Jeff… O Homem do Chapéu Furado

     Essa história de Caubói foi escrita na década de 1970, no auge da exibição de filmes do gênero nos cinemas de Pouso Alegre.

    Escrevi “Jeff, o homem do chapéu furado”, em um caderninho espiral no mês de julho de 77, durante meus turnos de sentinela nas guaritas do 14º GAC, quando servia o exército naquele ano. A intenção era publicar em “bolsilivro”, outra febre nas bancas de jornais e revistas naquela década.

    Agora os apaixonados por histórias de Caubói, caso queiram, poderão ler gratuitamente a história do forasteiro. “Jeff, o homem do chapéu furado” será publicada em onze capítulos, no blog e na minha página no face.

    Boa viagem à década de 1870!

                                                                      CAPÍTULO VII

 

O saloon como sempre estava movimentado. Gente que entrava, que saía, bailarinas tentando ganhar a vida, bêbados, jogadores… A um certo momento a portinhola de vaivém rangeu e parou. Muitos dos que estavam ali olharam na direção da entrada e viram entre a portinhola um sujeito alto, trajado inteiramente de preto, chapéu ornando baixado sob o rosto. Depois de chamar a atenção para sua figura o forasteiro caminhou lentamente para o balcão.

– Leite – disse com voz seca e grave.

– Leite!!! – exclamou o barman.

O sujeito não disse nada. Apenas fixou o olhar no rapaz fazendo-o entender que era aquilo mesmo que ele tinha ouvido.

– Ok, aqui está.

O forasteiro pegou o copo, virou-o de um só gole, fez sinal ao barman para colocar mais. Após ser novamente servido, apanhou o copo, virou de costas para o balcão e começou a ingerir lentamente o líquido branco.

– Chiii… sinto cheiro de barulho! –  Comentou um dos presentes.

Depois de se satisfazer da bebida o sujeito se dirigiu a uma mesa onde havia quatro jogadores e sem dizer uma palavra puxou a cadeira de um deles para trás, arremessando seu ocupante de costas ao chão. Soltando uma praga qualquer, o jogador mal se pôs de pé levou a mão ao coldre e sacou sua arma. Sacou, mas não chegou a apertar o gatilho. Num movimento quase imperceptível aos olhos o pistoleiro de negro sacou seu colt e o fulminou com dois balaços no peito. Lentamente e ainda sem dizer uma palavra o sujeito apanhou a cadeira no chão, sentou-se à mesa, tirou da algibeira um charuto, encostou no cano do revólver, apertou o gatilho e acendeu o charuto no cano do colt. Em seguida colocou a arma sobre a mesa  e falou:

– Meu colt entra na parada valendo trinta dólares!

Ninguém retrucou.

Sob o olhar apreensivo dos demais jogadores, o sujeito juntou metodicamente as cartas, embaralhou com a perícia de um profissional e as distribuiu aos quatro. Todos os olhares se voltaram para a mesa do forasteiro. Silencio total. O ‘mão’ abriu o jogo:

– Trinca de reis… – disse ele mostrando as cartas na mesa.

– Dois pares – disse o segundo.

– Sequência até valete… – disse o terceiro estendendo o braço para recolher o montante da aposta. Com um gesto curto o pistoleiro deixou cair lentamente suas cartas sobre a mão deste, que as olhou estupefato!

– Quadra de damas!!!

– Parece que meu colt não gosta de estranhos – falou o sujeito com sarcasmo, recolhendo o revólver e o punhado de dólares amassados.

A partir de então o jogo continuou sem sobressaltos. O forasteiro pediu mais um copo de leite e continuou jogando. A cada rodada esticava o braço e recolhia um punhado de cédulas e moedas. Em cerca de meia hora de pôquer já estava com as algibeiras abarrotadas. As vitórias seguidas do pistoleiro voltaram a atrair a atenção dos presentes. Na mesa em questão os parceiros estavam tensos. Um deles não tinha mais o que apostar. Em dado momento o forasteiro de preto falou em tom sarcástico:

– Desculpe senhores. Minha mãe me ensinou que nunca se deve encher muitos os bolsos… e os meus já estão abarrotados. Além do mais, percebo que estão ficando lisos… Até a próxima. – Disse e se levantou lentamente para ir ao balcão.

– Espere… Você não pode se levantar agora! O jogo ainda não acabou!

– Vendam seus pertences e voltem aqui amanhã que eu lhes darei a forra! – Retrucou dando-lhes as costas.

– Trapaceiro de uma figa! – exclamou um dos perdedores, ao mesmo tempo que se levantavam sacando suas armas.

Num gesto ligeiro o pistoleiro virou-se para os três, já de arma em punho e abriu fogo contra o trio alvejando-os no peito. Nenhum deles chegou a puxar o gatilho. Na mesa ao lado havia dois sujeitos que estiveram o tempo todo observando os movimentos do pistoleiro e sacaram também as armas. Um deles conseguiu arrancar o chapéu da cabeça do bebedor de leite, mas foi liquidado por um projétil certeiro. O sujeito de preto pressionou o gatilho novamente, mas só ouviu o clic do cão… estava sem munição. Atirou-se imediatamente ao chão no justo instante que uma bala passou zunindo ao seu ouvido indo estilhaçar uma garrafa sobre uma mesa ao lado. Ainda no chão o pistoleiro arremessou um reluzente punhal que foi se cravar no peito do atirador, fazendo a próxima bala do seu revolver se perder no teto do saloon.

– É uma pena! Amanhã terei que procurar outros patos para depenar – disse o pistoleiro atirando algumas moedas sobre o balcão ao deixar o saloon.

Mais tarde.

– Já providenciou para que os cadáveres sejam enterrados, Jeff?

– Sim, Morrison, o agente funerário já se encarregou disso.

– O que você soube sobre o tiroteio?

– A rotina de sempre. Aventureiros e jogo de pôquer. O perdedor acusa o ganhador de trapaceiro, tenta sacar a pistola, o mais rápido leva a melhor. Tudo acaba com um túmulo sem flores no cemitério. Segundo Pat, que assistiu a tudo, o pistoleiro é muito provocador, mas todos que morreram sacaram primeiro… ou tentaram sacar!

– E quanto ao bezerrão? Sabe se deixou a cidade?

– Estava na varanda do hotel ainda há pouco tomando sol. Pelo jeito não tem pressa em deixar a cidade.

– Hum… mau agouro. Certamente teremos mais barulho. É melhor avisá-lo para evitar encrencas por aqui, Jeff.

O barulho começaria muito mais cedo do que previa Morrison. Quando Jeff saiu à rua para procurar o jogador de pôquer, percebeu que estava numa caixa de marimbondos. Ao menor descuido seu seria picado por balas vindas de todas as direções. Dando uma discreta olhada a sua volta, o delegado constatou que estava no centro de uma arapuca armada. Havia vários bandidos tocaiados nos prédios vizinhos, prontos para deixá-lo igual uma peneira.

– Parece que Morrison vai ficar sem ajudante… a menos que… – pensou Jeff.

Pensou e agiu. O jovem delegado não tinha tempo a perder. Tão rápido quanto um relâmpago sacou um dos colts e liquidou o bandido que estava no telhado da barbearia à sua frente no mesmo instante em que mergulhava no chão poeirento de Carson City, desviando dos projéteis que procuravam o alvo. Girando tal qual uma bola o rapaz rolou até a escada da barbearia, de um salto se pôs de pé e entrou na mesma seguido de uma saraivada de balas que se cravou na madeira seca do prédio.

– Olá Spencer. Desculpe a entrada sem agendar… – gracejou Jeff.

Mas não foi o barbeiro quem lhe respondeu.

– Ora, não há o que se desculpar. Na verdade, eu estava te esperando! Solte a arma para morrer como um paspalho que você é! – Berrou um dos pistoleiros que previamente se alojara na barbearia do esguio Ted Spencer.

Jeff estava a dois passos do facínora sentado na cadeira com o revolver apontado para ele. Precisava pensar rápido, muito rápido. E pensou. Fez um leve aceno acompanhado de um piscar de olhos em direção à janela lateral, como se acenasse para um possível salvador. O bandido caiu. Olhou para a janela, se distraindo por um segundo. Foi o suficiente para o captado, com um violento chute desarmar seu captor.

– Você é um idiota mesmo. Caiu no mais velho dos truques. Agora saia correndo lá fora – ordenou Jeff depois de tomar-lhe a arma.

– Espere. Eles pensarão que é você e me fuzilarão! – argumentou o bandido.

– E daí? Você apenas ficará mais pesado com o chumbo. Vamos! – Ordenou.

Antes que o pistoleiro pudesse se recompor Jeff o empurrou com o bico da bota para fora da barbearia de onde ele saiu cambaleando e gritando:

– Esperem, sou euuu … –

Não terminou a frase. Estatelou-se no tablado defronte a barbearia, já sem vida. Foi imediatamente crivado de balas, o que possibilitou a Jeff e ao xerife Morrison – que as estas alturas, atraído pelos disparos entrara no tiroteio -, localizá-los e alvejá-los. De imediato Jeff acertou dois e Morrison três. Em seguida Jeff mudou de posto, atravessou a rua correndo em ziguezague e foi se posicionar no armazém, de onde tinha melhor visão do inimigo. Os disparos cessaram momentaneamente. De vez em quando se ouvia alguns assovios dos bandidos tentando se localizar uns aos outros, todos furtivos. O pistoleiro bebedor de leite da noite anterior continuava sentado na varanda do hotel, com o chapéu cobrindo parcialmente o rosto, parecendo alheio a tudo à sua volta. Jeff achou um cavalo de um dos bandidos e teve uma ideia:

– Sinto muito cavalinho… Você não tem culpa se o seu dono é um coiote, mas vai ter que pagar o pato. Vamos, não fique triste. Se você morrer eu prometo liquidar cinco coiotes desses aí pra compensar seu sacrifício – falou o delegado batendo na anca do animal para afugentá-lo. O cavalo, sem entender nada, saiu em disparada à rua principal. Ao surgir do beco ao lado do armazém atraiu a atenção dos bandidos que o alvejaram pensando ser Jeff tentando fugir. Ao fazerem isso se expuseram ao fogo deste que, seguindo o planejado, sem se expor, liquidou um a um.

– Um, dois, … mais um telhado… Parece que Morrison também não gosta de coiotes pois a cada disparo seu ouço um ‘aiii’. O inocente cavalo deve estar morto do outro lado da rua e conforme meu prometido devo ainda liquidar mais dois desses assassinos. Agora restam poucos – concluiu o delegado.

Jeff se ocultou sorrateiro nos becos protegido pelas paredes e marquises e chegou até a varanda do saloon onde estava um dos bandidos tentando localizá-lo. Sorrateiramente se aproximou do barbudo e o derrubou com uma coronhada do colt na nuca. Com cautela se aproximou da extremidade da varanda e percebeu a aba do chapéu de outro bandido à espreita. Cautelosamente agarrou o barbudo ainda sem sentidos e o atirou na rua. O que estava à espreita ‘deu as caras’ e foi alvejado, conforme o esperado.

– Quatro! Falta um, cavalinho… – murmurou Jeff para si mesmo.

Jeff resolveu se juntar ao chefe. Recarregou seus colts e atravessou a rua correndo até chegar à Delegacia.

– Praticando tiro ao alvo, hein Morrison!

– De vez em quando é bom para tirar a ferrugem dos trabucos – respondeu o xerife. Quem são eles?

– Não sei. Ainda não tive tempo de ver suas caras… Hei, estão tentando fugir! – concluiu Jeff ao ouvir um tropel de cavalos – Dê-me um rifle. Como os quer? Vivos ou mortos?

– Precisamos de ao menos um deles vivo – respondeu Morrison.

Jeff rapidamente saltou para a rua de onde tinha melhor visão, fez pontaria mas… quando ia puxar o gatilho seu chapéu foi arrancado da cabeça por uma bala vinda da retaguarda! Ele se virou a tempo de ver o barbudo que ele havia jogado desacordado no beco do saloon ser alvejado pelo jogador da noite anterior. O ‘bezerrão’ soprou lentamente a fumaça do cano do colt, desceu-o ao coldre e tornou a cobrir o rosto com o chapéu.

– Até que não é um mau sujeito – disse Morrison se referindo ao pistoleiro que alvejara o barbudo traiçoeiro antes que ele atirasse outra vez nas costas do seu auxiliar.

– Hummm… os três conseguiram escapar.

– Deixe-os. Quem quer que sejam, a maior parte do bando está liquidada.

– Sim. Mas devo um coiote ao cavalo.

– Como é?…

– Ao forçar o cavalo a sair em disparada no meio do fogo cruzado eu prometi liquidar cinco bandidos caso ele fosse alvejado.

– Então você deve pagar. A vida de um cavalo vale muito mais do que cinco desses coiotes – respondeu o xerife com naturalidade.

– Concordo. E vou pagar com juros…

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira, 31.

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

CAPÍTULO  VI

Àquela hora do dia havia poucas pessoas no saloon.

– Olá James… Me vê uma cerveja.

– Onde estavam aqueles homens xerife?

– A norte daqui, numa pedreira. Havia um esconderijo…

– Pedreira a norte? Deixe-me lembrar quem foi que falou sobre uma pedreira neste lugar. Ah, sim… foi Hobson, no dia em que foi morto pelas costas aqui no saloon.

Ao ouvir o comentário Jeff Rogers estremeceu. Procurando disfarçar o mal-estar, perguntou:

– Há quanto tempo você está na cidade?

– Há pouco mais de seis anos.

– Quem foi esse tal de Hobson que você falou? Quem era esse tal de “Caveira”?

– Mike “caveira” foi um bandido violento e sanguinário. Ele tinha esse nome por ser muito parecido com uma caveira. Dizem que ele veio do Texas aterrorizando todos que encontrava. Ele veio aqui em Carson, matou o filho do dono do estábulo e seu tio, em seguida assaltou o banco e matou três caixas e o auxiliar do xerife e fugiu. Rock Hobson era o xerife na cidade há pouco tempo e muito respeitado por todos. O xerife perseguiu Caveira e seu bando e antes que eles conseguissem sair da região, trouxe todos de volta.  Quatro vieram amarrados nos cavalos… mortos! Os outros, inclusive Mike Caveira, passaram uns dias no ‘hotel’ do xerife até serem levados para a penitenciaria. Durante o tempo em que Rock Hobson exerceu o cargo de xerife aqui, esta cidadezinha manteve-se ‘limpa’ dos bandidos.

– Como foi que o xerife Hobson morreu?

– Ultimamente uma onda de assaltos a diligências, assassinatos e terror assolava a região. Ele estava investigando sobre isso. Um dia ele saiu de manhã e só retornou ao cair da noite… Passou por aqui e ficou até mais tarde. Foi aí nesse ínterim que ele me disse…

– Disse o que? – quis saber Jeff, mal contendo a emoção.

– “James, acho que descobri todos os abutres da região num só ninho! Eles cometem os crimes e vão se esconder numa pedreira não muito longe daqui. Por isso sabem de tudo que interessa na região e surgem de repente e desaparecem após o crime. Amanhã voltarei ao esconderijo da pedreira com uma patrulha”. Essas foram suas palavras. – Narrou James.

Jeff continuou calado, esperando ouvir mais. James continuou:

– Nessa mesma noite alguns bêbados, ou fingindo de bêbados, começaram uma briga no saloon. Hobson tentou contê-los, mas não conseguiu evitar a balburdia. Em pouco tempo a briga se generalizou. O velho xerife, apesar de cansado, levava vantagem até que, partindo daquela janela, alguém descarregou um colt nas suas costas.

– Quem atirou?

– O assassino nunca foi encontrado. Mas qual é seu interesse em saber tudo isso? – interpelou o garçom.

– Por nada, nada… Mas meu… quero dizer, o xerife Hobson precisa ser justiçado – acudiu Jeff.

– Você dizia meu…?

– É…  – Embaraçou-se Jeff antes de corrigir. Seria meu superior se vivesse agora, não?

– Ah sim, claro.

– Agora me vê um whisky duplo.

– Está na mão – disse James segundos depois.

Mais tarde.

Jeff, numa cadeira de balanço, tirava um leve cochilo na varanda da delegacia quando foi despertado por uma suave voz feminina.

– Olá xerife.

– Oh, hein… Olá, boa tarde. Você deve ser a filha do banqueiro. É linda. O xerife Morrison merece uma surra por não tê-la me apresentado.

– Oh… Além de um terrível delegado você é muito galante com as palavras.

– Ora, quem não for galante diante de tal beleza, merece a forca!

– Continua galanteando! Você é mesmo terrível. Está uma bela tarde para um passeio. Pena que eu esteja sozinha e você não pode deixar seu posto – disse a jovem com sensualidade.

– Não seja por isso. Agora temos carcereiro – retrucou Jeff, subindo na charrete e tomando as rédeas das mãos da bela jovem. Aonde você quer ir? – perguntou.

– A leste daqui tem um pequeno bosque. Que tal?

– Ok. Por mim está ótimo. Você deve ter um namorado certamente. Ele não se importa que eu te faça companhia?

– Ele não precisa saber. E nós estamos brigados – respondeu Doris desabrochando um sorriso dengoso.

Pouco depois chegaram ao lugar mencionado pela jovem.

– É um lugar muito romântico – disse Jeff, prendendo as rédeas do cavalo em um arbusto.

– Há quem diga isso. Especialmente Richard, meu … ex-noivo. Ele costumava me trazer aqui de vez em quando.

Jeff, embora estivesse intrigado com o convite de Doris, pois sabia que ela era namorada de Richard, ao ouvir seu nome teve um sobressalto. O que ela estaria pretendendo? Mas já era tarde. De trás de um arbusto ouviu-se uma voz.

– Não se mova xerife!

Simultaneamente à voz ameaçadora, surgiram seis pistoleiros mascarados, de armas em punho.

– Parece que desta vez lhe cortaram as asas, não é mesmo xerife? Nada melhor do que uma linda mulher para atrair um trouxa a uma cilada, não acha?  Desarme-o! disse o que parecia ser o líder do grupo.

Jeff, que no íntimo já esperava por algo parecido, deixou que o encapuzado falasse, a fim de ganhar tempo. De repente, num movimento tão rápido quanto um piscar de olhos, fez de Doris seu escudo enquanto sacava seu colt:

– Muito bem rapazes. Afastem-se se não querem ver os miolos desta linda cabecinha explodir em pedacinhos!

– Ora xerife… não creio que você, um correto defensor da lei, faça mesmo isso. Seria assassinato à sangue frio.

– A ela poder ser. Mas vocês estão na minha frente de armas em punho… o que me diz?

– Continuo duvidando – desafiou o sarcástico pistoleiro.

Os dedos firmes do jovem agente da lei apertaram o gatilho. O projétil  atingiu o revolver na mão do desafiante fazendo-o urrar de dor. A segunda acertou-lhe o cinturão arrancando-o da cintura.

– Então hienas? Ainda duvidam?

– Você venceu desta vez forasteiro. Mas ainda me pagará… com juros.- Falou o pistoleiro.

– Já que é assim, para que o juro cresça um pouco mais, joguem suas armas no chão e desapareçam… A pé! – gritou Jeff.

Imediatamente, mordendo os lábios de raiva, os pistoleiros deixaram os cinturões caírem ao chão e se afastaram praguejando.

– Eu disse todos! – gritou Jeff, disparando seu colt na direção de uma pequena moita de arbusto da qual saiu um sétimo pistoleiro gritando e segurando a bolsa escrotal, inutilizada.

Jeff pôs-se a rir enquanto observava os frustrados bandidos desaparecerem numa curva da trilha, esquecendo-se de Doris. Quando se virou:

– Bravo Jeff, bravo! Muito inteligente… Você os fez de tolos, ridículos… como fez com o Richard. Mas comigo será diferente. Como você é um bravo, eu vou lhe dar a chance de fazer seu último pedido – disse a jovem filha do banqueiro, apontando uma pistola para o destemido delegado.

– Ora, último pedido é para quem está à beira da morte… – gracejou Jeff tranquilo.

– E o que você acha que vai lhe acontecer daqui alguns segundos?

– No máximo terei que dar algumas palmadas nesse seu belo traseiro… – disse Jeff aparentando ignorar a pequena pistola que a moça apontava para ele, e desafiou:

– Apesar de ter bastante veneno, você não seria capaz de alvejar nem a parede de um celeiro.

– Além de tudo, você é também bastante presunçoso, Jeff – disse Doris corada mais de medo do que de coragem.

Jeff estava atento aos mínimos movimentos da moça, um olho no dedo delicado dela e outro nos seus olhos, no crispar do seu belo rosto suado. Quando ela finalmente conseguiu apertar de todo o gatilho da arma, ele já não estava no mesmo lugar. Dera um passo à direita o suficiente para fugir do alvo de Doris. Em seguida avançou decidido em sua direção e tomou a pistola da sua mão.

– Reconheço que me enganei quanto à sua pontaria. Quase faz mais um buraco no meu chapéu.

– O que vai fazer comigo? Vai me fazer passar por um vexame na cidade, me pondo atrás das grades?

Ora garota, acalme-se. Não costumo levar mulheres bonitas à sério. Faça de conta que estivemos ensaiando uma peça teatral, ok. Suba. Tem gente demais nesse pic-nic! Vamos embora.

Chegando à cidade Jeff relatou ao chefe a emboscada na qual quase caíra.

– O que você acha disso tudo Morrison? Qual o motivo dessa armadilha armada por uma mulher, filha do maior banqueiro da região.

– Eu acho que ela fez isso para vingar o vexame sofrido pelo noivo…

– Mas onde ela encontrou tantos bandidos, ela, uma moça?

– Ora, na cidade e nos arredores há muitos bandidos que fariam qualquer coisa por um punhado de dólares.

– Pode ser. Mas não me convence. Acho que esse negócio de vingança, ridículo e tudo o mais é apenas um pretexto. Eles querem mesmo é me liquidar antes que eu coloque todos eles atrás das grades.

– Eles quem?

– Todos os bandoleiros que rondam Carson City. Acho que todos eles trabalham para o mesmo patrão: George e Brad.

– É possível. O que pretende fazer?

– No momento o que eu quero é molhar a garganta no saloon do James. Vamos?

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima quinta-feira, 20.

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

CAPÍTULO  V

À noite os dois agentes da lei continuaram o jogo interrompido no saloon, em meio ao comentário dos presentes. Ao lado deles havia quatro homens que haviam abusado propositalmente do whisky… estavam prontos para arrumar encrencas.

– O delegado é um fanfarrão – dizia um deles.

– Sim… ele fez aquilo para aparecer.

– Hei xerife… Por que não faz a nós o que fez a Richard? Por que não tenta, hein?

As atenções se voltaram para eles.

– Sim, por que não tenta fazer? – dizia outro provocador. É porque você é um covarde! Gosta de duelar com almofadinhas, mas tem medo de homens! – disse um terceiro apoiando a mão direita no cabo do trabuco.

Sem tirar os olhos das cartas e sem, contudo, deixar de vigiar o ambiente à sua volta, Jeff comentou:

– Morrison, vamos ter encrenca…

– Sim rapaz, esteja atento – respondeu Morrison olhando por cima das cartas.

– E então… Por que não responde xerife? – gritou o que parecia mais embebido em álcool, enquanto empinava a mesa em que estavam os dois homens da lei.

Jeff, calado, recolheu as moedas que caíram com a mesa, dirigiu-se lentamente ao autor da cena, fez o sinal de uma cruz diante do seu rosto e de repente deu-lhe um potente soco achatando seu nariz. A inesperada atitude do delegado deu início a mais uma típica briga de saloon. Desta vez o ator principal era Jeff Rogers.

No saloon havia fanfarrões, bêbados, pistoleiros, aventureiros de todo tipo… Havia os que estavam contra Jeff, mas havia também os que estavam a favor dos homens da lei. Por isso todos entraram na briga. Até quem estava neutro na questão, para não apanhar sozinho, retribuía socos e pontapés.

Enquanto o Saloon era palco de uma selvageria brutal, três vultos silenciosos se aproximavam da delegacia. Ainda em silencio arrombaram a porta e dois deles entraram enquanto o terceiro cuidava dos cavalos.

– Quem está aí? Que diabos está acontecendo? – Indagou Smith de trás das grades da cela.

– Cale essa boca. Viemos libertá-lo.

– Oh… vocês…

– Afaste-se… – disse o bandido amarrando uma banana de dinamite na tranca da cela e acendendo o rastilho.

Em poucos segundos o cadeado da cela voou e se perdeu num canto qualquer do recinto. A explosão foi abafada pelo som dos socos, pontapés e gritos emitidos no saloon, conforme o planejado. No minuto seguinte quatro vultos esgueiraram por uma rua lateral, escura, empreenderam um galope e deixaram Carson City para trás.

No saloon a luta prosseguia animada. Um sujeito forte conseguiu agarrar Morrison de costas para uma coluna de madeira no meio do recinto. Morrison fingiu fraquejar, mas quando outro sujeito desferiu um potente cruzado em sua direção, ele se abaixou repentinamente, desviando do golpe. O punho do agressor foi chocar-se contra o poste, arrancando do sujeito um urro se dor. Com Jeff acontecia algo semelhante. Um sujeito o agarrou pelas costas e outro se aproximou de frente disposto a lhe maltratar o fígado, mas foi recebido por um violento “coice de mula” que atingiu seu peito jogando-o de costas sobre uma das poucas mesas que ainda estavam de pé. James, o proprietário do saloon e seu sobrinho Pat, os quais serviam os clientes, simpatizavam mais com os homens da lei e não perdiam oportunidade de agredir seus rivais. Os que se apoiavam no balcão recebiam garrafadas nos crânios.

– Hei James… Aí vai uma bola pra vocês brincarem – disse Jeff atirando um barbudo por cima do balcão. James socou o barbudo em direção a seu sobrinho, que o rebateu em seguida. Depois de alguns segundos Pat gritou sorrindo:

– Hei xerife, tome de volta sua bola… agora está mais macia!

A briga generalizada prosseguiu por mais alguns minutos. Aos poucos os derrotados foram se retirando, uns arrastando a perna, outros limpando o sangue dos lábios. Henry William, o sujeito que provocara a briga, com seus comparsas iam se retirando do saloon contorcendo o corpo, quando…

– Hei, você! Está esquecendo de algo… O estrago é por sua conta – alertou Jeff.

– Ora, gringo, vá para os diabos – respondeu Henry puxando a portinhola de vaivém a fim de deixar o palco da quebradeira.

Jeff então sacou do colt e disparou na direção da portinhola, arrancando-a da mão do brigão ao mesmo tempo que sugeria:

– Não quer mudar de ideia Henry?

O pistoleiro, cego de raiva, enfiou a mão no bolso do colete, tirou vários dólares embolados, atirou sobre a única mesa que ficara de pé e virou as costas para sair.

– Espere. Eu acabei de gastar uma bala… Passe-me um dólar.

Henry olhou em volta e viu que exceto seus companheiros, sérios, todos os demais estavam com ar de chacota. Pensou em reagir, mas percebeu que Jeff ainda tinha o colt na mão. Achou melhor atender o pedido do defensor da lei. Ao atirar a moeda sobre a única mesa em pé, ouviu a gargalhada geral, mas limitou-se a lançar a clássica ameaça:

– Tornaremos a nos encontrar xerife – disse com ódio na voz e no olhar.

Ao entrar na delegacia minutos depois, os homens da lei tiveram uma surpresa.

– Que diabos! Levaram nosso primeiro hospede e nós nem o havíamos interrogado!

– Bolas… armaram a confusão no saloon de propósito, com o objetivo de nos distrair para que pudessem libertá-lo!

– Bolas digo, eu! Meu primeiro hospede não gostou do ambiente e resolveu se mandar.

– Não tem importância. Aonde vamos amanhã, se meu palpite estiver certo, traremos hospedes suficiente para encher seu hotel.

Desta vez quem estava furioso era Brad Macgree.

– Como isso foi acontecer? Como você admitiu passar por um vexame desse meu filho? – censurava indignado.

– Não sei pai. Tudo ia bem. Não sei como eles descobriram nossos homens.

Brad andava de um lado para outro da sala, diante do filho envergonhado sentado na poltrona. Entre uma baforada nervosa e outra do charuto, enquanto recriminava Richard pelo fiasco, pensava nos últimos acontecimentos desde que o forasteiro chegara à cidade. Até que falou:

– Esse delegado parece saber e antecipar nossos passos! Acho que temos um traidor no nosso grupo…

George, que ouvia a bronca e também tentava entender a sequência de desencontros, concordou.

– É possível. Aquele dia, se Jeff saiu da estrada, ele sabia que nossa equipe estava lá esperando a passagem da carroça com dinheiro para assaltá-la… E se sabia, deve ter descoberto também a trilha que leva ao esconderijo…

– Sim… E se ele percebeu alguma coisa, irá investigar – emendou Richard.

– Certamente – anuiu Brad. Essa pode ser a melhor oportunidade que temos para liquidá-lo de uma vez por todas, desde que estejamos preparados. Vamos dar-lhe uma calorosa recepção.

– Você tem razão Brad. Richard, chame o Ted… Diga a ele que vá ao esconderijo e avise o pessoal para receber ‘bem’ o forasteiro intrometido.

No dia seguinte os dois homens da lei tomaram a direção da trilha descoberta por Jeff dias antes. Após algumas milhas de cavalgada a trote lento saíram da estrada principal.

– Está vendo Morrison? Aqui está claro os rastros dos cavalos.

– Hum…

Um pouco mais adiante seguindo os rastros:

– Aqui a trilha se divide, como eu lhe disse. Façamos o seguinte: você vai pela estrada, digo pela esquerda para confirmar se dá mesmo no rancho de Brad. Eu seguirei em frente, devagar para que você possa me alcançar, ok?

– Combinado, mas tome cuidado.

– Deixe comigo.

Cerca de meia hora depois Morrison avistou ao longe o teto do ‘Rancho Barra Y’ de George e Brad. Ao confirmar suas suspeitas, reteve a mansa montaria, voltou e seguiu no encalço do seu ajudante.

Jeff percorrera poucas milhas seguindo a pista deixada pelos cavalos pela pradaria quase plana, quando avistou uma pedreira atrás de uma pequena ondulação do terreno.

– Hum… será aqui que eles se escondem? Não admira que ninguém os descubra… Quem pensaria em procurá-los aqui? – pensou Jeff. Atento o delegado continuou lentamente na direção da pedreira. O ajuntamento de rochas esbranquiçadas tinha uma estreita falha num dos lados, a qual servia de porta de entrada natural e uma grande clareira no centro. O jovem sabia estar na ‘boca do lobo’. Mas continuou avançando, cautelosamente, atento ao menor movimento à sua volta. Apesar da cautela, mas não percebeu que já havia sido notado. Por trás de uma rocha mais alta separada do ajuntamento, à direita da entrada da clareira, um sentinela fez pontaria e puxou lentamente o gatilho do seu rifle! O estampido fez voar um ou dois pássaros solitários que tentavam garimpar algum inseto nas imediações. Junto ao estampido o cavaleiro caiu ao chão duro nas cercanias da pedreira e ficou imóvel. O atirador desceu da pedra, engatilhou novamente o rifle e seguiu desconfiado na sua direção. Ao ouvir os passos da bota do atirador nos pedregulhos bem próximo, o “morto” rolou no chão duro fazendo aparecer o reluzente colt em sua mão direita… e um segundo tiro cortou o silencio da manhã. Desta vez o tiro foi disparado pelo jovem homem da lei… e foi certeiro. No instante seguinte o pistoleiro dobrou-se sobre as pernas e caiu sobre o próprio rifle, fulminado com um tiro na testa. Jeff se levantou, espanou a poeira, amarrou seu frustrado assassino em seu cavalo e o espancou em direção à pequena clareira entre as pedras. Ato seguinte verificou suas armas e correu para trás de uma rocha. Escondidos entre as pedras Ted Slim gritou para seus homens:

– Lá vem ele. O maldito abelhudo conseguiu passar por Bud. Atirem! Vamos fazer dele uma peneira!

O silencio na pradaria foi cortado por uma saraivada de balas em direção ao cavaleiro que avançava colado à montaria. Em poucos segundos seu corpo virou um queijo suíço. O cavalo também foi atingido e tombou a poucos metros da entrada do esconderijo. Imediatamente os atiradores deixaram seus postos para examinar sua presa.

– Desta vez acabamos com a raça do forasteiro… – dizia um, brandindo o rifle para o alto.

– Sim, é pena que não o pegamos vivo, caso contrário iríamos mata-lo arrancando sua pele aos poucos – dizia outro, em meio às gargalhadas. O riso sarcástico e sombrio, no entanto, durou pouco. E se transformou em espanto e silencio ao constatarem quem era o ‘queijo suíço’!

– Diabos! É o bud…

– Maldição! O miserável conseguiu nos enganar mais uma vez! Procurem-no, matem-no – berrou Ted, enlouquecido.

– Não há necessidade de procurar muito. Eu estou aqui Slim… – disse Jeff surgindo de trás de um rochedo com o rifle engatilhado.

– É ele, o demônio, atirem!

Começou mais um violento tiroteio. Jeff tinha a vantagem… Seu rifle já estava engatilho e cuspiu fogo. Antes que pudessem se abrigar, alvejou mortalmente cinco deles. Quando parou para recarregar o trabuco, uma bala arrancou-lhe o chapéu da cabeça.

– Epa! Eles não estão brincando, não. Vai com o colt mesmo – falou o xerife consigo mesmo, enquanto desfazia do rifle descarregado e sacava o colt 45. E continuou atirando até descarregar os dois colts. Quando o municiava novamente…

– Fique quieto onde está, xerife! Não quero liquidá-lo apenas com seis balas – falou um maduro pistoleiro, com sarcasmo, apontando o trabuco para Jeff.

– Calma rapaz. Chumbo faz mal ao fígado. Se eu comer chumbo agora não farei digestão no almoço – fez troça Jeff, vencido.

– Ora, deixe de piadas e vamos andando… Vamos! Hei pessoal, desta vez eu o peguei.

– Oh, então finalmente perdeu as asas hein forasteiro? – gracejou Ted.

– A vida tem seus vai e vem… Desta vez estou voltando – filosofou o jovem.

– É pena que você não poderá ‘ir’ novamente a lugar nenhum pois, depois do que faremos com você, nem os abutres irão querê-lo.

Um minuto antes Morrison havia chegado à pedreira. Ao ver o que se passava, desmontou, pegou seu rifle e foi se esconder atrás de umas rochas de frente para Jeff.

– Acho melhor acabar logo o sermão e começar a pancadaria, pois o xerife Morrison pode chegar a qualquer momento e estragar a festa – falou Jeff.

– Ora, é melhor pensar em outro truque, pois este é velho. Não acreditamos que aquele velho paspalho arrisque a pele para salvá-lo.

Escondido a poucos metros atrás da rocha, Morrison havia colocado o rifle contra o sol, para avisar da sua presença. Jeff entendeu o sinal. Olhou para o chão e notou o revólver que algum dos baleados deixara cair. Fez um pequeno aceno que somente o velho xerife entendeu. No momento em que o primeiro bandido se aproximou para começar a pancadaria, uma bala de Morrison atingiu suas costas.

– Hei, que?!… – Gritou Ted tentando entender de onde viera o tiro.

Aproveitando-se da confusão planejada Jeff lançou-se ao chão, apanhou o colt e abriu fogo contra seus captores, sendo seguido por Morrison que surgiu de traz dos rochedos ordenando com energia:

– Levantem as mãos! Quero prendê-los vivos. Estão sob minha mira. Muito bem meu rapaz, vamos desarmá-los.

– Prazer em revê-lo xerife. Se você demorasse mais um pouquinho eu viraria saco de pancadas, meu amigo.

– É por isso que ninguém os descobria, pois quem imaginaria um ninho de coiotes neste lugar. Mas agora acho que lhes cortamos as garras – disse Morrison olhando para o esconderijo incrustado entre as rochas.

– Se for como eu penso, estes são apenas os ‘filhotes’! Os chefes da matilha ainda estão à solta – observou Jeff.

–  Bom, pelo menos agora terei muitos ‘hospedes’!

– Pena que os outros preferiram o inferno ao seu ‘hotel’. Só sobraram oito – disse Jeff sarcástico, olhando para os cadáveres espalhados pelo chão.

– … Seis, sete, oito, nove… – contava Morrison.

– Tem outro atrás das pedras e outro transformado em queijo suíço um pouco adiante – concluiu Jeff. Eram dezenove ao todo.

Uma hora depois os dois homens da lei entraram em Carson City. O primeiro a avistá-los foi o barbeiro que varria a frente do seu salão e deu o alarme.

– Hei, vejam… O xerife parece que fez uma boa caçada!

Logo quase todos os habitantes do lugar saíram na rua para ver o acontecido.

– Uau… a ultima vez que vi tantos “pássaros com as asas cortadas” foi quando o xerife Hobson prendeu a quadrilha do Mike “Caveira”. – Disse o agente funerário esfregando as mãos.

– Esse tal de Jeff lembra muito o velho xerife Hobson – comentou outro.

– Agora temos vários hospedes, Morrison. Mas devemos ser bem ‘hospitaleiros’, senão eles farão o mesmo que fez Smith – observou Jeff com ironia.

– Não se preocupe. Vamos tratá-los melhor. Pra começar vamos contratar um carcereiro.

– E eu vou refrescar a garganta no saloon e aproveitar para bater um papo com James.

A notícia do desmantelamento da quadrilha chegou rapidamente ao Rancho Barra Y. Ao tomar conhecimento dos fatos, George dispensou diálogo e berrou furioso:

– Não interessa como! Matem Jeff!

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira,17.

Juninho e os fantasmas da meia noite!

Quanto mais corria… mais os fantasmas se aproximavam

     Juninho era filho único do casal Alcides e Marileia. Dono de um sitio ao pé da serra do cajuru, Alcides queria que o menino crescesse logo para ajudá-lo na lida com o gado leiteiro e as plantações. Marileia queria que o menino fosse pra na cidade, estudar pra ‘adevogado’! Como sempre, o desejo de Marileia venceu! Ao concluir o ginasial na cidade vizinha, Juquinha pegou o Gardenia e foi estudar na cidade grande. Nas férias voltava para visitar os pais, mas ficava dois ou três dias apenas. Mal descia ao curral. Não tinha jeito para a vida rural. Perdeu todo o contato com as coisas da terra. Ao final do Colegial, antes de ir para a faculdade, ele finalmente resolveu passar três semanas no sitio ao pé da serra do cajuru.

No final da primeira semana no sítio Juninho acabou arrumando um rabo de saia… Uma linda roceirinha que morava na entrada do sitio, a cerca de um quilometro da casa dos pais. No sábado à noite foi à casa dela, namorar. Acostumado com o ritmo da cidade, voltou tarde para casa.

Raspava meia noite quando se despediu da moreninha no alpendre da casa dela e pegou a estrada de volta para casa, a pé. Era noite de lua cheia. A noite estava morna e serena com algumas nuvens esparsas no céu. Pra quem vive na roça, parecia um dia. Podia-se identificar uma mula de um cavalo só pelo tamanho da orelha no pasto na beira da estrada. Não para Juquinha! Acostumado com as luzes brancas ou amarelas – e as vezes vermelhas – da cidade, para ele ali estava escuro. Os vultos de arvores ou mourões mais distantes da estrada lhe pareciam fantasmagóricos. Não via a hora de chegar em casa. De vez em quando uma brisa leve movimentava as nuvens encobrindo a luz da lua. Nestes momentos qualquer vulto imóvel próximo à estrada parecia assustador. Arrependeu-se de ter ido a pé para a casa da namoradinha. Principalmente de ter ficado até tão tarde… até a meia noite. Quando pequenino seu pai costumava contar causos de assombração. Era sempre depois da meia noite que os fantasmas saiam para assombrar os incautos.

Já havia caminhado quase metade do trajeto quando percebeu um movimento no pasto, à direita. Alguém estava acenando para ele. Arrepiou-se até a raiz dos cabelos! Fingiu que não era com ele e apertou o passo! Quando olhou novamente o aceno havia aumentado! Agora eram acenos coletivos! Parecia que eram várias pessoas, todas pálidas, acenando ao mesmo tempo. Acelerou mais o passo! Uma lufada morna de vento espatifou seus cabelos. Tornou a olhar na direção dos acenos. As figuras fantasmagóricas se agitaram! Pareciam se curvar para acenar… Pareciam dizer: “Espere por nós”!

Juquinha andou o mais rápido que pode… A brisa morna aumentou… os fantasmas acenaram mais forte… Juquinha desviou o olhar… – o que os olhos não veem o coração não sente, pensou. Começou ouvir passos tum-tum.tum no cascalho duro da estrada. – “Meu Deus! Estão vindo atras de mim”! – apavorou.

Disparou a correr. Piorou!

Quanto mais corria mais os fantasmas se aproximavam! O tum-tum-tum-tum parecia fungar no seu cangote! Desesperou! Felizmente já estava perto de casa.

Alcides acordou com gritos e socos na porta!

– Pai, mãe, socorro… me acudam! – gritava o adolescentão esmurrando desesperadamente a porta.

– O que aconteceu meu filho? – quis saber Alcides, quase atropelado pelo filho em desespero.

Juninho jogou-se arfante para dentro de casa gritando:

– Fecha a porta, pai… eles estão chegando! Não deixa eles entrarem!

Sem entender, Alcides fechou a porta. Tentou aguçar os ouvidos. Não escutou nada. Interpelou o filho.

– Voce ainda está ‘ouvindo eles’?

– Sim. Eles continuam correndo atras de mim. Não abra a porta!

Alcides puxou levemente o lóbulo inferior para frente, formando uma pequena concha com a orelha, para ver se ouvia alguma coisa. Silencio lá fora. Resolveu sair para conferir…

Apesar de estar acostumado com a noite, com a roça, com as coisas da roça, o que viu era surpreendente! Fantástico!

O vento havia dispersado as poucas nuvens negras. A lua cheia, à pino, reinava sozinha no céu e espalhava todo seu esplendor sobre o sítio. Podia-se ver com nitidez as restingas, os capões de mato, o jacarandá solitário no meio do pasto, à esquerda da casa o milharal pendoado balançando ao sabor da leve brisa… Parecia dia. Era possível distinguir um gato pardo de um gambá a cem metros de distância no meio do pasto, tamanha a claridade. Tudo no mais completo silencio. Podia se ouvir a respiração dos bezerros dormindo no curral a poucos metros da casa. Alcides coçou a testa enrugada precocemente pelos movimentos de proteger os olhos do sol, abriu os braços como quem pergunta “cadê a assombração”? e voltou para o interior da casa. Juninho estava acabando de tomar a segunda caneca de água com açúcar para se refazer do susto.

– E então filho? Me conta como foi que essa assombração apareceu.

Sentado no fundo do sofá, agarrado no braço da mae, ainda ofegante, Juninho contou rapidamente, com detalhes, o acontecido. Ao final o pai perguntou.

– E agora? Ainda está ouvindo os fantasmas?

– Só um pouquinho… bem longe. Acho que você conseguiu expulsá-los. Obrigado.  – disse o garoto se levantando para abraçar o pai.

Ao retribuir o abraço do filho Alcides sentiu seu corpo quente, seu coração batendo ainda acelerado pela corrida inesperada, e esboçou um ligeiro sorriso para seus próprios pensamentos. Havia muito tempo que os fantasmas não apareciam por ali – pensou.

No domingo pela manhã Juninho levantou tarde, como sempre. Estava terminando o café quando Alcides entrou na cozinha e o intimou.

– Filho, venha comigo. Preciso te mostrar uma coisa na estrada na qual você passou de madrugada.

Juninho teve um pequeno sobressalto, mas nada disse. Seguiu o pai. Menos de um quilômetro depois pararam na beira da estradinha amarela de cascalho fino. Alcides apoiou o pé no fio de arame de baixo, apoiou os dois braços no fio de cima, olhou para a roça de milho pendoada a poucos metros da estrada e perguntou:

– Foi aqui que você viu os fantasmas?

Juninho olhou intrigado para o pai; para o milharal; tornou a olhar para o pai e disparou:

– Como é que você sabe que foi aqui?

Alcides baixou a cabeça, salivou, procurou as palavras e falou pausadamente:

– Filho… O homem da roça está acostumado com fantasmas. O homem da roça, que presta atenção no que tem à sua volta, ouve e vê muito fantasma. Principalmente da meia noite por diante…

Juninho continuou olhando para o pai, sem arriscar uma pergunta. Alcides continuou:

– Está vendo os pendões do milharal?

– O que são pendões?!

– São as flores… que desabrocham na extremidade do pé de milho. Este milharal, que foi plantado em agosto, está florido… cheio de pendões amarelos, dourados, perfumados, leves… Tão leves que qualquer ventinho consegue sacudi-los pra lá e pra cá…

– Espere!… Voce não está querendo me dizer que eram os pendões do milharal que ‘acenavam’ pra mim ontem à meia noite?!

Alcides olhou de volta para o tenro milharal, olhou para o chão, esboçou um sorriso, juntou os lábios e balançou levemente a cabeça na vertical como quem concorda. Juninho continuou incrédulo, como se estivesse vendo, naquele momento, um fantasma:

– Mas e os passos que eu ouvi correndo atras de mim?…

– Os passos não, filho. O barulho. O ‘tum-tum-tum’ que você ouviu era o seu próprio coração acelerado… quanto mais você corria, mais ligeiro o coração batia…

Juninho engoliu em seco. Desviou o olhar do pai, envergonhado.

No pequeno percurso de volta para casa, tentando descochar a vergonha do filho, Alcides puxou assunto sobre a faculdade… e concluiu para si mesmo: Juninho tinha jeito para ‘adevogado’.

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

CAPÍTULO  IV

 

Passava pouco de onze da noite quando Jeff e seu prisioneiro chegaram a Carson City. O saloon de James ainda estava bastante movimentado. Dois cavaleiros andando passo a passo àquela hora na rua principal da cidade, um deles com uma estrela no peito, chamaria a atenção. E foi o que aconteceu. Logo a porta do saloon estava cheia de curiosos. Alguns os seguiram fazendo perguntas e comentários:

– Quem é o prisioneiro?

– Acho que é o Smith, capataz do Brad Macgree…

– O que será que aconteceu?…

– Não sei… mas isso vai dar confusão!

– Vamos para a Delegacia.

Morrison cochilava tranquilamente em sua cadeira. Ao ser despertado pelo rumor que vinha da rua, empunhou um rifle e saiu à porta resmungando:

– Que alvoroço é esse? Não se pode cochilar em paz? … Hei, é você Jeff?

– Olá Morrison… trouxe-lhe um presente.

– Entre rapaz e me conte o que foi que aconteceu. Quem é este que você traz amarrado desta maneira?

– É um dos que tentaram nos assaltar, mas foram rechaçados. Eliminamos alguns deles e outros fugiram. Consegui pegar este vivo… Até agora ele não falou nada. Amanhã vamos arrancar sua língua. Mas deixe-me relatar os fatos com detalhes pela manhã… Agora eu preciso de um bom bife e um travesseiro. Estou no fundo do pito!

No rancho Barra Y o clima estava negro para Ted Slim e seus homens que restaram do frustrado assalto.

– Vocês não valem nada! São uns palermas! Imagine doze profissionais serem abatidos por cinco amadores! Não. Vocês não deviam ter voltado, são uns maricas, deem-me um rifle… vou fuzilá-los agora mesmo! – Vociferava George esbofeteando Ted.

– Calma George – interveio Brad. Matá-los não conserta o fiasco. Ted é um dos melhores homens que temos. Se foram derrotados, devem ter um motivo para isso. Vamos… – Foi interrompido por um dos seus homens que chegava de Carson City.

– Patrão, Smith foi preso…

– O que foi que?…

– Eu estava no saloon quando ele chegou escoltado pelo forasteiro-delegado e foi levado pra cadeia… – disse o pistoleiro esbaforido.

– Está vendo como eu tenho razão, Brad? Eles são uns moloides! Como foi acontecer isso Ted?

– Aquele xerife infernal deve ter alvejado seu cavalo a fim de pegá-lo vivo – justificou o pistoleiro.

– Sim… E agora ele nos denunciará.

– É preciso se controlar, George… Você nunca foi derrotado antes, por isso os culpa. Em vez de ficar esbravejando, ajude-me a formar um plano para libertar ou silenciar Smith antes que ele dê com a língua nos dentes e nos denuncie. Embora isso não nos afete, pois ninguém daria ouvidos a um bandido qualquer que falasse de nós, é melhor evitar falatório. Não queremos esse forasteiro tão ‘terrível’ na nossa sombra. Já basta o trabalho que ele vem nos dando.

– O que você sugere?

– Deixe-me pensar…

– Seria melhor se eliminássemos antes de tudo o xerife-forasteiro – sugeriu Ted.

– Concordo – apoiou Brad. Mas como o faremos? Vocês já tentaram uma vez e falharam.

– Que tal se Richard o provocasse para um duelo?

– Está louco? Meu filho maneja bem as armas, mas pelo que falam deste pistoleiro, Richard não teria nenhuma chance. Richard está noivo de Doris e tenho certeza que ela não gostaria de ficar viúva antes mesmo de se casar.

– Espere Brad. Talvez possamos pôr em prática esse plano… acrescentando-lhe alguns detalhes.

– Detalhes? Intrigou-se Brad.

– Sim. Se Richard o provocar em público, muitos curiosos estarão presente para presenciar o duelo. Alguns destes ‘curiosos’ dispararão contra Jeff segundos antes dele sacar suas armas…

– Parece razoável. Esses curiosos serão nossos homens, tocaiados … – concluiu Ted, que havia dado a ideia.

– Você está começando a usar os miolos que tem dentro desta cabeça dura, Slim. Torça para dar certo.

Na manhã seguinte na delegacia.

– … E então nós estávamos a umas quinze milhas de Spring Benson, fora de perigo, eu resolvi voltar, pois tinha que trazer o prisioneiro – relatou Jeff.

– Você agiu da melhor maneira. Mas como sabia que eles estavam de tocaia?

– Eu não sabia… eu deduzi.

– Deduziu?

– Sim … lembra que antes de ontem eu lhe falei que havia descoberto algo interessante? Pois bem…

Após relatar sua descoberta a Morrison, Jeff perguntou:

– O que tem a norte de Carson City? Algum rancho, rio, vale…

– Não sei não. Ainda não tive oportunidade de explorar as proximidades.

– Entendo. E a noroeste? Também não sabe?

– A noroeste… bem, a umas quatro milhas da estrada principal está localizado o rancho de George e Brad.

– Interessante… – falou Jeff olhando para longe. A trilha que eu segui se divide em duas a uma certa altura distante da estrada principal; uma segue direto, provavelmente para o esconderijo dos ladrões. A outra segue na direção do rancho deste tal Brad. Teria alguma ligação…

– Não sei, e espero que não. Eu os visitei uma vez e eles foram muito amáveis comigo. Além do mais não é bom tê-los como inimigos. Eles têm muitos homens a seu serviço, como já lhe disse.

– As aparências nunca dizem a verdade. E quanto ao número de homens deles, é indiferente. Se são ladrões meu colt lhe ensinará o caminho da lei – brincou Jeff.

– Temos que interrogar nosso prisioneiro. A partir daí faremos umas investigações. Agora vamos aproveitar enquanto a bóia está quente. Vamos almoçar.

– Ótima ideia Morrison.

Eram três da tarde. Jeff, Morrison e mais dois cidadãos de Carson City jogavam cartas numa mesa do saloon, enquanto tragavam uma preguiçosa cerveja. A um dado momento várias sombras interromperam os raios de sol que penetravam pela porta da frente do saloon.  Uma das sombras era uma figura alta, chapéu de couro, paletó escuro cobrindo parcialmente o par de pistolas que trazia na cintura. A ‘sombra’ lentamente avançou o saloon até o balcão e ganhou voz, dizendo:

– Boa tarde senhores. Um whisky pra mim e cerveja para os rapazes…

– Este é o jovem Richard Sanders, filho de George – confidenciou Morrison a Jeff.

– Hum…

Ao receber a bebida Richard dirigiu-se a mesa dos homens da lei.

– Olá xerife. Matando o tempo?

– Olá rapaz. Não o convido a sentar-se por falta de lugar…

– Não se incomode. Saber ficar em pé é uma virtude… minha. Então esse é novo auxiliar de xerife aqui, hein. Dizem que é terrível com os colts. Tem sorte hein, pistoleiro! Mal chegou à cidade e já arrumou um meio de enganar os trouxas – provocou gratuitamente Richard, que não precisava fazer força para parecer cínico e sarcástico, dirigindo-se Jeff.

– Duas ‘damas’ e uma trinca de ‘valetes’ – disse Jeff, ignorando totalmente o provocador.

– Está bem… Você ganhou novamente – falou o parceiro ao lado.

– Atrás de uma estrela de prata é mais fácil agir, não é mesmo forasteiro? – Continuou Richard insolente.

– Eu não disse que as aparências não condizem com a verdade, Morrison! – disse o auxiliar, tranquilo, juntando as cartas do baralho.

– Você parece que está com medo de abrir a boca e dizer besteiras pistoleiro?… – Prosseguiu o jovem, já se exaltando com a indiferença de Jeff, que desdenhava da sua presença.

– Você esqueceu de dizer-me algo Morrison – falou Jeff.

– O que rapaz?

– Que aqui na cidade maricas tagarelas costumam frequentar o saloon!

Silencio completo. Quem olhou para o jovem Richard percebeu que os músculos do seu rosto se contraíram. No momento em que Jeff esticou o braço para pegar uma carta sobre a mesa, Richard entornou lentamente o líquido cor de cobre do seu copo sobre a mão do delegado. E emendou:

– Carson City é proibida para pistoleiros vagabundos da sua laia. Por que você não dá o fora?

Jeff limpou calmamente a mão esquerda molhada na toalha verde da mesa de carteado, pegou com a direita a caneca de chopp, levou lentamente à boca, porém, ao invés de beber, atirou o liquido dourado no rosto do provocador retrucando:

– Por que você não veste uma saia e vai ajudar sua irmã fazer tricô?

Quem esperava uma reação intempestiva de Richard, se enganou. Fingindo uma calma que não possuía, ele lentamente retirou um lenço do bolso da camisa, enxugou o rosto molhado da cerveja e falou pausadamente:

– Espero-o daqui a meia hora na rua principal. Leve apenas os colts. Mas antes… passe pelo agente funerário e encomende seu caixão!

Ao se retirar do saloon o furioso rapaz, que afinal havia atingido seu objetivo, deu uma olhada a sua volta. Três homens lhe fizeram um pequeno sinal. O sutil gesto passou despercebido aos frequentadores, já prevendo um novo embate na rua. Mas não passou despercebido a Jeff, o qual não perdia um movimento no saloon. Apesar da incredulidade dos presentes, o provocado, no entanto, continuou jogando pôquer tranquilamente com Morrison e seus parceiros. Enquanto distribuía as cartas aos jogadores, ele falou:

– Xerife, quando o espetáculo começar, fique de olho na “platéia”! O duelo é uma cilada. Há aqui alguns assistentes que não se contentarão em apenas assistir… Eles vão querer participar também do espetáculo!

– Deixe-os pra mim. Mas evite matar Richard… ou teremos complicações das grossas!

Passados cerca de trinta minutos Jeff saiu à porta do Saloon bocejando e verificando as armas. Na hora determinada pelo valentão o dois estavam no meio da rua, a quarenta passos um do outro. Ao longo da rua, sob as marquises, uma pequena multidão perfilava, tensa, para assistir o duelo. Jeff, perscrutando tudo, especialmente as esquinas e telhados, parecia sereno. Lentamente pregaram os olhos um no outro. O desafiante tomou a iniciativa. Após alguns segundos de tensão, Richard levou a mão ao colt! Jeff, no entanto, foi mais rápido! Tirou a arma do coldre e antes de levantá-la e fazer fogo, ouviu o som de cinco disparos! Compreendeu imediatamente o que se passava mas manteve a concentração no alvo à sua frente. Pressionou o gatilho endereçando o primeiro projetil à mão do desafiante, desarmando-o. O segundo arrancou-lhe o chapéu; o terceiro arrebentou a fivela do seu cinturão, deixando cair sua calça… o próximo fez um buraco na lateral do colete de couro. O último projetil atingiu o centro de um medalhão de ouro que o filho do rancheiro trazia pendurado no peito…

Após neutralizar qualquer tipo de reação do desafiante, Jeff depositou o trabuco descarregado no coldre e sacou o outro, disparando os seis tiros entre os pés do rapaz fazendo-o dançar miúdo no meio da poeira. O espetáculo durou poucos segundos, e expôs o jovem Richard ao ridículo.

Os curiosos que presenciaram o rápido duelo não conseguiram conter o riso diante da cômica cena. Menos uma pessoa! Do alpendre da sua casa, no andar superior do banco do seu pai, Doris Heb olhava para o noivo com vergonha e desprezo… E para Jeff com ódio!

Apesar da notoriedade de espetáculos semelhantes nas pequenas cidades do velho oeste americano, os cidadãos de Carson City e os forasteiros que por ali passavam naquele dia, nunca tinham visto alguém com tamanha agilidade com os colts. Se um homem com aquela rapidez e coragem estava do lado da lei, isso inspirava segurança nas pessoas de bem.

A multidão esteve tão empolgada com o duelo que não percebeu de onde vieram os cinco primeiros tiros. Só agora notaram os três corpos, sem vida, despencados dos prédios vizinhos, estirados na poeira da rua e o xerife recarregando seu colt.

– É, rapaz… você tinha razão. Eles queriam ser atores, mas veja o resultado! Dois ainda conseguiram apertar o gatilho, mas as balas saíram sem direção – comentou Morrison se aproximando de Jeff.

– Hum… Você também é bom de pontaria! – salientou Jeff.

– Precisamos sobreviver, ora…

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima quinta-feira,13.

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

                                                                         CAPITULO III

 

Algumas milhas distantes da cidade.

– Vocês são uns imprestáveis! – dizia furioso o rancheiro a seus vaqueiros.

– Calma patrão! Não tivemos culpa. O homem é terrível…

– Terrível coisa nenhuma. Vocês é que são uns patifes, umas bestas, palhaços… Deixarem-se vencer por apenas dois homens.

– O que está acontecendo?  – Perguntou Brad Macgree, que acabara de chegar de Spring Benson, onde fora fazer compras. Porque você está tão furioso George – acrescentou.

– É por causa destes imbecis, incompetentes…

– Afinal, o que eles fizeram?

– Deixaram-se surpreender pelo forasteiro que agora é delegado. Eu os mandei à cidade  dar cabo dele e do xerife Morrison e eles, além de falharem, levaram uma tremenda surra  dos dois!

– Você os mandou dar cabo do forasteiro? Isso não é bom…

– Não se preocupe. Foi indiretamente. Nossos homens incitaram os frequentadores do saloon a agredir o Xerife, acusando-o de contratar um pistoleiro para ser seu ajudante e no meio da briga Ted Slim atirou no forasteiro, através da janela. Mas falhou…

– Ele foi descoberto?

– Se tivesse sido agora só restaria seu cadáver. O que você acha de chamarmos “Ben” para liquidar o delegado?

– Melhor não… Vamos agir com cautela. Amanhã temos um serviço.

– Um serviço?…

– … Uma carroça da companhia da estrada de ferro contendo o pagamento dos operários vai passar por aqui…

– De onde vem?

– Virá da capital do estado, passará por Carson City, Spring Benson até chegar a Tucson, onde está acampado o pessoal da ferrovia.

– A quantia é boa?

– Qualquer quantia interessa.

– Certo. Hei Ted… avisa o pessoal que temos ‘serviço’ amanhã…

No dia seguinte.

Debaixo do sol que já ia alto, os quatro cavalos puxavam a carroça, à galope cadenciado, seguidos de perto pela escolta. Jeff ia na frente cavalgando seu baio.  A certa altura da estrada, parou e acenou para o grupo.

– Alto! Esta região está infestada de bandoleiros… E esta viagem está muito calma até agora. Esse silencio significa barulho. Todo cuidado é pouco. Vamos seguir com cautela… e atentos!

Mal os cavalos se movimentaram Jeff gritou:

– Esperem, esperem … Estou me lembrando de algo. – Jeff se lembrou dos rastros que descoberto por acaso no dia anterior, há menos de uma milha adiante, e disse:

– É melhor sairmos da estrada principal e entrarmos na planície à esquerda!

– Por que isso? – quis saber o contador da companhia.

– Pressinto que há bandidos nos esperando a menos de uma milha, perto das rochas. É melhor pegar outro caminho.

– Isso irá nos atrasar em várias horas! – exclamou o cocheiro.

– O que você prefere: chegar atrasado vivo, com o dinheiro, ou chegar na hora sem um tostão, com uma bala no crânio?

– Parece que não temos muita escolha. Mas afinal, em que se baseia sua suspeita de que há bandidos logo adiante nos esperando? Tem alguma evidência ou é apenas palpite? – quis saber o cocheiro.

– Ontem eu descobri casualmente rastros de cavalos, muitos cavalos, e um lenço fora da estrada perto das rochas. Hoje eu ia investigar, mas…

– Está bem… Por precaução, vamos sair da estrada principal – concordou a contragosto, John Calvey, o contador.

Duas horas depois, longe dali, retomaram sem incidentes a estrada principal que levava a Spring Benson.

– Pronto – disse Jeff. Atrasamos um pouco a viagem, mas agora estamos seguros. A esta hora os bandidos já devem ter desistido do assalto, pensando que não viremos.

Enquanto isso, milhas atrás Ted Slim e seus comparsas estavam impacientes…

– Não é possível! – dizia ele. Algo deve ter acontecido. Estão mais de duas horas atrasados…

– Alguém de nós deveria ter seguido a carroça desde Carson City – comentou um do bando.

– Acho melhor voltar e relatar ao chefe o que está acontecendo – sugeriu McCoy.

– Está louco!! O chefe consideraria isso mais uma falha nossa! Ele vai nos fritar vivos!

– Então o que você sugere Ted?

– Calem-se! Estou pensando.

Depois de alguns instantes de impaciente silencio, Ted ordenou:

– McCoy, Catlow, Smith, peguem os melhores cavalos e venham comigo. Vamos a Carson City. Os outros fiquem esperando aqui e façam o serviço conforme o combinado… se eles passarem.

Depois de percorrerem pouco mais de uma milha na estrada arenosa que levava a Carson City, Smith gritou:

– Hei Ted, veja… Marcas de rodas de carroça!

– Hum… Maldição! Rastros de cavalos! Então é isso a causa do atraso. Eles saíram da estrada antes da tocaia… Como souberam que estávamos esperando por eles! Muito espertos. Realmente muito espertos! Por pouco eles nos enganam…

– E agora? Que faremos? – indagou McCoy

– Vamos no encalço deles.  Se eles saíram da estrada aqui devem tê-la retomado há poucas milhas daqui, perto da Rocha do Abutre! Ou seja: pouco mais de duas horas daqui. E devem estar com os cavalos cansados… Atrás deles. Vamos fazer-lhe uma surpresa!

Minutos depois os dois grupos se reuniram na estrada. Após colocar os cúmplices a par do ocorrido, partiram em disparada pela estrada principal no encalço da carroça recheada de dólares.

A viagem transcorria tranquila apesar do calor causticante. Eram cerca de duas da tarde.

– Poxa como faz calor – comentou o cocheiro limpando o suor do rosto com o lenço encardido.

– Está quente mesmo… Quando o sol se deitar, refresca. À noite faz um frio danado   – comentou Jeff, que conhecia bem aquela região.

– Porque tão brusca mudança de temperatura em apenas vinte quatro horas – quis saber John Calvey, responsável pelo pagamento dos operários da companhia férrea.

– É que estamos à borda do deserto – explicou Jeff. No deserto, durante o dia ´calor é insuportável. Porém à noite a temperatura cai repentinamente chegando a níveis muito baixos, às vezes próximo de zero!

– Xerife… – interrompeu Carson. Acho que temos companhia!

– O que está havendo?

– Tive a impressão de ter visto uma nuvem de poeira algumas milhas atrás.

– Será que é a nós que estão seguindo? – perguntou o condutor da carroça.

– Certamente. Devem ser os bandidos que nos esperaram de tocaia e descobriram nossa manobra. Continuem pela estrada. Vou verificar…

Minutos depois o agente da lei voltou a galope.

– Então, viu-os? – Perguntou Calvey apreensivo, com os olhinhos brilhantes atrás dos óculos redondos.

– Sim. São dez ou doze… E vem a todo galope. Pela toada eles querem nos alcançar.

– Chiiii… estamos encrencados! – Choramingou Jed, enquanto Newton, outro escolta pedia ao delegado uma solução.

– Tenho um plano! Saiam um de cada vez da estrada e entrem na pradaria. Você cocheiro, quando achar um ponto da estrada onde o terreno não deixe marcas da carroça, faça o mesmo, para que eles não percebam que saímos da estrada novamente…

Em poucos minutos a estrada ficou deserta, sem vestígios de nada. A menos de uma milha dali, atrás de um pequeno bosque, Jeff e seu comboio viram o bando de Ted Slim passar em disparada pela estrada a caminho de Spring Benson. Tão logo a poeira baixou o pequeno e valioso comboio retomou a viagem pela estradinha batida e poeirenta.

No entanto, logo adiante…

– Você teve sorte em avistar um dos escoltas quando ele subia a elevação para checar a nossa poeira, Ted – comentou Smith.

– Tem razão. Agora eles seguirão viagem tranquilamente pela estrada pensando ter nos enganado. Vamos preparar a emboscada.

Meia hora depois a viagem prosseguia tranquila, quando de repente:

– Cuidado… saltem ao chão – gritou Jeff ao perceber o brilho de um fuzil contra o sol. Ato contínuo abandonou o arreio do baio e saltou para o chão duro à margem da estrada e rolou para o abrigo das rochas. Os outros o imitaram atônitos, mas o cocheiro não teve a mesma sorte e agilidade. Um projétil certeiro foi alojar-se em seu peito tirando-lhe a vida instantaneamente. Teve início um tiroteio selvagem. O primeiro disparo de Jeff acertou a cabeça do assassino do cocheiro.

– Por ora estamos abrigados – disse John – mas não podemos ficar parados aqui.

– Você tem razão John – concordou Jeff. Dentro de poucas horas será noite. Como são o dobro de nós, seremos presas fáceis.

– Então, que faremos?

– Tenho um plano.

– Exponha-o.

– Antes de tudo carreguem suas armas muito bem. John e Jed ficam aqui, Carson e Newton, deem a volta por trás deles, cautelosamente, estejam preparados. Vou me expor… Enquanto tentam me alvejar, vocês os abatem…

– O plano é bom, muito engenhoso, bom mesmo! Mas você ficará igual a uma peneira após o tiroteio. Por isso é melhor nos despedirmos já. – Disse Calvey com ironia.

– Não se preocupem comigo. Estejam atentos.

Minutos depois, tendo Newton e Carson se posicionado, Jeff saiu correndo em zigue-zague na direção dos bandidos até se jogar ao chão e rolar como uma bola abrindo fogo. Na arriscada ação fulminou dois dos assaltantes que mostraram as caras. Protegido pelas rochas Ted Slim berrou furioso:

– Liquidem-no seus idiotas! Ele é apenas um homem.

– Faça-o você, imbecil! O que acha que estamos tentando fazer – retorquiu um dos seus homens.

John acabara de mandar Catlow visitar satanás, quando um projétil lhe arrancou o chapéu, fazendo-o esbravejar:

– Diabos!! Quase me estragam o chapéu novo!

Jed recarregava seu rifle quando um dos bandoleiros lhe fez pontaria. No exato momento em que apertou o gatilho, caiu fulminado por uma bala de Carson, que gritou:

– Mãos ao alto… Não se movam!

Apesar de surpresos com a aparição de Carson à retaguarda, os assaltantes não acataram o apelo e trataram de fugir, ao comando de um deles. Correndo em zigue-zague procuraram freneticamente os cavalos, debaixo da saraivada de balas de Carson e Newton.

– Acertei um – gritou Newton eufórico.

– Lá vai mais um – acrescentou Jeff há poucos metros dali, enquanto pedia – Deem-me um rifle, rápido!

– Segure-o. Só tem duas balas.

Jeff fez pontaria e acionou o gatilho. A primeira bala acertou a nuca de MacCoy. A segunda, como Jeff planejara, atingiu o cavalo de Smith arremessando-o ao chão.

– Puxa, xerife… você é terrível! É mais rápido que um lince das montanhas de Nevada – comentou alegremente o miúdo contador John Calvey.

– Nem tanto… – modestou Jeff. Vamos interrogar este coiote.

– Quem é você e para quem você trabalha? – interpelou Jeff.

Smith continuou mudo.

– Pra quem você trabalha? – interrogou o xerife esbofeteando o assaltante subjugado.

– Pensa que sou tolo a esse ponto, xerife? – Rosnou sarcasticamente o prisioneiro.

– Pode não ser, mas parece e muito. Bem, agora não temos tempo para interrogatórios. Mas não se vanglorie. Você ainda soltará a língua. O xerife Morrison ficará contente em tê-lo como seu primeiro hospede. E não se preocupe com a solidão… Logo, logo seus companheiros irão lhe fazer companhia no ‘hotel da justiça’. Bem John, estamos a poucas milhas de Spring Benson. Creio que não há mais bandoleiros à frente. Os três que escaparam foram em direção oposta… Não voltarão a atacar. Vou voltar para Carson City enquanto é dia.

– E mesmo que tivessem ido em outra direção, imaginando você conosco, eles não se aproximariam – acrescentou Newton, o mais velho escolta.

– Tem razão – confirmou John –, depois de sua atuação estamos mais encorajados.

– Ótimo. Então sigam em frente que eu vou levar este facínora para o xerife. Até a vista. – Despediu-se Jeff.

 

* A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira,10.

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

 

Capitulo II

No seguinte o sol fresco da manhã já ia alto quando Jeff saiu à rua. Eram mais de nove horas quando ele entrou na delegacia.

– Bom dia Morrison.

– Bom dia rapaz. Sente-se – disse o xerife indicando-lhe uma cadeira.

Antes de sentar-se Jeff examinou discretamente o lado interno da delegacia. Uma mesa, quase sem objetos, três cadeiras, duas empoeiradas, um armário contendo dois colts e três winchesters. Um pequeno corredor com duas celas de cada lado, todas vazias. Deixou escapar um comentário jocoso:

– Falta de clientes hein, xerife!

– Realmente. Desde que cheguei aqui há um mês, ainda não consegui nenhum, apesar de estar cheio deles no povoado.

Jeff soprou o pó da cadeira e sentou-se.

– Bem rapaz, acho que me deve explicações. Pois mal chegou na cidade e já destroçou a mão de um homem, que por sinal é muito perigoso, em seguida mandou quatro para o inferno. Afinal que é você?

– Ora… sou um homem como tantos outros. Foi eles quem me provocaram… eu apenas me defendi!

– Humm… Não estou bem certo disso. Talvez você tenha razão. No entanto, agora é melhor você dar o fora, pois os homens que você matou eram empregados de gente poderosa na região. O mexicano Sancho Perez é uma pessoa vingativa. Tão logo cure a mão ele e outros mais virão atrás de você como costuma fazer com quem atravessa seu caminho.

– E você não faz nada?

– Não posso. Eles fazem tudo legalmente, como por exemplo provocando para um duelo. Além do mais eles têm a seu serviço um pistoleiro considerado o mais rápido do Arizona. Por isso é melhor você desaparecer o mais rápido possível.

– Ao contrário xerife, nunca deixei um lugar sem vontade própria. Eles não serão os primeiros a forçar-me a isso. Gostei do lugar e pretendo ficar por aqui. Por coincidência você está precisando de ajudantes… pois sua procura terminou. Eu, Jeff Rogers, aceito o cargo de auxiliar de xerife em Carson City!

Morrison passou a mão pela cabeça, massageou a barba do queixo, pensou por alguns instantes e disse em tom desconsolado:

– Devo esquecer o que se passou e admiti-lo. Afinal você foi o único homem além de mim aqui no povoado que provou que pode usar calças!

– Devemos comemorar, Morrison. Você tem bebida aqui?

– Ainda deve ter um pouco que eu trouxe do QG dos Guardas Rurais do Texas, pois o whisky daqui é indigesto.

Logo após beberem uma dose de whisky Jeff assinou os papéis necessários a um ajudante da lei e colocou uma estrela de prata sobre a jaqueta de couro cor de búfalo que agora usava sobre  uma camisa xadrez verde e disse.

– Acho que vou dar umas voltas pelos arredores do povoado. Quero conhecer o município que vou defender. Voltarei à tarde.

Aos sair povoado o novo agente da lei se dirigiu ao norte de Carson City. Depois de percorrer algumas milhas em seu esperto cavalo baio pela estrada principal, Jeff entrou na planície descampada. Após alguns minutos de cavalgada, desceu do cavalo para esticar a pernas. Enquanto andava distraidamente percebeu um objeto no chão.

– O que é isso… um lenço masculino! Neste lugar, fora da estrada… aqui não tem pastagem! Estranho… – falou para si mesmo.

Jeff olhou atentamente para o chão onde apanhara o lenço e notou vários sinais de cascos de cavalo, e os seguiu.

– Hummm… deve ser uns dez ou doze cavaleiros. Mas para onde irão? Epa, aqui se dividem… Três seguem quase reto ou outros seguem para o oeste… Isso está cheirando a método usado por assaltantes após roubo. Eles se separam para confundir os perseguidores. Mas, partindo da estrada há uma pista muito fácil de se seguir! – pensou.

Tonou a montar no baio e voltou pelo mesmo caminho observando os rastros das ferraduras. Quando chegou a umas duas milhas da estrada a pista desapareceu.

– Hummm… apagaram os rastros! Quem se dá a esse cuidado só pode estar interessado em esconder suas atitudes. Vejamos aqui atrás… os rastros são de quase duas semanas… Muito curioso!

Ao anoitecer Jeff chegou à cidade e foi direto para a delegacia falar com Morrison, mas não o encontrou. Foi então para o hotel onde o xerife o esperava.

– Aonde você foi? Cheguei a pensar que você tivesse se arrependido e aceitado meu conselho inicial!

– Estava dando um passeio para conhecer as redondezas. Acho que descobri, sem querer, algo interessante.

– Depois conversaremos sobre isso. Agora coma alguma coisa e vá descansar. Amanhã escoltaremos uma carroça de Carson City a Spring Benson.

– O que leva esta carroça que precisa de escolta?

– O pagamento dos operários da linha férrea que está perto de Tucson.

– E quem a levará até Tucson?

– O xerife de Spring Benson e seus auxiliares.

– Muito bom. E na nossa ausência, quem ficará aqui para cuidar dos malfeitores?

– Não será ‘nossa’ ausência. Você irá. Eu ficarei aqui.

– Eu irei só?

– Não. Claro que não. Há também o cocheiro e mais três guardas, além do contador da companhia.

Jeff cochilava preguiçosamente na cadeira do xerife, quando um menino irrompeu na delegacia gritando:

– Sr. Rogers, xerife Rogers… corra ao saloon! Tem um punhado de homens querendo quebrar os ossos do xerife Morrison.

– Ahnn … Calma garoto! Morrison tem os ossos duros.

Ao chegar ao saloon Jeff interpelou o seguinte diálogo:

– Morrison, você é um irresponsável, um imbecil, um canalha! Contratar um pistoleiro para ser auxiliar de xerife…

– Jeff não é um pistoleiro. Ele apenas se defendeu… Vocês viram e sabem disso.

– Ele é um aventureiro qualquer, um pistoleiro. Só um pistoleiro teria habilidade para provocar e abater a tiros tipos iguais a Sancho e seus companheiros.

– Isso não quer dizer que ele seja pistoleiro… Ele enfrentou Sancho porque não é covarde como vocês!

– Como! Ainda ousa nos chamar de covardes? Pessoal, vamos permitir que este canalha texano nos insulte? – falou um dos populares.

– Não… Vamos dar-lhe uma lição! – respondeu um terceiro.

– Isso mesmo! Vamos quebrar-lhe os ossos – retrucou outro mais afoito.

– Vamos fazer a ele o que fizemos a Rock Hobson – exclamou um terceiro.

Ao ouvir aquele nome, Jeff que até agora permanecera imóvel observando a cena, explodiu para cima dos homens ao mesmo tempo que estes também lhes caiam em cima. Começou uma luta selvagem e, apesar da superioridade numérica, os dois homens da lei levavam vantagem. Morrison esquivava-se muito bem dos golpes que levava e retribuía potentes socos nos adversários. Jeff não deixou por menos. Mostrou que além de ser exímio atirador, lutava também com grande agilidade e habilidade. Cada soco que ele desferia atirava um homem sobre as mesas e cadeiras indo parar no chão poeirento do saloon. A luta estava quase no fim quando num rompante ouviu-se um disparo no justo momento em que Jeff esquivava de um soco dos agressores. A bala cravou-se no ombro do agressor enquanto Morrison alertava:

– Cuidado Jeff!… A janela…

O jovem executou um desesperado salto acrobático atirando-se ao chão a tempo de desviar do segundo projetil. Antes de chegar ao chão sacou seu colt e disparou na direção da janela. Foi tudo tão rápido que a bala de Jeff conseguiu arrancar o chapéu do pretenso assassino. Morrison correu para a rua sendo imitado em seguida pelo seu auxiliar, mas o traiçoeiro atirador desapareceu na escuridão da noite.

– Vê alguma coisa Morrison? – perguntou Jeff.

– Não… nessa escuridão é tempo perdido procurá-lo.

– Hei… parece que ele esqueceu algo!

– Hum… um chapéu seminovo… amarelado, com um buraco na copa!

– Ele teve sorte de estar usando um chapéu… caso contrário agora estaria estirado no chão com um buraco na testa. Você é mesmo terrível com este colt, meu rapaz!

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

     Essa história de Caubói foi escrita na década de 1970, no auge da exibição de filmes do gênero nos cinemas de Pouso Alegre. Escrevi “Jeff, o homem do chapéu furado”, em um caderninho espiral no mês de julho de 77, durante meus turnos de sentinela nas guaritas do 14º GAC, quando servia o exército naquele ano. A intenção era publicar em “bolsilivro”, outra febre nas bancas de jornais e revistas naquela década.

    Agora os apaixonados por histórias de Cawbói, caso queiram, poderão ler gratuitamente a história do forasteiro. “Jeff, o homem do chapéu furado” será publicada em onze capítulos, no blog e na minha página no face.

    Boa viagem à década de 1870!

 

Capitulo I

 

O sol acabara de se esconder no final da planície.O vento soprava forte, fazendo levantar poeira na rua principal de Carson City.  Fazia frio, o que era normal naquele lugar àquela época do ano. Isso não impedia que as pessoas continuassem com seus afazeres. Nesse instante entrou na cidade um forasteiro. O jovem, aparentando cerca de trinta anos, alto, peito largo, pernas compridas, braços fortes escondidos sob a jaqueta marrom que o protegia do frio. Por baixo do chapéu de abas largas podia-se ver parte dos cabelos castanhos encaracolados. Seus olhos azuis claros perscrutavam tudo à sua volta. O semblante alegre e jovial escondia uma máscara de ódio e sede de justiça. A cintura era ornada por um par de Colts por cima da calça preta. O vento frio e os olhares ou comentários discretos sobre sua figura, comum naquelas paragens, não o incomodavam. Seu cavalo baio o levou passo a passo até o estábulo indicado por um transeunte. Depois de deixa-lo aos cuidados do cocheiro, o forasteiro se dirigiu ao hotel ‘Quatro Ases’, perto dali, o único do lugar.

– Um quarto sem percevejos e água para lavar-me – disse tranquilo a um sujeito calvo e obeso que estava atrás de um balcão tosco no saguão do hotel.

– Pois não Sr. … Sr….

– Rogers, Jeff Rogers.

– Sim senhor, assine aqui. Vai só passar a noite ou vai ficar aqui alguns dias?

– Talvez fique alguns dias, ou meses se eu gostar do lugar e conseguir emprego. – Respondeu Jeff sem interesse, e perguntou:

– … E então, o quarto?

– Ah sim, pois não. Quarto 07, suba e vire à esquerda.

Duas horas depois.

– Um whisky tragável – disse Jeff com voz seca ao ‘barman’ que o serviu rapidamente. Em seguida sentou-se a uma mesa perto do balcão e passou a observar o movimento do saloon. Daí a pouco ouviu uma voz irônica:

– Olá Morrison, conseguiu ajudantes?

– Ainda não Sr. Heb. Por enquanto.

– Duvido que consiga ajudantes Morrison. Ninguém teria coragem…

Após esse breve comentário, Charles Heb, o único banqueiro da cidade, se retirou do saloon.

Morrison estava ali a poucos meses ostentando uma estrela no peito, exercendo a profissão de xerife. Conhecia praticamente todos os habitantes da pequena cidade e notou a presença de Jeff.

– Percebo que é novo por aqui?

– Sim, cheguei à pouco…

– Espero que não me cause aborrecimentos… Já os tenho de sobra!

– Da minha parte nada tem a recear.

– Assim espero… – retrucou Morrison sem vontade de esticar o papo e saiu do saloon.

O xerife acabara de sair quando seis homens entraram no saloon. Eram Sancho Perez, capataz do Rancho “Barra Y” e seus companheiros. Sancho era grandalhão, moreno queimado de sol, com grandes bigodes e usava um grande ‘sombrero’ caído nas costas. Tinha um jeito brincalhão e gozador. Seus companheiros, dois mexicanos e três americanos eram carrancudos e grosseiros.

– Olá muchachos, – disse Sancho – não nos convida a entrar. Sancho e seus amigos querem tirar o pó da garganta…

Entre uma piada grosseira e sem graça e outra, o mexicano continuou provocando todos com piadas de mau gosto. Ninguém ali achava graça naquilo mas ninguém reagia, pois quem tentasse fazê-lo corria o risco de mudar-se para a ‘chácara do coveiro’. Hoje, no entanto, Peter Daves, capataz de um dos pequenos ranchos à leste de Carson City estava no saloon… e bêbado! Não suportando os insultos de Sancho, levantou-se da cadeira, sacou o colt e gritou meio fora de si.

– Sancho … você é um canalha!

Mal acabou de falar… tombou sem vida, com um balanço na testa. Sequer teve tempo de acionar o gatilho. Sancho soprou a fumaça do cano do seu colt e perguntou com sarcasmo:

– E então ‘muchachito’… ainda afirma que Sancho Perez é um canalha?

Sem resposta virou-se para o balcão para pedir mais um trago. Nesse momento notou a presença de Jeff, que permanecera ali imóvel, aparentemente alheio a tudo que se passava no local.

– Hei muchachos, temos um forasteiro na cidade. Como é seu nome gringo? – perguntou o mexicano.

Jeff fingiu indiferença.

– Responda a Sancho gringo cretino! Quem é você?

– Alguém que você não conhece – respondeu Jeff, provocando a ira de Sancho, o qual não estava acostumado a ser tratado daquela maneira.

– Foi você quem pediu gringo sujo – vociferou o mexicano enquanto sacando o colt.

A bala passou assoviando aos ouvidos de Jeff enquanto ele rolava no assoalho poeirento do saloon e numa fração de segundo disparava seu colt, fazendo voar a arma da mão de Sancho, antes que ele apertasse o gatilho pela segunda vez. Sancho e seus capangas e os demais presentes ficaram boquiabertos com tamanha agilidade e rapidez no gatilho. Jeff deixou cair a arma no coldre, levantou a cadeira que derrubara, jogou uma moeda sobre o balcão e encaminhou-se para a saída do saloon. Quando já estava no meio da rua ouviu às suas costas:

– Tome gringo maldito…

O forasteiro jogou-se ao chão ao mesmo tempo em que sacava e fazia fogo contra dois dos capangas de Sancho. Os dois pistoleiros tombaram de joelhos no meio da rua cada qual com uma bala no peito. Jeff levantou-se tirando o pó da roupa e apanhou seu chapéu a três passos, com um buraco na copa. Uma das balas havia atravessado o chapéu. Olhou com desprezo, ajeitou-o na cabeça, tirou-o novamente e com ele na mão se dirigiu ao hotel sem dar importância aos olhares incrédulos das pessoas.

Madrugada. Completo silencio em Carson City. Só se ouvia de vez em quando o ladrar de algum cão vadio tentando espantar o frio. Duas sombras silenciosas se esgueiraram pelo corredor do hotel e pararam em frente o quarto 07. Ainda em silencio e cautelosamente arrombaram a porta e… Nesse momento o silencio foi cortado pelo som de doze disparos de colts sobre um vulto na cama onde Jeff dormia. Em seguida os dois pistoleiros desceram rapidamente a escada do hotel recarregando as armas. Quando chegaram à rua em frente ao hotel, pararam em cima de uma sombra no meio da rua.

– Olá senhores, procuravam por mim? – falou Jeff irônico. Antes de qualquer resposta o forasteiro sacou o colt e fulminou os dois facínoras, cada um com um balaço na testa, sem lhes dar tempo de pressionar os gatilhos das armas já empunhadas.

Jeff ainda estava recarregando o revólver quando ouviu a voz do xerife atravessando a rua, empunhando uma Winchester, dizendo:

– Mãos ao alto forasteiro. Vejo que você não deu crédito às minhas palavras. Alguns dias vendo o sol nascer quadrado vai lhe clarear as ideias e fazê-lo dar ouvidos a uma autoridade!

Morrison disse isso em tom severo e respeitador, mas a reação de Jeff foi de indiferença.

– Sinto muito xerife… Não tenho vocação para passarinho. Passe pelo quarto 07 do hotel e encontrará algo interessante. Vou dormir nalgum lugar mais seguro. Amanhã passarei pela delegacia e talvez até aceite ser seu ajudante… se me convidar! Até amanhã xerife.

Estas palavras desarmaram Morrison. Sem reação, o xerife coçou a cabeça e foi dormir.

 

* O segundo capitulo será publicado na próxima semana…

Falando em Caubóis…

“Jeff… O Homem do Chapéu Furado” será publicado, aqui, em onze capítulos.

 

Foi na década de 70, “Década de Ouro da Humanidade”, que eu conheci os caubóis, através dos filmes do gênero. Havia para todo gosto. Havia o caubói sério e carrancudo em busca de vingança, (Clint Eastwood); havia o caubói sarcástico e aventureiro (George Hilton e Johnny Garko); o caubói vilão, que aprontava, aprontava e sempre morria no fim (William Berger, Lee Van Cleef e Klaus Kinski); havia também o caubói desbravador, que aceitava empreitadas de conduzir caravanas ou resgatar pessoa sequestrada pelos índios, guias de comboios ( John Wayne, Burt Lancaster, Kirk Douglas); havia ainda o caubói de olhar doce e romântico que usava o colt apenas para se defender durante suas aventuras no Oeste sem lei, (Giuliano Gemma); havia o caubói que, depois das andanças – e matanças -, queria apenas construir um rancho ao pé da colina, perto do riacho e viver em paz sua doce morena; havia também o caubói jogador de pôquer, que sempre trazia na manga um ás de ouro: nunca perdia! O caubói mais comum era o justiceiro caçador de recompensas!

Além destes caubóis que inspiravam nossa vida adolescente, outros tantos, tão ou mais famosos deixaram rastros nos cinemas de Pouso Alegre – e naturalmente Brasil afora. Alguns eram associados aos personagens que encarnavam. John Garko era o “Sartana” eternamente perseguido pelo loiro de meia idade William Berger. Franco Nero deu vida a Django, um dos mais famosos personagens do velho oeste. George Hilton com sua cara de deboche deu vida ao bonachão Ringo. Terence Hill Terence Hill encarnou “Trinity”. Com seu ingênuo sorriso infantil e seu inseparável irmão Bud Spencer, gordo, barbudo e carrancudo, e suas trapalhadas transformaram as salas de cinema num festival de gargalhadas. Já o lendário “Billy The Kid” teve tantos intérpretes que nenhum deles o eternizou. Quem chegou mais perto foi o bonitão Paul Newman na película “Um de nós morrerá”, em 1958.

Enfim, são tantos os caubóis do Velho Oeste que desfilaram nos cinemas de Pouso Alegre e do Brasil na década de 70 que eu precisaria de mais cinco décadas para falar seus nomes.

Dentre os ‘caubóis’ acima – e tantos outros que encheram os olhos de adolescentes apaixonados pelo gênero como eu, difícil dizer qual foi o mais famoso, o mais cativante, o mais… ‘herói’.

No entanto, qualquer frequentador do “Cine Gloria” ou do “Cine Eldorado” em Pouso Alegre nas décadas de 70 e 80, dirão que o mais marcante foi Clint Eastwood! Embora a maioria dos seus filmes tais como “A Marca da Forca”, “Por um punhado de dólares”, “Três Homens em Conflito”, “A marca da forca” tenham sido produzidos na década de 60, volta e meia podíamos ouvir seus tiros certeiros e mortais nas telas dos cinemas nas noites de sábado e nas matinês de domingo. O cavaleiro solitário é, de longe, o mais longevo caubói da história do Velho Oeste.

Em 2021 Clint Eastwood estrelou um novo filme de western. Na película “Cry Macho: O caminho para a redenção”, o sisudo caubói, aos 91 anos saca – pela última vez – um trezoitão!

Com tantos filmes de caubóis na “Década de Ouro da Humanidade”, década que eu tive a felicidade de atravessar com três faixas etárias diferentes – infância, adolescência e adulta -, eu não poderia ser uma pessoa ‘normal’. Minha professora de português já havia vaticinado:

“Airton, você tem ‘veia’… você será escritor”!

Eu acreditei nela. Em meados daquela década, resolvi escrever a minha própria estória de caubói!

A obra foi gestada no ano 1977 quando eu servia o exército. O parto aconteceu no mês de julho daquele ano. Nos meus turnos de guarda nas guaritas do quartel e do Paiol, em três semanas escrevi a historia do caubói Jeff, em um caderninho espiral. Dez anos depois, quando trabalhava como escrivão em Silvianópolis, datilografei a historia na máquina Olivetti línea 88 da delegacia. O original esteve guardado desde então. Meu primeiro e único livro de caubói tem um título bem original:

 

“Jeff… O Homem do Chapéu Furado”.

 

A historia se passa em Carson City, uma pequena cidade do norte do Texas nos idos de 1870. Um jovem chega à cidade no final da tarde e na mesma noite, no saloon, manda um pistoleiro de estopim curto para o andar de baixo. Apesar do assassinato, no dia seguinte o forasteiro se torna auxiliar do xerife da cidade. A estrela no peito vai facilitar a missão secreta do caubói na cidadezinha dominada por uma violenta quadrilha de malfeitores.

Depois de 46 anos finalmente resolvi presentear os leitores, como eu, aficionados em histórias de Faroeste. Mas é só para quem gosta de histórias de caubóis. Se você não gosta, ocupe seu tempo com outra leitura, pois, tempo é a terceira maior riqueza que Deus nos deu. Devemos usar nosso curto tempo na terra para fazer ou apreciar aquilo que gostamos!

“Jeff… O Homem do Chapéu Furado” será publicado semanalmente aqui no Blog e no face do Blog, em onze capítulos.

Eu o desafio, caubói… Saque rápido e boa leitura!

O drama de Marlene

… Mãe de usuário de drogas!

 

Noite de autógrafos, durante lançamento do livro em 2014…

“A prisão de Gegê poderia não ser tão discreta e sutil quanto e de Pedrinho, por isso tomei algumas precauções. Levei comigo dois colegas. Fomos no carro de um deles. Gegê estava trabalhando com o pai no preparo da terra para o plantio de mandioca – pela primeira vez na vida – ao pé da serra, há três quilômetros do sítio. Como de hábito na roça, deveria voltar para casa por volta de quatro da tarde.

Chegamos antes das três e meia. Desci do carro e fui direto para a cozinha tomar café com ‘dona’ Marlene enquanto os companheiros se afastavam alguns metros da casa e escondiam o carro. Como previsto, Gegê chegou minutos antes das quatro. Enquanto o pai soltava os cavalos no curral ele entrou na cozinha. Puxou conversa econômica, ressabiado, deduzindo que eu não estava ali apenas apreciando os quitutes de sua mãe. Esperei dois minutos ou três – o tempo necessário para que os colegas se aproximassem da casa – e antes que Gegê se afastasse da cozinha, disse o que ele suspeitava:

 

– Gegê, o delegado está ‘precisando’ de você na delegacia. Vá tomar um banho… Você vai com a gente – disse eu em tom brando e firme.

 

Enquanto processava a frase “… com a gente”, o menino que vi crescer fechou a torneirinha do bebedouro, levou o copo à boca, sorveu o líquido fresco quase num só gole, deu dois passos em direção à porta, o suficiente para ver o carro do Freitas na frente da casa. “Um minuto antes ele não estava lá” – deve ter pensado. Gegê compreendeu que eu não estava só. Olhou como que a pedir socorro para a mãe! E foi ela quem perguntou já quase chorando:

 

– Ele vai ficar preso?

 

O que eu não dissera nos primeiros vinte minutos, para economizar lágrimas, tinha que dizer agora.

– Vai, Marlene… Saiu um mandado de prisão para ele e para Pedrinho. Mas eles são primários. Em poucos meses poderão voltar para casa e recomeçar uma vida nova – emendei fingindo indiferença.

 

Naturalmente era uma mentira deslavada que eu não poderia ter contado à mãe de Pedrinho, que conhecia talvez melhor que eu as leis penais. Mas a mãe de Gegê era pós-graduada apenas em quitutes de forno e fogão. Nada entendia de leis. Não adiantaria eu dizer a ela que aquela era apenas a primeira das condenações que seu filho receberia – cinco anos e meio, por roubo a mão armada a um posto de combustível há quase dois anos.

 

O tempo de privação da liberdade no cumprimento das leis do código penal, no entanto, seria o menor dos problemas que o jovem Gegê enfrentaria no velho hotel da Silvestre Ferraz. Ali ele teria que enfrentar as leis do cárcere, as “leis dos fora-da-lei”. Se até então ele era apenas um aventureiro desajustado familiar e socialmente, agora ele se ajustaria às leis do presídio. Leis criadas pelos próprios presos, muito mais contundentes, cruéis e rápidas do que as leis que tramitavam no Fórum. No velho hotel da Silvestre Ferraz como em qualquer outro hotel do contribuinte, não se protela processo ou execução de sentença. O julgamento é sumario e sem direito à defesa!

 

Os poucos mais de vinte minutos que fiquei na cozinha da casa simples e espaçosa de Gegê elogiando o bolo de fubá e o café de sua mãe, seriam suficientes para resumir os próximos quinze ou vinte anos de sua vida que eu previa de cor e salteado. Mas eu não poderia contar a ela que Gegê e Pedrinho, seu amigo de aventuras fora da lei, acabara de receber três condenações; uma do homem da capa preta, – que tinha data pré-estabelecida para terminar. Uma da sociedade, que poderia durar por toda vida. E outra do sistema prisional, que deixaria cicatrizes na pele e na alma também pelo resto da vida, ou poderia terminar numa madrugada qualquer, pendurado na ‘ventana’ ou no canto do pátio durante o banho de sol!

 

     Como dizer a ela que seu filho seria humilhado, aviltado, tatuado, seviciado, provavelmente violentado e extorquido nas próximas semanas?

 

Como dizer à singela e bondosa mãe que seu filho certamente pegaria sarna, micose, doenças venéreas… Talvez tuberculose! Talvez AIDS!

 

Como dizer a ela que o menino de 20 anos fugiria ou tentaria fugir diversas vezes, perdendo assim o direito à progressão de pena e que, durante as fugas, além dos riscos inerentes, ele voltaria a cometer outros delitos até ser preso de novo!

 

Como dizer que tudo isso retardaria sua volta… Que talvez ele nunca mais voltasse para casa!

 

Não. Não poderia dizer…

 

Era uma dose muito grande de angústia, de amargura e de tristeza para que ela sorvesse de uma só vez. Tinha que ser tomada aos poucos para não levar ao desespero… Para que o coração fosse criando anticorpos, e insensibilidade e pudesse resistir. Ainda que calejasse e endurecesse como uma pedra… Ou que se tornasse amargo como fel.

 

O pai, Roberto, com a pele queimada pelo sol na labuta no campo, combalido pela vergonha do filho perante os parentes e vizinhos, ainda tinha uma válvula de escape… Tinha os bois para cangar, as vacas para ordenhar, alguns cavalos para arrear e cavalgar e a terra, para ver a semente brotar…

Mas Marlene, não…  Ela só tinha o fogão para cozinhar, a casa grande e simples para limpar e o tempo… O tempo para vê-la definhar! Aliás, solidão e depressão já moravam com ela há muito tempo… Talvez antes mesmo de Gegê se desviar na curva da estrada e se bandear para as drogas…”

 

 

Estes fatos foram vivenciados há cerca de 20 anos. Foram escritos em 2013 para o livro “MENINOS QUE VI CRESCER”.

 

     Dez anos depois pouca coisa mudou. Marlene, a sofrida mãe de Gegê, viveu seu drama em silencio por muito tempo. Há cerca de um ano eu fui ao seu velório. Finalmente seu coração parou de bater… e de sofrer com o filho usuário de drogas!