Incêndio em maio de 2013
“Nos anos de 69 a 72, quando eu ainda trabalhava com biscates e estudava durante o dia, meu lazer era na Rua São Pedro. Ali se jogava futebol, bolinha de gude, soltava-se pipas e papagaios, carrinhos de rolemã e outras brincadeiras próprias de pré-adolescentes dos nove aos 13 anos, na época. Dali ou do alpendre da minha velha casa verde na esquina da Rua São João, toda tarde eu parava o que estivesse fazendo para assistir um espetáculo impar, maior! A chegada do trem puxado pela Maria Fumaça à estação!
Quando ela surgia lá atrás da velha igrejinha N.S. de Fátima, anunciada pelo estridente apito piuiiiii…piuiiiii… piuiiiii… todos parávamos para ver a chegada do trem na cidade. E seguíamos com o olhar apaixonado o cordão de fumaça que se levantava e se perdia no espaço, e os apitos intermitentes, até que a composição trazendo lenha, cimento, cavalo e outros bichos e gente nova parava na estação da Avenida Brasil com Dr. Lisboa.
Saudades de um tempo puro, bucólico e belo da infância! Saudades da velha Maria Fumaça!!! Fumaça que se perdeu no tempo… Fumaça que virou cinzas ao pé da noite desta quarta feira…
Com a extinção da linha férrea na cidade e região nos anos 80, alguns saudosistas, liderados pelo abnegado Joaquim Scarato tiveram a ideia de preservar ao menos um trecho da via para passeios turísticos e assim mostrar às futuras gerações um pouco desta historia. Vislumbrava-se aí a possibilidade de manter viva a historia do mais eficiente e barato meio de transporte do Brasil.
Como preservação da historia não faz parte das prioridades dos políticos brasileiros, – especialmente dos que não fazem parte da historia! – projeto caminhou, lento, muito mais lento do que a velha Maria Fumaça. Mas ficou quase pronto no final da década de 90. Com capacidade muito aquém do que era possível, muito aquém do merecido e esperado, o trem finalmente rangeu nos trilhos e fez alguns passeios em finais de semana em meados da década passada.
A partir de 2009 acabou a lenha da caldeira. Se o trem não saiu totalmente dos trilhos, pelo menos nunca mais deslizou por eles! E a estação que ficou velha quase sem ter sido usada ficou no abandono nas margens da BR 459 no velho bairro N.S.de Fátima, entregue a usuários de crack, de maconha e suco de gerereba disfarçados de ‘chapas’. O mato, a erosão natural, a ferrugem tomaram conta. A prefeitura deu a mesma resposta dada por ocasião dos buracos da Perimetral: “é competência do Estado…”! No caso da velha Maria Fumaça, é competência do “Iphan”! – A manutenção e reforma do meu quintal, do meu jardim, do meu sótão, também é competência do meu vizinho!!!
Os vagões estão como os Bombeiros deixaram ao debelar o incêndio ha dois anos…
Ao pé da noite desta quarta feira abafada, parece que o problema – que não é de ninguém! – seria resolvido! Do nada começou um incêndio na parte da frente do terceiro vagão. Justo aquele que está em frente a estação. Assim se destruiria inclusive o prédio de onde se faria o embarque e quem sabe as pilhas de dormentes que estão apodrecendo ao relento ao lado dos vagões! Só não contavam com a presteza dos Bombeiros. Eles chegaram em poucos minutos e controlaram as chamas que crepitavam solenes a vários metros de altura e destruiriam todos os vagões, a ‘Maria’ e o prédio…
Há quem diga que a água das mangueiras dos bombeiros atingiu o ‘chope’ de alguém! Será?
Recentemente a secretaria municipal de cultura recebeu verbas para acordar a velha Maria Fumaça, mas ela continuou dormindo!
O projeto cultural, histórico e saudosista sonhado, idealizado e colocado em pratica por Joaquim Scarato e seus pares, tem poucas chances de sobreviver. Ele nasceu com uma doença gravíssima, comum nos dias de hoje, porém gravíssima: a “síndrome do filho político”! Só vive enquanto o pai estiver no comando. Uma vez apeado do poder por qualquer razão, a obra se torna órfã…! O padrasto quer mais que o enteado se f…
– “Não vou criar filho dos outros, pensa o padrasto”!
– “Não vou valorizar obra do meu adversário, pensa o político”.
Foi assim com a quadra poliesportiva Julio Pereira Neto, no Bairro da Saúde – a primeira e única que realmente funcionou na cidade – construída pelo prefeito Simão Pedro em 1984. Os prefeitos posteriores faziam as reformas rotineiras sempre nas férias escolares, quando ela deveria ficar cheia de crianças e adolescentes em férias! O objetivo de reformar nas férias, talvez fosse para irritar os freqüentadores, pois a quadra, que tanta utilidade social tinha, não era “filha” deles! Foi totalmente destruída no final da década de 90 para dar lugar a uma rua, a três metros da outra paralela. Assim também tem sido com a estatua do Cristo na Serra do São João, construída em 99, cuja maior utilidade nos últimos anos é servir de cativeiro de contador sequestrado…! E há outros “filhos políticos” abandonados pelos padrastos por aí… Infelizmente!
Mas nem tudo está perdido. O velho ditado “Há males que vem pra bem” mostrou sua cara hoje na TV. Em entrevista ao Jornal Regional o Secretario de Cultura de Pouso Alegre, Zé Clevio, deixou escapar que o incêndio desta quarta servirá para acelerar as medidas de “revitalização” da velha estação, cuja verba já está nos cofres da prefeitura!
– “Só faltava a autorização do Iphan para que a prefeitura iniciasse as obras de restauração da estação e do trecho da linha” – disse ao repórter global.
Enquanto isso, só me resta vasculhar a memória e voltar aos idos de 70 e ver do alpendre da minha casa verde ou da poeirenta Rua São Pedro, a cortina de fumaça branca, às vezes escura, pintando o céu dos bairros Fátima, passando pelo IBC, Santa Lucia, Avenida Brasil até parar resfolegando e rangendo suas rodas de ferro na estação. E torcer para que a ‘revitalização’ da velha Maria não vire Fumaça…!”
Virou!!!
Virou fumaça! Virou cinzas! Virou pó…!
A promessa do secretario de cultura há dois anos – em maio de 2013 – era igual a tantas outras promessas de políticos… Promessa! Desde aquela noite em que ele deu entrevistas dizendo que breve a velha Maria Fumaça se moveria nos trilhos, a única coisa que se moveu foram as cinzas, o pó, a fumaça e as promessas que foram levadas pelo inexorável tempo! A macambuzia estação e seus vagões cheios de cinza continuam no mesmo lugar, tal qual os prestimosos Bombeiros deixaram depois de apagarem o fogo! Servindo apenas para duas coisas: Para ‘chapas’, mendigos e desocupados usarem como privada ou para queimar drogas e, para alimentar a indignação do cidadão que paga impostos!
Na verdade, na historia da Maria Fumaça da minha infância, alguma coisa se moveu… Moveu a “credibilidade da classe politica”! Moveu-se para beeeeem looooonge… Levada nos trilhos da descrença nos políticos! Especialmente daqueles políticos que não tem compromisso com a historia do povo que governa!
… A barulhenta e bucólica Maria da minha infância está mesmo fadada a virar Fumaça!!!