquer na linha acima do nome do juiz, coloquei um capacete fechado, montei minha motoca e fui entregar a intimação na chácara do condomínio. Se ele estivesse curtindo o final de tarde na sombra na frente da casa eu o prenderia e chamaria os parceiros para conduzi-lo. Caso contrario ele nem saberia que estive lá. Fui recebido por uma mocinha de magros 18 anos com um bebê atravessado no colo – futuro credor de pensão de Franguinho! – que mal ouviu minha pergunta e foi logo respondendo;

– Ele não ta aqui, não!

Não tinha importância que ele estivesse ou não atrás do guarda roupa ou debaixo da cama ou que tivesse voado novamente para o mlharal… Na manha seguinte daria bem menos trabalho prende-lo. No dia seguinte saí de Pouso Alegre às 7h50 para chegar em Santa Rita as 8h20 como de praxe mas, meu velho Gol – só consegui comprar carro com menos de 5 anos de uso depois de me aposentar – me deu mais trabalho do que o previsto. Furou a mangueira do radiador e tive que parar a cada cinco quilômetros para recolocar água. Cheguei atrasado ao Fórum! Parei defronte o orelhão e percebi um sujeito espigado, cerca de 1m85 falando agitado ao telefone. Parei ao seu lado como se esperasse para usar o aparelho e ouvi mais ou menos assim;

-… Eu vou voltar para casa. O juiz não vem na parte da manha… Parece que não foi intimação do Fórum…

Não, não fora. Fora intimação minha! E o Franguinho havia ‘mordido o milho’… Quando ele desligou o telefone eu joguei a peia. Peguei um pedaço de papel qualquer do bolso, olhei e perguntei sem que ele visse o que estava escrito:

– Reinaldo A. de O. mais conhecido por Franguinho, é você mesmo?

Ele ameaçou pigarrear e antes que dissesse qualquer coisa eu voltei firme à carga com a firmeza que sempre guardava para estas ocasiões:

– Venha comigo… O delegado está esperando por você na delegacia!

Franguinho tentou levantar a crista e sacudir as asas, mas eu levantei ligeiramente a barra da calça deixando aparecer o cabo lustroso de madeira do 38 especial na canela. Coloquei a mão em seu ombro e indiquei a porta do meu carro há cinco metros dali defronte a charutaria do Caruso. Cheguei à delegacia da Quintino Bocaiúva raspava nove horas e fui direto pra cozinha como de habito;

– Companheiros…! Preparem mais uma chávena! Eu trouxe o Franguinho para tomar café com a gente… – Fui dizendo.

– Meu picolé de leite quero na sobremesa do almoço – acrescentei.

Apesar de Franguinho ter dado mais trabalho do que o habitual para uma prisão tão insignificante, não o levei direto pra cadeia. Deixei que ele passasse o dia no ‘corró’ da DP enquanto seus parentes faziam a ‘correria’ para pagar a pensão. No final do expediente ele subiu para o Hotel Recanto das Margaridas, jurando de pés de juntos que já havia saudado o débito alimentício. O Alvará de Soltura demorou três dias para chegar.

Embora fizesse pintinhos nas franguinhas mais do que galo carijó, sem ter milho para alimentá-los, nunca mais foi preciso buscar Franguinho no milharal da Chácara do Vintém!

 

Tres bandidos perigosos e oito detetives atrapalhados

Nosso eterno Rabo-Verde... Na época ele ainda circulava pelo centro da cidade. cdade

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Na época nosso eterno Rabo Verde ainda circulava pelo centro…

Quando chegamos para o expediente da tarde naquela terça feira, o subinspetor Ângelo nos reuniu na inspetoria e deu a missão…

– O gerente da Útil me ligou… De manhã estiveram na imobiliária três caboclos querendo alugar uma casa no Foch. Eles são bastante estranhos. Estavam com uma maleta de dinheiro vivo… Queriam pagar os seis meses de aluguel adiantado! Pelo jeito são assaltantes de São Paulo querendo se esconder em Pouso Alegre… Eles ficaram de voltar na imobiliária às quatro da tarde para fechar o contrato! Estão num Del Rey ouro…! Adão, Luiz, Pezão, monte uma equipe e vão p’ra lá esperar por eles. Leve uns oito… Espalhem ali por perto, se misturem aos transeuntes, aos clientes da imobiliária e tomem cuidado! Use o fator surpresa… Evitem o confronto! Vocês aprenderam isso na Acadepol, não é?

Antes das três da tarde estávamos espalhados na Rua Dom Assis… No começo da rua estava o pequenino Romeu atrás do volante da “brasilinha verde”, pronto para engatar primeira e encostar na porta da imobiliária! Luiz Neves com seu jeitinho interiorano de Conselheiro Lafaiete e Munhoz com seu rosto sempre vermelho contrastando com seu óculos fundo de garrafa, estavam com pinta de somongós cada um numa esquina! O veterano Luiz Mendes, com seu jeito de Contador prestes a se aposentar e o jovem Barbosinha e seus cabelos enrolados, parecendo qualquer coisa menos policia, estavam dentro da bicicletaria do Santos Patrício, em frente, fingindo muito interesse numa Caloi Barraforte Circular! Encostado no balcão da imobiliária Adão com seu impecável traje social com a fralda da camisa para fora da calça jogava conversa fora com o Vanderlei, já bastante calvo! Eu e Adair Pezão estávamos sentados cada um numa ponta do surrado sofá, com o coração batendo acelerado, esperando ver três sujeitos entrar com uma maleta na mão e talvez um trabuco na cintura por baixo da camisa! Fazia um inquietante mormaço! Os ponteiros do relógio na parede do escritório pareciam estar parados! Até que o sino da Catedral – aquele mesmo que no Natal de 55 bateu desesperadamente anunciando a morte de Jacira no Beco Crime – deu quatro badaladas!

A pressão aumentou!

Os homens viriam ou não?

Será que descobriram que a arapuca estava armada?

Exceto as duplas, estávamos incomunicáveis. Adão, o mais veterano da “operação imobiliária” saiu à porta e conferiu… Cada um estava em seu posto.

A velha Rua Dom Assis estava quase deserta, cheia de vagas para estacionar. E nada do Del Rey ouro com três ocupantes chegar…!

Dona impaciência já estava nos cutucando, convocando-nos para uma mini reunião… Mas desfazer o laço da arapuca sem os pombinhos – melhor dizendo, sem os abutres! – seria muito perigoso. Se os suspeitos vissem um grupo de marmanjos na recepção da imobiliária, na rua ou mesmo na bicicletaria do Santos Patrício, certamente não iriam cair no laço! Além disso, havia o risco de uma troca de tiros! O jeito era massagear a paciência e esperar…!

De repente, sem nenhum aviso externo, o Del Rey ouro estacionou na porta do escritório da Útil!!! Os pouco mais de vinte segundos gastos para o trio descer do carro e adentar o escritório pareceram uma eternidade!!! Quando o trio encostou-se ao balcão a pergunta do atendente se confundiu com a ordem em uníssono…

– Mãos na cabeça… Vocês estão presos!!!

Ah, bons tempos aqueles em que o policial prendia o bandido para depois informar porque ele estava sendo preso! Não havia flagrante, não havia mandado, mas podiam prender, pois estava escrito na testa do suspeito que ele era bandido e tinha debito com a justiça!

Não demorou trinta segundos os outros cinco detetives estavam na recepção da imobiliária… E a Brasilinha Verde nos braços do Romeu, na porta! Antes que eles esboçassem a primeira pergunta para a prisão, já estavam com as pulseiras de prata apertando os pulsos. Foi tudo muito rápido… Rápido demais! Tão rápido que protagonizamos um tremendo ‘mico’! Mas acho que ninguém percebeu…!

Uma coisa que aprendemos claramente na Acadepol é que local de abordagem e prisão não é local para explicação e argumentação! Por vários motivos. E o principal deles é a segurança dos policiais e de quem estiver por perto. Por isso urgia sair do escritório da imobiliária.

Mas precisava ser tão atabalhoadamente…!?

Antes que o curioso ‘Vitinho’ dissesse Pindamonhangaba, o trio de assaltantes, sem fazer uma única pergunta, já estava no banco de trás da Brasilinha Verde com Romeu ao volante e Adair ajoelhado no banco da frente apontado o trabuco para o nariz deles! E desceram a Dom Assis em direção à delegacia. Nós seis embarcamos no Del Rey ouro dos bandidos… E aí aconteceu a trapalhada!

Não conseguíamos inclinar os bancos da frente para passar para os bancos de trás! Puxávamos, procurávamos os botões, de cima a baixo, um de cada lado e nada de os bancos inclinarem! Enquanto isso a Brasilinha Verde se distanciava levando três perigosos assaltantes de bancos com apenas dois policiais… Um ocupado com o volante e o outro ocupado em controlar o medo e o nervosismo!

E se um dos bandidos surpreendesse o Adair? E se na esquina da São João o restante da quadrilha estivesse de tocaia esperando a passagem da Brasilinha Verde?

Não. Não podíamos ariscar a deixar três assaltantes de bancos aos cuidados apenas de um detetive! Não havia tempo para descobrir como inclinar os bancos para sentar atrás! Embarcamos no Del Rey como deu… Pulando por cima do banco, por cima do motorista! Pelas janela… Adão, já apavorado, arrancou com o possante e acabou de ajeitar a carga no tranco! Uns por cima dos outros, deixando para trás uma embasbacada plateia sem entender patavina do que estava acontecendo! Ainda bem que não entenderam, pois, por um mistério quase inexplicável, o ‘espetáculo da Util’ reuniu dezenas de expectadores em menos de um minuto!

Embora seja centro da cidade, com vários pontos comerciais, a velha Dom Assis não tem tanto movimento assim. No entanto, tão logo a Brasilinha rangeu suas molas e freios ao lado do Dele Rey ouro, portas e janelas se empinhocaram de curiosos! Desconfio que o Vitinho ou outro funcionário da imobiliária, ao saber da ‘operação secreta’ deve ter vazado a informação para a vizinhança, recomendando naturalmente…

– Fiquem preparados… As quatro da tarde a policia civil vai prender uma quadrilha aqui no escritório! Não percam! É segredo, não contem para ninguém…! só para as crianças da creche…!!

Entramos na Silvestre Ferraz no exato momento em que Romeu estacionava a Brasilinha Verde na porta da DP. Estávamos todos inteiros. Alguns de nós de cabeça para baixo, mas inteiros dentro do Del Rey ouro!

Os três meliantes de caras fechadas foram levado direto para o gabinete do delegado regional onde finalmente soltaram a voz, numa conversa à boca pequena, só com a chefia! De lá foram para o corró e no dia seguinte desembarcaram em São Paulo. O boato que surgiu na delegacia é que eles desembarcaram mesmo… No meio de uma avenida de grande movimento como são quase todos as avenidas paulistanas, deixando os dois detetives que os escoltavam só com o cabo do guarda chuva na mão! Nunca conseguimos entender isso! Do escritório da Util – três quarteirões até a delegacia – nós jovens e sonhadores policiais viajamos até de cabeça para baixo para não perder de vista os perigosos assaltantes na Brasilinha Verde… No dia seguinte eles foram recambiados para outro Estado com apenas dois escoltas…!? E desembarcaram no meio – literalmente – da avenida com a viatura em movimento!!! Bem, deixemos este ‘mistério’ para a imaginação do leitor! Afinal, desde que o mundo é mundo, já existe caminhos – e pessoas – tortas! Voltemos ao ‘mistério’ de “como chegar ao banco de trás” do vistoso Del Rey Ouro…

Tão logo entregamos o trio de assaltantes armados apenas com sua maleta – recheada de cruzeiros, que daria para pagar o salario de toda a equipe aquele mês e mais o Decimo Terceiro – na porta do gabinete do delegado regional, corremos para a garagem, para descobrir como inclinar os bancos da frente do Del Rey. Antes chamamos o Sr. Nelson Wood, que era Vistoriador de veículos e mecânico, para nos auxiliar. Como já havíamos ‘apanhado’ do Del Rey e também para testar os conhecimentos do ‘seu’ Nelson mostramos o carro e falamos.

– Seu Nelson, o Sr. poderia inclinar os bancos da frente para que possamos sentar no banco de trás do Del Rey…?

Nelson Wood olhou para o carro com um olho só – ele era caolho, acho que era o direito! – meio ressabiado e muito singelamente perguntou!

– Mas porque vocês querem entrar pela frente e passar para o banco de trás? É alguém tipo de exercício, mandinga?

– Não, seu Nelson… É que é meio complicado pular por cima do banco, né!

– Ué…! E porque não entram pelas portas de trás? É só puxar a maçaneta…! – E dizendo isso passou a mão na lateral do carro e com um simples ‘clic’ escancarou o lado direito traseiro. Em seguida o esquerdo… Abriu os braços sujos de graxa olhou pra nós e fez uma pequena careta como quem pergunta:

– Qual o problema???

O Del Rey ouro dos assaltantes paulistanos era “quatro portas”!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Ainda posso sentir o gosto salgado do suor escorrendo por entre os fios ralos do meu bigode de adolescente até parar nos meus lábios, mas não sei dizer ao certo se aquela interminável tarde de mormaço, de ‘gafe coletiva’, era final de primavera de 81 ou inicio de outono de 82…!

Naquele tempo, carro quatro portas era exceção!

 

Obs: Se você meu estimado leitor tiver uma foto da Útil ou da rua Dom Assis daquele época, envie-me para ilustrar a crônica!

Marreco e o Jatobá verde

 

        De acordo com a lei brasileira, existe duas situações em que o cidadão pode ser preso mesmo não tendo cometido crime. Trata-se das situações “de Depositário Infiel” e “Pensão Alimentícia”. No caso de pensão alimentícia a lei não deixou a famosa ‘brecha’. Não tem choro nem vela nem fita amarela. Deveu não pagou… Vai em cana!

       São as prisões mais insossas que existe. Se existe algum glamour na profissão policial, as prisões por ‘depositário infiel’ e ‘pensão alimentícia’ são as menos românticas! Aliás, estas aguadas prisões cíveis são atribuições do Oficial de Justiça, não da policia. Ao Mandados são encaminhados para a delegacia de policia quando os oficiais não dão conta do recado. Não que sejam prisões perigosas é que às vezes os devedores, para protelar o pagamento do débito ou cumprimento da obrigação, desaparecem, se escondem mais do que Osama Bin Laden, por isso o abacaxi vai parar na mão da policia.

       Recentemente um rico empresário de Pouso Alegre – que diga-se de passagem fez fortuna de forma meteórica e inexplicável – contraiu débitos alimentícios com a ex-cara metade. Para protelar o pagamento da pensão ele simplesmente soverteu do mapa. Como se tratava de um cidadão bastante conhecido, os oficiais se uniram na caça ao figurão. Mas não obtiveram sucesso… Ele abandonou os próprios negócios para esquivar-se da divida! Dizem que foi curtir uma praia em Ubatuba onde possui vários imóveis… Só deu as caras em terras manduanas quando conseguiu fazer um acordo vantajoso com a ex.

        Depois deste caso teve um outro empresário, não tão bem sucedido mas de boa estirpe, que viu-se na mira dos oficiais de justiça. Os dedicados garotos se uniram para prender o inadimplente a qualquer hora do dia ou da noite. Armaram a arapuca até no interior da Faculdade de Direito onde o caloteiro estudava. Mesmo assim ele conseguiu burlar a lei e evitar a hospedagem gratuita no velho hotel da Silvestre Ferraz.

        Em 27 anos de policia ‘convidei’ centenas de inadimplentes de pensão a me acompanhar à delegacia de Policia. Embora todo cidadão seja igual perante a lei, dei a cada um um tratamento diferente, de acordo com o trabalho que me deram. Por exemplo, se o sujeito me recebeu na porta de sua casa e aceitou meu convite ‘diboa’, deixei que ele ficasse no corró da delegacia e até mesmo no banco da Inspetoria esperando seu Advogado fazer a ‘correria’ e conseguisse o Alvará judicial suspendendo sua prisão. No entanto se ele se escondia debaixo da cama, no sótão ou no quintal do vizinho, ele ia direto para o xadrez do velho hotel. Tive alguns casos engraçados.

        Em Silvianópolis havia um devedor de pensão mais liso que quiabo. Ele morava com a mãe e uma irmã solteirona. Toda vez que eu ia prendê-lo, por mais rápido que eu fosse ele conseguia vazar. Morava num sitio no bairro dos Vitorinos. A casinha amarela simples, a um metro do chão na beira da estrada, tinha um pequeno curral ao lado, um pomar nos fundos e o resto era pastagem de braquiária. No meio do pasto pelado um frondoso pé de Jatobá que carregava no inverno. A estrada que levava à sua casa há menos de um quilometro tinha uma pequena colina e depois uma depressão. Da colina podíamos ver seu vulto plácido na janela pitando seu ‘paieiro’. Mas quando sumíamos na depressão da estrada ele sumia da janela! Quando chegávamos a casa podíamos sentir o cheiro do cigarro de palha feito de fumo de rolo de Poço Fundo que ele estivera pitando… Mas nunca o encontrávamos! Revistávamos cada palmo da moradia; do piso ao teto, geladeira, fogão, guarda roupa, forro do sofá, quintal, cisterna, pomar e nada do caloteiro. Sem voltávamos com s mãos abanando!

       Um dia tive uma ideia para resolver o mistério do sumiço do Marreco… Saltei da viatura alguns metros antes da colina e fiquei observando o sitio de longe, enquanto meu colega descia o tobogã e batia na porta da casa. O caloteiro saiu sorrateiro da janela correu para o quintal atravessou o pomar entrou no pasto aberto atrás do pomar e foi se empoleirar no frondoso jatobá a cem metros dali no descampado, de onde sempre ficava dando risada as nossas custas! Desta vez rimos por ultimo. Desci lentamente a estradinha poeirenta, passei pela casa e convidei o colega para colher jatobá! Chegando ao pé da centenária arvore comecei dar tiros nas frutas marrons que envergavam os galhos… No terceiro tiro o caloteiro gritou lá de cima;

– Pode parar de atirar… O ‘jatobazão’ aqui ainda não está maduro… – E desceu para os nossos braços. Marreco nunca mais deixar de pagar pensão alimentícia!

         A prisão dos caloteiros de Monte Sião foi mais sutil e interessante… Mas esta já é outra história…

… E o adubo do Brejal foi por agua abaixo

Saímos da delegacia por volta de nove e meia da manhã num Opala Comodoro verde. Janelas abertas. O sonzão do toca fitas TKR espalhava pela rua a marchinha: “Chiquita bacana lá da Martiniiiica… Se veste numa casca de banana nanica…”! e outras marchinhas carnavalescas… Era sábado de carnaval de 1981.

O dono do carro, um jovem de uns vinte anos, filho do fazendeiro, dirigia. Um amigo tão jovem quanto dele, de São Paulo, ocupava o banco da frente. Eu e o detetive Adair no banco de trás do vistoso Opala. Nem na próxima encarnação eu poderia ter um daqueles, pensava eu, ainda estagiário na policia!  Entramos pelo Faisqueira, Cristal e fomos parar numa fazenda no bairro do Brejal banhada pelo sereno e piscoso Sapucaí.

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A investigação era simples. Ao chegar à fazenda na sexta feira o patrão notara que haviam furtado oito sacos de adubo do seu deposito. O suspeito do furto era seu empregado Zeca, que morava a cerca de duzentos metros da sede da fazenda numa casinha simples sem forro, cercada por um arvoredo na beira do rio Sapucaí. Fomos direto p’ra lá. Tínhamos que arrancar dele a confissão e recuperar a res furtiva.

– Meu pai falou que vai retirar a queixa se ele devolver – disse o roliço jovem de cabelos encaracolados caindo nos olhos!

Interrogamos a mulher do caseiro cercada por meia dúzia de barrigudinhos, desde o colo até os oito ou nove anos. Ela não sabia de nada, é claro! Além da casa simples de morada – sala cozinha, dois quartos, uma varandinha com fogão a lenha – havia um paiol, um mangueiro, um pequeno galinheiro cercado de bambu, coberto de sapé e uma casinha de despejo de dois cômodos debaixo das arvores. Revistamos tudo. Menos a metade da casinha cuja porta estava trancada.

– O que tem aqui dentro…? – Perguntou meu parceiro.

– Tem um cachorro aí dentro. O Zeca trancou porque ele é muito bravo – respondeu prontamente a mulher entregando a chupeta para o bebê gorduchinho no colo.

– Chips, fique aqui vigiando… Nós vamos buscar o caseiro na sede da fazenda… – Disse Adair.

Enquanto esperava meu parceiro voltar com o suspeito caseiro, resolvi…

 

Quer saber o que eu resolvi fazer? Acesse “www.meninosquevicrescer.com.br”.

 

 

Ralf Molina e os assassinatos dos velhinhos de Cambuí

Ralf Molina Generozo

Ralf Molina Generozo

        A população do bairro Água Comprida, zona rural da pequena Cambuí de 25 mil habitantes nas margens da Fernão Dias, está chocada e assustada. Numa mesma semana, dois casais de velhinhos foram assaltados e assassinados a tiros dentro de casa. As policias civil e militar prenderam dois suspeitos do primeiro crime na terça feira. No domingo seguinte, mais um casal foi morto. Na prisão do terceiro suspeito um detetive foi baleado no abdome e salvo pelo pente da pistola.

       Tudo começou na manhã de segunda feira, dia 28 de junho quando o agricultor Onofre Rangel Santos teve seu sitio arrombado. Os larápios furtaram um revolver Taurus calibre 38, farta munição e uma lata de cerveja. No final do mesmo dia o casal Ernesto Garcia Rodrigues, 59 e Maria de Lourdes da Conceição, 57 anos receberam violentos visitantes em sua casa no bairro Água Comprida. Às cinco e meia da tarde bateram à porta. Ao abrí-la Maria de Lourdes recebeu um tiro de raspão no pescoço. Apavorada correu para o banheiro gritando pelo marido e pelo neto JR, de nove anos. O garoto tentou entregar uma espingarda cartucheira pra o avô e também foi se esconder no banheiro com o telefone na mão através do qual pediu socorro à policia. Enquanto do interior do banheiro pedia socorro seu avô era assassinado na sala com um tiro de revolver e um de sua própria cartucheira que não chegou a disparar. O assaltante nervoso, noiado, deu o primeiro tiro trespassando o tórax do aposentado e com a espingarda deu outro tiro na cabeça, por baixo do queixo.

        Mesmo baleada no pescoço Maria de Lourdes conseguiu chamar a policia. Quando o telefone tocou para confirmar a ligação, foi descoberta pelo assaltante no banheiro, o qual começou chutar a porta. Tentando defender o neto e a neta, que também estava nalgum lugar da casa, Maria de Lourdes entreabriu a porta do banheiro para negociar com o assaltante e recebeu um tiro na boca. Sem saber que o garoto JR estava no banheiro, o assaltante começou revirar a casa em busca de dinheiro. Depois de conseguir alguns trocados Continuar a ler

“MENINOS QUE VI CRESCER” – A historia de Robertinho…

… Ele foi ao inferno e voltou apenas chamuscado!

        Roberto Carlos de Freitas tinha 28 anos quando viu sua vida virar pelo avesso em questão de poucas horas. Como fazia quase habitualmente, ele pegou as crianças na porta da casa dos avós delas e seguiram para a creche. Naquele dia porém, tomaram outro rumo. Poucas horas depois os irmãozinhos T.M. e  M.R.M. de 7 e 9 anos estavam mortos, jogados numa lagoa do rio cortado, próximo da Av. Airton Sena. Na sexta feira à noite Roberto Carlos, cozinheiro profissional, morador do velho Aterrado, sem passagens pela policia, conheceria o inferno e seus diabos… o velho hotel da Silvestre Ferraz!

O velho e mal- assombrado Hotel da Silvestre Ferraz ...

O velho e mal- assombrado Hotel da Silvestre Ferraz …

        Robertinho, como já era chamado, não era propriamente um religioso ou pelos menos não recorria com freqüência a santos e anjos para aliviar suas angustias e medos. Naquela noite, no entanto, foi necessário chamar por todos eles de uma só vez e parece que todos estavam de plantão para cuidar apenas dele. Só isso explicaria como ele sobreviveu para contar sua historia. Matar com requintes de crueldade, duas crianças indefesas, abusando de sua amizade para atraí-las para o local deserto da execução, exigia um batalhão de anjos para protegê-lo dos “leões” sedentos de sangue hospedados no velho hotel, a maioria, moradores do mesmo bairro! Muitos amigos e parentes das pequenas vitimas! Muitos deles protagonistas de crimes ainda mais tenebrosos! Porém, pimenta nos olhos dos outros não arde…

       Seu parceiro no horrendo crime, Jose Astezio Vieira, não teve a mesma sorte. Ele passou pelo mesmo caminho de Robertinho e foi se hospedar no mesmo hotel. Mas viveu menos de 40 minutos. Recebeu tantos socos e pontapés que seu corpo parecia ter sido atropelado por uma manada de nelores fugindo da seca no Pantanal. Quando foi levado para o pronto socorro, apenas para ‘cumprir tabela’, já estava morto. Além dos incontáveis socos que recebeu, ele engoliu tudo que não tinha utilidade na cela, inclusive cerca de 20 bitucas de cigarro, segundo colegas que acompanharam sua necropsia no dia seguinte. Mas não engoliu ‘de boa’ não. Ao entrar na cela por volta de oito da noite, Astezio encarou os 15 presos, bateu no peito e disse:

– Eu tenho parte com o diabo… Nenhum de vocês pode comigo!

        Era a pura verdade. ‘Nenhum’ dos quinze poderia com ele… Mas os ‘quinze’ de uma vez puderam! Sua morte talvez tenha acalmado a fúria sanguinária dos demais hóspedes do velho hotel. No entanto, matou também a única chance de Robertinho provar sua inocência. Aliás, ao sentar-se ao piano, Jose Astezio Vieira, 31 anos, afirmou categoricamente que Roberto Carlos fora o tempo todo conivente e participara da morte e ocultação dos cadáveres dos…

 

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Aguinaldinho… Crepúsculo de um viciado em drogas

MENINOS QUE VI CRESCER …

      Ao saber da morte de A.J.G., o “Aguinaldinho”, na manha desta terça feira, lembrei-me do primeiro episodio da serie “Meninos que vi crescer” que publiquei no jornal “Sul das Geraes” e no programa “Esperança tem voz” na radio Difusora de P.Alegre, no dia 10 de julho de 98. Resolvi escrevê-lo depois de encontrar Aguinaldo todo alegrinho e faceiro no açougue do Paulinho Toureiro no mercado municipal, recém saído do velho hotel da Silvestre Ferraz. Fiquei feliz por ver que ele havia pago seu débito com a sociedade e estava em liberdade condicional. Mas não pude evitar a melancolia ao constatar que ele estava condenado… Pela Aids.

DSC06907“Delinqüência juvenil; um problema de difícil solução.

        Esta semana noticiamos um assalto praticado por uma gang de adolescentes contra um garoto no centro da cidade. Para a vitima e boa parte das pessoas que tomaram conhecimento do fato, trata-se de algo assustador e deprimente, pois é difícil compreender e aceitar que garotos de 14, 15, 16 anos que começam descobrir o mundo, comecem de forma tão errada. E o que mais preocupa é constatar que este não é um caso isolado. A cada dia mais assaltos vem sendo praticados por adolescentes em nossa cidade, onde o produto do crime mal dá para comprar uma peça de vestuário, porém, as conseqüências a curto, médio e longo prazo são totalmente danosas para o pequeno delinqüente. Pois, quem envereda pelo caminho tortuoso do crime na adolescência, quando o caráter ainda não se formou e nada sabe da vida, raramente consegue achar o caminho de volta, por motivos vários.

        Durante dezoito anos no meio policial tivemos oportunidade de ver quase de tudo. Centenas de crimes diferentes. Centenas de criminosos iguais. Todos às margens da sociedade. Por mais que forcemos a memória não conseguimos lembrar de nenhum delinqüente que esteja integrado, vivendo normalmente e produzindo como um cidadão comum. Os delinqüentes juvenis que conhecemos há 14, 15 anos e que eram menos inconseqüentes, menos violentos e mais inteligentes que os atuais, hoje pouco tem a oferecer e quase nada a receber da sociedade. Perderam-se na juventude e pouquíssimo tem a procurar no futuro!DSC03341

       Outro dia encontrei um deles, que há muito não via, no mercado municipal, especialista em arrombamento de veículos e furto de toca fitas… para comprar drogas. Aguinaldinho Continuar a ler

Parabéns Scooby… Menino que vi crescer!

Scooby aos 43 anos, posando feliz ao lado da Delegada de Mulheres Lucila Vasconcelos, depois de receber seu afetuoso abraço.

Scooby aos 43 anos, posando feliz ao lado da Delegada de Mulheres Lucila Vasconcelos, depois de receber seu afetuoso abraço.

   O relacionamento humano encerra mistérios muitas vezes incompreensíveis. Podemos encontrar em nosso caminho, em nosso dia-a-dia, por anos a fio, pessoas profícuas com as quais mal trocamos um bom dia, quiçá sabemos seu nome, o que faz e muito menos a data do seu aniversario. Outras vezes conhecemos pessoas que nada somam de pratico ou material em nosso cotidiano, mas que pela simples  maneira espontânea de ser, sem que percebamos, passam a fazer parte de nossas vidas. São como “… os lírios do campo…”, sem nenhuma relação de parentesco, de trabalho ou afinidade, mas sentimos bem e nos alegramos com sua presença. Talvez seja pelo fato de elas não nos pedirem nada em troca de sua presença, de sua alegria e espontaneidade – e de pequenos favores – que as torna tão especiais. Achamos que elas são carentes e dependentes, mas na verdade nós é que dependemos delas para desfazer nossas tensões cotidianas e acabamos usando-as para troças e brincadeiras, as quais elas assimilam e retribuem de bom grado, sem maldade.

      Carlos Augusto da Costa, o Scooby é uma destas figuras que costumamos rotular de folclóricas, portadoras desta despretensiosa magia que relaxa, colore e alegra nossa vida.

      Conheci Scooby na oficina do Teobaldo – pai –   na rua do Rosário no final da década de 80. Ele era ainda adolescente mas tinha o mesmo porte físico e jeitão de intelectual misterioso de hoje. Até a voz grave. Só o cabelo mudou de cor e a barba apareceu. Já era alvo de brincadeiras das quais ingenuamente participava serio ou sorrindo se fosse o caso.

      Na delegacia de Policia, onde costuma passar horas a fio, não tem quem não conheça Scooby e não tenha uma palavra afetuosa e correspondida. Ele chega de mansinho e espera por alguns segundos o cumprimento. Se o ignoram, ele puxa prosa: Continuar a ler

O mistério do Corpo Seco – Herói ou Vilão?

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Na minha florida e doce infância, o mistério dos fantasmas, das casas mal-assombradas, da mula-sem-cabeça, do lobisomem, do “Cavaleiro Fantasma da Rua São Pedro”, que toda madrugada baldeava os restos mortais do cemitério do Alto da Cruzes para o cemitério das Taipas e outras historias de arrepiar, ocupavam nossa imaginação e freavam nosso comportamento.

Eu tinha mais medo de cachorro louco, vaca brava, lobos, onças – bichos que eu podia ver, mas era muito pequeno para encarar – muito comum nas estradinhas vermelhas que cortavam as matas escuras da Grota Funda. No entanto, a historia do famoso Corpo Seco que morava a alguns quarteirões da minha casa despertou minha curiosidade e resolvi investigar.  Fui chegando de mansinho, de baixo para cima, pelo bairro da saúde. Afinal, se fosse necessário bater em retirada, era muito mais fácil correr morro abaixo… Pois é, mas não foi desta vez, em setembro de 69 que me aproximei do Corpo Seco.

1925 00 4010038        Dois anos antes, quando vim a Pouso Alegre pela primeira vez, passei quase no quintal do Corpo Seco. Eu viera com meu pai visitar minha sétima irmã, internada no Samuel Libanio com anemia. Saímos do bairro dos Coutinhos numa madrugada de lua cheia, antes de o galo cantar. Seguimos pela estrada morna, a pé, dez quilômetros. Como não conseguia acompanhar seus passos, vim trotando atrás dele. De vez em quando ele parava para que eu pudesse alcançá-lo. Na avenida Alberto Paciulli, entre a residência do “Tio Nerso” Martelo e a oficina do Marquinho Funileiro – que nem tinha nascido ainda e hoje já morreu – já com a madrugada agonizando, deparamos com uma cena inusitada. No meio da estrada, debaixo de uma frondosa figueira, a antiga, mãe da jovem que está hoje no mesmo lugar… um despacho de macumba. Uma galinha preta estendida no meio de um circulo de velas coloridas, ao lado de uma garrafa de “Tatuzinho” – coincidência ou ironia, o alambique que produzia esta perfumada cachacinha famosa nos anos 60 e 70 faliu há muito tempo – e uma caixa de fósforo ‘Argus’. O despacho não deve ter sido bem sucedido, pois as velas estavam parcialmente queimadas e embora o fósforo estivesse à mão, nenhum espírito apareceu para reacendê-las.

1925 00 P1010080       Duzentos metros adiante, quando o dia começava mover as pálpebras, com o ar ainda turvo, no final do morrinho, finalmente avistamos sinais de urbanização. Meu pai parou bem no espigãonzinho para me esperar. Quando me aproximei arfante, ele olhou para a direita, apontou com a cabeça e disse:

– Ali mora o Corpo Seco…

Há pouco mais de trinta metros no espigão do pasto, estava a grande e sombria casa branca de janela e contornos azuis. O alpendre imenso escondia sombras da lua já bocejante para os lados de Congonhal, tornando o casarão ainda mais fantasmagórico.

Nas ‘rodinhas de contar causos’ lá na minha terra, eu já ouvira falar no temível endiabrado que batia na mãe. E sempre que ouvia arrepiava os pelos de medo… Mas naquele momento senti apenas curiosidade. Eu estava há poucos metros da casa do Agostinho Corpo Seco, mas não precisava temer; meu pai certamente era muito maior, mais musculoso, mais valente e mais forte do que ele…

Para continuar a ler essa historia, acesse: [email protected]

 

*Dedico essa historia a todos os leitores do Blog, especialmente aos amigos que contavam causos de assombração em volta da fogueira, na esquina da rua São João em 1970, muitos dos quais já se juntaram ao Agostinho Corpo Seco no outro lado da vida.

        Airton Chips