Conheço esse filme!
Outro dia, vendo uma entrevista com o delegado (aposentado) Altair Machado, no Mandu Cast, falando sobre a escassez de policiais até para escoltar presos, lembrei de alguns casos que eu protagonizei ao longo da carreira!
Nos anos 80, a delegacia Regional de Pouso Alegre, uma das maiores do Estado, tinha 4 viaturas oficiais. Uma Veraneio (para rondas noturnas e viagens), um fiat 147 e uma Caravan (para diligências, campanas, investigações…) e outro Fiat 147 à disposição da Perícia. Algemas tinha dois pares – exclusivamente para transporte de presos para a capital ou para outro estado. Revolver? Cada um se virava com o seu. Tinha policial que possuía apenas um Rossi 32. Trabalhei com um carcereiro que impunha sua autoridade com uma faca ‘peixeira’!
* Certo dia, descendo a Bueno Brandão voltando do almoço para a Delegacia, esbarrei num conhecido meliante procurado pela polícia. Japão era figurinha fácil no nosso álbum por pequenos furtos e uso de maconha – quando uso de maconha era crime previsto no artigo 16 da lei 6368/76. Eu, jovem policial, empolgado com a carreira que acabara de abraçar, não tive dúvidas! Enquadrei o meliante e disse-lhe a famigerada frase:
– “Teje preso”!!!
Sozinho, a pé, desarmado e sem as “pulseiras de prata”, atravessei a cidade conduzindo o preso numa ‘chave de braço’ até chegar à delegacia de polícia.
** Em 93 trabalhava eu na Delegacia de Silvianópolis quando recebi a missão de recambiar um notório condenado para nossa Comarca. O meliante havia cometido um furto anos antes numa fazenda no município de São João da Mata e dobrado a serra do cajuru. Dias depois ele cometeu outro crime e caiu nas malhas da lei de São João da Boa Vista. Extinta sua pena lá em terras paulistas e à pedido’ cá em terras mineiras, ele foi “extraditado” até a vizinha Poços de Caldas. O indigitado era “Peixinho”, meu velho conhecido. Velho mesmo. Velho e malvado. Na década de 70, quando eu vendia sorvetes nas ruas de Pouso Alegre, ele, mais velho e mais forte do que eu, costumava encostar no meu carrinho, chupar meia dúzia ou mais de picolés e sair sem pagar! No início da década de 80 eu o havia prendido na cidade de Campinas – Essa história, bem-humorada, está no livro “Meninos que vi crescer”! Mais bem-humorada foi nossa viagem de Poços de Caldas para Silvianópolis. Apenas nós dois na viatura. Eu atrás do volante e ele meio embodocado no porta-malas(destampado) do Uno, imobilizado por um par de pulseiras de prata.
*** No final de 2004, prestes a me aposentar, recebi outra missão; recambiar um preso da penitenciaria de Nova Serrana para Monte Sião, onde eu trabalhava. A missão era como tantas outras, mas tinha um ingrediente a mais. O Fiat Elba de Monte Sião não tinha condições de fazer uma viagem tão longa. Achamos a solução. Embarquei no ônibus da Gardênia (naquela época, a Gardênia não deixava ninguém na estrada! Rsrsrs…) e desci na rodoviária de BH. Cheguei de manhazinha, atravessei a famigerada “Guaicurus” ainda com cheiro de perfume barato das mariposas, peguei a Contorno, sai na Avenida dos Andradas, a pé naturalmente, e meia hora depois cheguei ao Departamento de Transportes. Lá peguei um Palio Weekend e fui buscar meu preso na ‘penita’ de Nova Serrana. Chegamos a Monte Sião no final da tarde, eu atras do volante, e meu preso, que atendia pelo epiteto de “Cafarnaum”, no banco de trás com os braços atados por dois pares de algemas na barra de proteção atrás dos bancos.
Nossa viagem de mais de 400 quilômetros foi tranquila. Viemos contando história um para o outro, estreitando laços. Ficamos quase amigos. Tão amigos que um mês depois livrei Cafarnaum de uma enrascada amorosa. Durante os meses que havia morado em Monte Sião, onde cometera diversos crimes, Cafarnaum arrumou uma namorada e foi morar com ela – meliantes são como soldados na guerra! Tem uma facilidade incrível para arrumar namoradas! Mas meu preso não era livre. Ele tinha mulher e filhos na Bahia, sua terra Natal. Tão logo ficou sabendo que o marido havia sido transferido para Monte Sião, a esposa veio visitá-lo – mulher de preso adora visitar marido na cadeia! Tudo bem. Cada um com seu cada um. O problema é que a amasia de Monte Sião não perdia uma visita de quarta-feira. Chegava sempre de mãos cheias, trazendo frutas, comidas, cigarros e chamegos! O encontro entre ‘matriz’ e ‘filial’ poderia resultar em barulho e “quebrar a rotina” do hotel do contribuinte da bucólica Monte Sião. Para evitar que a simplória cadeia e o silencioso cemitério – que ficam defronte um ao outro – aumentassem seus hospedes, caso as duas se encontrassem, barrei a visita da mineira…
– Seu ‘marido’ cometeu um ‘ilícito administrativo’ e está de castigo. Ele só poderá receber visitas na emana que vem – disse eu à jovem amante, quero dizer, amasia!
Como costumam zombar os policiais do próprio fadário, “policial ganha mal, mas as vezes se diverte”!
Sou – quase – da época em que os policiais eram “pegos a laço”. No início dos anos 80 era comum o Inspetor entregar três Mandados de Prisão a uma dupla de Detetives e dizer:
– Deem uma volta aí pela cidade… Tragam ao menos um desses três procurados!
– Em qual viatura a gente vai?
– Vejam se tem alguma disponível. Se não tiver, vão a pé mesmo!
Muita coisa mudou desde então. Hoje, para ser Detetive, tem que ter curso superior. A maioria dos policiais passam o dia – cumprem expediente – navegando… na ‘proa’ de um computador!