Miguel Mira, um larapio maduro…

Miguel Ribeiro Mira é o tipo de meliante que caminha na contramão da estatística criminal. Enquanto a imensa maioria dos infratores da lei começa a espinhosa ‘caminhada’ criminosa ainda na adolescência, ele pegou a encruzilhada do crime já maduro, barbado, coroa, já descendo a serra. Há quase seis anos quando cheguei para trabalhar em Santa Rita do Sapucaí, Miguel Mira já havia soprado 55 velinhas e estava na mira da lei por suspeita de furtos em sítios e ranchos no bairro do Funil.
Quando peguei uma intimação para entregar-lhe em seu sitio na Ponte do Rio Rennó, meu padrinho Benicio advertiu;
– Esta é a enésima intimação que levamos. Ele não atendeu a nenhuma delas.
Diante da conjuntura resolvi levar então um mandado de condução coercitiva e trazer o desobediente junto com a intimação. Parecia fácil. Ao ouvir nosso chamado na porta do seu casebre escancarado, o coroa ficou mudo. Quando entramos pela porta, ele saiu sorrateiramente pela janela e disparou a correr pela antiga linha férrea. Em seguida embrenhou-se num capituveiro em direção ao rio Sapucaí. Dois dias antes, ao subir num caquizeiro na fazenda do Norton, eu havia torcido o tornoze-lo e estava pisando só o suficiente para andar. Mesmo assim a teimosia me desafiou e fui atrás, correndo com uma perna, manquitolando com a outra … e perdendo terreno. Não acreditei que não daria conta de um velhote de 55 anos. Não dei. Quando cheguei à beira do rio, Miguel Mira já navegava sereno rio abaixo numa canoa que deixara estrategicamente amarrada sob o frondoso ingazeiro. Ele cairia brevemente nas malhas da lei e veria o sol nascer quadrado, mas antes, era preciso amansar o pássaro arredio.
Duas semanas depois voltamos para o café da manha. O tornozelo já estava curado, caso fosse preciso, mas não foi. Levamos conosco o maior aliado da policia, o fator surpresa. Paramos a viatura bem distante, na beira da rodovia e chegamos a pé. As galinhas mais preguiçosas ainda não haviam descido do poleiro. Mas Miguel Mira, ‘gato escaldado’ não costuma cair deitado, já estava no fundo do quintal ao lado de uma pedra apoiada num tronco fincado no chão, amolando um facão. Quando Benicio e Kleber surgiram cada um num canto da casa e disseram com calma e segurança;
– Bom dia ‘seu’ Miguel”, levantou antes das galinhas…
Ao ouvir a voz conhecida do Benicio, o coroa que tinha culpa no cartório, virou-se instintivamente no calcanhar para embrenhar-se outra vez no mato ou quem sabe pular no rio a poucos metros de onde estava. Tarde demais. Eu estava três metros atrás dele, placidamente encostado numa moita de bambu Açu amarelo, apontando o trezoitão para seu enferrujado facão Tramontina.
Esta foi uma típica “Operação Café da Manhã com Meliantes” entre tantas que fizemos em Santa Rita. E foi mais original. A água adoçada fervia no pequeno fogão a lenha na sombria cozinha do nosso preso e como ele estava ‘segurando’ as pulseiras de prata para nós, acabamos de passar o café para ele e tomamos juntos antes de voltar para a delegacia. Depois de sentar-se ao piano e jurar de pés juntos que era inocente, quase um santo, Miguel Mira foi liberado e desse dia em diante, agora que não precisávamos mais dele, trombávamos com ele quase toda hora pedalando sua bicicleta vermelha velha em cada esquina da cidade.
Pois é. O coroa ficou tão manso de gaiola que tomou gosto novamente pela coisa alheia. E evoluiu. Não quer mais saber de canoa ou bicicletas velhas. Seu negocio agora é motoca. Outro dia à tardinha, amigos ocultos da lei digitaram o 190 e avisaram que um cidadão com pinta de somongó estava tentando arrancar a placa de uma motocicleta Factor vermelha às margens da BR 459. Os homens da lei foram checar a denuncia anônima e depararam com meu velho amigo Miguel Mira com a mão na massa. E ele não se fez de rogado. Ao ver a aproximação da viatura policial apelou para o velho estilo; embrenhou-se na capoeira. Para azar dele, desta vez não havia ninguém com tornoze-lo machucado. Miguel Ribeiro Mira, 60 anos, tentou tapar o sol com a peneira, dizendo que alguém havia deixado a motocicleta abandonada ali perto de sua casa e ele queria apenas guardá-la. A motoca vermelha fora furtada perto de Itajubá dias antes.
Tanto furto quanto receptação de rês furtiva tem o mesmo peso no código penal; de 2 a 8 anos de cana. Desta vez não teve choro nem vela e em fita amarela, Miguel Mira sentou-se ao piano da delegada Stella Reis e foi se hospedar no hotel Recanto das Margaridas, desde então não tenho mais trombado com o ressabiado e maduro Miguel Mira nas ruas da cidade.

O trafico de drogas está baixando….

O trafico de drogas no Brasil, quiçá em todo o mundo, assunto amplamente divulgado pela imprensa vem sendo discutido pelas áreas de segurança publica, saúde e pela sociedade, mas pouca coisa de concreto tem sido feito para combatê-lo e – o que é muito mais importante – para prevenir o uso e conseqüentemente o trafico do veneno social.

È evidente que a nossa participação ao comentar o assunto – que se não for resolvido ou pelo menos freado, será não apenas um grande problema social, mas o câncer social do século – é apenas uma gota d’água num incêndio. Mas, vamos fazer o heróico e quem sabe não tanto utópico assim, trabalho do passarinho que voa de encontro ao incêndio com a gotinha d’água no bico.

Falar da erva daninha que cresce e se alastra dia a dia requer estatística e embora não a tenhamos em números oficiais, conhecemos a realidade pela vivencia com ela. Há dez anos atrás, a cadeia publica de Pouso Alegre, batizada por nós como “Velho Hotel da Silvestre Ferraz”, abrigava cerca de 70 presos. Quando em 2003 o numero de hospedes bateu na casa dos 100 hospedes, parecia que o ‘barril de pólvora’ iria soltar ‘preso pelo ladrão’ e explodir. Com a construção precária e provisória de outros 08 cubículos abafados, insalubres e malcheirosos o presídio suportou 350 presos, até o mês de novembro de 2009, quando finalmente foi desativado e seus hospedes transferidos para o novo presídio localizado na confluência dos bairros Ribeirão das Mortes, Nossa Senhora do Pilar, Canta Galo, Andorinhas ou rodovia BR 459 trevo de Silvianópolis, provisoriamente batizado – por nós – de Hotel do Juquinha. E no ritmo que vai a ‘procura’ por hospedagem lá, na Copa de 2014 sua população poderá, sozinha, lotar um Morumbi para ver Brasil x Argentina na semi-final. Sim, pois aos quase 350 que se mudaram da Silvestre Ferraz para o hotel do Juquinha, somaram-se cerca de 80 que voltaram das penitenciarias de Três Corações, Unaí e Juiz de Fora onde estavam por motivos de segurança. Sem contar que neste período, em 2008 e2011, a APAC desafogou o ‘caldeirão’ em mais de 200 condenados que se tornaram “recuperandos” pupilos de Mario Otoboni.

Nos afastamos do assunto drogas? Não. Estávamos apenas pintando o quadro. Dos 70 presos em 2000, menos de 30% eram usuários e traficantes de drogas. Nos últimos dez anos inverteu. Hoje mais de 70% por cento são traficantes ou furtaram para sustentar o vicio. E não podemos esquecer que neste ínterim, o uso de drogas foi descriminalizado. Usar drogas deixou de ser crime apenado com privação de liberdade.

Chegamos a este ponto, porque, entre outras razões, enquanto o trafico viaja na velocidade de uma pedra de crack no cérebro, a prevenção e combate policial viajam na velocidade de um guaraná tubaina.

Há dez anos a Delegacia Regional de Policia Civil de Pouso Alegre, tinha uma equipe de três detetives para investigar apenas trafico de drogas. Hoje tem uma equipe de dois agentes!!! Dá para acompanhar o galope?

Na contra mão, os traficantes estão “terceirizando”. Como  sabemos o garotão que ainda não completou 18 aninhos é inimputável e não pode ser preso. Mas pode levar de um lado para outro os ‘fininhos’ da erva maldita ou os ‘patuazinhos’ da pedra bege fedorenta. O Maximo que a policia pode fazer com ele é levá-lo para a delegacia, enriquecer seu dossiê – que é deletado quando ele completar 18 anos – e devolve-lo ao conselho tutelar se a mãe desacorçoada não puder comparecer à delegacia.

Dezenas dos hospedes do Hotel do Juquinha, são “meninos que vi crescer”… fazendo aviãozinho de drogas, especialmente no bairro São Geraldo, o velho Aterrado – rebatizado atualmente de “Texas” e outros cantos de Pouso Alegre. Em Passos, a bela Passos, margeada pelo Lago de Furnas, com cerca de 100 mil habitantes, distribuição de drogas, furtos e roubos de carros e motos campeiam soltos. Tivemos 46 assassinatos ano passado, mais de 40 motivados por drogas, metade deles envolvendo “dimenor”. O primeiro homicídio de 2012 aconteceu neste domingo. Um garoto de 14 anos matou o padrasto com quatro tiros na cabeça e fugiu com outros dois delinqüentes juvenis num carro roubado.

A ‘micro empresa’ de aviõezinhos se expandiu tanto que virou pelos menos, mini empresa. Agora não estão mais distribuindo na rua. Montaram barracos para distribuir a droga.

Atendendo a denuncias de ‘amigos ocultos da lei’, todos os dias a policia militar sacode um barraco no velho Aterrado e apreende pequenas quantidades de crack, maconha e cocaína mocosadas em quintais, no congelador, na espuma do colchão ou não tão escondida assim, afinal, os comerciantes da droga encontrados nos muquifos são quase sempre garotos – e garotas – de 14 a 17 anos. Não são alcançados pela lei 11.343, portanto recebem apenas um puxão de orelha e no dia seguinte voltam para o ‘trabalho’.

É…. o trafico de drogas está baixando….. de faixa etária.

“Meninos que vi crescer” – Renê Cabinho… Perdido na curva do rio

Quando o plantonista abriu a porta da delegacia de policia naquela manha gelada de julho de 2001, uma senhora cafuza, de meia idade, ligeiramente obesa entrou levando pelo braço uma adolescente, que a julgar pela cor dos olhos e expressão do rosto, havia passado a noite em claro. Timidamente ela disse que queria registrar queixa de desaparecimento. Julio, seu filho de 17 anos havia saido de casa no domingo à tarde para andar de bicicleta com amigos, segundo ele, e até então não voltara para casa e nem dera noticias.

Ao receber a copia do B.O. com uma fotografia do garoto moreno, robusto e sorridente levei a senhora chorosa para a Inspetoria de Detetives e em poucos minutos eu sabia quase tanto quanto sua mae sobre sua vida. Era bom filho, bom estudante, bom funcionario da bicicletaria do Laercio Amaral no Aterrado, não sofria de nenhum disturbio mental, não era sequestrável, não tinha inimigos, tinha poucos amigos e nenhum deles tinha envolvimento com drogas. Onde estaria Julio?

A mae e a irma do desaparecido foram embora  deixando para tras um completo dossiê, desconsoladas, pois acreditavam que a policia sabia de tudo que acontecia de errado na cidade. Tinham ao menos um alento; Julio não estava preso e nem num leito de hospital ou gaveta fria do IML.

Ligaram no final da tarde, querendo noticias do filho ou sobre o andamento das investigações. No dia seguinte abriram a delegacia novamente. Traziam à tiracolo uma senhora mulata também de meia idade que dizia ser vidente. Mãe e irmã estavam ainda mais chorosas e tristes… por causa das visões e pressagios da vidente. Segundo ela, Julio havia sido assassinado e seu corpo jazia com certeza numa baixada, na beira de um rio, provavelmente atras de uma construção que parecia ser um tosco rancho de pescador.

Aqueles dias, nossa prancheta de O.S. sobre furtos praticados por menores, brigas de marido e mulher, brigas de pés-de-cana, estelionatos e outros crimes sem status, todos pertinentes à nossa ‘equipe de dois’, eu e Fernando Jardim, chefiados pela Delegada Ines Xavier e pelo delegado Edson Vieira, não saiu do armario. Todo nosso tempo de manhã à noite era dedicado ao “Caso Julio”.  Juntou-se a nós o detetive Roberto, que tinha estreita amizade com um amigo da familia do sumido. Se o corpo do jovem adolescente estava na beira de um rio, ribeirão ou corrego, nós os achariamos. Vasculhamos varios trechos das margens do velho Mandu, descemos o Sapucaí da Faisqueira ao Vitorinos, rumanos para o Cervo. Parecíamos Fernão Dias Paes Leme e seus Bandeirantes chapeludos desbravando e mapeando rios… e nada de encontrar Julio. Quanto mais procurávamos sem sucesso, mais a mulata vidente garantia que o bicicleteiro estava morto na beira do rio. Na quinta feira avançamos o horario de almoço checando pistas, informações e visões mediúnicas nas quais nem sempre acreditávamos mas que não podiam ser descartadas e só paramos por volta de quatro da tarde para fazer o relatorio. Cansados, sujos, rasgados, esfomeados, desacorçoados, estavamos desistindo de encontrar o corpo do jovem.

Eram cinco e vinte e cinco da tarde quando o radio da viatura chiou e ouvimos a central chamar;

– Atenção perito de plantão, está em QAP? Encontro de cadaver no aterrado…

Não era preciso ouvir mais nada. Tinhamos certeza… era o nosso morto!!! Chegamos ao local em poucos minutos. Apesar disso, como o dia mais curto do ano se dera como de praxe, no dia 24 de junho, ha menos de duas semanas, tão logo o sol se punha às cinco e doze da tarde, a penumbra começava cair. Seis da tarde no inverno é noite fechada. Muito antes das seis estavamos na margem do velho Mandu, numa faixa de terra de tres ou quatro metros entre o rio o muro do predio do Sesi. Entre os galhos finos e duros de uma daquelas espevitadas arvores ribeirinhas, curvado e com a cara inchada enfiada na mistura de terra com areia de rio, começando juntar formiga, sob a luz tenue da lanterna, estava o corpo do adolescente que tanto procuramos naqueles quatro dias. A vidente estava certa. Ele estava mesmo na beira…

Para continuar lendo essa historia, acesse “www.meninosquevicrescer.com.br”…

 

 

O Misterio do Coisa Ruim da Borda

       Olá… Feliz ano novo.

       Que a benção de Deus Pai criador caia sobre voce, meu estimado leitor e que seu filho, nosso irmão Jesus, continue a iluminar seu caminho e guiar seus passos. Que Ele te dê força, perseverança e sabedoria para vencer seus desafios com seu trabalho digno e honrado, sem derrotar ninguem. Amém.

       Como o leitor deve ter percebido, estou ausente do meu ‘habitat’, longe de casa, alheio aos fatos cotidianos. Mas, mesmo sem novidades no blog, os leitores continuam acessando… Por isso eu também resolvi dar-lhes um presente, que na verdade eu vinha guardando a sete chaves para o meu ‘primeiro livro’… Uma das melhores historias da serie “Meninos que vi crescer”; ‘O Misterio do Coisa Ruim da Borda’, exaustivamente investigada e escrita no final de 2009 e inicio de 2010, com fotografias do ‘palco’ do Chiquinho da Borda tiradas na semana passada.

      Boa leitura.

O mistério do Coisa Ruim da Borda

O Morro dos Cães uivantes

E os anjos e demônios nossos de cada dia

       Parei meu carro na praça ao lado da jovem Basílica de Nossa Senhora do Carmo – jovem no titulo de Basílica a que foi elevada em 2005, pois a majestosa construção tem varias décadas. Foi concluída em 1954 – as duas e meia da tarde quente de sábado e desci. Entrei na primeira loja que vi aberta. Completamente vazia. Um rapaz e uma moça estavam de frente um para o outro acertando contas, com papeis, dinheiro e anotações sobre o balcão. Cumprimentei-os e antes que eu dissesse mais alguma palavra, do nada surgiu uma vendedora, abriu um sorriso ligeiramente forçado e perguntou delicada; “Posso ajudar”? Com um leve pigarro, esbocei também um sorriso de boca fechada, esperei propositalmente o ponteiro do relógio caminhar alguns segundos e respondi perguntando; “ O que vocês me contam sobre o ‘Coisa Ruim da Borda’”? Uma bomba teria causado menos impacto. Os três olharam ao mesmo tempo para mim, olharam um para o outro, olharam de novo para mim cada um tentando formular uma resposta ou uma pergunta. Eu já havia chamado a atenção necessária, desisti da maldade e acrescentei; “Desculpe… eu sou colunista policial em Pouso Alegre e estou aqui investigando a historia do tal Coisa Ruim da Borda, para publicar em minha coluna e no meu blog”. Soltando a respiração, cada um dos três tentou falar ao mesmo tempo, para dizer que nada sabiam a respeito. Uma das jovens tinha ‘ouvido falar há muito tempo’. A outra disse que seu ‘pai contava uma historia dessas’ mas ela não se interessara ou não se lembrava. O rapaz já refeito do susto disse que ‘talvez o padre ou o sacristão ali do lado soubesse alguma coisa’ e recomeçou a contagem perdida das cédulas sobre o balcão. Eu estava começando desvendar o mistério do Coisa Ruim ou Capeta da Borda.

Ao ver que as portas da Basílica estavam fechadas segui pela mesma calçada da loja em direção à Casa Paroquial. Na esquina havia um senhor septuagenário sentado no portal térreo de um sobradinho aproveitando a sombra da Basílica e eu não fiz cerimônia; pedi licença, sentei-me ao seu lado e puxei prosa. Mas poupei-lhe o susto. Antes de entrar no assunto que me interessava eu disse quem eu era e o que queria. O simpático e desembaraçado velhinho contou-me tudo que sabia – o que não era muito – realidade e folclore. Foi ali, vendo o tempo mudar e uma cortina branca despencando sobre o Distrito do Sertãozinho, se aproximando da cidade, que eu soube que o Coisa Ruim da Borda nunca passou da “Ponte de Pedra” e que se voltasse para a fazenda de onde foi expulso seria chamado de “Coisa Ruim de Tocos do Mogi”. Depois do solícito velhinho, cheguei ao muro da Casa Paroquial, mas o sacristão, zelador, camareiro ou mordomo dos padres não se deu o trabalho de falar pessoalmente comigo. Usou o frio interfone para informar que não havia padres em casa, mas que talvez eu conseguisse receber a benção de um deles no Centro Pastoral ou na igreja, na missa da cinco.

Cheguei com três beatas bem maduras ao Centro Pastoral. Uma delas até quis falar alguma coisa sobre o tal capeta, mas quando a outra mais acanhada e desconfiada descobriu que algumas pessoas já estavam reunidas nos fundos do Centro, elas me deixaram falando sozinho. No ponto de táxi, agora sob os primeiros pingos grossos de uma chuva que se espalhou e não banhou a cidade, devolvendo o sol forte a todo o município em poucos minutos, enriqueci bastante o dossiê do Coisa Ruim e sua saga e levantei nomes de pessoas que poderiam me dar muitos capítulos de sua historia. Com menos de duas horas de investigação na cidade do grande desportista Rogerinho Medeiros, eu já poderia desvendar e escrever quase todo o mistério do Coisa Ruim. Mas, não teria graça nenhuma se não conhecesse o palco de sua exibição e não sentisse seu bafo quente em minha nuca. Por isso só deixei a cidade no apagar das luzes do astro rei, depois de visitar o sombrio casarão do alto da colina, na estrada que vai para Bom Repouso, onde precisei segurar com força minha cruzinha dourada no peito e quase cair numa vala da estrada em obras, para desviar de um fusca velho que se jogou de porta aberta sobre mim numa descida.

Bem, antes de prosseguir com esta historia cheia de controversas, tabus, superlativos, perturbação do sossego, folclore e muito medo, para melhor entendimento do leitor e evitar a incansável repetição do termo Coisa Ruim da Borda – que pode acabar assustando alguma criança – batizemos personagens e locais desta historia arrepiante e até aqui mal contada. O palco das exibições do chifrudo, tinhoso, bode velho, saci ou simplesmente Espírito Brincalhão chamaremos de ‘Colina ou Morro dos Cães Uivantes’ – Não confundir com o clássico “O Morro dos Ventos Uivantes de Emily Bronté – O fazendeiro que fez o pacto com o espírito perturbado será chamado de “Portuga”, homenageando sua origem além-mar, o pá. A jovem noiva prometida chamaremos apenas de “Donzela”. O irmão dela, único remanescente vivo da família, testemunha ocular e auditiva da macabra historia chamaremos pela inicial de seu nome,  “R.”. O “dito cujo” já tem nome. Muito além das cercanias da Borda as pessoas que ouviram, mesmo que por alto sua historia, já sabiam que ele se chamava “Chiquinho”. Ele próprio se apresentou ao seu anfitrião com este epíteto carinhoso quando veio buscar sua donzela prometida, em 1953.

Bom, agora que nos tornamos mais íntimos, vamos falar francamente; “…Que atire a primeira pedra….” quem nunca viu o capeta!!! Ora, ora, ora, todos já vimos e cada um de nós o pintamos de acordo com nossa conveniência. Eu já estive cara a cara ou ‘costas à cara’ – Sua principal característica é a traição – com ele inúmeras vezes. Apesar de conhecer ‘an passant’ a historia do Coisa Ruim da Borda, só na capital do pijama esbarrei neles umas quatro vezes.

A primeira vez foi em 1970. Eu estava no forro da casa do Sr. Jairo, no bairro Santa Rita, para continuar lendo essa historia, acesse ‘www.meninosquevicrescer.com.br’!

Gô… e as cinco toneladas de maconha

                          

                                               MENINOS QUE VI CRESCER

       O leitor atento logo vai perceber que esta historia tem dois “Meninos que vi crescer”, cada um seguindo um rumo diferente. Cada um de um lado da lei. Conheço ambos quase desde as fraldas. O primeiro na verdade vi nascer. Estava lá quando ele deu os primeiros passos e quando pronunciou meu nome engolindo o “r” e o “n”. Mostrei-lhe a paixão e ensinei os primeiros toques na bola. No final da adolescência, quando precisou definir-se profissionalmente, de tanto ouvir minhas historias acabou seguindo meus passos. É claro que em tudo me deixou no chinelo…

       O segundo nasceu cinco anos mais tarde. Não acompanhei seus passos tão de perto, mas seu avô acompanhou os meus. Vendi milhares de picolés feitos por ele. Tinha o melhor picolé e o melhor frango assado da cidade, além de paciência, educação e bom humor para atender sua eclética e vasta clientela em grande parte formada por policiais. Durante décadas não houve um só policial civil que não encostasse a barriga no balcão do apertado bar do Waguinho ou ‘seu Wagner’ para tomar uma loira gelada ou cangibrina com o tradicional frango assado.

      Nascido em 1978, foi neste ambiente que o Gô, cresceu. Na verdade, ainda na primeira infância sofreu uma grande perda que talvez tenha sido o diferencial de sua vida. Ao parar seu caminhão para abastecer a ‘burrica’ numa mina d’água, na beira da Fernão Dias, próximo a Extrema, seu pai, experiente caminhoneiro recebeu quatro tiros à queima roupa nas costas. Morreu no local. Nunca se soube quem fora o autor dos disparos.

       A orfandade não impediu Gô de traçar seu próprio destino e seguir seu caminho pautado no exemplo dos tios, primos e avós, todos honrados e bem quistos. Mas, andar na contra-mão parecia ser mais emocionante ou quem sabe mais fácil do que enfrentar os desafios de uma vida profícua e regrada. Gô, ao contrario dos irmãos, era de poucas palavras. Morando no meio do meu trajeto para o trabalho, nos víamos e nos cumprimentávamos todos os dias… apenas com o olhar. Até que ele passou a definir suas companhias, não muito ‘sociáveis’ e se tornou ainda mais arredio e distante.

         Embora se conhecessem, tenham estudado no mesmo colégio e fossem quase vizinhos, os caminhos de nossos dois personagens só se cruzaram em 2000. E cruzaram literalmente porque seguiam em direções opostas. Naquele ano foi criada a Delegacia Especializada de Repressão ao trafico de Entorpecentes, chefiada pelo delegado Antonio Camillo. Compunha a equipe os veteranos detetives Tiãozinho, Tomaz, Roberto e o jovem Teobaldo…

    As primeiras investigações da nova equipe indicavam que um jovem desfilava sorrateiramente pela avenida Dr. João Beraldo, desde a Duque de Caxias até a Faculdade de Direito, distribuindo a erva marvada. Não tardou para Teobaldo identificar o traficante formiguinha como sendo Gô, neto do Waguinho.

      Ja por aquela ocasião, o primeiro personagem desta historia, com quatro anos de policia, apesar de atuar em todas as linhas de investigação, parecia ter escolhido sua preferida; o trafico de drogas. Informações sobre trafico e traficantes sempre caíram de pára-quedas em sua prancheta. Gô passou a freqüentar a primeira pagina. Ele estava fazendo apenas seu trabalho profissional, jurado no ato de posse na carreira policial, mas os desafetos de Gô achavam que eles tinham alguma rusga pessoal por isso as informações choviam de graça e o jovem Gô começou receber visitas inesperadas de policiais em sua casa, autorizadas pelo homem da capa preta com base nos levantamentos policiais de Teobaldo. Uma destas buscas foi realizada simultaneamente em dois endereços. Na residência de Gô onde ele mantinha coisa pouca, apenas para pronta entrega e no ‘mocó’ do João Onça, um velho homicida egresso do velho hotel da Silvestre Ferraz que adquiriu o habito da fumacinha quando lá esteve hospedado.

       A residência de João Onça na Rua do Arame era o que havia de mais genuíno esconderijo para drogas. Um casebre de portas e janelas de madeira e paredes caindo aos pedaços e um quintal que bem poderia ser chamado de mini-floresta, com bananeiras, amoreiras, ameixeiras, abacateiros, pés de inhame, batata doce, erva cidreira, comigo-ninguem-pode, espadas de São Jorge e outros bichos. Tudo crescendo e caindo ao deus-dará, sem cuidados, pois o tempo do velho e soturno João Onça, quando não estava abraçado com a velha katia…ça nalgum boteco copo-sujo nas cercanias do mercadão, era destinado a distribuir a erva nas imediações da Tijuca. Seu quintal parecia uma floresta… abandonada. A visita ao pé da manhã pegou João Onça ainda de cuecas samba-canção de brim amarrotado e com o bafo característico. Como ele nunca foi hospitaleiro com os homens da lei, foi necessário chamar o lobo mau para abrir sua porta no bico da botina. Dentro do muquifo – este adjetivo foi criado especialmente para definir o interior da toca do Onça – em meio a roupas sujas jogadas pelo chão, panelas engorduradas, restos de comida embolorados, moveis sujos e quebrados e teias de aranha conseguimos localizar duas barangas de cannabis. Vasculhado o casebre, nos enchemos de coragem e passamos à grande aventura de desbravar a selva que há anos não sentia a lamina fria e afiada de uma enxada, machado ou facão tentando encontrar a droga ‘dada’ pelo informante. Não encontramos sucuris, jibóias, javalis, antas, tigres, onças ou rinocerontes e muito menos os tijolos de maconha que poderiam estar enterrados em qualquer local da vasta selva ha muito intocada até mesmo pelo dono João Onça que tinha medo de desbravá-la.

       Na residência de Gô, na João Beraldo, os colegas localizaram sem muito forrobodó uma pequena porção da erva, que o menino que vi crescer logo se apressou em dizer que era para uso próprio. Assinou seu primeiro 16 e foi liberado, mas deixou sua fotografia para posteridade no álbum da policia.

       Apesar de escaldado, Gô já estava por demais envolvido com o trafico e não fecharia seu comercio nunca mais. Dias depois da investida em sua casa, um amigo oculto da lei ligou para a DP na hora do almoço informando que naquele momento ele estava indo fazer uma entrega perto das Carmelitas, num Uno Vermelho. Hora de almoço é hora sagrada de funcionário publico almoçar. A menos que seja policial – com ‘p’ maiúsculo – e um crime estejaem andamento. Aoreceber a informação Teobaldo laçou o primeiro colega que encontrou e foram interceptar a entrega da droga. Era uma entrega pequena, mas se encaixava no ‘verbo traficar’, no entanto Gô assinou apenas o 16. E assinaria outros tantos nos anos seguintes até o homem da capa preta resolver tirá-lo de cena, decretando suas férias forçadas no velho hotel da Silvestre Ferraz.

        Como a pena era para ser cumprida no Regime Semi-berto, o moço foi direto para a APAC, onde só cumpre pena quem quer zerar seu debito com a justiça. Quem não quer pula o muro sem vigilância e vai embora. O menino que vi crescer me olhando atento e ressabiado, estava crescendo no ramo do trafico. Cuidar de jardins, hortas, plantação de milho, café, feijão, criar porcos, galinhas ou coelhos e a noite ouvir palestras e sermões não era sua praia e atrasaria os promissores negócios de Gô, por isso ele dispensou os conselhos do Padre Mario e demais voluntários da APAC, pulou o muro e caiu na estrada. Se o objetivo do homem da capa preta era tirá-lo de cena, ainda que por linhas tortas, Gô tratou de escrevê-lo. Saiu de cena e baixou as cortinas. Por um bom tempo sua avantajada silhueta não foi mais vista e seu curto nome não foi ouvido. Até que….

        Contrariando a lógica do andar da carruagem, as investigações sobre o famigerado trafico de drogas, que aumenta a cada dia, restringiu-se basicamente a uma dupla de campo, um detetive na Inteligência e um delegado que os coordenava. O ‘Hucht’ da dupla manduana Starsky & Hucht era o impetuoso, apaixonado e sempre disponível Fabio Balca. Com ele Teobaldo mandaria muitos distribuidores de erva marvada, pedra bege fedorenta e farinha do capeta para o piano do delegado Gilson Baldassari.

      Em 2007 um valioso informante deu uma rica fita. Quase toda droga consumidaem Pouso Alegree região, passava pelas mãos de um traficante, sem nome, do interior paulista. Esta informação levou os pupilos do delegado Gilson a apreender quase 80 quilos de drogas em três operações diferentes em poucos dias. Com o traficante Rodrigo Vieira Mazzoni, o FOCA, foram 4 quilos de maconha e 1 de cocaína, quando ele chegava à rodoviária de Pouso Alegre no ônibus da Gardênia, vindo de Campinas. Aliás, o Foca não se adaptou à secura do velho hotel da Silvestre Ferraz e vazou pelo ‘tatu’. Mas como a maré não estava para foca, ele tornou a cair nas malhas da leiem São Joãoda Boa Vista duas semanas depois e lá se adaptou muito bem… ‘não quis mais sair’. Ainda por conta da mesma informação sobre o ‘poderoso’ e misterioso distribuidor do interior paulista, Teobaldo, Balca e equipe prenderam Junior Cesar do Prado, o BABI, em Congonhal, com 50 quilos da erva. Como um assunto puxa outro, dois dias depois foi a vez de Eliel Moises Romeiro e Benedito Benê entregar a ‘rapadura’… Eles também chegavam de viagem trazendo na mochila 25 quilos de erva e um trezoitão quando receberam as boas vindas dos detetives.

        Toda esta droga vinha da mesma fonte, na cidade de Mogi-Guaçu, de um distribuidor até então sem nome e sem rosto.  Além de enfrentar as dificuldades de procurar o fio da meada como se procura agulha num palheiro, Teobaldo e Balca tinham que enfrentar a desconfiança dos colegas e da chefia, pois passavam meses sem digitar um relatório. Até que o nome do poderoso traficante que abastecia a região surgiu no fim do túnel: Gô. O velho Gô, da João Beraldo, neto do Waguinho, fujão da Apac. O menino que vi crescer era agora um poderoso traficante. Foi um alento descobrir o nome, mas a localização, o deposito da mer…cadoria ou a rota do transporte continuavam um mistério. Mas…. Deus ajuda quem cedo madruga. No caso de Teobaldo e Balca, o velho ditado era um ‘modus vivendi’ ou ‘modus trabalhandi’. Viviam para trabalhar. Não tinha dia ou hora. Toda informação tinha que ser checada quando chegava, ao meio dia, à meia noite ou às quatro da manha, de segunda, de domingo, de feriado, à pé, de bicicleta ou em carro particular. E o salário, – e o reconhecimento – ó…. 

       A recompensa veio da maneira mais inesperada, numa madrugada morna de novembro. Para contar ao leitor como Teobaldo recebeu a mais bombástica das informações, a informação dos sonhos, é preciso abrir um parêntese na narrativa e voltar no tempo.

      Estava eu debruçado sobre um jornal atrás do balcão na recepção da velha delegacia às nove e meia da noite, quando ouvi uma voz tênue de criança dizer:

– Aqui está a bolsa da moça… tá tudo aí dentro!!

      Levantei os olhos do jornal e vi sobre o balcão uma bolsa feminina, mas não vi ninguém. Levantei-me lentamente para olhar atrás do balcão de mármore de um metro e vinte de altura, já pensando em assombração e lá estava o dono da tímida voz… Um garotinho franzino, de camiseta, calça larga cortada pela canela e pés no chão. Era mais baixo que o balcão, tinha 9 anos e seu nome era Pépinho ou Pepinha. Ele tornou a falar:

– Pode olhar moço, ‘tá tudo ai dentro…  

      Sentados no banco de madeira diariamente lustrados por policiais e meliantes na recepção, ao meu lado, o garotinho trocou em miúdos a historia da bolsa com “tudo aí dentro”. Estavam, ele e outros dois colegas mendigando no semáforo da Vicente Simões, quando uma senhora baixou a janela do carro e pegou a tal bolsa para dar-lhes uma moeda. Um dos amigos – da onça – pegou a bolsa e saiu correndo em direção ao Aterrado. Com medo de ser também acusado do assalto, Pepinho saiu correndo atrás e se enfiaram lá por trás do pátio do Freitas onde a policia não tardou a vasculhar. Pepinho, no entanto era apenas um menino de rua, não um ladrão, por isso tomou a bolsa do colega e foi devolvê-la na delegacia. Quando a PM chegou para entregar-me o B.O. sobre o roubo, uma hora mais tarde, a dona da bolsa ja estava indo embora com o caso resolvido.

       Pepinho ou Pepinha, no entanto não se resolveu. Devolveu a bolsa que o amigo havia surrupiado, mas nunca mais devolveu as que ele próprio surrupiou. Como tinha apenas 09 anos, tornou-se cliente assíduo do Conselho Tutelar. Numa destas audiências de puxões de orelha, em meados de novembro de 2007, aproveitando um pequeno vacilo, o mini-delinquente passou a mãozinha leve e sujinha no celular da conselheira que o atendia e saiu de fininho. Seria apenas mais um furto corriqueiro de celular como dezenas que ocorrem todo dia na cidade. Este, no entanto pertencia à conselheira Poliana Teobaldo. Depois de ter mandado dezenas de meliantes para o xilindró, Teobaldo não descansaria enquanto não pusesse as mãos no larapio do celular da esposa.

      Numa madrugada fresca de sexta feira, perto do raiar do dia, quando estava trabalhando de segurança particular numa danceteria do Esplanada, um dos seus muitos informantes deu a fita: seu aparelhinho fora trocado por uma pedrinha bege fedorenta e estava sendo usado pelo ‘formiguinha’ Darinho, no velho Aterrado. Antes de a ultima estrela da madrugada se deitar nos braços do Cristo no alto do morro do Horto, em meio à penumbra da noite, Teobaldo e Poliana estavam vasculhando o Aterrado atrás do celular – isso eu não ensinei a ele… porque eu não teria coragem de fazer –  e aí o outro ditado popular entrou em cena: “pássaro madrugador, pega as melhores minhocas”… O aparelhinho fujão, que havia ficado vários dias em mãos do traficante Darinho, ja havia se acostumado aos assuntos inerentes à atividade do novo dono, de repente tocou!! Pasmem meus estimados leitores, era um traficante trocando informação sobre???? Trafico…!!! E que informação!!! Naquele momento, ainda na maior boca de fumo da região, Teobaldo ficou sabendo que uma tonelada de maconha estava cruzando o sul de minas com destino ao Rio de Janeiro e faria uma escala em Caxambu para deixar uma parte para o traficante… Gô!!! A carreta com placas do Paraná iria descarregar a droga num sitio no Circuito das Aguas.

        Quando o sol mostrou os bigodes, depois de ter passado a noite toda em claro, Teobaldo estava na porta da delegacia tentando montar uma equipe para procurar a droga. O primeiro a abraçar a causa foi o fiel escudeiro Balca. Depois vieram o detetive Juleel, que estava saindo do plantão noturno, o escrivão Edgar que ja nasceu talhado para ser policial – e dos bons – também deixando o plantão, o Inspetor Batista que sempre acreditou nos seus comandados e o delegado Gilson Baldassari, chefe da Especializada. Todos tiveram tempo de sobra para se preparar para a mega-operação: cinco minutos. E saíram, seis policiais mal-dormidos e uma ‘bate-pau’, em duas viaturas à procura de uma carreta com placas de uma cidade qualquer do Paraná, que poderia estar levando uma tonelada de maconha. Tinha mais uma pista ouvida no celular cagueta: Um gol branco poderia estar por perto escoltando a carreta. Um grupo entrou pelo Circuito das Aguas, outro foi por Três Corações e entrou pelo circuito das drogas, quero dizer, por São Tome das Letras. Foram se encontrar cansados e borocoxôs em Baependi, sem nem o cheiro da erva maldita.

        Mas policial ‘brasileiro não desiste nunca’. Voltando para Caxambu avistaram um gol branco seguindo de perto um caminhãozinho baú. Cada grupo tratou de abordar um deles. Ao emparelhar com o gol, Teobaldo reconheceu ao volante a figura impoluta do seu velho ‘anfitrião de café da manha com drogas’…  Ha anos não se viam, mas nenhum deles havia mudado, nem na fisionomia, nem nas atividades. Era o menino Gô. Levava com ele no gol dois passageiros. Depois de alguns metros acelerando e praguejando na mira das pistolas, Gô encostou o veiculo. Era um ardil para ganhar tempo. Quando Balca saltou empunhando a metranca seguido de Juleel, Gô pisou fundo o acelerador, colocou o braço para fora e mandou bala na direção da viatura. Teobaldo que ja abrira a porta e Juleel revidaram e o gol continuou se afastando debaixo de balas. Quando parecia que iria sumir na curva da estrada, de repente passou reto, enfiou-se numa cerca de arame e parou. Chegaram rapidamente ao gol a tempo de segurar um dos passageiros que enroscara no arame farpado tentando fugir e outro fujão ja se enfiando num matagal. Gô estava quieto, imóvel atrás do volante, mudando de cor e de expressão facial. O que lhe restava de voz usou para maldizer seu eterno algoz. A bala, não se sabe de qual arma, se da pistola do Teobaldo ou Juleel, havia estilhaçado o vidro, o estofamento e se alojado na coluna vertebral do menino que vi crescer. Eu não o veria nunca mais. E a outra equipe? E a carreta com a droga? Gilson, Batista e Edgar haviam abordado o bauzinho, mas no momento que o motorista apresentava uma nota fiscal de café, Poliana os chamou pedindo apoio, contando do imbróglio de dois quilômetros adiante. Eles dispensaram o caminhãozinho com a suposta carga de café, sem vistoriá-lo. Podia ser mesmo café. Não ha nada melhor para disfarçar o cheiro da erva…

          Estava feita a merda!!! Um traficante foragido da Apac agonizando, baleado nas costas com um 38 ainda quente na mão, dois desconhecidos enroscados no arame farpado e cadê a droga da droga? Nem precisava ser uma tonelada. Um quilinho magrelo da erva maldita seria suficiente para salvar-lhes a pele. Sem a droga os dois policiais que atiraram no gol em fuga, ainda que debaixo de bala, estariam em maus lençóis. O que fazer? Bem, a primeira providencia era não deixar o ar já rarefeito de Gô parar de entrar em seus pulmões, por isso urgia levá-lo para o hospital de Caxambu. Mas tão importante quanto salvar a vida do traficante, era encontrar a carreta com a maldita droga para salvar suas carreiras. A pressa de salvar Gô foi bendita. Quando chegavam ao trevo de Caxambu avistaram uma carreta manobrando lentamente no posto de combustíveis pegando a BR 265, sentido Juiz de Fora. Tinha que ser ela. Abordaram os três ocupantes e foram informados que levavam uma carga de arroz do Paraná para o Rio de Janeiro. Estava tudo documentado. Ah, mas entre centenas de sacas de arroz bem que dava para camuflar algumas de maconha, dava não…? Dava. Dava sim. Ô, se dava, dava mesmo!! Tinha que dar. Teobaldo blefou. Sacou a pistola com os dedos sujos de sangue, encostou o cano ainda quente no bigode do motorista e advertiu com todas as letras:

– Perdeu mano… acabei de encher seu parceiro de balas no golzinho ali atrás. Ele está indo dar os últimos suspiros no hospital. Vai querer fazer companhia para ele….?

      O piloto da carreta e seus ‘chapas’ não eram traficantes contumazes. Eram ainda ‘mulas’. Com um bom advogado poderiam pegar apenas quatro anos e depois de um sexto da pena, pouco mais de um ano fechados, poderiam voltar para casa. Preferiram não conferir o blefe.

– … Tá no meio do arroz – disse o motorista tremendo, com a voz quase sumindo.

         “Tá no meio do arroz…”. Esta frase singela jamais será esquecida por aquele grupo de policiais famintos, cansados, apavorados naquela beira de estrada no trevo de Caxambu naquele inicio de tarde de 24 de novembro de 2007. Estava mesmo e iria longe. Viajaria até o Polo Norte daquele jeito se os esquimós fossem tão manés e fumassem maconha. À medida que as sacas de arroz iam se afastando os tijolos de cannabis sativa de Lineu iam aparecendo até chegar a um mil, dois mil, tres mil, quatro mil, cinco toneladas de maconha!!! Uma tonelada era a parte que Gô baldearia para o bauzinho de café e levaria para seu sitioem Mogi Guaçu, de onde distribuiria para Pouso Alegre e região. As outras quatro toneladas passariam por Juiz de Fora e iriam abastecer os morros cariocas. Ufa… Estava salva a operação. Faltava agora salvar a vida do traficante. Seria muito mais gratificante e menos complicado e constrangedor vê-lo passar uns quinze anos no hotel do Juquinha… do que não vê-lo nunca mais. Mas não deu. Gô, o menino que vi crescer agonizou na UTI durante seis meses e finalmente fechou os olhos.

     A mega operação que se desencadeou no final da madrugada através de um celular furtado da conselheira tutelar pelo franzino Pepinha, de 13 anos, resultou na apreensão de cinco toneladas de erva maldita, uma das maiores do Estado. Foi uma grande vitoria da policia no combate ao trafico de drogas, mas os policiais que sentiram o vento quente das azeitonas roçando suas orelhas antes daquela curva em Caxambu não colheram louros. Ao contrario. Receberam ‘olhares de cotovelos’ de alguns colegas de trabalho e de desconfiança dos parentes do traficante – afinal, parente é parente… – Os mais próximos encetaram uma investigação particular em busca de excessos dos policiais e só sossegaram depois de constatar que o trabuco encontrado ainda quente na mão tremula e moribunda de Gô pertencia a um traficante de Mogi Guaçu, com o qual ele tinha ligações.

       A maior apreensão de drogas do Sul de Minas não rendeu sequer uma promoção aos policiais que a realizaram, nem mesmo à dupla Teobaldo e Balca que durante meses vinha tentando desenrolar o fio da meada para chegar ao ‘todo poderoso’ do interior paulista e semana antes prendera vários de seus asseclas. Teobaldo ao menos recebeu uma homenagem da Câmara de Vereadores, o que não é grande coisa quando se trata de indicação política, pois tem policial que não faz mais do tocar corneta e também recebeu tal homenagem…

       Antiguidade e merecimento. Estes são os caminhos para um policial ser promovido dentro da carreira e engordar seu contracheque em meia dúzia de reais. No entanto, ‘merece’ promoção quem tem Q.I… Quem não tem padrinho morre pagão e espera dez anos na fila. Enquanto isso vai emendando o dia com a noite, horário de almoço com expediente em supermercados, danceterias e eventos noturnos para complementar o salário. Mas é bom… para o contribuinte. Quem sabe nestas noitadas não surge um Pepinha com um celular roubado… e mais uma tonelada de drogas e seus distribuidores caem nas malhas da lei….?

 

A historia de Valeria…. Vidas sem rumo….

      Vidas sem rumo destruídas pelas drogas…. Mas que podem dar rumo a outras vidas

      Desde que comecei publicar a serie “Meninos que vi crescer” no jornal Sul Mineiro em 2009, já foram quase trinta historias de final triste, envolvendo garotos que ao longo da trajetória de vida profissional vi, literalmente, crescer biologicamente… e definhar socialmente. Em poucas delas não convivi com o desafortunado e sua família.

      Na historia de “Monteiro e seus quase 40 ladrões do Bagdá”, não vi o robusto comerciante e chefe de cozinha crescer, mas perdi muito sono, quase perdi a matricula no curso de Direito e corri muito perigo na estrada e nas quebradas da noite para investigá-lo e colocá-lo atrás das grades.

      Em “A verdadeira historia do Beco do Crime”, voltei muitos anos ao passado entrevistando dezenas de pessoas que conviveram com o casal de jovens, pois também não conheci Jesus & Jacira, o casal “Romeu & Julieta”. Mas o romance Sheksperiano que terminou de forma macambúzia na travessa Joaquim Bernardes, nasceu e foi totalmente vivenciado na rua onde passaria, anos depois, os melhores momentos de minha infância. 

     Fernando da Gata é outro meliante que não vi crescer mas senti na pele o medo que ele inspirava nas pessoas e fiz seu velório na delegacia de Pouso Alegre.

     O Mistério do Coisa Ruim da Borda, que considero uma de minhas melhores historias, posso até ter presenciado, em outro corpo, mas não me lembro de ter estado lá. Para desvendar o mistério e escrever a historia, entrevistei dezenas de pessoas que viram o capeta há quase sessenta anos e visitei o local das diabruras e peraltices do “Chiquinho”. Aliás, em alguns momentos pude perceber a presença dele no velho casarão carcomido pelo tempo naquele alto de serra de Tocos do Mogi. Em todas as outras historias já publicadas e outras que ainda não passei para o papel, os personagens são reais, são meninos que vi crescer ao meu redor. Crescer e se perder nas sendas do crime. Exceto Valeria.

       A historia de Valeria, ouvi de sua tia Eugenia em Camanducaia. Ao ler o Blog do Airton Chips e ver a maneira descontraída e respeitosa de minhas narrativas, a enfermeira que ainda guardada o luto da sobrinha, contou-me sua historia pedindo que a transcrevesse. Contou-me apenas uma vez e ainda foi interrompida por um paciente que precisava de seus cuidados e um por amigo comum, que eu não via há mais de vinte anos. Esqueci de salvar o rascunho no notebook, mas curiosamente não esqueci a essência da historia. Pensei durante uma semana se valia a pena escrever sobre uma pessoa que eu não conheci.

        Os comentários e manifestações de apreço, tais como o de Jessica, prima de Valeria, “Se todos os casos como o de Valeria fossem divulgados as pessoas teriam mais informações sobre a triste realidade de como as drogas podem destruir uma família… Nós sabemos como isso é difícil, pois vimos a Valeria se acabar e sem poder fazer absolutamente nada…”, mostram que valeu a pena. A historia da garotinha que conheceu as drogas e entrou no mundo do crime pelas mãos do próprio pai alcoólatra aos nove anos de idade, infelizmente, é semelhante à de centenas de pessoas que se perdem ainda na infância ou adolescência, por falta de alguém para guiar-lhes pelo caminho do bem. Contar suas desventuras tem por objetivo alertar os jovens, seus pais e amigos para os malefícios da sedutora droga, mola propulsora da quase totalidade dos crimes que hoje levam milhares de jovens iludidos para os malcheirosos e funestos hotéis do contribuinte. E lembrar que neste momento, um amigo nosso, um parente, um vizinho, um filho… está precisando de uma mão firme, corajosa e amiga para orientá-lo. Se não a estendermos ele cairá no abismo….

 

Vem aí…. 5 toneladas de maconha!!!!!!!

       Que ‘droga’ de noticia é esta?…

        Seria uma mega-operação da policia que está em andamento…?

        Seria a soma das drogas aapreendidas pela policia de Minas Gerais nos ultimos 30 anos…?

        Será que o Godão está de volta trazendo esta droga para Santa Rita….?

        Afinal, que droga e esta? 5 toneladas de maconha dá para fazer cerca de 5 milhoes de  baseados. No varejo o traficante consegue arrecadar cerca de 5 milhoes de reais!!!! Dà para abastecer o sul de Minas uma semana inteira com cada cidadão queimando um baseado por dia…!!!!

         Espere, leitor. Breve  voce vai saber timtim por timtim aqui nesta pagina.  

Cazinha de morar se escreve com ‘s’…

       Casinha – substantivo comum –  de qualquer tipo, tamanho ou modelo, podem ser construidas de tijolos, pedras, madeira roliça ou serrada, de folhas de zinco, de latas de banha ou de tintas, de vidro, de bambu – Tonico & Tinoco e Os Tres Porquinhos construiram de palha – ou até mesmo de papelão. Mas para não fazer papelão diante dos leitores, só podem ser escritas com ‘s’… Apesar de casa pequena, via de regra, ser uma habitação humilde, ainda assim deve ser grafada com a grandeza do ‘S’. A menos que ‘cazinha’ seja – susbtantivo proprio – o nome de uma pessoa…. Pois foi exatamente isso que aconteceu na materia “ A Historia de Valeria…”.

      Quando Edvaldo Jaime Ferreira surgiu na Escolinha de Futebol do Carpinetti em Pouso Alegre, nos anos 80, balançando implacavelmente  as redes da Escolinha do Hailton Custodio, lembrava a impetuosidade do grande Casagrande, do Timão. Mas como ele era pequenininho, ganhou o apelido de “Cazinha”. A intimidade do garoto, nascido em 12-12-70 no Distrito do Pantano dos Rosas, com a bola, levou-o aos quatros cantos do Brasil e o nome Cazinha, com ‘z’ tornou para sempre intimo da midia.

       Ao contar a historia de insucessos da pequena Valeria, com o pensamento voltado para o atleta Cazinha… acabei misturando os passageiros, quero dizer, os moradores naquela ‘cazinha’ mal assombrada do norte do Paraná. Embora ‘milhares’ de internautas tenham lido a triste historia, parece que ninguem notou o ‘escorregão’ do portugues, ou pelos menos ninguem comentou no blog…

      Agora que corrigido está, lembre-se: Cazinha é meu amigo boleiro, socio do “Bar do Peixe” em Pouso Alegre, que ainda encanta a plateia quando veste a numero 9 e entra em campo. Casinha é um pequeno imovel habitado ou não por espiritos bons ou maus, que podem mudar o destino das pessoas, como aquela nos fundos do terreiro de macumba em Carlopolis, que mudou os destinos do casal João Batista e Vanderleia e seus 10 filhos, no Paraná.

A historia de Valeria…Como a falta de instrução, uma casinha mal-assombrada e a cachaça podem mudar o destino de uma familia!!!!

       Como todo cidadão do interior João Batista sonhava dar conforto e alegria para sua familia. Apesar do espirito aventureiro, era um homem serio, sisudo e conservador, daqueles que corrigem os filhos onde quer que esteja se eles fazem feiúra. Escola ele frequentou apenas o suficiente para aprender a ler e escrever, não o bastante para assumir uma carreira profissional estável, nem mesmo com mão de obra qualificada. Por isso, sem estudos e sem profissão definida, em 1993 João Batista, resolveu partir em busca de aventuras. Deixou sua pequena Camanducaia e foi parar em Carlopolis no norte do Paraná, levando a esposa e os tres filhos recem-saidos das fraldas.

     A bagagem era pequena, pouco mais do que malas de roupas, mas ia recheada de sonhos. Inicialmente teve sorte. Conseguiu um emprego de zelador num predio da cidadezinha de 13 mil habitantes banhada pela imensa represa artificial. Para morar, conseguiu de graça uma singela casinha mobiliada nos fundos de um Terreiro de Macumba em troca de cuidar do imovel. Mal sabia ele que aquele local ja era habitado e muito ‘mal habitado’ por sombras que somente permitiriam que eles morassem ali se ‘jogassem no seu time’. 

      Em pouco tempo a sisudez de João Batista deu lugar à irresponsabilidade e ele, até então abstemio, apaixonou-se perdidamente por Severina do Popote e entregou-se à bebida. Não tardou a perder o emprego de zelador. Como desgraça pouca é bobagem, à medida que a situação economica definhava, a prole aumentava. Desempregado, sem ter como sustentar a familia e sem dinheiro para voltar para Camanducaia onde deixara parentes, ele passou a pedir esmola pelas ruas. Sua esposa Vanderleia passou a ajudá-lo… a consumir o famigerado suco de gerereba. Agora, além de sustentar meia duzia de rebentos, todos na primeira infancia, tinha que sustentar também o vicio de ambos.  Precisava conseguir ajuda ao menos dos filhos. E conseguiu. A garotinha Valeria, que quando sairam de camanducaia era a filha do meio, tinha agora 9 anos e passou a ajudá-lo… a roubar. Não lembravam nem de longe a famosa dupla “Bonnie & Cleide”, mas formavam uma dupla quase perfeita. Valeria, pequenina, mirrada, mal nutrida, cabia perfeitamente em pequenos espaços e janelas de residencias. Ele proprio ajudava a filha passar pelas grades dos quintais e frestas de portas e janelas. Passaram a viver de pequenos furtos e daria até para fazer um pé de meia se Valeria não tivesse se apaixonado…. pela cannabis sativa de Linneu. Agora eram tres viciados em casa. E a familia continuava aumentando que nem coelho.

      Os sonhos de grandeza do casal João Batista/ Vanderleia, pelo menos num aspecto estava se realizando. Deixaram Camanducaia com tres filhos e mesmo em meio a derrocada moral conseguiram ter outros sete filhos na cidadezinha paranaense. Um deles morreu sem ver o mundo cruel dos pais. Certa manhã Vanderleia saiu de casa para mendigar levando numa sacolinha de plastico um dos filhos. No primeiro boteco que avistou deu um abraço na katia…ça. Depois da primeira dose, como sempre acontecia, perdeu a razão e a noção de quantidade e qualidade. Bebeu o resto do dia. No final da noite, uma alma caridosa ou curiosa que lhe deu umas moedas, mesmo sabendo que seriam trocadas por umas doses da Cangibrina, quis saber o que ela levava na sacolinha. Nem ela sabia mais. Quando o samaritano abriu a macambuzia sacolinha, lá estava o bebê. Palido, desnutrido, duro, frio, sem vida. O medico legista atestou apenas inanição mas não soube precisar quando ele parara de respirar. Talvez  no final da manhã. Vanderleia passara o dia inteiro carregando o caçulinha morto pela cidade sem se dar conta disso.

      Se Vanderleia assistia passivamente o definhar dos filhos, João Batista, não. Muito pelo contrario. Ele enfrentava até balas para defender os filhos, especialmente sua ‘parceira’ Valeria, que lhe garantia os trocados para a cachaça. Certa vez os homens da lei vieram buscar a adolescente, a mando do Juizado da Infancia e Juventude para interná-la em clinica de tratamento e João Batista escorou os homens da lei com um arfanjo. Foi necessario atirar em suas pernas para levar a pequena ladra ja viciada na pedra bege fedorenta.

      Depois de sucessivas audiencias no Conselho Tutelar e Juizado da Infancia, finalmente a justiça tirou as crianças do antro de perdição. Tres infantes foram mandados para adoção no estado do Mato Grosso e outros tres foram para Rondonia.

     Para se ver livre das deprimentes cenas de mendicancia, furtos e consumo exagerado de alcool que manchavam a acolhedora cidadezinha a Assistencia Social de Carlopolis ‘extraditou’ o restante da familia para Camanducaia. João Batista, depauperado moral e financeiramente voltou para ‘casa’ com a mulher e os mesmos tres filhos que levara. Voltou e trouxe a mala – Mala? Quando muito uma mochilinha!!! –  recheada dos vicios adquiridos naquela casinha nos fundos do “terreiro” de macumba de Carlopolis.

     Sem casa para morar, sem credito, sem saude e sem moral, o outrora sisudo João Batista ficou uns dias em casa de parentes mas não tardou a retomar a mendicancia, unica atividade cujos ‘requisitos’ preenchia. E seguiu capengando moral e fisicamente – a bala do policial em Carlopolis deixou sequela – até o ano passado quando o fígado não resistiu mais ao banho diario de suco de gerereba. Morreu tão pobre quanto os espiritos com os quais dividiu aquela casinha nos fundos do Centro Espirita lá em Carlopolis

      Vanderleia, apesar da degradação fisica e moral, aos quarenta anos, com aparencia de sessenta, ganhou um sopro de vida. Separada, por lei, dos filhos, separou-se do que restava da familia; o decrépito marido e foi viver em Joanópolis, logo depois da divida do Estado onde voltou a juntar os cobertores com um novo companheiro. Mas não conseguiu se desgarrar completamente da estonteante cangibrina.

      O filho mais velho que ja conhecia Severina  do Popote e a fumacinha do diabo, arrumou uma companhia feminina, que vem tentando mante-lo na linha – Mulher quase sempre endireita o homem – A caçula mineira teve melhor sorte… foi entregue para adoção a uma familia de Divinopolis.

        E Valeria?

       A jovem Valeria, apesar das marcas desregradas das drogas pelo corpo, ainda mantinha alguns atrativos fisicos e alguma experiencia no trafico. Não foi dificil conseguir ocupação – perniciosa – em Camanducaia. Em pouco tempo estava fazendo ‘programas’ na beira da Fernão Dias. A prostituição era complementada com a atividade de ‘mula’ do trafico. Sua casa era a rua, a estrada, muquifos de amigos, companhia de noias, mendigos…. Mesmo assim, apesar de não dar a minima para sua dignidade, Valeria defendia com unhas e dentes suas conquistas – Conquistas!?!?!? Esperneava e chorava quando o irmão lhe tomava as merrecas que ganhava na boléia de um caminhão, tendo que encarar um suado e mal-cheiroso caminhoneiro por dez reais ou quando o guampudo deixava de lhe pagar por um ‘aviaozinho’.

      Aos 19 anos deu a luz a um filho – que não teve nenhum pudor em entregar para adoção. Não teve mais porque implantou DIU para evitá-los. Mesmo sendo util ao trafico a vida não lhe sorriu. Apanhava até do irmão, o unico que ficou na cidade. E recebeu golpes de machado do padrastro nas poucas vezes que visitou a mãe. O que ela aprendeu na pequenina Carlopolis, foi só um aperitivo. Entregando drogas em Camanducaia, Cambui, Extrema, Bragança… Valeria conheceria todos os meandros do crime. Mas conhecê-los não lhe daria dinheiro, poder e nem mesmo status.

      Apesar da vida completamente desregrada, Valeria não era uma pessoa má. Vivia aquela vida porque não conhecera outra. Era fragil, carente, não tinha freios na boca e nem escolhia vocabulario.

 –“ Aquele safado tomou meus dez reais… Eu que ‘dei’ para o cara para ganhar, era meu…” – Se referindo ao irmão que vez por outra à ‘assaltava’, muito mais preocupado com o dinheiro do que com o que ela fazia para ganhá-lo. Em outra ocasião chegou ao Pronto Socorro da cidade toda esfolada e contou à tia enfermeira;

 – “Eu fui levar uma remessa para um nóia, quando cheguei lá, eram tres… Eu ja estava chapada. Eles me ‘comeram’, me bateram e me mandaram embora”. Quando voltei p’ra ‘biqueira’ sem o dinheiro e sem a droga, tomei outra surra…”.

      Usando e entregando a erva marvada, a pedra bege fedorenta e farinha do ‘capeta’, ela se aproximava a passos largos ‘dele’. Jamais passaria de um mulambo no crime. E foi assim que morreu.

     Numa noite fresca do dia 03 de outubro – as noites de Camanducaia são todas frescas, exceto as de inverno… que são geladas – Valeria consumiu sua ultima dose de suco de gerereba na companhia de mendigos e saiu pela estrada. Seu corpo foi encontrado na manhã seguinte, no trevo da cidade, com marcas de estrangulamento. A mãe ligou, de Joanopolis, para confirmar a noticia da morte da filha… dois dias depois do enterro´… bem menos concorrido do que o de Amy Winehouse.

     Foi assim, numa madrugada fria na beira da estrada, aos 25 anos, que terminou a saga da menininha que aos 09 anos de idade trocou a boneca pelos pequenos furtos na companhia do pai embriagado nas ruas da cidadezinha beira-lago do norte do Paraná. Se vivesse mais, certamente entraria para o folclore de Camanducaia, com seus rompantes de ‘brabeza’ desbocada, com seus momentos de ternura, com seu olhar carente dizendo; “Me leva p’ra casa… cuida de mim”…

     Dividir gratuitamente o espaço, com dezenas de espiritos perturbados, atrazados, desajustados e cachaceiros na casinha de meia-água nos fundos do ‘terreiro’ em Carlopolis, custou caro à familia de João Batista.

O tiroteio do policial com o bandido e o pescador de jóias

      A tarde se foi e a noite começou baixar lentamente seu véu. Tentando encontrar um local que lhe permitisse melhor visão do mato e de qualquer coisa que se movesse, o policial se levantou de arma em punho. Ao dar o primeiro passo ouviu passos a poucos metros dali. Parou e ordenou;

– “Quem está aí, pare ou eu atiro”. Nem o mestre Alfred Hithcock  colocaria tanto suspense em seus filmes. O vulto na penumbra parou. Parou os passos mas levantou o braço e neste instante dois disparos cortaram o espaço. O vulto caiu mas não esquentou o chão. Levantou-se e saiu correndo por entre as moitas de capim e assa-peixe. O policial correu alguns passos atrás. A noite pareceu baixar abruptamente seu manto negro e o vulto se misturou com os arbustos. Ele achou mais prudente se proteger e voltou a se jogar ao chão.

       Três meses depois daquela curta troca de tiros entre o policial e o facínora na beira do rio, um pescador voltava desconsolado para casa com o samburá vazio e a vara no ombro quando ao desviar de um galho de ingazeiro, avistou uma sacolinha pendurada na arvore. Como teria vindo parar ali? Alguém teria feito uma brincadeira. Teria sido obra da enchente que passara por ali no inicio do ano? Cutucou com a vara de pescar e de repente… cordões de ouro, anéis, pulseiras, brincos e outras jóias despencaram em sua cabeça.

     O que fazer com tanta jóia? Comprar um carro novo e levar a namorada ao cinema?  Levar para a delegacia….?

     Leia agora a terceira e ultima  – e mais longa – parte de “Os últimos dias de Fernando da Gata”