BORA VIAJAR…

Imagem ilustrativa

Lobo

Parei o Escort prata sobre a ponte do Rio Cervo, abri o porta-malas, desatei lentamente a cordinha que amarrava o saco de estopa e olhei em seus olhos! Lobo havia se ajeitado na traseira do carro. Estava sentado dentro do saco. Apesar da língua de fora, não disse uma palavra, não fez um movimento. Apenas fitou-me com seus olhos pidões! Afastei-me um metro da traseira do carro, apoiei as mãos no parapeito da ponte da estrada deserta e olhei para baixo. As águas sujas do pequenino Rio Cervo desciam rápidas lá embaixo, se desviando de pedras e de galhos podres, seguindo seu inexorável destino em direção ao Rio Sapucaí, ao mar… Ninguém sobreviveria àquelas pedras fincadas em pouco mais do que uma lamina de água suja. Esperei um minuto, que pareceu uma eternidade, ali encostado na ponte, torcendo para meu amigo Lobo pular do porta-malas, sair correndo até se enfurnar numa chácara qualquer da beira da estrada… Mas ele permaneceu imóvel dentro do saco. Seus olhos tristes pareciam querer dizer;

– Estou em suas mãos… Faça o que mandar seu coração!

Não esperei que ele repetisse… Mudo como ele, fechei a tampa do carro, entrei, dei partida e fui embora.

Quando o cabo Pinheiro passou ao longo do corredor da cadeia de Silvianópolis no inicio da tarde daquela terça feira, notou que as três celas, sempre vazias, desta vez tinha um preso e perguntou;

– Qual o B.O. deste pobre diabo?

– Trafico ilícito de carrapatos! – Respondi

– Quanto tempo ele vai ficar aí?

– Até que alguém pague sua fiança e o leve para uma casa de tratamento e recuperação! Quer tentar?

Na quinta feira quando cheguei para trabalhar na Delegacia de Silvianópolis o baixinho cabo Pinheiro, de arrastado sotaque carioca, já estava no Destacamento contíguo a delegacia e cadeia. Ao seu lado havia um cachorro cochilando. Era baixote, marrudo, imensos pelos lisos cor de mel escovados e tosados. Quando ele abriu os olhos preguiçosos para olhar-me de esguelha e mexeu levemente a ponta do longo rabo, lembrei-me do Lobo. Parecia o Lobo. Nossa! como era parecido com o Lobo!

Antes que a pergunta chegasse à boca e ganhasse som, a conclusão chegou ao meu cérebro! Vendo minha mudez, sem olhar para mim, o cabo ‘carioca’ emendou com ironia e sarcasmo:

– Ele só precisava de banho, tosa e escova… Eu mesmo fiz!

A viagem de volta do Lobo foi bem mais confortável. Ele veio cochilando de rosquinha no tapete, na frente do banco do passageiro. Quando passamos sobre a ponte do Rio Cervo dei uma olhada discreta pela janela e outra para ele. Seus olhos se abriram e fecharam lentamente! Acho que ele quis dizer:

– Viu o que você ‘quase’ fez?

Ou se:

– E aí, valeu a pena?

Ou quem sabe…

– Obrigado por ter me dado uma segunda chance…

Difícil foi aguentar a boca aberta do carneiro nos dias seguintes. Ele, que já era risonho, não parava de sorrir! Embasbacou-se no momento em que viu Lobo, lindo, louro belo e faceiro cor de mel – e sem carrapatos – entrando na varanda da LEPA.

 

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