Jeff… O Homem do Chapéu Furado

PENÚLTIMO CAPITULO

      Havia meia hora que o sol deixara de pratear as planícies que circundavam Carson City. A noite baixara lentamente seu véu negro turvando a pradaria. A cidade estava silenciosa. Uma ou outra pessoa atravessava a rua de vez em quando, pensativa, como se estivesse pressentindo algo de ruim. Poucos sabiam que aquela rua larga e poeirenta estava para ser palco de cenas brutais, nauseantes. Ou talvez gloriosas, caso os homens da lei conseguissem derrotar os criminosos. Na delegacia Jeff, com o pés sobre a mesa, abastecia seus colts e um rifle.

– Você acha que eles virão rapaz? – Indagou Morrison preocupado.

– Certamente. Com seu nome de Guarda Rural texano e o sobrenome que eu coloquei no bilhete, o coronel dará atenção. Eles devem estar a poucos milhas daqui. Antes que eu me esqueça, quando mesmo será o dia ‘12’?

– Daqui a cinco dias. Por quê?

– Nesse dia eu tenho um compromisso…

– Pode-se saber que tipo de compromisso?

– Coisa sem importância, a não ser pra mim. Coisa pessoal…

– Você me parece tão próximo e as vezes me parece tão distante, tão enigmático. Eu me pergunto se você é um anjo enviado de Deus para acabar com o mal em Carson City, ou um diabo que veio mostrar que é o maior.

– Quanta asneira Morrison. Sou apenas um homem como tantos outros, que não concordam com certas coisas e tentam mudá-las. Vamos ao saloon tomar um trago para limpar a garganta e relaxar.

Jeff mal acabou de virar o copo na boca, Morrison, que havia sido detido na esquina e ainda estava na varanda do saloon, alertou:

– Estão chegando!

– Os ‘nossos’ ou ‘eles’?

– ‘Eles’…

Jeff chegou até a porta e os viu na entrada norte da cidade. Eram dezenas. Todos montados avançavam passo a passo pela rua principal.

– Quem for pela lei e ordem e desejar defender suas famílias, pegue suas armas e lutem – disse o xerife às pessoas que estavam no saloon.

Jeff sorrateiramente procurou um lugar estratégico que lhe servisse de abrigo e favorecesse a visão para a artilharia. Rapidamente se alojou no terraço do prédio que ficava quase em frente a Delegacia. Os Bandidos chefiados por Richard pararam em frente a Delegacia. Um deles gritou:

– Xerife… Temos um acerto de contas… Carson City está muito pequena pra nós!

Não obtendo resposta, Richard fez um aceno e no mesmo instante mais de vinte rifles cuspiram fogo na direção do escritório da justiça, estraçalhando a vidraça, arrancando lascas e abrindo buracos na parede de madeira. Nesse instante Jeff e Morrison, em posições diferentes, entraram em ação. Os primeiros tiros de Jeff fizeram três cadáveres.

– Cuidado! Eles estavam nos esperando! Espalhem-se… – gritou um dos líderes do bando.

Imediatamente os bandoleiros deixaram suas montarias para se abrigarem da chuva de balas despejadas pelos dois policiais e mais alguns cidadãos que atenderam ao apelo de Morrison. Jeff mandou mais alguns para o inferno e mudou de posto. Morrison já havia derrubado três. Dois capangas de Richard esgueiraram silenciosamente, um de cada lado do saloon, surgiram repentinamente na frente e pegaram dois dos defensores da lei desprevenidos. Alvejaram e foram imediatamente alvejados por Morrison. Em seguida um dos recrutados tentou atravessar a rua na direção da barbearia e foi atingido por Richard. Morrison e Jeff se juntaram.

– A coisa está preta rapaz. Acho que somos menos de meia dúzia contra mais de trinta…

– Um a menos – emendou o delegado vendo mais um recruta exalar um gemido após receber uma descarga mortífera de um dos bandidos.

– Pior do que eu pensava.

– Não desanime meu velho. Ele eles devem estar chegando… E eu tenho mais de trinta balas no cinturão. Dá para acertar uns quinze deles. Vamos nos separar novamente.

As munições dos dois logo se esvaíram. Eles voltaram a se juntar.

– Só tenho duas balas no colt rapaz.

– Eu só tenho uma. Quantos mandou para o inferno nos últimos dez minutos

– Três… E você?

– Acho que derrubei seis. Eles estão bem entrincheirados. Vamos recuar cautelosamente parra o sul para que não percebam que estamos sem munição.

Os bandidos também eram astuciosos, e logo petrceberam a manobra do inimigo para ganhar tempo.

– Eles não atiram mais. Certamente devem estar sem munição. Vamos encurralá-los na entrada da cidade. Vamos sair todos de uma vez na rua para amedrontá-los – orientou Sancho.

Logo, mais de vinte bandidos caminhavam pelo meio da rua principal, de armas em punho, a fim de massacrar os homens da lei.

– Sancho, tome a direção do pessoal e siga devagar enquanto vou molhar a garganta no saloon. Mas não os mate… Quero Jeff vivo! – falou Richard.

– Apareçam xerifes – gritou Sancho Perez à frente da turba assassina – a festa acabou. Sei que estão sem munição… Deem as caras para conversarmos.

– Por que não vai ver se estou tomando um trago no saloon – respondeu Jeff de longe, tentando ganhar tempo.

– É um homem de coragem rapaz. Não é qualquer um que consegue fazer piada numa hora como essa. Estão prestes a virar pasto de abutre. É mesmo uma pena que você não viva para contar essa façanha a ninguém.

Jeff deu uma olhada em volta de si no beco onde estava, refletiu por um instante e se encaminhou para o centro da rua com o revolver no coldre.

– Hei….você quer se suicidar? – interpelou Morrison, sem entender a atitude de seu auxiliar.

– Hei muchachos, o gringo é mesmo valente. Vejamos como ele dança.

No instante seguinte uma saraivada de balas rodeou as botas do jovem delegado. O luar turvou-se repentinamente e a temperatura elevou-se na mesma proporção. Um projétil arremessou longe o chapéu preto de Jeff.

– Que tal a pontaria de Sancho, gringo? – gritou sarcástico como sempre o mexicano dando uma gargalhada!

Nesse instante.

– Atacaaaaarrr…

Aturdido com o grito, Morrison virou-se e viu surgir na curva e entrar na cidade um pelotão da Cavalaria Americana com mais de quarenta soldados empunhando seus fuzis. Jeff, tal qual um tatu-bola, rolou para um beco procurando abrigo, enquanto os bandidos de Sancho Perez eram alvejados. Surpreendidos com o ataque fulminante dos soldados, sem saber de onde vinham, a maioria tombou no meio da rua. Richard acabara de sair do saloon quando o tiroteio teve início. Sem entender o que estava acontecendo, agiu por instinto e misturou-se às sombras. Aproveitando a confusão que reinou por alguns minutos, Sancho Perez infiltrou-se pelos becos sombrios da cidade e desapareceu. Seus subordinados, sem tempo para se abrigarem, tentaram rechaçar os tiros de fuzis do defensores da pátria, mas sucumbiram um a um antes de chegarem a um esconderijo. Em poucos minutos mais de vinte corpos sem vida estavam estendidos no meio da rua poeirenta de Carson City. Cessado o tiroteio, Morrison foi o primeiro a aparecer.

– Obrigado Tenente. Vocês chegaram na hora exata. Se demorassem mais alguns segundos esta cidade perderia um velho xerife e o melhor delegado do oeste.

Antes que o casaco azul pudesse exclamar algo, uma cena chamou sua atenção. Jeff saiu do beco tranquilamente carregando um pequeno pistoleiro pelas calças, o qual esperneava e praguejava sem parar. O delegado atirou o homenzinho aos outros bandidos desarmados, apanhou seu chapéu a alguns passos, olhou para mais um orifício na copa e exclamou:

– Realmente, o homem que inventou o … hei Peter Lane?! – falou reconhecendo o comandante do pelotão.

– Jeff Hobson?! … – exclamou o tenente.

– Como estão os ossos meu amigo? Há quanto tempo não o vejo.

– Vai indo, vai indo… Seria você o ‘melhor ajudante de xerife do oeste’?

– Há quem o diga … – desdenhou de si próprio o delegado, sacudindo a poeira da roupa.

– E o que foi feito do posto de Capitão dos Guardas Rurais do colorado? – indagou.

– Ora, vamos conversar no saloon.

O velho xerife Morrison que já estava atônito com os acontecimentos ficou ainda mais abobalhado com o rápido diálogo dos dois rapazes.

Foram os três para o saloon enquanto o sargento reorganizava o pelotão e tomava as medidas de praxe quanto aos poucos bandidos que sobreviveram.

– Sr. Lane, faça este bastardo me dizer quem é ele, antes que eu lhe entorte o nariz – disse Morrison, sentindo-se enganado pelo seu ajudante.

– Como… você não o conhece? – Estranhou o Tenente.

– Calma senhores … Eu explico:

Entre um gole e outro de cerveja, Jeff contou quem era e o que viera fazer em Carson City. Só não disse que era irmão de Doris.

– Bolas – disse o xerife. Acho que estou ficando velho. Jamais imaginaria tal coisa, apesar de que você as vezes me parecia meio estranho.

– Você não tem culpa meu velho… Ninguém aqui sabe que sou filho de Rock Hobson.

– O Stam sempre disse que vocês se assemelham nas atitudes…

– Mera coincidência. Nem ele conhece esse segredo.

– E agora, que pretende fazer? – Interrompeu o Tenente Lane. Os bandidos que assolavam a região partirão amanhã para o forte e de lá para a Penitenciaria. Você vai voltar para o Colorado?

– Não… Não por enquanto. Os assassinos de meu pai ainda estão vivos.

– Vingança não é digna de uma pessoa como você.

– Eu não vou caçar vingança. Os assassinos virão a mim.

– Como sabe?

– Já ouviu falar de Brad Macgree e George Sanders?

– “Os Bodes”? Os dois maiores caloteiros do Kansas?

– Eles mesmo. São os dois que comandam tudo que não presta aqui na região. Os mais traiçoeiros coiotes trabalham para eles. Se você os conhece bem, deve saber que eles nunca foram vencidos em nada. Daí o apelido de “Bodes”, cabeças duras e persistentes. Eles não conhecem a derrota. Portanto virão atrás de mim para me liquidar assim que você for embora com seus homens.

– Quer que eu fique para ajudá-lo?

– Não… agora são poucos. E isso é um caso pessoal. Eles liquidaram meu pai… e virão me matar. É justo que eu me defenda… sozinho!

 

*** A aventura de “Jeff, o homem do chapéu furado”, em Carson City, termina na segunda-feira, 14.

O Engraxate Cantor não morreu

Com debilidade permanente dos membros inferiores, ele pouco sai de casa…

Depois de contar uma página da história do Engraxate Cantor, perguntando sobre seu atual paradeiro, pipocaram comentários nas redes sociais. Alguns queriam informação… outros ‘tinham informação’! Algumas desencontradas. Teve internauta que chegou a ‘matar’ o menino que vi crescer, há mais de dois anos!

Como dizia meu pai, “se você levanta uma lebre, vá atrás, até saber onde ela foi parar”. Seguindo essa sábia orientação, fui investigar. E constatei: Claudinei, o engraxate cantor, está vivinho Ferreira da Silva. Ligeiramente capenga, mas está vivo… e bem-humorado.

No final da tarde desta quarta-feira Claudinei recebeu a visita de um velho conhecido. Desta vez o policial não foi levar-lhe um par de pulseiras de prata… Foi investigar seu ‘status’ e ‘modus vivendi’, e levar-lhe um presente… um presente que Claudinei está precisando muito, desde que quase perdeu a vida e perdeu parte da mobilidade.

É verdade que o engraxate cantor se envolveu numa treta com um andarilho nas proximidades do ‘Alvoradinha’, há cerca de dois anos, e acabou muito ferido. Chegou a passar horas na recepção de São Pedro, mas o santo que detêm as chaves da porta do céu disse que ainda era sua hora. Claudinei voltou pra terra, para sua casa na Baixada do Mandu e hoje, órfão de pai e mãe, vive com familiares.

A briga com o andarilho não encerrou seu ciclo na terra, mas deixou sequelas. Claudinei sofreu avarias em membros importantes do corpo e perdeu parcialmente os movimentos dos membros inferiores e sofre frequentes convulsões. Agora precisa da ajuda de um ‘andador’ para se locomover… e da ajuda da família, tão humilde quanto ele, para viver. Hoje ele não consegue fazer feiúra nem com ele mesmo.

O engraxate de sapatos e depois de portas de aço, continua dependente de drogas! Mas agora de drogas lícitas, que até você, que está lendo essa matéria, pode levar pra ele. Drogas como essas que aparecem na foto ao lado dele.

Claudinei agora faz uso continuo dessas drogas, LICITAS, para controlar as convulsões.

Apesar dos percalços da vida, o engraxate cantor continua sua missão terrena, resignado, resgatando erros do passado e do presente. E o mais importante: não reclama do fardo que carrega. Aos poucos, vai lavando a alma.

 

*** Você que acabou de ler esse texto, se quiser, pode, com orações e medicamentos, ajudar a tornar mais leve o fardo do Engraxate Cantor.

“Vai graxa aí, ‘dotor'”?

     Depois de conquistar a clientela… ele deu o ‘tomé’ na delegada!

Ele passava em frente a delegacia sempre no final da tarde, com sua caixinha de engraxate nas costas. As vezes assoviando… outras vezes cantarolando trechos de um dos sucessos de Leandro & Leonardo. “Liga pra mim” era sua favorita. Passava sempre do outro lado da rua, entrava nos escritórios de despachante, mas nunca entrava na delegacia. Parecia ter medo de policia. Até que um dia vendo-me na porta, atravessou a rua e disparou:

– “Vai graxa aí, ‘dotor’? Dois ‘real’. Pro senhor que é ‘dotor’ tem desconto… Um real, no capricho”!

Meus sapatos viviam brilhando. Eu não precisava de engraxate. Mas já que eu não podia me afastar da recepção, pois estava segurando plantão, concordei. Sentei-me no banco liso e lustroso de madeira diante do balcão, puxei a barra da calça até a canela e liberei meus pisantes. Alegre e bem disposto o engraxate sentou-se na ponta da caixa de madeira, triangular, e começou seu mister. Trabalhou o tempo todo cantarolando baixinho as músicas dos seus ídolos. Terminou seu trabalho, jogou mais um centavo de conversa fora e foi embora. Na semana seguinte voltou. Chegou cantando e, não me vendo na recepção, foi parar na porta do CPD onde eu trabalhava, no final do corredor.

– Não engraxei ninguém até agora ‘dotor’ Chips! Vai graxa aí? Um real pro senhor!

Passava de cinco e meia da tarde. Quem trabalhou até aquela hora trabalhou… Quem não trabalhou não trabalharia mais! Abri a portinhola, sentei-me no comprido banco de madeira defronte a sala e o engraxate novamente lustrou meus sapatos… Cantando!

A voz aguda – e até afinada – do garoto, encheu o corredor. Como engraxate era um ótimo cantor!

Sua performance musical agradou. E assim ele foi conquistando a clientela delegacia adentro! Alguns detetives mais carrancudos e até delegados sisudos se tornaram seus clientes. O Inspetor Angelo era assíduo. Sentava no comprido banco de madeira na recepção, estendia a perna, acendia seu cigarro Hollywood e jogava conversa fora enquanto o garoto encardido, porém alegre, lustrava seus pisantes.

À medida que ia conquistando a clientela, o engraxate foi perdendo o medo de polícia e desbravando o espaço no velho prédio da DP. Agora, se encontrava a porta do gabinete aberta, entrava e oferecia seu serviço.

– “Vai graxa hoje, ‘dotor’”?

Certa tarde de 1998 entrou no gabinete da Delegada Inês. Com dois centavos de prosa estava lustrando as botas da Delegada de Menores. Sempre cantarolando ou assoviando baixinho um verso qualquer das suas músicas preferidas. Ao cabo de alguns minutos de cantoria e algumas perguntas aleatórias sobre assuntos policiais, o engraxate batucou a escova na lateral da caixa sinalizando que havia terminado de prestar seu serviço. A delegada então abriu uma gaveta da sua mesa, sacou sua carteira e … Decepção! Não havia uma miséria moeda na carteira. Mas havia cédulas de 50, de 20, de dez…

– Toma Claudinei… você tem troco pra dez reais?

Não. Não tinha. Mas pegou a cédula assim mesmo. Pegou a nota nas duas extremidades, esticou, olhou na frente, olhou no verso como se estivesse verificando a autenticidade e falou:

– Vou trocar na padaria e já volto.

Sem esperar anuência dobrou a ararinha vermelha, colocou na algibeira da bermuda encardida, e saiu cantarolando como sempre com a caixinha de apetrechos nas costas. Nem eu e nem a delegada, em nenhum momento, duvidamos que ele voltaria com o troco.

E Voltou. Demorou um pouco mas voltou. Voltou dois meses depois. E voltou de táxi… no táxi do contribuinte. Mas não por causa do troco de nove reais. Voltou por causa da pedra… da pedra bege fedorenta! Voltou sujo, maltrapilho, encardido, acabrunhando, tentando esconder o rosto… fedendo a sabão e amoníaco…

Voltaria muitas outras vezes nos próximos anos… no táxi do contribuinte, portando pulseiras de prata…

 

*** Claudinei, o engraxate-cantor, é um dos cinquenta personagens do livro “Meninos que vi crescer”! Essa foto é de 2015, num dos raros momentos de remissão do crack. Nesse dia ele jurou de pés juntos que havia parado com a droga. Havia encontrado Jesus e estava procurando emprego.

Por onde andará o engraxate-cantor?

Chico Luca & Mariana

Mudanças…

O peculiar carinho de Mariana aquela noite não passara despercebido à Chico Luca. Desde que passara defronte a janela em que ela amamentava a ‘gorduchinha preta’ – era assim que eles chamavam Maria Sione logo que ela começou engordar com o leite materno – ele sentira alguma coisa em seu olhar. Era um olhar mais manso, mais terno, mais meigo. Ao sentar-se para pitar na escada da porta ela viera sentar-se ao seu lado, sem fazer os relatos espinhosos do dia como sempre fazia. Ao contrário, só conversaram coisas amenas!

Essa paz despertara nele o desejo de um jantar especial… regado à cangibrina! Talvez para comemorar alguma coisa que ele, também, não sabia o quê.

Lembrou-se das últimas horas que passou no mandiocal no Sapé…

Lembrou-se da cascavel com a linguinha fina na frente da fuça triangular procurando o alvo para dar o bote. É verdade que ele sentiu um certo pavor, correu um grande risco, mas, certamente já se vira em situações semelhantes outras vezes e não sentira nada diferente.

Não, não havia acontecido nada de novo, de diferente, naquele dia. Mas, sim, ele se sentia mais alegre do que de hábito, mais leve, mais…mais, mais próximo da sua negrinha!

Estendeu o braço comprido por sobre o ombro de Mariana e a puxou para seu peito…

Ela se aninhou, se derretendo…

Ficou por uns instantes assim mergulhada no peito do marido até que levantou lentamente a cabeça e procurou seus lábios…

Beijaram-se com doçura.

Passos lentos e suaves no piso de madeira da sala interromperam o momento de ternura.

Mariana afastou um pouco do peito do marido, olhou pra ele. Olhou para a lua que subia lentamente no céu, agora bem acima do bambueiro. Procurou palavras que expressassem o que estavam sentindo. Desnecessário, pensou. Tornou a olhar para o céu de prata e finalmente falou:

– Vamos sentir saudades daqui!

Chico Luca puxou uma longa tragada do cigarro, soltou a fumaça pra cima e falou em tom resignado:

– Sim. Mas é preciso…

A lua cheia estava se aproximando do beiral do telhado. O frescor da noite, o silencio, aqueles momentos de ternura… Tudo convidavam para um contato mais caliente. Chico Luca e Mariana voltaram a se beijar.

– Sobrou um restinho da cangibrina? – perguntou ele com um sorriso malicioso nas bochechas.

– Você está querendo fazer arte, hein! – falou Mariana, fingindo rubor, se levantando.

Um minuto depois voltou com a garrafa que ainda continha alguns dedos de cachaça e a entregou ao marido. Chico Luca tirou a rolha e ofereceu à esposa. Mariana devolveu o olhar de malícia e tomou um generoso gole. Chico Luca tomou o restante… Foram abraçados para o quarto. Aquela noite fizeram amor como nunca antes na vida. Amor cúmplice. Amor terno. Amor meigo. Amor despertado… amor de marido & mulher que se amam!

 

*** Se você quer continuar essa viagem pela bela historia de vida de “Chico Luca & Mariana”, embarque no romance… ( ops! Esse não tem título definitivo e ainda nem foi publicado, rsrsrsrs…)

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

“… qualquer frequentador do “Cine Gloria” ou do “Cine Eldorado” em Pouso Alegre nas décadas de 70 e 80, dirão que o mais marcante foi Clint Eastwood!

O cavaleiro solitário – encarnado pelo ‘quase lendário’ Clint Eastwood – é, de longe, o mais longevo caubói da história do Velho Oeste”.

CAPÍTULO X

Jeff estava no estábulo ‘conversando’ com seu cavalo no final da tarde quando Stam chegou.

– Seu “primo” está vingado Tigre, com Juros como eu prometi. Ontem mandei uns dez lacaios para o inferno – dizia o delegado ao seu baio, enquanto lhe passava o escovão.

– Olá jovem. Cuidando do seu melhor amigo, não é?

– Olá doutor. Tem razão. Depois do colt o cavalo é o melhor amigo do homem, nestas terras violentas onde a civilização ainda não chegou.

– Você fala como um sábio rapaz. Isso me faz lembrar o velho xerife Rock Hobson. Ele costumava dizer: “A vida é como um jardim florido, todas as flores nascem com igual beleza, mas há sempre as que murcham antes das outras e enfeiam o jardim e as outras flores”. Ele dizia também: “Cuide bem do seu cavalo pois ele é o único amigo que você tem. As pessoas que o rodeiam como amigo, procuram apenas uma oportunidade para lhe cravar um punhal pelas costas ou meter-lhe uma bala de fuzil”.  Tinha razão o sábio Hobson.

– Já o ouvi falar desse homem como um herói. Você o conheceu bem? – indagou Jeff.

– Oh, muito. Fomos amigos por muitos anos. Amigos de compartilhar segredos. Ele era um homem formidável, muito honesto em suas atitudes. Em todo esse tempo ele cometeu apenas um só deslize… que ele mesmo me contou.

– É mesmo? Que deslize?

– Bem… aqui em Carsom City ninguém sabe disso… – parou de falar o médico.

– Diga Stam…

– Não sei se devo contar ….

– Ora doutor, eu não vou denegrir a imagem do finado.

– Rock era um rapaz muito simpático e atraente quando mais jovem…

– E aí ‘?’

– Bem, ele teve um caso fora do casamento… com a mulher de um rico banqueiro… – contou Stam a conta-gotas.

– Isso trouxe alguma consequência. O marido dela ficou sabendo e eles duelaram?…

– Não, não… O marido chifrudo nunca soube. Nem a filha…

– Filha? Ele teve uma filha com a mulher do banqueiro?

– Sim… a família mudou-se para Carson City mas o segredo sempre esteve debaixo de sete chaves.

– Que idade tem hoje a menina bastarda?

– Não é mais uma menina… É uma moça. Uma linda moça!…

– Espere! Você está dizendo que a filha de Rock é a … Doris?!

– Isso mesmo. – confirmou o médico, olhando por baixo dos olhos para o rosto de Jeff.

Essa revelação foi um choque inesperado para o jovem delegado. “Aquele pedaço de víbora então é minha irmã”? – pensou ele.

– O que foi rapaz? até parece que viu um fantasma. Está certo que foi uma fraqueza de Rock mas não é preciso ficar pálido por isso, afinal todo homem dá seus pulinhos.

– Não foi nada. Continue sua narração… Doris sabe quem  é seu verdadeiro pai?

– Não, sua mãe morreu quando ela ainda era criança. O banqueiro nunca soube. Rock naturalmente também se calou.

– E quanto a Doris? Como ela é? Sempre foi mesquinha desde pequena? – Interessou-se Jeff.

– Não. Até algum tempo era uma garota formidável. Mas depois com a influência do ‘pai’, foi se modificando. Hoje faz todas as vontades do pai. Mas é uma boa moça.

– Quer dizer que faz o que ele quer?

– Exatamente, tanto que ela vai se casar com o paspalho do Richard porque Charles o impôs.

– Preciso impedir isso, ela é min… – calou-se.

– Você ia dizer minha!…

– Sim, minha obrigação impedir que uma moça direita se case com um cafajeste como aquele almofadinha sem escrúpulos – emendou Jeff.

 

No dia seguinte.

“Toc, toc,toc” foi o som ouvido’ por Doris Heb vindo da porta de sua residência no andar superior do banco. Ao abrir maquinalmente a porta teve uma surpresa.

– Você?!

– Olá Cascavel. – disse Jeff provocante, tentando encontrar um assunto para abordar a jovem.

– O que quer aqui? Meu pai está lá embaixo…

– Muito melhor, pois eu preciso falar é com você.

Doris, lembrando do último episódio em que tentou matar o auxiliar de xerife atraindo-o a uma emboscada, e que, apesar disso, ele nada fizera contra ela, pensou que tinha um débito com ele. Por isso, mesmo contra a vontade, deixou-o entrar.

Jeff adquiriu uma atitude mais séria do que de costume e bastante embaraçado entrou no assunto que o trouxera ali.

– Bem, eu estou preocupado com você.

Doris se retraiu com a afirmação, mas nada disse. Jeff foi direto ao assunto.

– Você sabe quem é seu pai?

– Pergunta muito idiota não acha?

– Falo do verdadeiro pai.

– Que conversa é essa… Charles não é meu pai? – perguntou.

– Não. Você se lembra de Rock Hobson?

– Sim. Um bom sujeito que foi assassinado pelas costas tempos atrás e ninguém fez nada para punir o assassino. – Disse Doris com certa ponta de despeito pela função de Jeff.

– Eu estou aqui para isso e estou muito próximo de realizar meu objetivo. Mas o mais importante é o que você precisa saber…. Rock Hobson… era seu pai.

– O que disse?!!

Jeff lhe contou o que sabia.

-Não posso acreditar! – falou Doris esfregando as mãos para conter o nervosismo.

– É a verdade… E tem mais algo que você precisa saber. O velho Rock era… – hesitou Jeff.

– ‘Era’?….

– Rock Hobson era meu pai – completou Jeff.

Doris levou instintivamente as mãos à boca tentando esconder sua estupefação.

– Quer dizer que… nós somos irmãos

– Sim… Meio irmãos.

– É tudo muito absurdo. Há quanto tempo você sabe disso?

– Até ontem eu ignorava. Foi o doutor Stam quem me contou. É difícil acreditar, não é?

– Jamais imaginaria tal coisa.

– Tem mais coisa que precisa saber, Doris. Você sabe quem são os responsáveis pelos assaltos a bancos, diligências, caravanas, roubos de gado e todo crime que assola a região?

– Não tenho a menor ideia.

– É o pessoal do Rancho Barra Y, George, Brad, Richard e seus capangas. Não diga que não sabia disso.

– Não! Não sabia. Vou muito pouco à fazenda. Eles são muito amáveis comigo. Nunca desconfiei de nada.

– Então você não sabe por que o banco de seu pai nunca foi assaltado? É porque Charles é uma peça muito importante no jogo de George e Brad. É ele quem dá as informações quando entra algo de valor no condado.

– Você quer dizer que Charles é um cúmplice dos bandidos? E como você sabe tudo isso?

– Ora, basta ser um pouco inteligente e ter um pouco de sorte. Além do mais eu sou um agente da lei. Investigar é meu ‘mitier’! Me diga, agora, depois de tudo que sabe, você ainda pretende se casar com o almofadinha?

– Eu não sei o que dizer… O que você acha que devo fazer?

– Aja como se não soubesse de nada, por enquanto… Eles já sabem o que nós sabemos sobre eles. Amanhã teremos ‘fogos de artifício’ na cidade. Torça para que tudo acabe favorável à lei… Que a justiça seja feita. Se sobreviver eu a levarei daqui.

Jeff despediu-se deixando Doris mergulhada em um turbilhão de pensamentos. Quando ia saindo do prédio topou com Charles que vinha subindo a escada. O banqueiro instintivamente estendeu-lhe a mão dizendo:

– Olá rapaz, a que devo a honra de receber a visita do bravo delegado? Vamos entrar. O almoço já deve estar pronto.

– Obrigado sr. Heb, fica para outro dia. Morrison me espera na delegacia. Até logo.

– Até logo delegado – respondeu o banqueiro, intrigado com a visita.

Jeff ganhou a rua e se dirigiu para a Delegacia sem notar a presença de um homem no telhado do prédio defronte o banco. O mesmo que estivera ali observando desde que ele entrara na residência do banqueiro. O homem habilmente deixou o telhado descendo pelos fundos, montou em seu cavalo e saiu sorrateiramente da cidade. Enquanto isso…

– O que o delegado queria, filha?

Doris hesitou. Um tanto porque não tinha uma resposta pronta e outro tanto pelo significado da palavra “filha”. A hesitação lhe ofereceu uma boa resposta.

– Ele veio procurar Stam. Parece que ele contundiu o ombro ontem e lhe disseram que talvez o doutor estivesse aqui.

– Hum… – resmungou Charles, pensando em coisas mais urgentes.

 

Mais tarde, não muito distante da cidade.

No curral havia mais de quarenta homens. Entre eles George, Brad e Richard. O clima era tenso e belicoso.

– Já é a segunda vez que esses malditos xerifes vão direto ao esconderijo – esbravejou Brad. Impossível que seja por mero acaso. Tem que ter um traidor! Seja ele quem for, vai pagar com a vida.

– Você tinha razão Brad… Charles e a filha são os traidores! – Disse o pistoleiro que estivera observando os movimentos de Jeff mais cedo.

– Conte o que sabe Stanley.

– Eu fiz como você mandou. Me alojei no terraço do prédio em frente o banco e fiquei observando. No final da manhã o auxiliar de Morrison foi até a casa do banqueiro. Foi atendido por Doris, entrou, conversaram uma meia hora… Quando ia saindo topou com Charles que subia para almoçar. Cumprimentaram no pé da escada, trocaram algumas palavras amistosas e o delegado seguiu para a Delegacia. – Narrou o espião.

– Está vendo George? Não se pode confiar em ninguém. Hoje a noite arrasaremos Carson City. Vamos liquidar os dois xerifes, o banqueiro e a filha.

– Espere – interrompeu Richard – Se liquidarmos os xerifes não haverá necessidade de acabar com os Heb.

– Talvez você tenha razão. Após tirar os empecilhos do caminho prosseguiremos com nosso passa tempo e precisaremos de um bom informante.

– Não sei não… Traidor uma vez, sempre traidor. Além do mais já perdemos muitos homens por causa dessa traição. É melhor dar cabo deles também. – Cortou George.

– Vamos primeiro cuidar dos homens da lei, depois a gente cuida dos Heb. –  arguiu Richard, pensando na jovem Doris, com quem pretendia se casar.

– Então já sabem: hoje no escurecer vamos varrer Carson City, a começar pelos dois xerifes. E não se esquecem que James e Pat são amigos deles, portanto merecem um pouco de “atenção”! Quem abater Jeff poderá ficar com o saloon como prêmio.

– Aí caramba, poderei beber “tequila” à vontade. – Disse cinicamente Sancho, o que mais tinha sede em Jeff.

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City – penúltimo capítulo -, continua na próxima quinta-feira, 10.

BORA VIAJAR!

     Assim começou o mais sublime romance policial vivenciado no alto da serra da Mantiqueira.

Ao término do jantar, Juliano, como de hábito juntou as sobras dos pratos, pegou os ossinhos da costelinha de porco e foi levar lá fora para a cadela da irmã.

– Ué! A Lobinha não está aqui na varanda… – disse o garoto intrigado.

– Cadê minha cadelinha? – perguntou Paloma enquanto retirava a mesa.

– Faz mais de meia hora que estou ouvindo latidos constantes vindo da direção da estrada… deve ser ela – respondeu Júlio.

– Escutem… parece ser mesmo os latidos da Lobinha – emendou Valentina.

Todos saíram à varanda para ouvir melhor.

– É ela mesmo… Os latidos parecem que vem da curva do pinheiro – disse Paloma.

– Você disse que faz mais de meia hora que ela está latindo, querido?

– Do quarto eu não distinguia se os latidos eram dela… mas faz bem tempo.

– Será que ela está ferida? – indagou Juliano.

– Não filho. Não são latidos de dor… Ela deve estar acuando algum bicho, um ouriço, um gambá, talvez…

– Eu vou chamá-la… – disse Paloma saindo em direção à estrada.

– Cuidado filha… Pode ser um lobo, uma jaguatirica… – advertiu Valentina, mas Paloma não ouviu! Já estava chegando ao portão da pousada, seguida do irmão aos gritos “Lobinha, Lobinha, Lobinha”. Os latidos cessaram. No minuto seguinte a bela e esguia cadela dourada passou por uma brecha do portão de madeira e adentrou a alameda da pousada, arfante, abanando o rabo, feliz por terem se lembrado dela. Fez festa para a jovem dona, pulou no garoto que batia palmas e chegou correndo à varanda onde Júlio, apoiado na esposa esperava pelos filhos. Apesar do cansaço, e de estar de volta ao seu habitat, Lobinha não parou um instante. Correu inquieta ao redor dos donos, voltou a latir, deu meia volta e seguiu rumo ao portão de onde viera.

– Ei, espera, onde você vai garota? Venha jantar… – disse Paloma tentando segurar a cadela cor de arrozal maduro. Mas ela não parou. Enfiou-se novamente no vão da porteira e voltou latindo morro acima em direção à curva do pinheiro.

– E agora? O que deu nela? – quis saber Paloma, preocupada com o comportamento da cadela.

– O que quer que seja que ela encontrou ainda está lá. Se fosse um animal acuado, teria ido embora quando ela parou de latir e se afastou… estranho – conjecturou Júlio.

– Eu vou lá ver o que é… Juliano, pega a lanterna! – disse Paloma, pegando ela mesma um cajado de aroeira que ‘morava’ atrás da porta, na recepção.

– Cuidado filha, não se aproxime muito. Pode ser perigoso… – alertou Valentina apreensiva, ajudando o marido a se acomodar numa poltrona na varanda para ir atrás dos filhos.

Antes de chegar ao portão que beirava a estrada, ouviu os gritos da filha voltando ao seu encontro:

– Mãe, pai… tem um homem caído ali. Ele parece ferido, não se mexe! Acho que está morto…”

 

*** Se você quer continuar essa viagem pela bela e romântica Serra da Mantiqueira, embarque no livro “Uma viagem que não chegou ao fim”!

Jeff … O Homem do Chapéu Furado

Escrevi “Jeff, o homem do chapéu furado”, em um caderninho espiral no mês de julho de 1977, durante meus turnos de sentinela nas guaritas do 14º GAC, quando servia o exército naquele ano.

Boa viagem à década de 1870!

                                                           CAPÍTULO IX

                                                         “EMBOSCADA”

O sol se erguia causticante nas ruas empurrando os transeuntes para a sombra morna das varandas e casas de madeira de Carson City. Algumas pessoas em seus afazeres atravessavam a rua rapidamente, para se proteger do calor. De repente, na entrada da cidade, surgiu a diligência em disparada, puxada por quatro cavalos molhados de suor e foi parar defronte a delegacia. Ainda da boleia, tentando conter os cavalos açoitados, o cocheiro disparou o alarido de notícias ruins, comuns naquelas paragens.

– Ouaaaa… ouaaa… Hei xerife, me ajude. Assaltaram a diligência outra vez… mataram…

– Calma rapaz! – Disse Morrison saindo à rua – uma coisa de cada vez.

– No canyon… – disse ofegante o cocheiro segurando o ombro esquerdo ferido, enquanto os passageiros desembarcavam. – No canyon do Coiote… eles surgiram pela frente e nos obrigaram a parar. Eram uns dez ou mais… Não tivemos chance. Mataram o guarda e um dos passageiros e me acertaram no ombro – concluiu o cocheiro ainda ofegante.

– Alguém aí chame o médico! Afinal o que os assaltantes queriam? – Perguntou Morrison.

– A mala postal estava recheada. Parece que havia uma grande soma nela. Limparam também os passageiros… foi quando um deles reagiu e foi baleado.

– Viu que direção tomaram?

– Contornaram o canyon do coiote e entraram na pradaria à oeste.

O assalto havia ocorrido a poucas milhas da cidade. Se agisse rápido talvez fosse possível pegar os rastros dos assaltantes, concluiu o xerife, e deu ordens:

– Jeff, encarregue alguém de levar a diligência adiante… Eu vou recrutar homens para uma patrulha. Encontre-me aqui em dez minutos.

Pouco depois nove homens armados de rifles e pistolas partiram de Carson City. Morrison, os chefiava. Após cavalgarem cerca de meia hora chegaram ao local do assalto.

– Dois de vocês… deem uma sepultura digna a esses dois coitados, o resto venha comigo. Vamos achar a pista desses abutres e segui-los.

– Hei Morrison, aqui estão os rastros… bem visíveis – disse o auxiliar Jeff.

– Vamos em frente.

Um pouco adiante.

– Está percebendo onde essa pista nos leva xerife?

– Sim Jeff, para a pedreira. Serão os mesmos que prendemos da outra vez?

– Obviamente. Podem estar nos esperando…

– Preparem as armas e estejam atentos. Poderemos ser alvejados a qualquer momento.

Os patrulheiros penetraram cautelosamente por entre a pedreira, esconderijo perfeito para bandos de fora da lei.

– Parece estar deserto. – Sussurrou Morrison.

– Não se deixe enganar xerife, silencio é prenuncio de barulho – filosofou Jeff.

– Vamos desmontar.

De repente uma voz cortou o silencio…

– Continuem com as mãos sobre a cela, afastem em pouco mais dos cavalos.

Os defensores da lei, antes de qualquer reação, deram uma olhada discreta em volta e compreenderam que era necessário ser obedientes. Formando um círculo em volta deles havia mais de vinte homens armados até os dentes.

– Como é, não dizem nada? Enrolaram a língua? Será que é a emoção de rever Sancho Perez. Estavam com saudades de Sancho e suas piadas? – Provocou o mexicano sarcástico apertando o gatilho do rifle na direção dos patrulheiros, sem olhar o alvo. O pobre homem tombou com um gemido seco, sem vida.

Um brilho de ódio passou pelos olhos de Jeff num apelo mudo, diante de tal covardia. Sancho, que fizera de propósito, o percebeu.

– Ora, vejam quem está aqui, o forasteiro sem nome! Como vai rapaz? Sempre andando para trás, hein? Soube que é ajudante de xerife… um sujeito com sua habilidade se trabalhasse para Sancho teria posto mais elevado que o de engraxate de botas. Mas você é um idiota…. Bem, vamos ao que interessa. Ultimamente vocês têm atrapalhado nossos negócios, e os chefes não admitem ninguém em seus caminhos, muito menos palhaços. Portanto vamos fazer um favorzinho aos chefes, mandando vocês para o inferno, e aproveitar para saldar minha dívida com você, não é mesmo muchacho? Lembra daquela noite no saloon? Você destroçou meu revólver roubado, que era lembrança de um tenente que eu matei afogado numa cocheira de Laredo. Aquele tiro me deixou vários dias sem poder utilizar a mão direita. É hora de acertar nossas contas. Glem, Clint, Joe, deem-lhe o tratamento massagem. – disse com sarcasmo o mexicano bigodudo com o ‘sombrero’ caído nas costas.

A tal “massagem’ feita pelos três brutamontes era semelhante a ser atropelado por uma manada de búfalos em disparada. Se fosse uma luta em que se pudesse defender e contra-atacar, Jeff não teria dificuldade para pô-los a nocaute, pois eles só tinham músculos e não sabiam usar a cabeça. Mas Jeff não tinha essa alternativa. Mais de uma dúzia de rifles apontados para ele e seus companheiros desarmados o impedia de qualquer atitude de defesa. Só restava apanhar como um cão. No entanto, em meio aos socos dos brutamontes e a fala sarcástica de Sancho, Jeff calado pensava numa saída. Antes de perder os sentidos uma ideia surgiu na sua mente.

– Entortem o seu nariz – dizia o sádico mexicano se divertindo com a dor do inimigo e as gargalhadas dos seus homens. Mostrem a ele o que acontece a quem atravessa o caminho de Sancho Pérez.

A cada golpe recebido Jeff procurava esbarrar em seus companheiros, fazendo-os se afastarem entre si, se aproximando dos três bandidos que estavam a sua retaguarda. Os três sujeitos como todos os outros, faziam parte de uma quadrilha preparada para enfrentar quem quer que atravessasse seu caminho, por isso além de um colt traziam também uma Winchester. A princípio Morrison, que assistia penalizado o deprimente espetáculo sem poder fazer nada, não havia entendido as intenções de Jeff. Um golpe em pleno queixo atirou o delegado ao chão. Ao se levantar ele lançou um olhar a Morrison indicando os três homens atrás. O velho xerife deu uma olhada discreta, mas ficou na mesma, tornou a olhar novamente e finalmente entendeu, reparando que os três bandidos mantinham seus reluzentes rifles apontados para o chão, distraídos, se deliciando com a surra que os companheiros impingiam ao valente agente da lei. Para dar tempo a Morrison, Jeff, de vez em quando reagia a algum golpe enfurecendo ainda mais os agressores. Ao receber um soco no estômago, Jeff curvou-se mais do que o necessário e outro agressor lhe mandou um violento pontapé no traseiro, atirando-o de encontro a seu comparsa. Sentindo ser o momento oportuno, Jeff, num gesto inesperado arrancou o revólver do coldre de Glen a sua frente, gritando:

– Agora Morrison….

Num gesto rápido o xerife e os quatro patrulheiros desarmaram os três sujeitos mais próximos e abriram fogo contra eles. O velho e famoso fator surpresa entrou em cena mais uma vez. Os pistoleiros estavam agrupados, formando um círculo em volta da ‘arena’, distraídos, sem jamais esperar tal reação. Os homens da lei’ atiraram impiedosamente para salvar a pele. Com a agilidade que a situação exigia, Jeff rolou no chão pedregoso na direção dos seus amigos fazendo fogo a sua volta até que o colt que ele havia ‘tomado emprestado’ do brutamontes fez ‘clic’… Mas Morrison não era xerife nos cinquenta e tantos anos por acaso, e já pensara nesse detalhe.

– Tome Jeff – disse ele – atirando-lhe uma Winchester de um dos bandidos mortos. Jeff, de um salto pôs-se de pé e continuou atirando com o rifle. Sancho, sem ser percebido, aproveitando a confusão, esgueirou-se furtivamente por trás de umas rochas e fugiu.

O tiroteio cerrado durou pouco tempo, pois aconteceu em campo aberto. Ao cabo de pouco mais de um minuto o cenário se inverteu:

– Não atirem, nós nos rendemos – gritou um dos bandidos jogando a arma no chão.

– Levantem as mãos seus coiotes – ordenou Jeff.

– Muito bem rapaz! Você atuou muito bem – elogiou Morrison.

– Eu não estaria vivo se estivesse sozinho. Bem… vejamos se a caçada, e algumas costelas quebradas, compensou – emendou o delegado. Um, dois, mais dois e mais um. Cinco vivos…

– … E uns quinze no inferno – completou um dos componentes da patrulha.

– É, desta vez os abutres farão um belo banquete – concluiu Jeff.

– Hei… eu não estou vendo o mexicano bigodudo gozador. O cretino só tem coragem atrás de um colt. Quando se viu na frente de um tratou de dar o fora. Realmente muito covarde – comentou o xerife.

– Deixe- o para mim. Eu estou lhe devendo uma “massagem” – disse Jeff de frente para os bandidos capturados. Neste momento percebeu quando um deles olhou com interesse às suas costas. Com a rapidez de um relâmpago Jeff se abaixou gritando por uma arma, pois ainda não havia recarregado as suas.

– Cuidado atrás…

Novamente o chapéu do agente da lei foi arrancado da sua cabeça por um projétil a procura do alvo principal. Morrison e os patrulheiros ainda conservavam as armas engatilhadas e ao se darem conta do que se passava abriram fogo contra o bandido que tentara chegar sorrateiramente pela retaguarda. Após se contorcer por alguns segundos o atirador traiçoeiro tombou sem vida. Aproveitando a pequena confusão, os bandidos, mesmo desarmados se atiraram sobre os homens da lei. A luta, no entanto, durou pouco. Minutos depois os que não estavam mortos estavam dominados.

– A festa acabou – disse Jeff – Bil, busque os cavalos enquanto amarramos esses coiotes.

– Bela caçada hein rapazes… Mas o malote da correspondência com o dinheiro não está aqui – disse Morrison vasculhando o esconderijo improvisado entre as rochas.

– Deve estar com os mandantes do roubo.

– Eles vieram direto para cá…

– Nem todos. Um deles deve ter seguido por outra trilha. Você sabe qual…

– Tem razão. Estive pensando … nossa cadeia não segurará esses coiotes, principalmente agora que seus mandantes estão quase a descoberto. Eles tentarão resgatar os comparsas -falou preocupado o xerife.

– Tenho uma ideia. Como está claro que os responsáveis por tudo isso são os sócios do Rancho Barra Y, George e Brad, e como você me disse, eles tem, ou melhor, tinham mais de quarenta homens, agora devem ter pouco mais de vinte…

– Ahn… Até aí não vi nada de novo.

– Eles atacarão todos de uma vez… Vamos lhes preparar uma surpresa.

– Não conte com os cidadãos de Carson…

– Não estou contando. Vamos embora… no caminho vou expor meu plano.

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira, 07.

 

Bora Viajar!

“Nas páginas dos livros passeamos, conhecemos lugares, pessoas, vidas, histórias…

Nas páginas dos livros sorrimos, emocionamos… às vezes choramos!

Nas páginas dos livros descobrimos, identificamos, formamos opiniões, valorizamos, respeitamos, amamos…

Nas páginas dos livros nos divertimos, relaxamos, espairecemos…

Nas páginas dos livros ficamos mais ricos… de cultura, de conhecimentos!

Airton Chips”

Gregório estava perdido nos papeis da empresa no seu escritório quando o celular vibrou sobre a mesa. ‘Desconhecido’, leu ele na tela colorida, antes de tocar no aparelho. Mas resolveu atender assim mesmo. Quem sabe esquecia um pouco as contas. Tocou na tela e levou o aparelho à orelha.

– Cê tá maluco, mano!  Que doidera é essa de confessar o sinistro?… – disse a atabalhoada e abafada voz do outro lado da linha.

– Quem está falando?

– É o Pafúncio, cara! Chegou uma ‘pipa’ aqui pra mim que você vai abrir o suicidamento pros tiras! Cê tá louco? Isso dá cana pra cacete!!!

– Ô,ô,ô… que ‘pipa’, que ‘abrir’, que ‘suicidamento’? Não estou entendendo!

– Escuta aqui, vacilão… eu tô preso em Jabuti. Caí numa parada aí fazendo uma mula, assinei um BO ferrado! Pior, eu estava de saidinha de uma cana de 33! Agora sou reincidente. De repente chegou uma fita aqui pra mim que os ‘zomi’ descobriu tudo… Foram lá na cidade vizinha; foram no buteco que a gente apagou o cara; acharam o chumbinho no estômago do mané; te enquadraram e você abriu o bico, seu talarico! – falou a voz agressiva no aparelho.

Gregório se levantou rapidamente e trancou a porta do escritório. Não podia correr o risco de alguém ouvir aquela conversa. Estava apavorado. Suava frio. Voltou a sentar-se atrás da mesa, mas não conseguiu ficar sentado. O que estava acontecendo? Que conversa era aquela? Quem descobriu o quê? Já fazia um mês que Jacinto havia sido enterrado e com ele todo o macabro segredo. Desde o sepultamento ninguém mais tocou no assunto da morte dele. Aliás, suicídio era tabu na cidade… Ninguém ousava comentar! Ele nem se lembrava mais de Pafúncio. Espere! – pensou – como ele conseguiu meu celular? Tentou se acalmar… E acalmar seu interlocutor.

– Não entendi… Se você está preso, como você está me ligando?

– Deixa de ser mané! Celular na cadeia é mais fácil do que nota de dez! Mas afinal, o que está acontecendo nesta biboca de cidade? Como acharam o rastro…

– Eu não sei. Estou tão surpreso quanto você. Não ouvi nem o mais leve rumor a respeito… Fui à missa de sétimo dia com minha tia. Ninguém tocou no assunto. Como você achou meu celular? Eu joguei o velho no rio naquela noite!…

– O número do novo estava na pipa que trouxe a caguetagem. Resolve essa parada aí, mano. Não tô a fim de passar trinta anos vendo o sol nascer quadrado aqui, não…

 

*** Se você quer continuar essa viagem, navegue pelo livro “Quem Matou o Suicida!”

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Airton Chips”

“Virei-me no vão da porta da inspetoria e dei de cara com o molecão gorducho e cabeludo olhando pra mim. “Pomarola”, que alguns anos mais tarde também se tornaria Detetive, meio sem jeito falou:

– Policial, saiu um cara correndo algemado ali no beco da delegacia…

Não fiz nenhuma pergunta! Nem precisava… Entendi de imediato que Peixinho havia fugido. Virei nos cascos e saí no encalço do fujão com toda velocidade que podia. Ao sair na porta da delegacia os olhares dos curiosos me mostravam a direção a seguir. Desci a Herculano Cobra, virei a João Basílio, cruzei a Mal. Deodoro e quando cheguei à linha férrea que margeava a avenida Brasil tive que ser novamente guiado por um transeunte. Antes que eu perguntasse, ele respondeu esticando o braço para a Rua Antônio Vasconcelos.

– Foi pra lá…!

Desci dos trilhos e continuei em frente com meu velho HO enferrujado na mão, sem avistar Peixinho, seguindo apenas o olhar dos curiosos – afinal, não é todo dia que um sujeito passa na frente da nossa casa com um par de pulseiras de prata nos braços correndo como se fosse tirar o pai da forca!

A rua acabou, um terreno baldio surgiu à minha frente e logo em seguida a Perimetral, em obras. Mais Alguns metros cheguei à foz do maior esgoto da cidade, conhecido pelo apelido irônico e nojento de “Pão de Açúcar”, no Rio Mandu. As águas da enchente haviam baixado, mas tinham deixado as margens do rio mais lisas do que bagre ensaboado. Era preciso diminuir a velocidade e redobrar os cuidados para se manter em pé. Finalmente, desde a delegacia, avistei meu peixe trotando lentamente na lama fina na margem do rio em direção à ponte do velho Aterrado. Corri pela duna que margeava o rio, menos barrenta, e quando desci das dunas para agarrar o fujão, ele assustou-se com o barulho da capituva e virou-se para mim. Ao ver o cano do velho trabuco a um metro do seu nariz, sem pestanejar e sem pensar nas consequências, o meliante algemado pulou no rio que ainda exibia um resto de enchente. Tive que parar um segundo para pensar.

– “E agora? Se pulo na água com a arma na mão, não conseguirei nadar… e talvez tenha que usá-la! Se pulo sem ela, talvez não dê conta do meu prisioneiro! Se não pulo, ele atravessa o rio e vai embora levando minha pulseira de prata… me deixando com cara de tacho! Que fazer”?

 

*** Se você quer continuar essa viagem, navegue pelo livro “Meninos que vi crescer!”

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

                                                                                   CAPÍTULO VIII

 

                                                                                        O DUELO

 

A noite no saloon ainda estava morna, com tendência a esquentar. A cada momento entrava mais um frequentador ou forasteiro. O xerife e seu delegado estavam encostados no balcão conversando com Pat quando o pistoleiro da noite anterior chegou. O bezerrão dirigiu-se lentamente ao balcão e repetiu o pedido da noite passada. Ao ser atendido virou-se de frente para os frequentadores e passou a observar o movimento, como se estivesse procurando alguém. Nesse ínterim uma mesa desocupou próximo ao balcão e Morrison convidou Jeff a sentar e começaram um jogo de cartas. O pistoleiro de preto então aproximou-se, puxou uma cadeira, tirou um maço de dólares da algibeira, colocou sobre a mesa e antes que dissesse alguma coisa Morrison o antecipou.

– Estamos só matando o tempo. Não jogamos soma tão alta.

– Estão com medo? Ou sem dinheiro…

Ninguém respondeu.

– Eu aposto dez contra um. – Provocou o estranho.

Jeff recolheu as cartas, embaralhou, levou a mão ao bolso do colete, retirou um belo relógio de ouro e o depositou sobre a mesa.

– Estamos iguais – Disse laconicamente. Distribuiu as cartas e passaram a jogar em silencio.

O pistoleiro de trajes negros trocou uma só carta, ‘filou’ lentamente sem mexer os músculos do rosto, e tão lentamente quanto filou exibiu uma a uma as cartas sobre a mesa. Um ‘as’, uma dama, outro ‘as, outra dama… À essa altura já havia três ‘sapos’ em volta da mesa. Todos esticaram os olhos na expectativa de que a quinta carta repetisse um ‘as’ ou uma dama para completar o sexto maior jogo do pôquer. O pistoleiro, num último gesto de suspense deixou cair lentamente a derradeira carta de costas sobre a mesa. Foi um dos ‘sapos’, curioso e com medo, quem virou a carta: era uma dama. Full-hand! Imediatamente o pistoleiro esticou o braço para puxar o prêmio. Jeff deteve seu movimento com um aceno e mostrou suas cartas enfileiradas à sua frente. O próprio pistoleiro franzindo a testa, virou uma a uma, também lentamente. Oito de ouro, nove de ouro valete de ouro, ‘as’ de ouro e, finalmente, depois de perscrutar o entorno da mesa, virou a quinta carta… um rei de ouro!

– Flesch! – disse o jogador. Voce tem sorte no jogo rapaz. É a primeira vez que Bob Mat encontra um adversário à altura. A propósito, qual é o seu nome?

– Jeff… Rogers.

– Hummm…

Desta vez foi Bob quem deu as cartas.

– Eu desisto – balbuciou o xerife, mostrando uma trinca.

– Meu jogo também não vale. Apenas uma sequência mínima – disse Jeff sem confiança no jogo.

Bob não disse nada. Apenas colocou no monte um par de damas e tratou de trançar o baralho. Desta vez um leve sorriso sarcástico aflorou seus lábios sem, contudo, clarear seu semblante carregado e impassível. Após distribuir as cartas e fazer seu jogo trocando duas cartas, filou lentamente cada uma e deitou o jogo na mesa dizendo:

– Parece que minha sorte está voltando… Flesch de paus!

Jeff olhou para o jogo do adversário sobre a mesa, soltou um bocejo e baixou suas cartas à sua frente… Quadra de Rei!

Bob não pode disfarçar seu espanto. Foi como se tivesse tomado um choque elétrico. Mas continuou sem dizer palavra. A partir daí Jeff não perdeu uma mão. Puxou todas as paradas, pequenas ou grandes. Logo o pacote de dólares de Bob estava no seu bolso. Uma hora depois, já sem um tostão furado, o pistoleiro de trajes negros surpreendeu os dois homens da lei e os espectadores que haviam sido atraídos para a mesa com uma proposta descabida.

– Vamos jogar minha vida contra a sua. Quem perder… – interrompeu a frase no meio abrindo os braços como quem diz: ‘perde a vida para o outro’!

Jeff nada respondeu. Continuou dando cartas como se a aposta fosse cinco dólares.

Enquanto o jogo seguia tenso no saloon entre o pistoleiro e o delegado, vultos sombrios se esgueiravam na escuridão nos fundos da delegacia.

– Smith, cuide do carcereiro! Hill, traga os cavalos…

Segundos depois.

– Hei… que está acontecendo? É você Morriso… humpf…

O carcereiro não completou a pergunta. O punhal frio de Smith o calou para sempre. Ao mesmo tempo do lado de fora:

– Hei Tom, amarre as cordas nas barras, vamos arrancá-la!

Nesse ínterim, no saloon, a partida de vida e morte estava no auge da excitação para os espectadores. Bob Matt, tenso, colocou as cartas na mesa. Era um grande jogo. Quase impossível perder. Acreditando na vitória ele saboreou cada lance. Colocou as cartas viradas no centro da mesa e foi virando uma a uma em sequência… Oito, nove, dez, valete. Tudo de espada. Parou. Fez suspense. Qualquer carta do mesmo naipe seria um Flesch. Se fosse um ‘sete’ ou uma dama seria o jogo seria ainda maior, um Street Flesch… Nem quadra ganharia do seu jogo! Lentamente virou a última carta… Dama de espada! Street Flesch! Ele havia trocado duas cartas e dentre elas não vira nenhum ‘as’. Suspeitava que o adversário, que também havia pedido duas cartas, estava com quadra de ‘as’, que seria insuficiente para derrotá-lo. Só havia dois jogos para ganhar do seu. Já pensava em como iria desfrutar da vitória. Jeff também fez cena. Colocou as cartas de bruços na frente do jogo do pistoleiro bebedor de leite e foi virando uma a uma. Começou pela dama de paus. E foi descendo. Valete, dez, nove… todas do mesmo naipe. A ultima carta poderia ser um oito de paus… e empatar! Ou um Rei de paus… e vencer a parada! Mais alguns curiosos rodearam a mesa. Jeff então virou a carta… Rei de paus!

– Vá jogar pôquer assim lá nos fundos da minha casa!  Exclamou um gorducho segurando uma gigantesca caneca de cerveja.

– Está bem. Você ganhou. Agora estamos quites. – Balbuciou Bob Matt.

– Quites!? – perguntou Jeff.

– Sim. Na hora do tiroteio na rua, mais cedo, se eu não tivesse atirado naquele barbudo, você não estaria jogando aqui agora.

– Ok. É razoável…

– Há um detalhe. Em todo o oeste, jamais alguém venceu Bob Matt no pôquer e continuou em condições de contar a outros a façanha…

– Hummm … – fez Jeff, juntando a bufunfa e guardando na algibeira interna do colete.

– Espero você amanhã, sozinho, na rua principal, ao por do sol… para decidirmos quem é o melhor… no colt! – falou Bob Matt se levantando.

– É uma questão apenas de ser o melhor ou tem algo mais? – perguntou Jeff,

– “Algo mais”… – foi a resposta pausada do pistoleiro de trajes negros, deixando o saloon.

– Carson City está importante. Dois astros do baralho e do colt resolveram fazer seu show aqui. Será um espetáculo e tanto! – comentou um dos ‘sapos’ do jogo.

– Hei barman, me vê um whisky. Hum, Morrison, não está ouvindo algo estranho para os lados da delegacia? – perguntou Jeff, correndo para a saída do saloon.

Nesse instante os últimos bandidos acabavam de montar em seus cavalos atrás da cadeia.

– Vamos logo seus molengas! O xerife vem aí. Atirem e tratem de dar no pé – disse o líder do bando que resgatou o preso.

Mais um tiroteio teve início naquele dia na história da pequenina Carson City.

– Derrubei mais um… e vai mais um para o inferno. Acabou minha munição xerife. – Informou Jeff.

– A minha também… e eles já estão fora do nosso alcance. Não adianta persegui-los. Os cavalos estão na cocheira – ponderou Morrison.

– Bolas! Só acertei quatro deles com 12 balas…

– “Só”! Você diz. Eu com seis tiros acertei apenas um!

– Movimentado o dia hoje, hein? Uma dúzia de cadáveres. Assim vamos acabar com a população do condado…

– Ontem seis e amanhã mais alguns. – Completou Morrison – quem passará apertado será o Jasper da funerária…

– … e também o coveiro! – Completou Jeff.

No dia seguinte, ao por do sol, a rua principal de Carson City ganhou um movimento além da rotina. A notícia do duelo entre o pistoleiro de trajes negros e o jovem delegado Jeff correu de boca em boca e atraiu quase todos os moradores do local. Duelos entre pistoleiros nas pequenas cidades do oeste eram comuns. Entretanto, aquele envolvia um forasteiro misterioso e um defensor da lei local, e por um motivo totalmente descabido. Jeff, embora não conhecesse as reais intenções do desafiante, sabia que não teria paz se recusasse o desafio. Embora não fugisse de confusão, ele se envolvia para restabelecer a justiça e por isso mesmo inspirava confiança na população. Ainda assim o duelo teve um grande movimento de apostas.

– Dez dólares em Bob Matt – dizia um.

– Aposto meu cavalo ferrado das quatro patas em Jeff… e dou alguns segundos de ‘lambuja’ – topou outro.

– Cinquenta pesos no delegado – desafiou o bigodudo dono da mercearia no fim da rua.

– Trinta dólares em Jeff – desafiou outro.

– Eu como meu chapéu ensopado sem farinha se Jeff vencer o pistoleiro – falou outro.

Stam o médico, um velhinho de cabelos brancos cobrindo as orelhas e calvo no cocuruto, também queria apostar.

– Aposto todas minhas economias no jovem xerife. Ele lembra o velho Hobson. De frente ninguém conseguirá abatê-lo. Hei você aí… – disse ele se dirigindo a um jovem barbudo e sem bigodes de chapéu coco – … em quem você aposta?

– Em ninguém doutor. Estou mais liso que sua careca. Mas como meu chapéu se o xerife sobreviver.

– Decidido hein, rapaz? Vá preparando o sal e a pimenta, pois você vai comê-lo. Caso contrário eu lhe darei 50 dólares.

A hora fatídica se aproximava. O sol dolente, como que querendo prorrogar o embate, ou preservar uma vida humana, descia lentamente no horizonte. Os dois homens tomaram seus lugares, cerca de quarenta metros um do outro. Jeff estava de frente para os raios vermelhos do sol que se deitava no final da pradaria, o que lhe turvava um pouco a visão, mas ele não se incomodava. Não estava acostumado a duelos, no entanto, confiava em sua própria agilidade e sabia que tinha que sobreviver a qualquer custo. Repentinamente um forte vendaval irrompeu nas ruas de Carson City levantando poeira e fazendo muita gente segurar os chapéus. Era um aviso de que a morte viera buscar um dos dois. Jeff e Bob permaneceram imóveis, atentos. Lentamente seus dedos desceram e desabotoaram os coldres. Os olhos de um fixados nos olhos e nos dedos do outro e vice versa. De repente, sem que as pessoas que também estavam atentas pudessem distinguir os movimentos de um e de outro, soaram dois disparos, que mais pareceram tiros de canhão. O vento, tão bruscamente quanto surgira, se foi, como se fosse a morte que após fazer sua vitima, vai embora deixando no chão um corpo sem vida, com um buraco na testa, o revolver com uma cápsula deflagrada caído do lado. Assim estava Bob Matt, o pistoleiro de trajes negros, bebedor de leite… jogador – quase – imbatível de pôquer… que não conhecia derrota. Na verdade, morrer baleado de frente, por outro homem mais rápido do que ele, sempre fora seu objetivo.

Jeff recolocou lentamente o colt no coldre, inclinou-se, apanhou seu chapéu no chão, sacudiu a poeira e constatou: havia mais um furo na copa do chapéu! Com o dedo no pequeno orifício feito à bala, se dirigiu à delegacia comentando:

– O sujeito que inventou a copa do chapéu tão alta merece um prêmio!

As pessoas que assistiram a tudo aquilo. Agora silenciosamente pagavam suas apostas.

Jeff tinha um senso cômico bem limitado. Nunca ria dos seus gracejos ou de outras piadas. Porém, a cena que presenciou à caminho da delegacia o fez dar uma boa gargalhada. Na frente do velho medico estava o turco barbudo sem bigode mascando seu velho e encardido chapéu de couro enquanto o velhinho calvo grisalho dizia:

– Quer mais pimenta? Ou um pouquinho de sal? Comida sem sal enfraquece…

 

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima quinta-feira, 03.