
Pepinha: – Aqui está a bolsa da moça… Tá tudo aí dentro!
Ouvi esta frase 2003. Foi o ultimo ato honesto do menino que vi crescer. Ele tinha ainda 9 anos!
Caiu no crespusculo chuvoso desta segunda o jovem Gilvan Pereira Vilela. Ele estava de bobeira nas imediações de sua casa no velho Aterrado quando os homens da lei resolveram abordá-lo e verificar o que ele levava na algibeira. Era pouca coisa. Duas barangas de Cannabis Sativa de Linneu, a popular maconha ou erva marvada, um aparelho celular novinho em folha e dez reais.
– Eu estava indo comprar arroz para o meu padrasto, Chips… O celular era da minha irmã para trocar na loja porque veio com defeito. A erva? Eu ia dar ‘uns tapas’ né, Chips…!? – Contou-me Pepinha sorrindo ao me reconhecer na porta do corró ao pezinho desta manhã!
Depois de posar para fotografia, com um largo – e bonito – sorriso Pepinha acrescentou:
– Não vai ‘zuar’ a gente no jornal não, hein Chips!!!
O que equivale a dizer: “Capricha na minha historia aí, Chips”!!!
Bem, não há muito que contar. Ele só tem 19 anos. Dos 9 aos 17 conheceu todos os conselheiros tutelares do municipio, tomou dezenas de puxões de orelhas do promotor e do juiz da infância e da juventude, conheceu varias clinicas de tratamento e recuperação, passou alguns dias acorrentado pela mãe para não ir p’ra rua usar drogas, até que completou 18 anos. Aí caiu e assinou seu primeiro 157 como gente grande!
Estava eu debruçado sobre um jornal atrás do balcão na recepção da velha delegacia às nove e meia da noite, quando ouvi uma voz tênue de criança dizer:
– Aqui está a bolsa da moça… tá tudo aí dentro!!
Levantei os olhos do jornal e vi sobre o balcão uma bolsa feminina, mas não vi ninguém. Levantei-me lentamente para olhar atrás do balcão de mármore de um metro e vinte de altura, já pensando em assombração! Lá estava o dono da tímida voz… Um garotinho franzino, de camiseta, calça larga cortada pela canela e pés no chão. Era mais baixo que o balcão. Tinha 9 anos e um apeldo que combinava com ele: Pepinha. Ele tornou a falar:
– Pode olhar moço, ‘tá’ tudo ai dentro…
Sentados no banco de madeira, diariamente lustrados por policiais e meliantes na recepção, ao meu lado, o garotinho trocou em miúdos a historia da bolsa com “tudo aí dentro”. Estavam, ele e outros dois colegas mendigando no semáforo da Vicente Simões, quando uma senhora baixou a janela do carro e pegou a tal bolsa para dar-lhes uma moeda. Um dos amigos – da onça – pegou a bolsa e saiu correndo em direção ao Aterrado. Com medo de ser também acusado do assalto, Pepinha saiu correndo atrás e se enfiaram lá por trás do pátio do Freitas onde a policia não tardou a vasculhar. Pepinha, no entanto era apenas um menino de rua, não um ladrão, por isso tomou a bolsa do colega e foi devolvê-la na delegacia. Quando a PM chegou para entregar-me o B.O. sobre o roubo, uma hora mais tarde, a dona da bolsa ja estava indo embora com o caso resolvido.
Pepinha ou Pepinho, no entanto, não se resolveu. Devolveu a bolsa que o amigo havia surrupiado, mas nunca mais devolveu as que ele próprio surrupiou. Como tinha apenas 09 anos, tornou-se cliente assíduo do Conselho Tutelar. Numa destas audiências de puxões de orelha, em meados de novembro de 2007, aproveitando um pequeno vacilo, o mini-delinquente passou a mãozinha leve e sujinha no celular da conselheira que o atendia e saiu de fininho. Seria apenas mais um furto corriqueiro de celular como dezenas que ocorrem todo dia na cidade. Este, no entanto pertencia à conselheira Poliana Teobaldo. Depois de ter mandado dezenas de meliantes para o xilindró, o detetive Teobaldo não descansaria enquanto não pusesse as mãos no larapio do celular da esposa. O desfecho desta historia sobre a caçada aoa celular da conselheira tutelar, o leitor poderá conhecer no post “Gô e as cinco toneladas de maconha” publicado neste blog no dia 11/11/2011.
A prisão de Pepinha no final da tarde desta segunda com duas barangas de maconha, lhe custaria apenas uma entrevista com Homem da Capa Preta que ele conhece tão bem e – mais – um puxão de orelha. No entanto ele está pedido há quatro meses.
– Eu fui condenado a 4 anos pelo roubo do ano passado. Faz quatro meses que eu saí de albergue e não voltei mais para o Hotel do Juquinha… Agora dancei né, Chips?
Dançou Gilvan “Pepinha” Perera Vilela, dançou… Como vem fazendo desde aquele dia em que devolveu a “bolsa com tudo dentro” na velha delegacia…!