“Os Fantasmas do Velho Hotel… “

Construída em 1932, a velha cadeia testemunhou infindáveis, maquiavélicas e fantasmagóricas histórias. Desativado em 2009, o carcomido prédio ainda abriga em seus sombrios corredores muitos… ‘fantasmas’!

“Pedro Louco” é um deles!

      Pedro Louco protagonizou um dos fatos mais marcantes da história do Velho Hotel da Silvestre Ferraz. O fato aconteceu nos idos de 1970, no tempo em que puxar cadeia ainda era vergonhoso, mas de certa forma era também bucólico, romântico e principalmente educativo!

     Pedro Louco não era bandido. Ao contrário, era um sujeito honesto, trabalhador e honrado. Honra daquelas que se lava com sangue. Certa vez um conhecido caminhoneiro, aproveitando sua ausência, passou uma ‘cantada’ na sua esposa, na borracharia onde ela o ajudava. Ao tomar conhecimento da ofensa, Pedro Louco pegou seu trabuco e foi atrás do caminhoneiro abusado. A honra foi lavada na subida da serra de Ipuiuna. Desde então Pedro Louco tornou-se hóspede do Velho Hotel da Silvestre Ferraz.

     Com menos de trinta hóspedes no velho hotel naquela década, gozando do privilégio de preso ‘cela livre’, após distribuir os ‘bandecos’ e varrer os corredores, Pedro Louco descia para a delegacia, onde também fazia limpeza. De lá, eventualmente, dobrava a esquina e se dirigia ao bar do Vaguinho Dorigatti na Com. Jose Garcia, para abraçar a estonteante “Severina do Popote”. Ia e voltava sempre acompanhado de um detetive… que também gostava do famigerado suco de gerereba com torresmo!

Numa tardinha fresca de 78, quando Pedro Louco saía do bar do Vaguinho ao lado de um detetive, um irmão do caminhoneiro se aproximou sorrateiro e, sem alarde, descarregou o trabuco na cabeça do borracheiro! A fumaça dos tiros entrou pelas narinas do detetive antes que ele esboçasse qualquer reação.

Cumprida a vingança pela morte do irmão, o assassino entregou a arma ainda fumegante ao detetive e foi ocupar o lugar de Pedro Louco no Velho Hotel da Silvestre Ferraz!

 

* Pedro Louco é apenas um dos “Fantasmas do Velho Hotel da Silvestre Ferraz”.

No livro “Quem matou o suicida” há muitos outros”!

… Mariana, mãe do nóia JC

 

(Imagem ilustrativa)

“De repente a campainha do telefone arrancou Mariana dos seus pensamentos. Levou um susto. Era tudo que esperava! Um telefonema, de algum lugar, com alguma notícia! Podia ser de qualquer lugar. Desde que fosse a respeito do filho. Da varanda até a estante onde estava o aparelho não gastou três segundos! Pegou o aparelho e o apertou junto à orelha…

– Aê dona, seguinte… Seu filho tá agarrado aqui no muquifo, cheio de pedra. Se você não pagar o que ele me deve dentro de uma hora, vou encher ele de furo, tá ligado?

– Como é que é? Não entendi… meu filho… – tentou argumentar Mariana, mas foi interrompida pelo interlocutor com a voz ainda mais tenebrosa e incisiva:

– Seguinte dona, ‘prestenção’ que só vou falar uma vez… Faz dois dias que o vacilão do seu filho está aqui na baixada queimando a pedra. Conheço ele. Sei que ele não para, não. O nóia tá me devendo trezentas pratas! Se essa grana não estiver aqui dentro de uma hora, vou fazer picadinho dele, tá entendendo?

Mariana sentiu um filete de gelo escorrer pela espinha. Na verdade, quando o traficante falou atabalhoado pela primeira vez, ela já havia entendido. Já ouvira aquelas ameaças e cobranças outras vezes. Era sempre o marido quem ia buscar o filho na sarjeta, mas era ela quem atendia o telefone. Não tinha trezentos reais na carteira. Aliás, há muito não deixava dinheiro na carteira! Enquanto ouvia as ameaças do traficante ia pensando no que fazer. Teve ímpetos de mandar o traficante catar coquinhos, de dizer que não estava nem aí para suas ameaças, que não importava mais com o filho. Teve vontade de simplesmente desligar o telefone e ver no que dava. Afastou o aparelho do ouvido, olhou para ele com desprezo e ódio e o depositou placidamente no gancho, sem dizer uma palavra. Sentou-se muda no sofá. Sentiu um certo torpor.

… Viu o menino franzino balbuciar desajeitadamente o ‘mãmã’ com pouco mais de um ano.

… Viu o filhinho com a roupinha humilde, mas limpa, acenando para ela na porta da escola no primeiro dia de aula.

… Ouviu a voz eufórica do filho falando dos novos amigos da escolinha… Viu o garoto adolescente, sorrateiro, tentando esconder o boletim escolar cheio de anotações em vermelho…

… Viu o menino sair de casa tantas vezes bem arrumado, usando bermuda, camiseta e tênis novos, perfumado…

… Viu o filho tantas vezes chegar a casa com a roupa suja, rasgada, as vezes a roupa nem era dele, fedendo, às vezes descalço.

… Viu o menino enfurnado no quarto, taciturno, arredio.

… Viu o menino tantas vezes entrar no carro com o pai, levando uma pequena mochila nas mãos, partir para mais uma clínica de recuperação.

… Viu o corpo do menino magro, ossudo, pele empalidecida num caixão tosco na funerária…

… Viu o aparelho telefônico vibrando na estante.

Demorou para ouvir o som do aparelho. Pegou-o e o levou lentamente ao ouvido, muda. Ouviu a mesma voz de antes…

– E aê, tia! Vai deixar o vacilão morrer aqui mermo?

Mariana continuou muda.

– Tá de sacanagem, né tia! Tá de sacanagem que não sabe o que vai acontecer com o seu nóia? – insistiu o traficante já mais exaltado. Escute – disse ele – vou te fazer um favor… Vou levar seu filho aí na porta da tua casa agora. Quando chegar aí quero minha grana. Se não estiver com as trezentas pratas na mão, furo seu garotão aí na sua porta, na sua frente, tá ligado?”

 

 

(Paulinho & Mariana, os pais do nóia JC /“Quem Matou o Suicida” – Airton Chips – primavera de 2020).

 

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Tensão na beira do rio

       Se soltasse a corda… morreria o filho! Se não soltasse, morreriam os dois!

“Popota retirou a cápsula vazia e colocou outra intacta no tambor. Girou, esticou o braço, apontou a arma para Renato e lentamente foi movendo o braço e o Taurus na direção de Mateus. A tensão aumentou. Seria mais uma cena de tortura… ou desta vez ele atiraria? – pensou Renato. De repente um novo estampido cortou o espaço espantando um ou outro sabiá que pousava nas frondosas mangueiras. A bala desta vez tinha um alvo. Um alvo indireto, mas tinha um alvo. Atingiu em cheio a perna esquerda traseira da cadeira. Sem uma das pernas a cadeira caiu de costas para trás. Só o impacto da bala talvez não fosse suficiente para derrubá-la do barranco. Mas no susto Mateus deu um salto para trás e caiu do barranco! Desta vez Renato estava acompanhando o alvo e não o movimento do dedo do bandido. Foi providencial! Quase com um só salto desesperado ele agarrou o filho pendurado no barranco! Enquanto tentava desesperadamente trazer a cadeira e o filho, amarrados, de volta, Popota lentamente substituiu o projétil deflagrado por outro, levantou-se do tosco toco, deu três passos adiante, apontou o Taurus para Renato e ordenou:

– Solte a cadeira!

A perna da cadeira não aguentou o peso e se quebrou. Num milésimo de segundo Renato conseguiu segurar a corda que prendia os pés do filho à madeira, mas ele desceu um pouco mais. Agora ele estava totalmente pendurado no barranco. Popota votou a ordenar:

– Solte a corda!

Renato podia sentir o calor do bandido a um metro apontando o revólver para ele. Olhou para baixo, para aquele poço sereno. Nem sinal de Tortuga que havia mergulhado ali minutos antes. Se o filho estivesse livre das amarras talvez tivesse alguma chance. No entanto, preso ao que restava da cadeira velha, teria morte lenta e desesperada se debatendo no fundo do rio, se ele soltasse. Se não soltasse… o bandido mataria os dois!

– Vou falar pela última vez – soou a voz, agora colérica, do psicopata.

Depois silencio total. O filho suspenso apenas pelo braço direito já pesava o dobro. Pode ouvir o leve ranger da mola do gatilho sendo pressionada para trás. Apesar da fé, contraiu os ouvidos para minimizar o estrondo. E o estrondo veio”…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113.

Geraldo… o ‘eremita’ de Corinto

     Há anos ele dorme numa caixa de papelão sob uma marquise e passa os dias nas imediações da sua ‘casa’!

Depois de ficar ao menos sete meses com o mesmo traje, de agosto para cá, ele já trocou de roupa três vezes!

Desde o dia em que mudei para meu novo endereço no São Luis, notei sua figura silenciosa e taciturna sob a marquise do deposito da transportadora. Ele estava sentado sobre um ‘puf’ de papelão e tinha ao lado, devidamente dobrados e empilhados, um tufo comprido de mais papelão. A princípio achei que ele fosse um dos funcionários da empresa, embora usasse uma roupa diferente dos demais. Podia ser um ‘chapa’, um daqueles serviçais contratados para serviços pesados esporádicos! A impressão se reforçou à noite, quando tornei a passar por ali e ele estava sentado no mesmo puf, fumando seu cigarrinho. Pensei com meus botões:

– “Além de chapa, ele deve fazer ‘bico’ de vigia do deposito”!

Nos dias seguintes, a caminho da escola, passei a nota-lo de manhãzinha mexendo nalguns cestos de lixo, dois quarteirões abaixo na mesma rua. Voltei a confabular com meus botões:

– “Ele deve morar no porão de uma dessas casas por aqui. Deve estar colocando o lixo para fora”!

Era começo de fevereiro, dias de chuva na região da Pampulha. Durante o dia, o sujeito desaparecia. No início da noite lá estava ele solitário, pitando novamente na porta da transportadora.

O período chuvoso durou pouco. São Pedro foi econômico na região em 2022. No meio de março as chuvas já haviam saído de férias. Bom para o meu personagem, que passou a circular de novo nas imediações… e se tornou mais visível.

Com a chegada precoce da seca, meu ‘observado’ passou a desfilar discreta e lentamente diante dos meus olhos todos os dias. Foi aí que eu me dei conta: ele não trabalhava no deposito da transportadora, nem de chapa e nem de vigia. Na verdade ele ‘mora’ ali na porta. Depois de espantar os pernilongos com a fumaça do seu cigarrinho, ele arma sua cama de papelão e dorme ainda noite criança… E se levanta com o cantar do galo do ‘seu’ Jorge, na outra ponta do quarteirão. A comprida caixa de papelão que serve de cama, serve também de canastra ou cômoda para guardar seus lençóis, travesseiros e cobertores. Desfaz a cama, dobra tudo, empilha num canto da porta da transportadora e vai para a lida.

Seus movimentos começam justamente na subida da rua, onde mexe num cesto de lixo aqui, outro acolá em busca do desjejum. Mas não tarda aparece alguém,  ainda de pijama, num portão com um pão e um copo de café. Mesmo saciado ele ainda busca alguma coisa nos cestos de lixo, pois, para o vício do tabaco não existe muitas almas bondosas.

O descanso da sua árdua labuta do dia a dia acontece no mesmo trecho onde ele toma o desjejum. Senta, fuma o cigarrinho, traça uma marmita, as vezes deita-se no chão forrado de papelão e assim passa boa parte do dia descansando na sombra das frondosas mangueiras ao lado de um grande muro sem construção. Sua rotina se resume a circular por ali, quase sempre na mesma rua em que ‘mora’. Como diria meu saudoso amigo, detetive ‘Pinguim’: “sem nem um passarinho para tratar”! Vida melhor não há.

À noite os papelões viram cama…

Mas, e a higiene pessoal, a troca de roupa…

Desde que concluí que meu vizinho é um morador de rua, passei a observá-lo mais atentamente. Não foi difícil perceber que ele usa sempre o mesmo traje. Calça de brim cor de cimento queimado, camisa de pequenas listras claras, boné de uma firma qualquer, botina de cano alto na cor da calça e, invariavelmente – faça chuva ou faça sol – uma jaqueta grande, caqui, pendendo também para o cimento verde. Parece quase um uniforme. De fevereiro, quando o conheci, até meados de agosto, ele trajou sempre o mesmo ‘conjunto’!

Sociabilidade?

Zero.

Das poucas vezes que passo por ele à pé ou pedalando, estendo-lhe o tradicional bom dia belorizontino. As vezes ele responde com um grunhido rouco, desatento ou medroso. Na maioria das vezes responde com o silencio. Até o momento não o vi trocar uma palavra com ninguém!

Outro dia, sensibilizado com a performance da pobre criatura, ao voltar de uma caminhada, resolvi investigar a vida do meu vizinho e, quem sabe, interferir na vida dele. Abordei seus vizinhos mais próximos: os funcionários da transportadora em cuja porta ele ‘mora’!

– Rapais, mexe c’ele não, sô! Seu Geraldo tá bem assim. Ele num precisa de nada não – disse o gerente da firma gastando seu peculiar belorizontez.

– Segundo os vizinhos, tem uns 15 anos que ele tá aqui no bairro. Só aqui na porta do deposito tem uns 3 anos que ele dorme. Desde que eu vim trabalhar aqui ele já dormia aí! – corroborou o auxiliar do gerente.

– Ele está com a mesma roupa desde fevereiro… – tentei esticar a conversa.

– Tá? A gente já se acostumou tanto que nem repara mais…

– E banho? Eu moro no fim da rua. Tenho banheiro externo… eu poderia…

– Ih moço, seu Geraldo não liga pra banho não sô. Eu tenho chuveiro aqui no deposito, para os funcionários… Já ofereci, mas ele não quis não. Um tempo atrás eu insisti muito pra ele tomar banho. Ele saiu resmungando e ficou vários dias sem aparecer aqui… – interpelou o gerente.

– E comida…

– Comida sobra. Tem dia que ele ganha umas três marmitas na mesma hora.

– Vocês têm informação sobre a procedência dele? Saúde mental…

– Parece que ele é de Corinto (norte de Minas). Ouvi dizer que ele tem até casa lá – informou o gerente.

– Além de comida e banho, sabem se alguém tentou tirá-lo da rua?

– Tempos atras o pessoal da Assistência Social esteve aí, queriam levar ele… Ele não quis não – respondeu o secretário.

Eu imaginava que minha investigação redundaria nisso.

São mais de 40 anos esbarrando na rua em pessoas com perfil parecido. Esbarrando e observando…

Das minhas observações, posso concluir que os moradores de rua hoje, pertencem a três grupos.

A – ‘Loucos de todo gênero’.

B – Desajustado familiar.

C – Egressos do sistema prisional.

Os loucos não têm noção de higiene, de vida organizada em grupo familiar ou grupo social e nem obrigações pessoais. Essa é uma condição natural. A pessoa já nasce com esse ‘dom’! E não tem conserto… só vai mudar quando parar de respirar!

O desajustado é aquele que, embora tenha conciência, discernimento dos seus direitos e deveres, ele não se sujeita as regras e obrigações no seio da família. Prefere viver na rua, sem dar satisfação a ninguém dos seus atos. Neste perfil se enquadram também as pessoas que desacorçoaram diante das dificuldades da vida – muitas vezes chefes de família já maduros – e foram pra a rua pra fugir dos problemas.

O terceiro e mais numeroso grupo, é o dos egressos do sistema prisional. Geralmente são pessoas que começaram cedo no crime. Não aprenderam a trabalhar. Acostumados com o ócio nas cadeias, não valorizam o trabalho. Some-se a isso a discriminação social pela condição de egresso da prisão, o que é natural. Afinal, em todo país subdesenvolvido, há milhares de pessoas com ficha limpa procurando emprego. Enfraquecidos pelo vício das drogas, pouquíssimos conseguem se inserir no mercado de trabalho. Quase a sua totalidade está nos semáforos das médias e grandes cidades fazendo malabarismos e tentando sujar os para-brisas dos carros que passam em troca de uma moeda. Não raro estão cometendo pequenos delitos para sobreviver.

Com o advento do Crack – a droga mais viciante e barata do mercado – em meados dos anos 90, os egressos do sistema prisional quintuplicaram nas duas últimas duas décadas… E não dá sinais de parar por aí! Portanto, não esperem que os semáforos se esvaziem!

Mas o que essa definição de morador de rua tem a ver com o nosso pacato Geraldo do bairro São Luís?

Nada. Até onde as investigações me conduziram, o ‘ermitão urbano’ de Corinto tem um único vicio: o tabaco. E ele não incomoda ninguém… Pelo contrário. Ele não quer nenhum tipo de relacionamento com ninguém. E se afasta de fininho para não ser incomodado!

Desisti de interferir na vida do Geraldo…

Mas não desisti de pensar nele!

É quase impossível mergulhar debaixo de um lençol limpo, cheiroso, numa cama macia, espaçosa e não lembrar de Deus…

… E não lembrar de Geraldo!

Procurado!

     Numa investigação policial, nenhum indicio pode ser descartado!

Seis da tarde na delegacia regional de polícia. O homem de meia idade, fisionomia séria, ligeiramente grisalho, parou diante da foto colada no mural na entrada da delegacia. “Desaparecido”, dizia a legenda em letras garrafais acima da foto. “Saiu de casa na quarta-feira com destino à Aparecida e não deu mais notícias”, dizia logo baixo do nome com outras informações.

– Alfredo, é você que está com aquele caso do mendigo carbonizado? – perguntou o grisalho ao detetive que conversava numa pequena rodinha ali na recepção.

– Sim Inspetor!

– Ele tinha uma mochila, não tinha? Traga-me essa mochila na inspetoria – ordenou.

– Inspetor… são seis horas. Acabou o expediente. Pode ser amanhã cedo? – disse o jovem detetive, com indisfarçável má vontade, olhando para o pulso.

A presunção do rapaz surpreendeu o velho inspetor. Velho na profissão, pois tinha quase trinta anos de trabalho e cabeleira grisalha, embora mal tivesse soprado cinquenta velinhas. Por isso pensou em responder à altura da sua autoridade, mas se conteve. Olhou para o relógio de pulseira marrom no braço e respondeu:

– Faltam trinta e cinco segundos para as dezoito horas. Coloque essa mochila na minha mesa antes das dezoito! – falou retirando o cartaz do quadro.

Os colegas de Alfredo que estavam conversando amenidades na rodinha olharam para ele e iam fazer alguma troça, mas Alfredo falou antes:

– Inspetor, eu joguei a mochila no latão de lixo ontem à tarde…

Se a espetada anterior do detetive batera no músculo, a estupidez bateu agora numa parte mais sensível do inspetor. Não era feitio do calejado policial questionar comportamento pessoal de seus subordinados fora das quatro paredes da inspetoria, mas dessa vez não podia ficar barato…

– Você jogou evidências de uma investigação policial, em andamento, no lixo? – questionou o inspetor frisando cada palavra.

– Era só uma mochila fedida de um mendigo, inspetor! – desafiou o detetive, tentando justificar a ‘varada n’água’. A emenda, no entanto, soou pior que o soneto. E o inspetor desafinou de vez a censura…

– Escuta jovem, onde você aprendeu que morte de mendigo não precisa ser esclarecida? Não foi na academia de polícia civil paulista, certamente. Você já terminou seu estágio probatório? – desta vez o novato não retrucou. E o inspetor completou:

– Você está com sorte… os lixeiros estão em greve! Ninguém recolheu o lixo na cidade nos últimos dias. Torça para que a mochila do suposto mendigo ainda esteja no latão de lixo. Você vai procurar sozinho ou precisa de ajuda? – Como não obteve resposta virou as costas dizendo:

– Estou esperando a mochila na minha sala.

Três minutos depois Alfredo entrou na sala do inspetor com a mochila na mão…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113. 

Lita

“Pessoa que deixou rastros na minha terra”

A dedicação do Lita, aliada à terra fértil, produzia verduras gigantes e saudáveis!

A lembrança mais antiga que tenho do Lita, remonta aos anos 60, quando ele, ainda rapazote, trabalhou com o pai na fazenda do “Seu Zé” Major, onde eu, ainda meninote, ajudava meu pai. Foi naquela ocasião que Chiquinho, ao ver o burrão marrom, matreiro e traiçoeiro, armar um par de coice que poderia feri-lo gravemente, alertou seu estimado e espigado filho dizendo:

– “Liiiiita… não faciliiiiiiita, nãããããooo!”

Pouco anos depois daquela cena e daquela frase histórica pronunciada pelo saudoso Chiquinho, o êxodo rural empurrou minha família para Pouso Alegre. Empurrou, mas não arrancou minhas raízes! No início minhas visitas à minha terra eram mensais. Depois que cresci e pude andar com minhas próprias pernas e comprei o meu ‘poisé’, as visitas se tornaram frequentes, semanais. A primeira casa que eu avistava ao sair do asfalto era a casa do Lita. E quase sempre sua figura muito magra e espigada realizando alguma tarefa em ‘roda da casa’. Por isso nunca perdi o Lita de vista. Vi sua precoce orfandade paterna e não muito tempo depois a materna. Acompanhei sua longa, humilde e honrada trajetória como funcionário da prefeitura de Congonhal. Era muito mais do que um motorista… Era um servidor! Uma pessoa para servir à prefeitura e servir aos munícipes. Lita era daqueles servidores que tinham horário para entrar no serviço… Mas não tinham hora para sair! Era comum vê-lo conduzindo o fusquinha, ou o caminhão basculante levando gente ou terra para algum morador do município quando todos os demais funcionários já estavam de bermuda e chinelão na varanda de casa! Lita não se importava com isso. Aliás, importava sim! Ele gostava de ser útil!

Se Lita serviu à prefeitura de Congonhal e seus munícipes, ele foi ainda mais útil à sua pequena família. Ou seria ‘meia’ família? Com a ausência precoce do pai e não muito tempo depois, a da mãe, ainda lhe restava a tia Águeda. A discreta e bondosa – e às vezes misteriosa tia Águeda – que me acenava da sombra do vão da janela da sua casinha verde, também na beira da estrada, sem nunca encostar no parapeito. Eu via apenas sua silhueta esguia e discreta. Mas me sentia em casa.

Antes mesmo da partida discreta da tia Agueda, a qual ele cuidou com carinho de filho, Lita já havia assumido outra missão: cuidar da irmã de criação e dos sobrinhos, que foram chegando ao longo dos anos… Todos sem pai!

A irmã de criação também se foi precocemente… Mas deixou os meninotes, todos ainda de calça curta, para Lita cuidar.

Já sessentão Lita se aposentou da prefeitura… mas nunca se aposentou dos sobrinhos! Apesar de ter o seu salário e uma pequena chacrinha herdada do pai, que vai da beira da estrada até o ribeirão, Lita nunca parou de trabalhar. Precisava cuidar dos sobrinhos afetivos – Afetivos?!

Mas gostava de trabalhar. De trabalhar a terra, arar ou destocar, semear, cultivar e, finalmente colher o que a sagrada terra bem cuidada oferece em troca. O viço das mini lavouras de cana, de mandioca, de feijão, de milho – pouco mais do que meia quarta de chão – em ‘roda da casa’, enchiam os olhos de quem passava na estrada. Os pendões coloridos e as bonecas perfumadas do milharal chamavam a atenção de quem entrava no bairro. Parecia um jardim!

Dos pequenos e viçosos capões de roça, Lita migrou para a horta. Em pouco tempo o quintal da sua casa virou um tapete multicores… Alface, chicória, almeirão, couve, pimentão, berinjela, jiló, repolho, salsinha, cebolinha… Tudo cuidado com carinho e esmero.

No início de 2016 Lita ficou ainda mais visível pra mim. Durante a reforma da minha casa em Pouso Alegre, fui morar no sítio. Toda vez que eu saia do asfalto e entrava na estrada vicinal dos Coutinhos, eu dava de cara com o Lita. Não havia como não o notar ali na beira da estrada, cuidado com tanta dedicação da sua horta orgânica. Além dos quatro restaurantes do bairro, e outros de  Congonhal, os vizinhos também se tornaram seus fregueses. Durante os três meses que ali morei, eu fui um deles. Como era bom ver o Lita, todo intrépido e bem-humorado, colher a verdura fresca e tenra direto na terra, lavar com água corrente e entregar na porta da horta, enquanto falava do seu cotidiano!

Lita, no entanto, não poderia negar a precocidade da sua família! Ele também se foi cedo… embora por outros motivos que não a saúde!

Lita poderia estar lá, ordenhando suas vaquinhas, tão manas quanto ele, cuidando da sua hortinha, contando suas histórias, mas… Mas havia uma pedra no caminho! Uma pedra de crack…

Eu não gostaria, mas não tem como falar do Lita sem associá-lo a drogas!

A droga encurtou sua vida… a droga o matou!

Droga que ele jamais usou!

O salário de aposentado como motorista na prefeitura de Congonhal, completado com o leite de duas ou três vaquinhas e uma viçosa horta de verduras, permitiria uma vida singela, digna e tranquila à Lita. Mas ele tinha que prover, que orientar e sustentar a ‘sobrinhada’, cinco, de imberbes a barbados!

Alguns deles, apesar da seriedade, dos exemplos e cuidados recebidos do tio, experimentaram a famigerada erva ‘marvada’!  E como todo bom consumidor de erva – uma droga fraca e relaxante – eles procuraram uma droga mais forte… chegaram ao crack! O famigerado crack, a droga “mentirosa”! A droga que promete matar rapidamente, só que não! Ela mata aos poucos, mata quem consome, mata o pai, mata a mãe e, neste caso… matou também o tio!

Nos últimos anos a dependência química dos sobrinhos se acentuou – desandaram de vez! A dependência e o consequente consumo aumentou! E o custo ficou mais caro. O que ganhavam trabalhando – quando trabalhavam – já não era suficiente para satisfazer o vício. Costuma ser assim mesmo com os viciados! E passaram a visitar a carteira do Lita! Se ele escondia a carteira, era ameaçado… e as vezes entrava na manguara!

Ano passado um dos sobrinhos chegou às ‘penúltimas’ consequências. Para tomar o dim-dim do tio, desceu-lhe o borralho! O ingrato sobrinho foi preso no mesmo dia… mas já havia ‘fumado’ o precioso fruto do suor do tio! Na ocasião, Lita humildemente declarou que o episódio estava resolvido e que não aconteceria mais!

Até três semanas atras, não se sabia que atitude Lita tomaria para evitar que voltasse a ser roubado e espancado. Agora sabemos.

Lita desacorçoou!

O telhado tosco e singelo do paiol testemunhou seus últimos segundos de vida… A corda presa ao pescoço comprido, pendurada na linha, interromperam sua respiração. Lita certamente não lutou contra a falta de ar. Ele queria o resultado. Não suportava mais o sofrimento, a ingratidão… ingratidão daqueles que ele cuidou com tanto carinho! Daqueles que ele alimentou com tanto amor. Daqueles pelos quais ele abdicou da própria vida para cuidar.

Não. Não é drama! Lita cuidou dos sobrinhos melhor do que muitos pais cuidam dos seus próprios filhos! Quem o viu no caixão disse que ele tinha um sorriso no rosto…

Deve ser o sorriso da satisfação do dever cumprido!

Lita poderia ter se casado, ter sentido o calor do corpo de uma mulher! Ter o prazer, a alegria de ouvir crianças correndo pelo quintal e o chamarem de “pai”!…

Aposentado, poderia finalmente ter uma vida social normal, sentar-se na varanda da sua casinha para ver o pôr do sol, visitar e receber visitas de amigos e vizinhos, jogar conversa fora com as pessoas do bairro que o viu crescer… Mas não. Lita não podia se ausentar da sua pequena chacrinha na beira da estrada. Ele precisava continuar trabalhando, cuidando da sua horta, para aumentar sua renda e ajudar a sobrinhada. Além do mais, ele não podia se afastar das suas economias debaixo do colchão… senão elas seriam enroladas numa seda ou num cachimbo fedorento qualquer e virar fumaça! – E tem gente que defende a liberação das drogas!

Ah Lita… homens como você estão indo embora. Estão ficando cada vez mais raros! Mas pode ir, Lita. Você tem esse direito.

Segundo os ensinamentos espiritas de Alan Kardec, ninguém pode tirar a própria vida. Quem o fizer terá que voltar em outra encarnação, às vezes no mesmo lugar em que parou, para reparar o erro. No entanto, Deus, certamente vai abrir uma exceção pra você Lita! Deus sabe que você lutou enquanto teve forças.

Por nós, fique tranquilo. Nós sabemos que você fez até mais do que estava ao seu alcance.

Lita não foi uma pessoa ilustre, rica, famosa… Foi pouco mais do que “… lírios do campo”! Teve tão pouco tempo livre para andar pelo bairro que o criou… Mas deixou rastros na minha terra!

Os primeiros passos no crime…

Popota começou cedo a ‘caminhada’.

Imagem Ilustrativa

Aos treze anos, com uma camiseta na qual cabia quase dois dele, uma bermuda de moletom cortada sem costura pelas canelas, os pés sujinhos no chão, e uma latinha na mão, pedia moedinhas nos semáforos.

Quando conseguia ganhar alguns trocados e nenhum marmanjo lhe tomava antes de chegar em casa, entregava tudo à mãe… Era para comprar comida!

Quando o movimento nos semáforos estava ruim, ele saia pedindo pelas ruas. Foi aí que começou perceber que nas lojas e mercados, muitas vezes os lojistas estavam distraídos. Era fácil pegar um objeto ou outro e sair de fininho, sem ser percebido.

Com os pequenos furtos começou ganhar dinheiro além de migalhas. A primeira coisa que fez foi renovar seu ‘guarda-roupa’.

Aos quinze anos já desfilava de calça jeans, camiseta e tênis de marca. O boné, também de marca e de aba fina, dava o toque final. Intrujão para comprar seus ‘cabritos’ não faltavam. Só no seu bairro, sob a fachada de ‘brechó’ e outros objetos usados, havia uns três estabelecimentos que compravam qualquer coisa sem perguntar pela procedência… por um décimo do valor de mercado! Dois deles adotavam outra moeda de troca… ‘erva marvada’, pedra bege fedorenta ou farinha do capeta ao gosto do cliente! Essa moeda valia três vezes mais. Com isso o introdução ganhava duas vezes. Além de ganhar na aquisição de mercadoria barata, alimentava também sua biqueira e a clientela de drogas, pois os pequenos delinquentes vendiam dois terços da droga trocada por mercadoria surrupiada.

De ladrãozinho de lojas e aviãozinho do tráfico à assaltante de farmácias, postos de combustíveis e supermercados foi um pulinho… foi só seguir o inexorável passar dos dias.

No final da menoridade, ‘Popota’, o garoto pobre da baixada já era figurinha fácil no álbum da polícia. Conhecia todos os conselheiros tutelares da cidade, assistentes sociais, promotor e o juiz da infância e da juventude!… e até o lado interno de alguns ‘centros socioeducativos’! Nada disso, no entanto, o educou.

Duas semanas depois de completar dezoito anos enroscou-se nas malhas da lei. Caiu tentando roubar uma farmácia…

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113. 

 

Um tiro à sangue frio…

O assassino puxou o gatilho para mostrar o desprezo que tinha pela vida!

” Sem entender a ordem, o meliante ‘cara de tartaruga’, deu alguns passos e parou ao lado da cadeira que prendia o garoto. Cruzou os braços e continuou de cara fechada esperando nova ordem. Popota continuou a chorumela…

– Olha para esses dois na beira do rio, doutor Renato… Totalmente fragilizados e indefesos. Se eu der um tiro na cabeça de cada um agora, considerando que o nível do rio está baixo, com sorte, pode ser que amanhã mesmo os bombeiros achem seus corpos. Eu pergunto: qual a diferença entre um e outro diante de uma bala?

Renato se remexeu no tosco toco de madeira. Entendeu a pergunta e sabia a resposta, mas preferiu se fazer de desentendido, e tentou mudar de assunto.

– A diferença está no coração da pessoa que puxar o gatilho – falou.

– Resposta errada doutor Renato… Quer ver?

Popota abriu o tambor do Taurus, conferiu as seis balas, girou o tambor com a mão esquerda e antes que parasse de girar fechou o tambor com violência, esticou o braço, apontou lentamente na direção dos dois homens na beira do barranco e… puxou o gatilho!

Renato sentiu o suor escorrer por baixo da camisa. O coração veio à boca. Tentou levantar-se, mas o cano ainda soltando fumaça virou-se para a sua direção…

Tortuga arregalou os olhos, tentou descruzar os braços, mas… Já era tarde! O projetil quente penetrou no triangulo entre o nariz e as sobrancelhas! A tentativa de um movimento desesperado para se defender ou para fugir, afastou ligeiramente seus pés do chão tornando-o mais leve, arremessando-o para trás. Somado o movimento instintivo de defesa ao impacto do projetil, o corpo pesado do bandido voou no ar e mergulhou de braços abertos, de costas, nas águas turvas do rio. Após soprar a fumaça do cano do trabuco, Popota falou com naturalidade:

– A diferença doutor, é que ninguém vai sentir falta dele… Ele é descartável!

Renato estava aturdido. Mas encarou o bandido.

– Você atirou no seu amigo só para mostrar a diferença entre uma pessoa e outra? – perguntou.

– Não só por isso. Atirei por três motivos. Primeiro: ele era ‘talarico’! Segundo: ele não era meu amigo! Era só companheiro de caminhada. Terceiro: Ele era descartável. Ninguém vai notar a falta dele. Nem os ‘parças’ dele vão perguntar o que aconteceu com ele. Agora olha para o seu meninão…”

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113.

Flagrante!!!

A cena paralisou suas mãos!

Imagem ilustrativa

Apesar de a noite ser ainda uma criança, fazia muito frio na rua. Na penumbra do interior do carro, ligeiramente oculta pela sombra de uma arvore, Joana esperava pacientemente. Chegara no início da tarde à cidade. Tivera tempo de sobra para fazer sua investigação. Descobrira onde era o escritório, parte da rotina, dos horários e agora estava ali, a poucos metros da porta da casa de Paula. Segundo seus levantamentos ela saia do trabalho por volta das seis da tarde e antes de ir para casa passava no supermercado. Já eram mais de sete horas… estava demorando! De repente um carro diminuiu a velocidade, sinalizou e parou na frente do seu carro. Joana percebeu que era um homem ao volante. Sentiu o coração disparar! Esperou alguns segundos. A porta do passageiro se abriu e uma mulher protegida por um grande casaco bege saiu tentando equilibrar nos braços um pacote de papeis. Quando ela se virou para contornar a frente do carro, Joana pode ver com certeza: Era Paula! Um ligeiro frio percorreu sua espinha. Nesse instante a porta do motorista se abriu e um homem, que já mexia no banco traseiro, fez movimentos de descer. O coração de Joana bateu a duzentos por minuto. O homem saiu do carro de costas pra ela…

Era Renato?

O grande casaco escuro aumentava sua silhueta… O rapaz alto e corpulento, cabelos curtos… era Renato!!

Ele deu um passo em direção à Paula, recolheu os papeis das mãos dela, juntou os dois pacotes e atravessaram o passeio em direção ao portão da casa da jovem advogada. Joana tinha os olhos colados no casal.

Num instante ela abriu o portão, virou-se para o homem e deu-lhe um longo beijo apaixonado.

Joana ia saltar do carro para surpreender o casal, mas de repente ficou paralisada. A cena foi muito forte. Um misto de sentimentos a invadiu naquele momento. Queria não ter visto aquilo. Sentiu um certo asco! Por um segundo desviou os olhos.

Quando voltou a olhar para o casal, Joana já havia fechado o portão e Renato estava entrando no seu carro.

Era mesmo Renato! Estava mais magro e usava barba, coisa que não fazia há anos.

Enquanto pensava no que fazer, o motorista deu partida, deu seta e saiu do local. Joana pensou em seguir o carro de Renato, mas seus dedos travaram, grudaram no molho de chaves e ela não conseguiu dar partida.

Quando finalmente conseguiu virar a chave no orifício da ignição, o carro de Renato já virava a esquina.

“Foi melhor assim”, pensou Joana. “Eu não ia conseguir dirigir. Ia acabar batendo o carro”. Ficou longos minutos ali olhando a rua silenciosa e fria. Baixou um palmo o vidro do motorista para deixar entrar o ar frio da noite. Pareceu ouvir o barulho do chuveiro de Paula. Viu-a nua, esfregando o sabonete pelo corpo, cantarolando uma canção qualquer debaixo do chuveiro. Viu Renato alto, forte, ereto entrando nu no chuveiro… tentou desviar o ‘olhar’ e instintivamente sacudiu a cabeça, querendo se afastar da cena! Com isso Paula e Renato sumiram do banheiro, sumiram da sua imaginação!

Só então se deu conta de que estava ali há quase dez minutos desde que vira o carro de Renato virar a esquina.

Mas será que era mesmo Renato? De costas, era o mesmo porte físico. Alto, ombros largos… De frente os ombros largos mantinham o casaco aberto fazendo uma figura corpulenta, mas parecia mais magro… ou seria mais jovem e atlético? Mas era Renato. Tinha certeza. Ou será que não? Ou será que apenas seu subconsciente viu Renato ali se despedindo de Paula com aquele beijo apaixonado?

Pensou em descer do carro, tocar a campainha e ir falar com Paula. Dizer que havia descoberto seu romance com seu marido. Mas de que adiantaria? Poderia ter dito isso mais cedo no escritório dela! Ou até por telefone, sem sair de casa! Ela certamente negaria. “Eu tinha que ter abordado os dois abraçados no portão”, pensou Joana. “Pegá-los em flagrante… e ver que explicação ele daria para ter abandonado a família de maneira tão covarde. Ver que recado ele daria para seus filhos adolescentes que sempre o tiveram como herói”! Assim pensando Joana rumou para o hotel. Precisava sair da rua, ficar entre quatro paredes, sozinha, para extravasar sua revolta, sua mágoa, sua dor… Precisava esmurrar alguma coisa. Chorar, talvez. Sim. Precisava chorar. Chorar bastante, até esvaziar todos aqueles sentimentos confusos que pressionavam seu peito… e seu cérebro! Tudo que precisava agora era de quatro paredes… para esconder suas lágrimas!

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113.

 

Um cadáver na beira da estrada…

Quem seria?

“Três horas depois a estradinha ficou pequena para quem queria seguir para os sítios ao pé da serra ou descer para pegar a estrada principal que levava às cidades vizinhas. Uma faixa quadriculada de amarelo e preto isolava a guarita, agora toda enfumaçada, na beira da estrada. Havia carros dos dois lados da via. Três deles eram da polícia, um da militar, outro da perícia da polícia civil e o terceiro com o letreiro na traseira: “Delegacia de Homicídios”. Os curiosos ocupavam todo o entorno; queriam saber o que acontecera; de quem era o corpo carbonizado; davam palpites…

– Parece que é um andarilho… – dizia um.

– Eu ‘vi ele’ passando lá perto da minha casa ontem de tardinha… – dizia outro.

– Será que foi acidente? – indagava um terceiro.

– Acho que ele foi queimado enquanto dormia…

– Ah, não… com o calor ele teria acordado! – discordou outro.

– … Ou não. Esses andantes bebem muito. Deve ter derramado a garrafa de cachaça no fogo…

– Eu acho que alguém tocou fogo nele!

– Tá doido! Por que alguém faria uma maldade dessas com o pobre coitado?

Enquanto a perita, com carinha doce de colegial – talvez na sua terceira semana de trabalho – fotografava a mesma cena por infinitos ângulos diferentes e anotava tudo em sua prancheta, dois homens, de braços cruzados, cada um ostentando no peito um distintivo de couro com uma estrela reluzente no meio, por cima dos óculos Ray Ban, observavam a tétrica cena. Talvez, esperando que alguma teoria diferente da dos curiosos surgisse de algum lugar. Satisfeita com a infindável sequência de fotos, medidas e anotações, finalmente a jovem perita se aproximou dos dois policiais e disse:

– Por mim o corpo está liberado, doutor…

– Tem algum palpite?… – Indagou o policial mais empertigado, com distintivo dourado e vermelho.

–  Nada além do óbvio… há restos de cobertores, latas, trapos… coisas comuns de andarilho, que não foram queimados. Quanto ao corpo, a única certeza é que era de um homem, pelo tamanho dos ossos, adulto.

– Documentos…

– Tudo virou cinza.

– Algum trauma, fratura, projétil?…

– Nada visível. Só o legista, com raio x, poderá achar algo caso haja… Posso autorizar a funerária a remover o corpo para o IML e dispensar a PM?

– Ok. Bom trabalho Cintia. Obrigado. Quer interrogar alguém Alfredo? – disse o delegado, virando-se para o policial de distintivo verde.

– Não. A PM já qualificou e sabatinou a testemunha que encontrou o corpo e outros curiosos. Vai colocar tudo no BO. Eu gostaria de dar uma olhada nas imediações da guarita, ver se acho alguma coisa que os curiosos ainda não destruíram. Vamos manobrar a viatura no final da estrada, para dar tempo de os curiosos se dispersarem… – disse o detetive”.

 

Esse pequeno trecho é parte integrante do romance policial de Airton Chips:

“UMA VIAGEM QUE NÃO CHEGOU AO FIM”.

O livro está disponível no site da ‘Editora Dialética’ ou, através do WhatsApp 35 9.9802-3113.