Juninho e os fantasmas da meia noite!

Quanto mais corria… mais os fantasmas se aproximavam

     Juninho era filho único do casal Alcides e Marileia. Dono de um sitio ao pé da serra do cajuru, Alcides queria que o menino crescesse logo para ajudá-lo na lida com o gado leiteiro e as plantações. Marileia queria que o menino fosse pra na cidade, estudar pra ‘adevogado’! Como sempre, o desejo de Marileia venceu! Ao concluir o ginasial na cidade vizinha, Juquinha pegou o Gardenia e foi estudar na cidade grande. Nas férias voltava para visitar os pais, mas ficava dois ou três dias apenas. Mal descia ao curral. Não tinha jeito para a vida rural. Perdeu todo o contato com as coisas da terra. Ao final do Colegial, antes de ir para a faculdade, ele finalmente resolveu passar três semanas no sitio ao pé da serra do cajuru.

No final da primeira semana no sítio Juninho acabou arrumando um rabo de saia… Uma linda roceirinha que morava na entrada do sitio, a cerca de um quilometro da casa dos pais. No sábado à noite foi à casa dela, namorar. Acostumado com o ritmo da cidade, voltou tarde para casa.

Raspava meia noite quando se despediu da moreninha no alpendre da casa dela e pegou a estrada de volta para casa, a pé. Era noite de lua cheia. A noite estava morna e serena com algumas nuvens esparsas no céu. Pra quem vive na roça, parecia um dia. Podia-se identificar uma mula de um cavalo só pelo tamanho da orelha no pasto na beira da estrada. Não para Juquinha! Acostumado com as luzes brancas ou amarelas – e as vezes vermelhas – da cidade, para ele ali estava escuro. Os vultos de arvores ou mourões mais distantes da estrada lhe pareciam fantasmagóricos. Não via a hora de chegar em casa. De vez em quando uma brisa leve movimentava as nuvens encobrindo a luz da lua. Nestes momentos qualquer vulto imóvel próximo à estrada parecia assustador. Arrependeu-se de ter ido a pé para a casa da namoradinha. Principalmente de ter ficado até tão tarde… até a meia noite. Quando pequenino seu pai costumava contar causos de assombração. Era sempre depois da meia noite que os fantasmas saiam para assombrar os incautos.

Já havia caminhado quase metade do trajeto quando percebeu um movimento no pasto, à direita. Alguém estava acenando para ele. Arrepiou-se até a raiz dos cabelos! Fingiu que não era com ele e apertou o passo! Quando olhou novamente o aceno havia aumentado! Agora eram acenos coletivos! Parecia que eram várias pessoas, todas pálidas, acenando ao mesmo tempo. Acelerou mais o passo! Uma lufada morna de vento espatifou seus cabelos. Tornou a olhar na direção dos acenos. As figuras fantasmagóricas se agitaram! Pareciam se curvar para acenar… Pareciam dizer: “Espere por nós”!

Juquinha andou o mais rápido que pode… A brisa morna aumentou… os fantasmas acenaram mais forte… Juquinha desviou o olhar… – o que os olhos não veem o coração não sente, pensou. Começou ouvir passos tum-tum.tum no cascalho duro da estrada. – “Meu Deus! Estão vindo atras de mim”! – apavorou.

Disparou a correr. Piorou!

Quanto mais corria mais os fantasmas se aproximavam! O tum-tum-tum-tum parecia fungar no seu cangote! Desesperou! Felizmente já estava perto de casa.

Alcides acordou com gritos e socos na porta!

– Pai, mãe, socorro… me acudam! – gritava o adolescentão esmurrando desesperadamente a porta.

– O que aconteceu meu filho? – quis saber Alcides, quase atropelado pelo filho em desespero.

Juninho jogou-se arfante para dentro de casa gritando:

– Fecha a porta, pai… eles estão chegando! Não deixa eles entrarem!

Sem entender, Alcides fechou a porta. Tentou aguçar os ouvidos. Não escutou nada. Interpelou o filho.

– Voce ainda está ‘ouvindo eles’?

– Sim. Eles continuam correndo atras de mim. Não abra a porta!

Alcides puxou levemente o lóbulo inferior para frente, formando uma pequena concha com a orelha, para ver se ouvia alguma coisa. Silencio lá fora. Resolveu sair para conferir…

Apesar de estar acostumado com a noite, com a roça, com as coisas da roça, o que viu era surpreendente! Fantástico!

O vento havia dispersado as poucas nuvens negras. A lua cheia, à pino, reinava sozinha no céu e espalhava todo seu esplendor sobre o sítio. Podia-se ver com nitidez as restingas, os capões de mato, o jacarandá solitário no meio do pasto, à esquerda da casa o milharal pendoado balançando ao sabor da leve brisa… Parecia dia. Era possível distinguir um gato pardo de um gambá a cem metros de distância no meio do pasto, tamanha a claridade. Tudo no mais completo silencio. Podia se ouvir a respiração dos bezerros dormindo no curral a poucos metros da casa. Alcides coçou a testa enrugada precocemente pelos movimentos de proteger os olhos do sol, abriu os braços como quem pergunta “cadê a assombração”? e voltou para o interior da casa. Juninho estava acabando de tomar a segunda caneca de água com açúcar para se refazer do susto.

– E então filho? Me conta como foi que essa assombração apareceu.

Sentado no fundo do sofá, agarrado no braço da mae, ainda ofegante, Juninho contou rapidamente, com detalhes, o acontecido. Ao final o pai perguntou.

– E agora? Ainda está ouvindo os fantasmas?

– Só um pouquinho… bem longe. Acho que você conseguiu expulsá-los. Obrigado.  – disse o garoto se levantando para abraçar o pai.

Ao retribuir o abraço do filho Alcides sentiu seu corpo quente, seu coração batendo ainda acelerado pela corrida inesperada, e esboçou um ligeiro sorriso para seus próprios pensamentos. Havia muito tempo que os fantasmas não apareciam por ali – pensou.

No domingo pela manhã Juninho levantou tarde, como sempre. Estava terminando o café quando Alcides entrou na cozinha e o intimou.

– Filho, venha comigo. Preciso te mostrar uma coisa na estrada na qual você passou de madrugada.

Juninho teve um pequeno sobressalto, mas nada disse. Seguiu o pai. Menos de um quilômetro depois pararam na beira da estradinha amarela de cascalho fino. Alcides apoiou o pé no fio de arame de baixo, apoiou os dois braços no fio de cima, olhou para a roça de milho pendoada a poucos metros da estrada e perguntou:

– Foi aqui que você viu os fantasmas?

Juninho olhou intrigado para o pai; para o milharal; tornou a olhar para o pai e disparou:

– Como é que você sabe que foi aqui?

Alcides baixou a cabeça, salivou, procurou as palavras e falou pausadamente:

– Filho… O homem da roça está acostumado com fantasmas. O homem da roça, que presta atenção no que tem à sua volta, ouve e vê muito fantasma. Principalmente da meia noite por diante…

Juninho continuou olhando para o pai, sem arriscar uma pergunta. Alcides continuou:

– Está vendo os pendões do milharal?

– O que são pendões?!

– São as flores… que desabrocham na extremidade do pé de milho. Este milharal, que foi plantado em agosto, está florido… cheio de pendões amarelos, dourados, perfumados, leves… Tão leves que qualquer ventinho consegue sacudi-los pra lá e pra cá…

– Espere!… Voce não está querendo me dizer que eram os pendões do milharal que ‘acenavam’ pra mim ontem à meia noite?!

Alcides olhou de volta para o tenro milharal, olhou para o chão, esboçou um sorriso, juntou os lábios e balançou levemente a cabeça na vertical como quem concorda. Juninho continuou incrédulo, como se estivesse vendo, naquele momento, um fantasma:

– Mas e os passos que eu ouvi correndo atras de mim?…

– Os passos não, filho. O barulho. O ‘tum-tum-tum’ que você ouviu era o seu próprio coração acelerado… quanto mais você corria, mais ligeiro o coração batia…

Juninho engoliu em seco. Desviou o olhar do pai, envergonhado.

No pequeno percurso de volta para casa, tentando descochar a vergonha do filho, Alcides puxou assunto sobre a faculdade… e concluiu para si mesmo: Juninho tinha jeito para ‘adevogado’.

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

CAPÍTULO  IV

 

Passava pouco de onze da noite quando Jeff e seu prisioneiro chegaram a Carson City. O saloon de James ainda estava bastante movimentado. Dois cavaleiros andando passo a passo àquela hora na rua principal da cidade, um deles com uma estrela no peito, chamaria a atenção. E foi o que aconteceu. Logo a porta do saloon estava cheia de curiosos. Alguns os seguiram fazendo perguntas e comentários:

– Quem é o prisioneiro?

– Acho que é o Smith, capataz do Brad Macgree…

– O que será que aconteceu?…

– Não sei… mas isso vai dar confusão!

– Vamos para a Delegacia.

Morrison cochilava tranquilamente em sua cadeira. Ao ser despertado pelo rumor que vinha da rua, empunhou um rifle e saiu à porta resmungando:

– Que alvoroço é esse? Não se pode cochilar em paz? … Hei, é você Jeff?

– Olá Morrison… trouxe-lhe um presente.

– Entre rapaz e me conte o que foi que aconteceu. Quem é este que você traz amarrado desta maneira?

– É um dos que tentaram nos assaltar, mas foram rechaçados. Eliminamos alguns deles e outros fugiram. Consegui pegar este vivo… Até agora ele não falou nada. Amanhã vamos arrancar sua língua. Mas deixe-me relatar os fatos com detalhes pela manhã… Agora eu preciso de um bom bife e um travesseiro. Estou no fundo do pito!

No rancho Barra Y o clima estava negro para Ted Slim e seus homens que restaram do frustrado assalto.

– Vocês não valem nada! São uns palermas! Imagine doze profissionais serem abatidos por cinco amadores! Não. Vocês não deviam ter voltado, são uns maricas, deem-me um rifle… vou fuzilá-los agora mesmo! – Vociferava George esbofeteando Ted.

– Calma George – interveio Brad. Matá-los não conserta o fiasco. Ted é um dos melhores homens que temos. Se foram derrotados, devem ter um motivo para isso. Vamos… – Foi interrompido por um dos seus homens que chegava de Carson City.

– Patrão, Smith foi preso…

– O que foi que?…

– Eu estava no saloon quando ele chegou escoltado pelo forasteiro-delegado e foi levado pra cadeia… – disse o pistoleiro esbaforido.

– Está vendo como eu tenho razão, Brad? Eles são uns moloides! Como foi acontecer isso Ted?

– Aquele xerife infernal deve ter alvejado seu cavalo a fim de pegá-lo vivo – justificou o pistoleiro.

– Sim… E agora ele nos denunciará.

– É preciso se controlar, George… Você nunca foi derrotado antes, por isso os culpa. Em vez de ficar esbravejando, ajude-me a formar um plano para libertar ou silenciar Smith antes que ele dê com a língua nos dentes e nos denuncie. Embora isso não nos afete, pois ninguém daria ouvidos a um bandido qualquer que falasse de nós, é melhor evitar falatório. Não queremos esse forasteiro tão ‘terrível’ na nossa sombra. Já basta o trabalho que ele vem nos dando.

– O que você sugere?

– Deixe-me pensar…

– Seria melhor se eliminássemos antes de tudo o xerife-forasteiro – sugeriu Ted.

– Concordo – apoiou Brad. Mas como o faremos? Vocês já tentaram uma vez e falharam.

– Que tal se Richard o provocasse para um duelo?

– Está louco? Meu filho maneja bem as armas, mas pelo que falam deste pistoleiro, Richard não teria nenhuma chance. Richard está noivo de Doris e tenho certeza que ela não gostaria de ficar viúva antes mesmo de se casar.

– Espere Brad. Talvez possamos pôr em prática esse plano… acrescentando-lhe alguns detalhes.

– Detalhes? Intrigou-se Brad.

– Sim. Se Richard o provocar em público, muitos curiosos estarão presente para presenciar o duelo. Alguns destes ‘curiosos’ dispararão contra Jeff segundos antes dele sacar suas armas…

– Parece razoável. Esses curiosos serão nossos homens, tocaiados … – concluiu Ted, que havia dado a ideia.

– Você está começando a usar os miolos que tem dentro desta cabeça dura, Slim. Torça para dar certo.

Na manhã seguinte na delegacia.

– … E então nós estávamos a umas quinze milhas de Spring Benson, fora de perigo, eu resolvi voltar, pois tinha que trazer o prisioneiro – relatou Jeff.

– Você agiu da melhor maneira. Mas como sabia que eles estavam de tocaia?

– Eu não sabia… eu deduzi.

– Deduziu?

– Sim … lembra que antes de ontem eu lhe falei que havia descoberto algo interessante? Pois bem…

Após relatar sua descoberta a Morrison, Jeff perguntou:

– O que tem a norte de Carson City? Algum rancho, rio, vale…

– Não sei não. Ainda não tive oportunidade de explorar as proximidades.

– Entendo. E a noroeste? Também não sabe?

– A noroeste… bem, a umas quatro milhas da estrada principal está localizado o rancho de George e Brad.

– Interessante… – falou Jeff olhando para longe. A trilha que eu segui se divide em duas a uma certa altura distante da estrada principal; uma segue direto, provavelmente para o esconderijo dos ladrões. A outra segue na direção do rancho deste tal Brad. Teria alguma ligação…

– Não sei, e espero que não. Eu os visitei uma vez e eles foram muito amáveis comigo. Além do mais não é bom tê-los como inimigos. Eles têm muitos homens a seu serviço, como já lhe disse.

– As aparências nunca dizem a verdade. E quanto ao número de homens deles, é indiferente. Se são ladrões meu colt lhe ensinará o caminho da lei – brincou Jeff.

– Temos que interrogar nosso prisioneiro. A partir daí faremos umas investigações. Agora vamos aproveitar enquanto a bóia está quente. Vamos almoçar.

– Ótima ideia Morrison.

Eram três da tarde. Jeff, Morrison e mais dois cidadãos de Carson City jogavam cartas numa mesa do saloon, enquanto tragavam uma preguiçosa cerveja. A um dado momento várias sombras interromperam os raios de sol que penetravam pela porta da frente do saloon.  Uma das sombras era uma figura alta, chapéu de couro, paletó escuro cobrindo parcialmente o par de pistolas que trazia na cintura. A ‘sombra’ lentamente avançou o saloon até o balcão e ganhou voz, dizendo:

– Boa tarde senhores. Um whisky pra mim e cerveja para os rapazes…

– Este é o jovem Richard Sanders, filho de George – confidenciou Morrison a Jeff.

– Hum…

Ao receber a bebida Richard dirigiu-se a mesa dos homens da lei.

– Olá xerife. Matando o tempo?

– Olá rapaz. Não o convido a sentar-se por falta de lugar…

– Não se incomode. Saber ficar em pé é uma virtude… minha. Então esse é novo auxiliar de xerife aqui, hein. Dizem que é terrível com os colts. Tem sorte hein, pistoleiro! Mal chegou à cidade e já arrumou um meio de enganar os trouxas – provocou gratuitamente Richard, que não precisava fazer força para parecer cínico e sarcástico, dirigindo-se Jeff.

– Duas ‘damas’ e uma trinca de ‘valetes’ – disse Jeff, ignorando totalmente o provocador.

– Está bem… Você ganhou novamente – falou o parceiro ao lado.

– Atrás de uma estrela de prata é mais fácil agir, não é mesmo forasteiro? – Continuou Richard insolente.

– Eu não disse que as aparências não condizem com a verdade, Morrison! – disse o auxiliar, tranquilo, juntando as cartas do baralho.

– Você parece que está com medo de abrir a boca e dizer besteiras pistoleiro?… – Prosseguiu o jovem, já se exaltando com a indiferença de Jeff, que desdenhava da sua presença.

– Você esqueceu de dizer-me algo Morrison – falou Jeff.

– O que rapaz?

– Que aqui na cidade maricas tagarelas costumam frequentar o saloon!

Silencio completo. Quem olhou para o jovem Richard percebeu que os músculos do seu rosto se contraíram. No momento em que Jeff esticou o braço para pegar uma carta sobre a mesa, Richard entornou lentamente o líquido cor de cobre do seu copo sobre a mão do delegado. E emendou:

– Carson City é proibida para pistoleiros vagabundos da sua laia. Por que você não dá o fora?

Jeff limpou calmamente a mão esquerda molhada na toalha verde da mesa de carteado, pegou com a direita a caneca de chopp, levou lentamente à boca, porém, ao invés de beber, atirou o liquido dourado no rosto do provocador retrucando:

– Por que você não veste uma saia e vai ajudar sua irmã fazer tricô?

Quem esperava uma reação intempestiva de Richard, se enganou. Fingindo uma calma que não possuía, ele lentamente retirou um lenço do bolso da camisa, enxugou o rosto molhado da cerveja e falou pausadamente:

– Espero-o daqui a meia hora na rua principal. Leve apenas os colts. Mas antes… passe pelo agente funerário e encomende seu caixão!

Ao se retirar do saloon o furioso rapaz, que afinal havia atingido seu objetivo, deu uma olhada a sua volta. Três homens lhe fizeram um pequeno sinal. O sutil gesto passou despercebido aos frequentadores, já prevendo um novo embate na rua. Mas não passou despercebido a Jeff, o qual não perdia um movimento no saloon. Apesar da incredulidade dos presentes, o provocado, no entanto, continuou jogando pôquer tranquilamente com Morrison e seus parceiros. Enquanto distribuía as cartas aos jogadores, ele falou:

– Xerife, quando o espetáculo começar, fique de olho na “platéia”! O duelo é uma cilada. Há aqui alguns assistentes que não se contentarão em apenas assistir… Eles vão querer participar também do espetáculo!

– Deixe-os pra mim. Mas evite matar Richard… ou teremos complicações das grossas!

Passados cerca de trinta minutos Jeff saiu à porta do Saloon bocejando e verificando as armas. Na hora determinada pelo valentão o dois estavam no meio da rua, a quarenta passos um do outro. Ao longo da rua, sob as marquises, uma pequena multidão perfilava, tensa, para assistir o duelo. Jeff, perscrutando tudo, especialmente as esquinas e telhados, parecia sereno. Lentamente pregaram os olhos um no outro. O desafiante tomou a iniciativa. Após alguns segundos de tensão, Richard levou a mão ao colt! Jeff, no entanto, foi mais rápido! Tirou a arma do coldre e antes de levantá-la e fazer fogo, ouviu o som de cinco disparos! Compreendeu imediatamente o que se passava mas manteve a concentração no alvo à sua frente. Pressionou o gatilho endereçando o primeiro projetil à mão do desafiante, desarmando-o. O segundo arrancou-lhe o chapéu; o terceiro arrebentou a fivela do seu cinturão, deixando cair sua calça… o próximo fez um buraco na lateral do colete de couro. O último projetil atingiu o centro de um medalhão de ouro que o filho do rancheiro trazia pendurado no peito…

Após neutralizar qualquer tipo de reação do desafiante, Jeff depositou o trabuco descarregado no coldre e sacou o outro, disparando os seis tiros entre os pés do rapaz fazendo-o dançar miúdo no meio da poeira. O espetáculo durou poucos segundos, e expôs o jovem Richard ao ridículo.

Os curiosos que presenciaram o rápido duelo não conseguiram conter o riso diante da cômica cena. Menos uma pessoa! Do alpendre da sua casa, no andar superior do banco do seu pai, Doris Heb olhava para o noivo com vergonha e desprezo… E para Jeff com ódio!

Apesar da notoriedade de espetáculos semelhantes nas pequenas cidades do velho oeste americano, os cidadãos de Carson City e os forasteiros que por ali passavam naquele dia, nunca tinham visto alguém com tamanha agilidade com os colts. Se um homem com aquela rapidez e coragem estava do lado da lei, isso inspirava segurança nas pessoas de bem.

A multidão esteve tão empolgada com o duelo que não percebeu de onde vieram os cinco primeiros tiros. Só agora notaram os três corpos, sem vida, despencados dos prédios vizinhos, estirados na poeira da rua e o xerife recarregando seu colt.

– É, rapaz… você tinha razão. Eles queriam ser atores, mas veja o resultado! Dois ainda conseguiram apertar o gatilho, mas as balas saíram sem direção – comentou Morrison se aproximando de Jeff.

– Hum… Você também é bom de pontaria! – salientou Jeff.

– Precisamos sobreviver, ora…

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima quinta-feira,13.

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

                                                                         CAPITULO III

 

Algumas milhas distantes da cidade.

– Vocês são uns imprestáveis! – dizia furioso o rancheiro a seus vaqueiros.

– Calma patrão! Não tivemos culpa. O homem é terrível…

– Terrível coisa nenhuma. Vocês é que são uns patifes, umas bestas, palhaços… Deixarem-se vencer por apenas dois homens.

– O que está acontecendo?  – Perguntou Brad Macgree, que acabara de chegar de Spring Benson, onde fora fazer compras. Porque você está tão furioso George – acrescentou.

– É por causa destes imbecis, incompetentes…

– Afinal, o que eles fizeram?

– Deixaram-se surpreender pelo forasteiro que agora é delegado. Eu os mandei à cidade  dar cabo dele e do xerife Morrison e eles, além de falharem, levaram uma tremenda surra  dos dois!

– Você os mandou dar cabo do forasteiro? Isso não é bom…

– Não se preocupe. Foi indiretamente. Nossos homens incitaram os frequentadores do saloon a agredir o Xerife, acusando-o de contratar um pistoleiro para ser seu ajudante e no meio da briga Ted Slim atirou no forasteiro, através da janela. Mas falhou…

– Ele foi descoberto?

– Se tivesse sido agora só restaria seu cadáver. O que você acha de chamarmos “Ben” para liquidar o delegado?

– Melhor não… Vamos agir com cautela. Amanhã temos um serviço.

– Um serviço?…

– … Uma carroça da companhia da estrada de ferro contendo o pagamento dos operários vai passar por aqui…

– De onde vem?

– Virá da capital do estado, passará por Carson City, Spring Benson até chegar a Tucson, onde está acampado o pessoal da ferrovia.

– A quantia é boa?

– Qualquer quantia interessa.

– Certo. Hei Ted… avisa o pessoal que temos ‘serviço’ amanhã…

No dia seguinte.

Debaixo do sol que já ia alto, os quatro cavalos puxavam a carroça, à galope cadenciado, seguidos de perto pela escolta. Jeff ia na frente cavalgando seu baio.  A certa altura da estrada, parou e acenou para o grupo.

– Alto! Esta região está infestada de bandoleiros… E esta viagem está muito calma até agora. Esse silencio significa barulho. Todo cuidado é pouco. Vamos seguir com cautela… e atentos!

Mal os cavalos se movimentaram Jeff gritou:

– Esperem, esperem … Estou me lembrando de algo. – Jeff se lembrou dos rastros que descoberto por acaso no dia anterior, há menos de uma milha adiante, e disse:

– É melhor sairmos da estrada principal e entrarmos na planície à esquerda!

– Por que isso? – quis saber o contador da companhia.

– Pressinto que há bandidos nos esperando a menos de uma milha, perto das rochas. É melhor pegar outro caminho.

– Isso irá nos atrasar em várias horas! – exclamou o cocheiro.

– O que você prefere: chegar atrasado vivo, com o dinheiro, ou chegar na hora sem um tostão, com uma bala no crânio?

– Parece que não temos muita escolha. Mas afinal, em que se baseia sua suspeita de que há bandidos logo adiante nos esperando? Tem alguma evidência ou é apenas palpite? – quis saber o cocheiro.

– Ontem eu descobri casualmente rastros de cavalos, muitos cavalos, e um lenço fora da estrada perto das rochas. Hoje eu ia investigar, mas…

– Está bem… Por precaução, vamos sair da estrada principal – concordou a contragosto, John Calvey, o contador.

Duas horas depois, longe dali, retomaram sem incidentes a estrada principal que levava a Spring Benson.

– Pronto – disse Jeff. Atrasamos um pouco a viagem, mas agora estamos seguros. A esta hora os bandidos já devem ter desistido do assalto, pensando que não viremos.

Enquanto isso, milhas atrás Ted Slim e seus comparsas estavam impacientes…

– Não é possível! – dizia ele. Algo deve ter acontecido. Estão mais de duas horas atrasados…

– Alguém de nós deveria ter seguido a carroça desde Carson City – comentou um do bando.

– Acho melhor voltar e relatar ao chefe o que está acontecendo – sugeriu McCoy.

– Está louco!! O chefe consideraria isso mais uma falha nossa! Ele vai nos fritar vivos!

– Então o que você sugere Ted?

– Calem-se! Estou pensando.

Depois de alguns instantes de impaciente silencio, Ted ordenou:

– McCoy, Catlow, Smith, peguem os melhores cavalos e venham comigo. Vamos a Carson City. Os outros fiquem esperando aqui e façam o serviço conforme o combinado… se eles passarem.

Depois de percorrerem pouco mais de uma milha na estrada arenosa que levava a Carson City, Smith gritou:

– Hei Ted, veja… Marcas de rodas de carroça!

– Hum… Maldição! Rastros de cavalos! Então é isso a causa do atraso. Eles saíram da estrada antes da tocaia… Como souberam que estávamos esperando por eles! Muito espertos. Realmente muito espertos! Por pouco eles nos enganam…

– E agora? Que faremos? – indagou McCoy

– Vamos no encalço deles.  Se eles saíram da estrada aqui devem tê-la retomado há poucas milhas daqui, perto da Rocha do Abutre! Ou seja: pouco mais de duas horas daqui. E devem estar com os cavalos cansados… Atrás deles. Vamos fazer-lhe uma surpresa!

Minutos depois os dois grupos se reuniram na estrada. Após colocar os cúmplices a par do ocorrido, partiram em disparada pela estrada principal no encalço da carroça recheada de dólares.

A viagem transcorria tranquila apesar do calor causticante. Eram cerca de duas da tarde.

– Poxa como faz calor – comentou o cocheiro limpando o suor do rosto com o lenço encardido.

– Está quente mesmo… Quando o sol se deitar, refresca. À noite faz um frio danado   – comentou Jeff, que conhecia bem aquela região.

– Porque tão brusca mudança de temperatura em apenas vinte quatro horas – quis saber John Calvey, responsável pelo pagamento dos operários da companhia férrea.

– É que estamos à borda do deserto – explicou Jeff. No deserto, durante o dia ´calor é insuportável. Porém à noite a temperatura cai repentinamente chegando a níveis muito baixos, às vezes próximo de zero!

– Xerife… – interrompeu Carson. Acho que temos companhia!

– O que está havendo?

– Tive a impressão de ter visto uma nuvem de poeira algumas milhas atrás.

– Será que é a nós que estão seguindo? – perguntou o condutor da carroça.

– Certamente. Devem ser os bandidos que nos esperaram de tocaia e descobriram nossa manobra. Continuem pela estrada. Vou verificar…

Minutos depois o agente da lei voltou a galope.

– Então, viu-os? – Perguntou Calvey apreensivo, com os olhinhos brilhantes atrás dos óculos redondos.

– Sim. São dez ou doze… E vem a todo galope. Pela toada eles querem nos alcançar.

– Chiiii… estamos encrencados! – Choramingou Jed, enquanto Newton, outro escolta pedia ao delegado uma solução.

– Tenho um plano! Saiam um de cada vez da estrada e entrem na pradaria. Você cocheiro, quando achar um ponto da estrada onde o terreno não deixe marcas da carroça, faça o mesmo, para que eles não percebam que saímos da estrada novamente…

Em poucos minutos a estrada ficou deserta, sem vestígios de nada. A menos de uma milha dali, atrás de um pequeno bosque, Jeff e seu comboio viram o bando de Ted Slim passar em disparada pela estrada a caminho de Spring Benson. Tão logo a poeira baixou o pequeno e valioso comboio retomou a viagem pela estradinha batida e poeirenta.

No entanto, logo adiante…

– Você teve sorte em avistar um dos escoltas quando ele subia a elevação para checar a nossa poeira, Ted – comentou Smith.

– Tem razão. Agora eles seguirão viagem tranquilamente pela estrada pensando ter nos enganado. Vamos preparar a emboscada.

Meia hora depois a viagem prosseguia tranquila, quando de repente:

– Cuidado… saltem ao chão – gritou Jeff ao perceber o brilho de um fuzil contra o sol. Ato contínuo abandonou o arreio do baio e saltou para o chão duro à margem da estrada e rolou para o abrigo das rochas. Os outros o imitaram atônitos, mas o cocheiro não teve a mesma sorte e agilidade. Um projétil certeiro foi alojar-se em seu peito tirando-lhe a vida instantaneamente. Teve início um tiroteio selvagem. O primeiro disparo de Jeff acertou a cabeça do assassino do cocheiro.

– Por ora estamos abrigados – disse John – mas não podemos ficar parados aqui.

– Você tem razão John – concordou Jeff. Dentro de poucas horas será noite. Como são o dobro de nós, seremos presas fáceis.

– Então, que faremos?

– Tenho um plano.

– Exponha-o.

– Antes de tudo carreguem suas armas muito bem. John e Jed ficam aqui, Carson e Newton, deem a volta por trás deles, cautelosamente, estejam preparados. Vou me expor… Enquanto tentam me alvejar, vocês os abatem…

– O plano é bom, muito engenhoso, bom mesmo! Mas você ficará igual a uma peneira após o tiroteio. Por isso é melhor nos despedirmos já. – Disse Calvey com ironia.

– Não se preocupem comigo. Estejam atentos.

Minutos depois, tendo Newton e Carson se posicionado, Jeff saiu correndo em zigue-zague na direção dos bandidos até se jogar ao chão e rolar como uma bola abrindo fogo. Na arriscada ação fulminou dois dos assaltantes que mostraram as caras. Protegido pelas rochas Ted Slim berrou furioso:

– Liquidem-no seus idiotas! Ele é apenas um homem.

– Faça-o você, imbecil! O que acha que estamos tentando fazer – retorquiu um dos seus homens.

John acabara de mandar Catlow visitar satanás, quando um projétil lhe arrancou o chapéu, fazendo-o esbravejar:

– Diabos!! Quase me estragam o chapéu novo!

Jed recarregava seu rifle quando um dos bandoleiros lhe fez pontaria. No exato momento em que apertou o gatilho, caiu fulminado por uma bala de Carson, que gritou:

– Mãos ao alto… Não se movam!

Apesar de surpresos com a aparição de Carson à retaguarda, os assaltantes não acataram o apelo e trataram de fugir, ao comando de um deles. Correndo em zigue-zague procuraram freneticamente os cavalos, debaixo da saraivada de balas de Carson e Newton.

– Acertei um – gritou Newton eufórico.

– Lá vai mais um – acrescentou Jeff há poucos metros dali, enquanto pedia – Deem-me um rifle, rápido!

– Segure-o. Só tem duas balas.

Jeff fez pontaria e acionou o gatilho. A primeira bala acertou a nuca de MacCoy. A segunda, como Jeff planejara, atingiu o cavalo de Smith arremessando-o ao chão.

– Puxa, xerife… você é terrível! É mais rápido que um lince das montanhas de Nevada – comentou alegremente o miúdo contador John Calvey.

– Nem tanto… – modestou Jeff. Vamos interrogar este coiote.

– Quem é você e para quem você trabalha? – interpelou Jeff.

Smith continuou mudo.

– Pra quem você trabalha? – interrogou o xerife esbofeteando o assaltante subjugado.

– Pensa que sou tolo a esse ponto, xerife? – Rosnou sarcasticamente o prisioneiro.

– Pode não ser, mas parece e muito. Bem, agora não temos tempo para interrogatórios. Mas não se vanglorie. Você ainda soltará a língua. O xerife Morrison ficará contente em tê-lo como seu primeiro hospede. E não se preocupe com a solidão… Logo, logo seus companheiros irão lhe fazer companhia no ‘hotel da justiça’. Bem John, estamos a poucas milhas de Spring Benson. Creio que não há mais bandoleiros à frente. Os três que escaparam foram em direção oposta… Não voltarão a atacar. Vou voltar para Carson City enquanto é dia.

– E mesmo que tivessem ido em outra direção, imaginando você conosco, eles não se aproximariam – acrescentou Newton, o mais velho escolta.

– Tem razão – confirmou John –, depois de sua atuação estamos mais encorajados.

– Ótimo. Então sigam em frente que eu vou levar este facínora para o xerife. Até a vista. – Despediu-se Jeff.

 

* A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira,10.

Falando em Caubóis…

“Jeff… O Homem do Chapéu Furado” será publicado, aqui, em onze capítulos.

 

Foi na década de 70, “Década de Ouro da Humanidade”, que eu conheci os caubóis, através dos filmes do gênero. Havia para todo gosto. Havia o caubói sério e carrancudo em busca de vingança, (Clint Eastwood); havia o caubói sarcástico e aventureiro (George Hilton e Johnny Garko); o caubói vilão, que aprontava, aprontava e sempre morria no fim (William Berger, Lee Van Cleef e Klaus Kinski); havia também o caubói desbravador, que aceitava empreitadas de conduzir caravanas ou resgatar pessoa sequestrada pelos índios, guias de comboios ( John Wayne, Burt Lancaster, Kirk Douglas); havia ainda o caubói de olhar doce e romântico que usava o colt apenas para se defender durante suas aventuras no Oeste sem lei, (Giuliano Gemma); havia o caubói que, depois das andanças – e matanças -, queria apenas construir um rancho ao pé da colina, perto do riacho e viver em paz sua doce morena; havia também o caubói jogador de pôquer, que sempre trazia na manga um ás de ouro: nunca perdia! O caubói mais comum era o justiceiro caçador de recompensas!

Além destes caubóis que inspiravam nossa vida adolescente, outros tantos, tão ou mais famosos deixaram rastros nos cinemas de Pouso Alegre – e naturalmente Brasil afora. Alguns eram associados aos personagens que encarnavam. John Garko era o “Sartana” eternamente perseguido pelo loiro de meia idade William Berger. Franco Nero deu vida a Django, um dos mais famosos personagens do velho oeste. George Hilton com sua cara de deboche deu vida ao bonachão Ringo. Terence Hill Terence Hill encarnou “Trinity”. Com seu ingênuo sorriso infantil e seu inseparável irmão Bud Spencer, gordo, barbudo e carrancudo, e suas trapalhadas transformaram as salas de cinema num festival de gargalhadas. Já o lendário “Billy The Kid” teve tantos intérpretes que nenhum deles o eternizou. Quem chegou mais perto foi o bonitão Paul Newman na película “Um de nós morrerá”, em 1958.

Enfim, são tantos os caubóis do Velho Oeste que desfilaram nos cinemas de Pouso Alegre e do Brasil na década de 70 que eu precisaria de mais cinco décadas para falar seus nomes.

Dentre os ‘caubóis’ acima – e tantos outros que encheram os olhos de adolescentes apaixonados pelo gênero como eu, difícil dizer qual foi o mais famoso, o mais cativante, o mais… ‘herói’.

No entanto, qualquer frequentador do “Cine Gloria” ou do “Cine Eldorado” em Pouso Alegre nas décadas de 70 e 80, dirão que o mais marcante foi Clint Eastwood! Embora a maioria dos seus filmes tais como “A Marca da Forca”, “Por um punhado de dólares”, “Três Homens em Conflito”, “A marca da forca” tenham sido produzidos na década de 60, volta e meia podíamos ouvir seus tiros certeiros e mortais nas telas dos cinemas nas noites de sábado e nas matinês de domingo. O cavaleiro solitário é, de longe, o mais longevo caubói da história do Velho Oeste.

Em 2021 Clint Eastwood estrelou um novo filme de western. Na película “Cry Macho: O caminho para a redenção”, o sisudo caubói, aos 91 anos saca – pela última vez – um trezoitão!

Com tantos filmes de caubóis na “Década de Ouro da Humanidade”, década que eu tive a felicidade de atravessar com três faixas etárias diferentes – infância, adolescência e adulta -, eu não poderia ser uma pessoa ‘normal’. Minha professora de português já havia vaticinado:

“Airton, você tem ‘veia’… você será escritor”!

Eu acreditei nela. Em meados daquela década, resolvi escrever a minha própria estória de caubói!

A obra foi gestada no ano 1977 quando eu servia o exército. O parto aconteceu no mês de julho daquele ano. Nos meus turnos de guarda nas guaritas do quartel e do Paiol, em três semanas escrevi a historia do caubói Jeff, em um caderninho espiral. Dez anos depois, quando trabalhava como escrivão em Silvianópolis, datilografei a historia na máquina Olivetti línea 88 da delegacia. O original esteve guardado desde então. Meu primeiro e único livro de caubói tem um título bem original:

 

“Jeff… O Homem do Chapéu Furado”.

 

A historia se passa em Carson City, uma pequena cidade do norte do Texas nos idos de 1870. Um jovem chega à cidade no final da tarde e na mesma noite, no saloon, manda um pistoleiro de estopim curto para o andar de baixo. Apesar do assassinato, no dia seguinte o forasteiro se torna auxiliar do xerife da cidade. A estrela no peito vai facilitar a missão secreta do caubói na cidadezinha dominada por uma violenta quadrilha de malfeitores.

Depois de 46 anos finalmente resolvi presentear os leitores, como eu, aficionados em histórias de Faroeste. Mas é só para quem gosta de histórias de caubóis. Se você não gosta, ocupe seu tempo com outra leitura, pois, tempo é a terceira maior riqueza que Deus nos deu. Devemos usar nosso curto tempo na terra para fazer ou apreciar aquilo que gostamos!

“Jeff… O Homem do Chapéu Furado” será publicado semanalmente aqui no Blog e no face do Blog, em onze capítulos.

Eu o desafio, caubói… Saque rápido e boa leitura!

Maneco, o Crack e a Sarjeta

Tão rápido quanto foi ao céu… ele chegou ao fundo do poço!

Anos atrás fui levar meu carro para um Recall em Campinas. Enquanto aguardava o serviço, saí andando pela cidade e fui parar no hall da estação rodoviária. De repente um sujeito com aparência e indumentária de mendigo parou na minha frente, olhou-me por alguns segundos e meio timidamente falou meu nome. Fixei o olhar na sua fisionomia, fiz uma rápida busca pela memória e o reconheci… Era meu amigo Leo, o qual eu não via há mais de quinze anos. Sentamo-nos num dos bancos e encetamos uma prosa. Conversa vai, conversa vem, Leo passou a contar-me a triste história de um amigo de adolescência. Calejado com mais de trinta anos no meio policial, antes que ele chegasse ao meio, deduzi o final da história. Embora os jovens somente deem ouvidos aos coroas depois de passar pelas mesmas experiências, não custa nada colocá-las nestas poucas linhas. Dizia ele:

– Conheci o Maneco no final da adolescência. Durante vários anos seguimos os mesmos caminhos até que eu fui trabalhar no garimpo no Pará. Ficamos mais de cinco anos sem nos ver. Quando voltei à Campinas encontrei meu amigo trabalhando numa farmácia no centro da cidade. Reatamos a velha amizade e curtimos bons momentos juntos durante muitos meses, até que eu fui morar em Poços de Caldas. Dois anos depois, ao visitar os familiares em Campinas, encontrei o Maneco na mesma farmácia… Ele era o gerente!

– Bacana… – falei, contente com o sucesso do amigo do meu amigo.

– Vai vendo como são as coisas – disse Leo, e continuou. Dois anos mais tarde estive novamente com o Léo… Ele havia se tornado sócio da farmácia!

– Caramba! – exclamei.

– Um ano depois, quando tornei a voltar à Campinas, Leo era o único dono da grande loja de medicamentos e perfumarias no centro da maior cidade do interior de São Paulo. Com a morte do pai, a mãe o havia ajudado a comprar a outra parte da farmácia.

Apertei o queixo, arregalei os olhos e balancei a cabeça, admirado com o rápido sucesso do amigo do meu amigo. Mas continuei em silencio, aguardado o desfecho da história. Leo se calou por um instante. Parecia ter chegado no alto de um morro. Agora tinha que descer. Verificou os freios, contraiu as rugas do rosto como quem vai comer uma comida que conhece e não gosta, e recomeçou a história do Maneco.

– De Poços mudei para o Recife e alguns anos mais tarde voltei em visita à Campinas mas, não tive tempo de rever meu amigo. No entanto, soube que ele havia vendido uma parte da farmácia. Um ano depois voltei a morar definitivamente em Campinas e fui procurar o Maneco. Não o encontrei. Ele havia vendido o que restava da farmácia e ninguém deu notícias dele…

Olhei admirado para Leo. Ele respirou fundo e continuou a narrativa.

– Meses depois encontrei meu amigo. Ele estava trabalhando numa pequena farmácia perto da rodoviária… era empregado! Maneco não era mais o mesmo. Seus 42 anos pareciam 60! Sua barriga, antes saliente de homem rico, agora parecia mais a de um conterrâneo do Chico Anísio, recém-chegado do nordeste. Seu rosto que antes era corado e juvenil… agora parecia uma máscara pálida e descorada. As conversas antes alegres e altruístas… agora eram pouco mais que resmungos ou, às vezes, uma interminável repetição das mesmas malfeitas frases. A moto e o carrão esportivo se reduziram a um gol 93, com aparência de 84. As roupas, além de bregas e simplórias, traziam dias de uso e um indisfarçável e indefinível cheiro de sabão e amoníaco queimado…

Tornei a arregalar os olhos fingindo surpresa. E interrompi a narrativa.

– O que aconteceu com ele? Azar na Bolsa de Valores? Jogo de carteado? Farras com mulheres?

Leo esboçou um pálido sorriso, balançou a cabeça na horizontal e foi direto ao ponto.

– Maneco havia mergulhado até o pescoço nas drogas. Começou com a irresponsável e sorridente cannabis sativa e de repente pulou direto para a pedrinha bege fedorenta, sem fazer estágio na farinha do capeta. A droga, os fornecedores, os advogados, os amigos da onça em poucos anos tiraram dele a farmácia, os carros, as economias… Mais rápido do que subiu Maneco desceu. Perdeu tudo! Os poucos amigos se afastaram… Mal sobrou um restinho da dignidade pessoal – concluiu Leo desviando o olhar para que eu não visse sua tristeza… ou vergonha!

Olhei para ele em silencio, procurando uma palavra de consolo, até que perguntei:

– Você, alguém… tentou ajudá-lo?

– Maneco não se sentia em dificuldade. Não queria ajuda. Ele achava que a qualquer momento poderia parar de usar drogas e se levantar… Mas nunca mais se levantou… – tornou a falar Leo sem olhar pra mim.

Fiquei alguns instantes em silencio, com pena da tristeza do meu amigo Leo. Com pena do amigo do meu amigo… que parecia um só! Até que perguntei:

– Você tem visto seu amigo Maneco?

– Dois meses depois, quando voltei à farmácia perto da rodoviária, ele não estava mais lá. Havia sido demitido. Sumiu. Quase um ano depois, numa madrugada fria, ao passar ali perto fui interpelado por policiais. Eles queriam que eu presenciasse um arrastão de desocupados. Eram mais de 15 mulambentos maltrapilhos e fedorentos, parecidos com aqueles que rondam o mercado municipal da Duque de Caxias, bem piores que os antigos frequentadores do muquifo do João Natal. Entre os nóias estava o meu velho amigo Maneco. Depois da triagem na delegacia de polícia, como ele não tinha nenhum crime e foi liberado, eu me prontifiquei a levar Maneco até a casa de sua mãe. No trajeto, quase mudo, fui pensando em como contar a ela onde encontrei seu filho. Desnecessário meu constrangimento. Na sala da casa simples do bairro de classe média, a abatida e resignada mãe contou que fazia três semanas que não via o filho, mas aquilo já era rotina. “De vez em quando ele volta pra casa, trazido pela policia ou por um amigo da família, sempre nesse estado que você está vendo”, contou Noêmia.

– A sofrida idosa, viúva, contou também que três ou quatro dias depois Maneco saía de casa novamente, modesta mas decentemente vestido, com alguns trocados no bolso, prometendo voltar em duas ou três horas… E voltava semanas depois naquelas circunstâncias – concluiu meu amigo Leo, com os olhos tão baixos que quase encostavam no chão.

Após meia dúzia de palavras minhas, de pesar e consolo, Leo continuou a triste história do amigo.

– Contrariando as estatísticas que dizem que o crack mata em poucos meses Maneco vivia na constante nóia há quase sete anos. Na verdade, sobrevivia, vegetava nas imediações dos lixões e viadutos de Campinas. Policiais, amigos ou conhecidos da família já não o levam mais para casa.

– Ele não procura a mãe? A mãe dele não o vê mais? – perguntei.

– De vez em quando… Agora, quando o coração aperta demais, dona Noêmia toma um táxi e roda pelas ruas periféricas da cidade para matar a saudade do filho. Às vezes o traz de volta… para tê-lo por três ou quatro dias. Outras vezes leva uma marmita de comida e uma muda de roupa. Do banco traseiro do táxi, debaixo de um viaduto qualquer, entrega a marmita ao filho e às vezes fica alguns minutos observando melancólica e letargicamente o filho comer. Não tem mais palavras … ou lágrimas. Somente uma silenciosa prece à Deus para levá-los… ou ele, ou ela, pois já não pode mais mudar o destino do filho.

Ao concluir a história do amigo Maneco, Léo virou o rosto… para que eu não visse seus olhos!

 

A história de Maneco, um jovem de berço, que tinha de tudo que o dinheiro pode comprar e que o homem pode conquistar, até conhecer a pedrinha bege fedorenta, me comoveu, mas não me surpreendeu. Nem me surpreendi ao concluir, no silencio do meu carro de volta para casa, que o ‘nóia’ Maneco, era fruto da imaginação de Leo. A triste e verídica história, era a vida do próprio amigo Léo que a contava!      

Mendigo .40

Tarde quente e manhosa de fim de março

Na escadaria dura, irregular e suja da favela do Morro, na capital paulista, o mendigo está inquieto. De bermuda jeans suja e rasgada, camiseta em pior estado, com o pezão 42 sujo no chão, ele não sabe se senta ou se deita! Com movimentos lentos e desconexos, franzindo constantemente a testa tentando manter os olhos abertos, ele parece mamado… ou chapado! Ao seu lado, à direita, há uma sacolinha, dessas de supermercado, amassada. Do lado esquerdo, apoiada no concreto malfeito, há um corote. De vez em quando o mendigo de boné escuro amassado leva o corote à boca, entorna, faz uma careta e em seguida pega outra garrafinha que parece ser coca-cola e toma uma golada para desfazer o gosto que veio do corote. De tempos em tempos enfia a mão suja na sacolinha – que mais parece um saco de lixo – pega um sanduíche, talvez de mortadela, tira uma mordida e torna a guardá-lo na sacolinha.

 

Em situação de penúria e decadência semelhantes, outros dois mendigos espreguiçam na sarjeta numa ruela abaixo.

O tempo passa lentamente…

O calor de fim de março na favela é quase insuportável. Em dado momento, a alguns metros da escada, uma voz de mulher de vinte poucos anos, talvez, se despede de uma pessoa cujo nome parece familiar ao mendigo. Por baixo da aba do boné ele vê a mulher entrar num golzinho bola e se afastar do local.

Depois de consumir quase todo o conteúdo quente das duas garrafinhas e parte do sanduíche, o mendigo ouve o movimento de uma janela e de uma porta se abrindo no muquifo de onde saíra a mulher uma hora antes.

Sacudindo a cabeça, como se isso diminuísse o efeito do suco de gerereba, ele vê um sujeito sair da casa com um saco de lixo e leva-lo até a esquina a poucos metros dali.

Desacorçoado o mendigo se levanta meio cambaleante, pega sua sacolinha de ‘lixo’ quase vazia, vai em direção à casa e quando o sujeito vai entrar, enfia a mão na sacolinha e… ao invés de sanduíche azedo aparece uma pistola .40!

– Perdeu Mané… perdeu! – Diz o mendigo ao sujeito – Já era! Deita no chão…

– Qualé, mano, tá maluco?!… Caralho, é você? Tô diboa, tô diboa… – choraminga o favelado reconhecendo o ‘mendigo’, enquanto se deita de cara no chão!

– É melhor ficar de diboa mesmo – retruca o mendigo, enquanto saca o celular com a mão esquerda e diz apenas:

– Tá na mão…

Em exatos 48 segundos os dois mendigos da ruela de baixo chegam ao local. Cada um trás na algibeira larga da bermuda suja uma pulseira… de prata!

Um minuto e meio depois dois carros param ao lado deles e resgatam os três mendigos e o favelado!

 

Cenas de um filme policial feito na favela?

Enredo do meu próximo livro de ‘Romance Policial’ ou crônicas policiais?

Nana… nina… não!

São cenas reais de uma tensa operação da PC para prender um “patrão” do tráfico de Pouso Alegre.  Outros 33 traficantes – em operações menos glamourosas, todos pegos de pijama ou nos braços de Morfeu – receberiam também as pulseiras de prata da lei.

 

Antes do sol modorrento e melancólico daquela segunda-feira de fim de março de 2012 se deitar atrás da Serra da Cantareira, os pupilos do delegado Gilson Baldassari deixaram a capital paulista trazendo na rabeira do táxi do contribuinte um dos maiores distribuidores de drogas de Pouso Alegre.

A investigação conduzida pela delegacia regional da PC, rendeu ao bando cerca de 400 anos de ‘sol quadrado’ no hotel do contribuinte.

A tensa e arriscada prisão feita pelo ‘mendigo’ mineiro na porta do muquifo na favela paulista, garantiu ao ‘favelado’ Fabão 18 anos e meio de hospedagem gratuita no Hotel do Juquinha.

Pra rir… Ou pra chorar?

 

Solta ele!… Senão eu vou chamar a policia!

A corrida era frenética. Meu fugitivo tinha uma pequena dianteira, pois apesar de ter pedalado os últimos três quarteirões, ele tomara a iniciativa. Quem toma a iniciativa sempre sai na frente!

Corríamos pelo elevado da linha férrea nos equilibrando para não escorregar nas pedras soltas do lado dos dormentes! Parecia que meu fujão iria escapar. A estação vazia se aproximava. Já estávamos chegando perto da escadinha da ruela Braz Vitale…

De repente meu fugitivo deu uma guinada e desceu pela escadinha! Desceu quase sem tocar os cinco degraus.

Eu desci sem tocar!

Desci pelo espaço… voando!

Caí lá embaixo com as duas mãos nas costas do fujão!

Toquei nas costas, mas não consegui segurá-lo! Ambos estávamos por demais molhados de suor e escorregadios!

Sua camiseta branca sem mangas em poucos segundos virou um trapo.

Durante um interminável minuto travamos uma ferrenha luta ali na ponta da viela…

Eu tentando dominá-lo para aplicar-lhe uma chave de braço e ele tentando se desembaraçar das malhas da lei…

Foi nesse momento que começou a parte cômica da história. Atraída pela balburdia da luta uma senhora saiu no alpendre da casa ao lado com uma vassoura na mão.

– Solta ele, moço! Solta senão eu vou chamar a policia! – disse a senhora brandindo a vassoura de piaçava.

Eu não sabia se ria ou se chorava… Quase perdi as forças!

O único pensamento foi: “Chama a policia logo, dona… E diga que é urgente”!

Pensei, mas não pude expressar. Um segundo de distração meu fugitivo escaparia!

Um gancho no estômago… ou um direto no queixo, certamente poria fim a resistência do meu prisioneiro. Mas o professor de defesa pessoal na Acadepol, meses antes, havia dito que o policial tem que dominar o meliante sem agredi-lo. Com poucos meses de policia, eu ainda não sabia que teoria e pratica são duas amigas inseparáveis, porém cínicas e maldosas!…

Continuei tentando imobilizá-lo. Durante a contenda subimos a velha escadinha de pedra de volta para a margem da linha férrea…

De repente surgiu lá na esquina da rua São José um gordinho cabeludo. Mais tarde eu saberia que ele era o Henriquinho Toledo. Pensei, em meio aos esperneios e esmaneios do meu quase prisioneiro:

“Que bom! O gordinho cabeludo tem cara de ser do bem… Ele vai me ajudar a dominar esse meliante teimoso!”

Ledo engano! Aconteceu o inverso!

Ao se aproximar, sem saber os motivos da abordagem, Henriquinho se condoeu do ‘pobre’ fujão e tentou libertá-lo.

“Solta ele, moço. Ele não fez nada”, dizia Henriquinho tentando desvencilhar meu prisioneiro dos meus braços! Mui amigo!

Eu já estava prestes a deixar escapar minha presa, quando finalmente surgiu uma luz no fim do túnel. Na verdade, surgiu lá na entrada do mata-burro do pátio do Freitas. Era o Ze Carlos, vizinho da delegacia. Ele veio andando rapidamente, curioso com aquela cena. Quando se aproximou e me reconheceu disparou:

– “Pó pará”! Esse baixinho sem camisa é ladrão de carro. O outro moço bonito é o Detetive Chips!

Finalmente Paulinho parou de espernear. A senhora da casa de baixo botou a viola, quero dizer, a vassoura debaixo do braço e saiu de fininho do alpendre. Henriquinho ajeitou as madeixas e ficou ali parado, com cara de tonto, olhando eu me afastar em direção à plataforma da estação levando meu prisioneiro numa chave de braço…

No minuto seguinte, depois da vaca morta, meus três parceiros surgiram na brasilinha verde ao lado da plataforma da Dr. Lisboa…

Os fantasmas do Velho Hotel da Silvestre Ferraz – Parte IV

 

Um Fantasma de 100 mil reais!

Início de uma madrugada de inverno de 2007. Nos sombrios e assustadores corredores do Velho Hotel reinava o silencio. Apenas o cheiro adocicado de maconha circulava por ali. Nalgumas celas ainda se podia ver a luz verde azulada de uma ou outra tevê, e ouvir o som abafado de um radinho. De repente uma figura soturna surgiu no corredor principal do prédio. Para chegar ao corredor a figura havia passado por quatro portões – dois do lado externo e dois já no prédio – todos trancados com grossos cadeados. O ‘fantasma’ daquela noite caminhou até a porta do X3, colocou a chave no cadeado Papaiz, abriu, levantou o trinco na fenda da parede longe do acesso dos presos, puxou o trinco para trás e abriu a pesada porta de ferro. Ao lado da porta, a pretexto de fumar um cigarro, a hóspede esperava sentada, tensa, com mochila básica aos seus pés. Levantou-se muda, pegou a mochila e saiu fumando, como se estivesse indo fumar lá fora. Numa rua lateral a poucos metros do velho hotel, um carro tão sombrio quanto o fantasma esperava por ela. A ‘ausência’ da traficante foi percebida no dia seguinte, na saída para o banho de sol.

Quem seria o fantasma que soltou a traficante?

Como ele conseguiu abrir quatro cadeados para soltá-la?

Por que teria feito isso?

Onde estava o policial que deveria estar na sala da carceragem?

A única resposta que circulou nos dias seguintes, e depois nas sindicâncias, foi o cachê… O ‘fantasma’ silencioso daquela madrugada teria recebido R$ 100 mil reais para soltar a detenta sem a necessidade de alvará!

A sindicância instaurada pelo delegado corregedor não conseguiu identificar o fantasma. As outras doze hospedes do X3, que não fizeram check-out naquela madrugada, poderiam ter esclarecido o mistério do fantasma silencioso, caso quisessem. Mas era conveniente ‘não querer’! Por isso alegaram que estavam nos braços de Morfeu e não viram nada. Algumas disseram que ouviram o barulho do ferrolho no movimento clássico de abrir e fechar a cela, mas não deram importância.

– Achei que fosse um alvará do Homem da Capa Preta! – disse uma das hóspedes. Além do mais o corredor estava na penumbra… E o fantasma talvez usasse capuz.

Vários policiais, especialmente os que estavam de plantão naquela noite foram investigados. Porém, o fantasma que abriu cadeados e portões e soltou a traficante não apareceu! Se tivesse sido identificado, o ‘fantasma’ seria processado por corrupção e poderia ir para a rua. Por falta de provas o crime ficou sem solução… E a única que foi pra a rua foi a traficante, sem necessidade de Alvará… Mas com cem mil reais a menos na conta… E o ‘fantasma’ da madrugada com cem mil reais na algibeira!

Os fantasmas do velho hotel da Silvestre Ferraz – Parte III

        O Sorveteiro

Essa historia começa nessa esquina, em frente o sobrado do Argentino de Paula… no final de 1969.

“Quando ensaiava os primeiros passos para se afastar do soturno prédio, um dos sujeitos pendurados na grade gritou”:

– Hei picolézeiro… Tem de groselha? Dá um aí!

Ficou na dúvida se podia ou deveria se aproximar. O pouco que sabia sobre cadeia e presos, sabia que não era um lugar comum, que não eram confiáveis. Se estavam atrás das grades é porque tinham matado ou roubado! Matá-lo certamente não podiam, mas será que não iriam roubá-lo? Enquanto pensava no que fazer, um preso de outra janela, com as pernas numa calça arregaçada e o dorso desnudo, gesticulando os dois braços através das grades, gritou irritado:

– Eu quero um de framboesa! Anda logo, pirralho!

Se o pequeno vendedor de picolés já flertava com o medo de se aproximar das janelas da cadeia, neste instante sentiu pavor! E agora? Atendia aos pedidos dos presos ou saia correndo ali? Foi salvo – ou encorajado – pelo gongo! Um sujeito que passava pela rua recebeu um pedido parecido…

– Ei ‘seu Zé’… Dá um cigarro aí! – pediu outro preso, um albino, na janela ao lado.

O sujeito de meia idade, empertigado, de calça caqui e camisa social azul clara, usando chapéu de feltro, subiu no pequeno murinho que circundava o tosco prédio, aproximou da janela, sacou da algibeira da camisa um maço de Parker de filtro amarelo e distribuiu vários cigarros. Antes mesmo de ouvir os agradecimentos, ou pedido, estendeu também um ‘bing’ para acender os cigarros e esperou a devolução. O garoto criou coragem. Afinal, levava pendurada no pescoço uma caixa de isopor cheia de picolés… Para vender! Não podia escolher os clientes… Desde que pagassem! Aproveitou a ‘segurança’ do ‘seu Zé’ e se aproximou das janelas. Vendeu nove picolés de frutas, coloridos, e dois de coco-queimado. O pagamento pelos picolés demorou. Só recebeu o dinheiro quando uma voz grossa saiu de dentro de uma das celas:

– Paga logo os sorvetes! O moleque está trabalhando… Ele não está com a vida ganha igual vocês não, seus talaricos! – disse a voz autoritária. O sorveteiro nunca soube se a voz era do carcereiro ou se de algum preso que mandava nos demais!

Esse foi o primeiro contato do garoto vendedor de picolés com o velho hotel da Silvestre Ferraz. Era verão de 1969. O velho presídio construído em 1932 tinha menos de quarenta anos de vida, mas já era velho na aparência. Paredes sujas e manchadas pela água escorrida das chuvas, trincas nos beirais no alto, e gigantescas janelas sem vidraças. “Se chover de vento deve alagar tudo lá dentro”, pensou o garoto. Tinha espaço digno para trinta e dois hospedes – cerca de zero vírgula um por cento da população da cidade, que beirava na época quarenta mil habitantes. No entanto, entre condenados, provisórios e correcionais, abrigava na ocasião pouco mais de vinte presos – a superlotação só chegaria trinta anos depois com a expansão das drogas, na virada do século. Os de bom comportamento, a maioria, ficava nas três celas da esquerda, de frente para a rua, onde podiam ter contato com transeuntes que passavam ressabiados ao lado do prédio, a poucos metros das janelas, e podiam conversar, pedir cigarros e até comprar picolés dos garotos que passavam por ali, como o assustado menino de dez anos de idade daquela tarde.

O vendedor de picolés voltaria ao velho presidio onze anos depois, em 1980. Desta vez, e de tantas outras, como policial. Nos anos seguintes o jovem Detetive de Policia e acadêmico de Direito, iniciando a carreira paralela de jornalista e cronista policial, batizaria a velha cadeia com o nome irônico e jocoso de “Velho Hotel da Silvestre Ferraz”! A partir de então, teria muita história pra contar…

O Sorriso de Teresa

A garota do semáforo.

Ela faz ponto no cruzamento da Santa Rosa com Antônio Carlos. Vende doces e queijos… para ganhar o pão!

Chega de manhãzinha, por volta da seis, a fim de pegar o maior fluxo de veículos das pessoas indo para o trabalho ou levar crianças pra escola. É como o “pássaro madrugador… pega as melhores minhocas”!

A cada dois minutos e meio ela tem cinquenta segundos para vender suas guloseimas. É o tempo que o sinal vermelho do cruzamento lhe dá para abordar os motoristas que param carrancudos nas quatro filas paralelas. A maioria nem abaixa o vidro escuro do carro para fazer o sinal negativo. Mesmo assim ela agradece com uma discreta deferência… e um sorriso!

Estatura mediana, negra, anca larga, obesa, ela se move lentamente entre os carros e evita ir até a terceira fila… para não ser surpreendida entre os carros e atrapalhar o trânsito quando o sinal se abrir.

E assim segue a manhã distribuindo sorrisos…

Um sorriso que encanta, que quebra o gelo!

Um sorriso que abre a carranca dos motoristas que param com seus carros fechados!

Um sorriso gratuito, que enriquece a manhã das pessoas que se dignam a olhar pra ela!

Assim é Teresa… Sorridente, respeitosa e gentil com todos que olham pra ela nas manhãzinhas no semáforo! Mesmo que não comprem nada… Que apenas olhe pra ela.

Foi assim que conheci Teresa nos primeiros dias de fevereiro do ano passado quando começou o ano letivo.

Foi assim que me acostumei com o sorriso de Teresa… Uma ilustre desconhecida vendedora de doces e queijos no semáforo!

Na volta das férias, em agosto, fui surpreendido com a gritante ausência de Teresa… e seu sorriso!

O que teria acontecido com Teresa?

Teria ganhado na Mega Sena e parado de trabalhar?

Teria mudado de ponto? De cidade?

Estaria doente?

Fiquei muito tempo sem resposta.

Na última semana de novembro, Teresa reapareceu. Voltou a iluminar o semáforo da Santa Rosa com Antônio Carlos!

Quando a vi abri a janela do carro, coloquei a cara para fora e fiz a tradicional pergunta, como se fôssemos velhos amigos:

– Você sumiu! O que aconteceu?

Teresa, com seu cestinho de doces e queijos, abriu ainda mais o costumeiro sorriso, sorriu com a boca e com os olhos, e deu a clássica resposta:

– É uma longa história!

Disse isso, mas olhou para o semáforo, se deu conta de que a luz havia acabado de ficar vermelha, notou que eu era o segundo da fila e que, portanto, ela tinha quase cinquenta segundos e começou contar sua história.

– Eu estava cuidando da minha mãe… Ela teve câncer, no útero, e acabou morrendo.

Mal abri a boca para me solidarizar, ela emendou:

– Logo depois da minha mãe, meu irmão também ficou doente… De repente ficou muito mal e descobriu que estava com câncer, no fígado… Ele bebia muito. Quando descobriu já era tarde. Acabou morrendo…

Triste por ela, deixei escapar algumas palavras de alento e … o sinal verdejou!

Antes que os carros se movessem na pista morna, Teresa se moveu para calçada fria e emendou resignada:

– É vida que segue …

Enquanto soltava o freio para me mover, pude ver seu aceno de mão e ouvir sua bênção, com o tradicional sotaque belorizontino:

– “… ‘cum’ Deus” – disse Teresa, exibindo seu melhor sorriso.