Cirilo ‘Bola Sete’ chegou ao fim da caminhada…

Depois de algumas décadas vivendo nos velhos hotéis do contribuinte, o cidadão que retoma a liberdade “não tem mais utilidade nem pra ele e nem para a sociedade”.

Dura realidade!

Tais egressos do sistema prisional, saem moralmente cambaleantes e nunca mais se aprumam. Vivem de favores, muitas vezes em muquifos fétidos, debaixo de pontes e viadutos, nas sarjetas, nos semáforos mendigando moedas para sustentar os pequenos vícios, morrendo aos poucos, até que a morte dê o golpe fatal!

Assim foi com o egresso Cirilo do ‘Bola Sete’!

Começou cedo o caminho torto! Aos 17 anos já era figurinha fácil no álbum da polícia. Entre uma fuga e outra, um crime e outro, uma prisão e outra, Cirilo passou mais de duas décadas vendo o sol nascer quadrado. Os últimos anos foram na APAC – de onde deveria ter saído com uma profissão definida e uma oportunidade concreta de um recomeço na vida.

No entanto, é necessário muito mais do que isso para apagar vinte e tantos anos de ócio e maculas acumuladas ao longo do caminho torto! Cirilo não teve forças para isso!

Nessa foto – que eu fiz em 2010 – apoiado na grande conteira em frente a casa do seu falecido pai no Aterrado, havia poucos meses que ele havia deixado a APAC. Ainda mantinha o viço da vida. Ao contar um pouco das suas aventuras e desventuras no mundo do crime, ele ainda alimentava a esperança do recomeço… mas não conseguiu voltar ao início da juventude para recomeçar!

A outra foto, enviada por uma amiga comum esta manhã, ilustra um pouco do que as drogas – essa mesma que o governo insistiu e o STF liberou a poucos dias – podem fazer com as pessoas.

Segundo nossa amiga, Cirilo morreu dormindo essa madrugada, num muquifo qualquer cedido por outros nóias na baixada do Mandu.

– “Cirilo estava muito debilitado. Eles fizeram um miojo pra ele e deixaram ele ficar. Pelo menos morreu de barriga cheia, numa cama quentinha” – disse a amiga, que diversas vezes tentou, sem sucesso, tirá-lo dos vícios.

As pessoas que defendem a liberação das drogas – da “maconha recreativa” – deveriam conhecer um pouco mais as histórias de “Meninos que vi crescer”. Cirilo do Bola Sete é um dos meninos que vi crescer…

O MENINO NÃO CANTA MAIS …

Na quinta-feira, enquanto dormia, passou de um sonho a outro e lá ficou…

Na verdade, faz muitos anos que ele parou de cantar. Cantava afinado, com a voz fina, doce e aguda… Cantava feliz, fingindo distração enquanto passava graxa nos sapatos dos clientes. Ganhou até o apelido de “Engraxate Cantor”!
Assim era Claudinei no final da adolescência. Cantou até tropeçar numa pedra no caminho… Até tropeçar na famigerada “pedra bege fedorenta”!
Desde então desafinou, tornou-se dependente da pedra. E para conseguir dim-dim para infringir o artigo 28 da lei 11.343, precisou infringir outros artigos do código penal. Isso o levou diversas vezes para o Hotel do Juquinha, depois APAC… Tornou-se um típico “Menino que vi crescer”!
Quitou seu débito com a justiça, mas não conseguiu voltar à encruzilhada e recomeçar sem mácula … Continuou no caminho espinhoso de quem um dia fez a escolha errada. Até que numa madrugada fria, há três anos, envolveu-se numa contenda banal com um desafeto e foi ferido a golpes de tesoura.
Desde então, quase inválido, tornou-se recluso em um quarto cedido por uma sobrinha. Já não engraxava, não cantava…
Semana passada, enquanto dormia, passou de um sonho a outro e lá ficou… não acordou mais!
Na quinta-feira, 20, seu corpo voltou ao pó… do Cemitério Municipal.
Claudinei, o Engraxate Cantor, era um dos “Meninos que vi crescer”!

Pra que serve um vice?

Há quatro meses das eleições municipais, Pouso Alegre tem 05 (cinco) candidatos ao ‘espinhoso’ cargo de alcaide! Até o momento, no entanto, não se vislumbra no horizonte nenhum postulante ao cargo de vice-prefeito.

Mas afinal de contas, para quê serve um vice-prefeito?

Quem responde essa pergunta é o meu amigo “Zé do Povo”, na edição número 15 do FOLHA no dia 18 de junho … há exatos 20 anos!

“Teoricamente o vice serve para substituir o titular na sua ausência ou impedimento. Mas na prática ele tem muitas utilidades.

– Serve para conduzir uma secretaria qualquer para fingir que justifica seu salário…

–  Serve para fazer fofoca ou oposição ao prefeito…

–  Serve para fazer ‘despachos e macumbas’ para o prefeito morrer… e ele assumir seu lugar!

– Serve para ficar quietinho em casa sem fazer nada… para não atrapalhar!

– Serve para articular sua campanha a titular nas próximas eleições!

– Serve para tirar licença nas vésperas de uma viagem do prefeito… para NÃO ter que assumir!

Enfim, um bom vice-prefeito serve para muita coisa.

E poderia servir para muito mais! Por exemplo: poderia servir para auxiliar o prefeito na sua administração …

– Para que ele cometa menos erros;

– Para que ele gaste o dinheiro público com a coisa pública;

– Para que ele beneficie a sociedade… e não os amigos!

– Para que ele possa receber o cidadão contribuinte em seu gabinete sem que o cidadão tenha que esperar dias e horas na fila;

– Para que ele tenha tempo de visitar focos de carências;

– Para que ele possa tomar café na cozinha do eleitor e dar tapinhas em suas costas como fazia na época da campanha!

Além destas utilidades & inutilidades úteis e fúteis, a maior serventia de um vice-prefeito, na verdade, começa antes da eleição. Mais cedo ainda, antes da convenção! É neste período que se percebe, pelo menos nos bastidores, a importância que tem um vice. É nesta hora que ele mostra seu valor. São intermináveis reuniões secretas e negociações envolvendo os interesses dos partidos a nível municipal, estadual e federal. Muitas vezes o campeão de popularidade é preterido em favor de um nome obscuro, para se ficar bem com o governo estadual. É no período pré-convenção que o vice mostra suas garras.

É buscando mostrar esta força que muitos pretendentes a confortável cadeira de vice lançam seus nomes estrategicamente a apreciação popular, postulando um cargo sempre mais alto, para depois soltar a demagoga frase:

“Se é para o bem do partido eu empresto meu nome”!

Ou:

“se o partido achar melhor, vou concorrer ‘apenas’ a vereança”! e outras tiradas mais.

E para isso vale tudo!

– Tem pré-candidato empresário que aparece toda semana nos jornais mostrando as qualidades, avanços e serviços prestados por sua empresa…

– Tem advogados que ganham festa de amigos e vão receber os presentes na televisão!

– Tem engenheiros que não perdem uma boca livre e até viajam para abraçar líderes partidários e aparecer em colunas sociais!

– Tem médicos que torcem para alguém rico ou famoso ficar doente… para ter que visitá-lo e aparecer na mídia!

Enfim, são muitas as artimanhas para chamar a atenção dos convencionais e ganhar a vaga de vice ao lado do candidato favorito.

Talvez seja por isso que até agora não ouvi o nome de nenhum “viçável” querendo sentar-se ao lado do cabeça de chapa!

Comentários e críticas à parte, um vice-prefeito, sem o peso das decisões nas costas, se tiver a nobreza de justificar sua escolha pelo eleitorado, poderá auxiliar e ser ainda mais importante que o prefeito numa administração.

 

*Zé do Povo é mineirinho do Mandu, mora há mais de 30 anos ao pé da serra do cajuru e trabalha como Gari no centro de Pouso Alegre

Vovô morreu…

(Imagem ilustrativa)

– Querida, o papai… desencarnou! – Falou Luquinha e esperou alguns segundos, para que a esposa processasse a informação. Em seguida contou os detalhes.

– Está tudo bem. Foi um desencarne tranquilo. Do jeito que ele deve ter pedido à Deus. Morreu sentado na sua cadeira preferida, na varanda da casa, contemplando o nascer do sol. O sorriso de satisfação continua no seu rosto.

– E as crianças… Como elas reagiram?

– Elas não sabem ainda. Elas acham que ele está dormindo e foram brincar. Vou tomar mais umas providencias e em seguida vou contar a elas.

Quinze minutos depois Luquinha chamou as crianças na varanda. Sentado entre elas no banco de madeira explicou de forma didática e romântica a partida do pai:

– Larissa, Leonardo… Quero falar sobre o vovô Chico Luca…

– Ele ainda está dormindo? – atalhou Larissa.

– Sim, minha filha. Ele está dormindo. Ele está dormindo o ‘sono da viagem’…

– “Sono da Viagem”, aquele que você contou pra nós aquele dia! Quer dizer que ele vai acordar longe daqui, no céu? – perguntou Leonardo franzindo a testa.

– Isso mesmo! O vovô já tinha feito tudo que tinha que fazer aqui na terra. Ele estava muito feliz e foi convidado a fazer aquela viagem para o outro astral. Vovô Chico Luca foi “um bom menino”… Ele trabalhou muito, amou muito, acertou muito, errou algumas vezes, pediu perdão, perdoou… Ele estava com a alma limpa, leve. Chico Luca sempre foi grato por tudo que recebeu. Hoje chegou a hora de fazer a viagem de volta à Casa do Pai – concluiu Luquinha abrindo teatralmente os braços para o alto.

– Ah, que pena! Ele não vai mais me contar histórias… Não vou ver mais aquele sorrisão de bochecha dele! – Reclamou Larissa, fazendo um bico com os lábios.

– Filhinhos… O vovô viajou! Mas ele continua morando no peito de cada um que o amou… de cada um que o ama. Quando quiser ver o vovô, basta olhar para o seu coração. – Falou Luquinha com mansidão… e os olhos brilhando! Brilhando muito…

 

*** Trecho do meu próximo livro…

Tibério… o ‘cão detetive’

O velho cão foi a peça chave para a apuração do assassinato do Pastor!


Eram nove da manhã de um ensolarado domingo de abril quando o telefone tocou na delegacia de policia. Do outro lado da linha uma voz de mulher disse apenas:
– “Tem um homem morto no mato ao lado da Vigor”!
Era meu plantão naquele dia. Como manda o bom senso que norteia a boa investigação, acompanhei o perito Praxedes ao local do crime. A informação anônima era verdadeira. Havia ali um corpo estendido no chão… sem lenço, sem documentos e sem vida! Pior! Sem um rosto que pudesse identificá-lo. O pobre homem de meia idade tinha o rosto completamente desfigurado por golpes de pedras e tijolos. Os toscos objetos do crime com as marcas da violenta agressão estavam espalhados ao lado do corpo no terreno baldio.
O corpo, que aparentava ter cerca de quarenta anos, foi levado para o IML e depois de necropsiado passou o resto do dia ali como indigente. No final daquela mesma tarde recebi uma mulher na DP para registrar um desaparecimento. Quando levantei o fantasmagórico lençol branco no IML, a mulher desandou a chorar. Era quem ela procurava! O morto era F.A.S., conhecido pela alcunha de “PASTOR”, com quem ela havia vivido maritalmente por dois anos na Baixada do Mandu. Segundo a mulher, Pastor, 38 anos, vivia de catar recicláveis e não fazia mal a uma mosca.
Apesar da vida de provações e escassez de dinheiro o rapaz era frequentador do FORRÓ DO PREGUINHO nos finais de semana. Aquela semana havia sido produtiva. Naquela noite de sábado ele estava endinheirado. Levava na algibeira pouco mais de 80 reais. Isso despertou a cobiça de lombrosianos que estavam nas imediações do forró… Foi sua sentença de morte!
As investigações do brutal assassinado nos levaram, como sempre, ao local do crime. No terreno baldio, permeado de mato, vegetação rasteira e entulho havia duas barracas velhas de camping, improvisadas. Uma delas estava vazia. Na outra havia um andarilho sem eira e nem beira. Na iminência de assinar um 121, ele nos contou – quase – tudo que sabia:
– Eu não vi nada, não, mas eu escutei. No meio da madrugada eu acordei com os latidos de um cachorro… Ele latia sem parar… aí o dono dele saiu da barraca e fez ele calar a boca – disse o mondrongo.
As informações eram poucas, mas foram o suficiente para nos levar aos assassinos. Bastava pensar. E pensamos:
– Se o cão vira-latas latiu… é porque presenciou o crime!
– Se o dono saiu da barraca para ralhar com o cão… ele também presenciou o crime!
– Se ele abandonou a barraca logo nos primeiros clarões da manhã… é porque ele não queria dar ‘entrevistas’ aos homens da lei!
As investigações nos mostraram que quem estivera abrigado na tosca e encardida barraquinha no palco do covarde assassinato do Pastor, eram M.T. e sua jovem amásia. O fato de ele ter deixado a barraca ao pezinho da manhã do crime, levando consigo o cão delator, fazia dele o principal suspeito. Por isso, não foi difícil fazer com que ele apontasse os autores… para livrar sua própria cara!
As informações de Miltinho foram confirmadas no passo seguinte. Levantamos que o telefonema recebido na manhã de domingo, partira de um orelhão instalado ao lado da casa dos assassinos!
Em seu mais célebre romance – Crime e Castigo – o grande escritor Fiódor Dostoievski traça, com muita assertiva, o perfil de todo assassino:
“O criminoso não se contenta em cometer o crime… ele quer saber o que a polícia sabe sobre o crime que ele cometeu… e se a policia vai chegar até ele”!
Ou seja: “quando o assassino não volta à cena do crime”, ele deixa pistas…
Desvendado o mistério, com a carta branca do homem da capa preta, apresentamos as pulseiras de prata aos algozes do Pastor. Os dois assassinos, bem como aquela mulher que ligou do orelhão para denunciar o crime, sentaram ao piano do paladino da lei e assinaram o latrocínio – matar para roubar.
O assassinato do Pastor nas margens da Perimetral naquela madrugada fria de abril de 2004, foi um dos casos mais fáceis e rápidos que apuramos. No entanto, toda a investigação resultaria infrutífera se o velho cão não tivesse colocado a boca no trombone, obrigando seu dono a ralhar com ele.
O cão responsável pelo esclarecimento do assassinato do Pastor por causa de 80 reais, era um ilustre desconhecido que perambulava pela cidade na companhia de um casal de moradores de rua. Depois de aparecer nas páginas do jornal FOLHA, como herói, ele ganhou holofotes e visibilidade. Principalmente depois de ser abandonado pelo dono. Miltinho era figurinha carimbada no álbum da policia e cliente antigo do Velho Hotel da Silvestre Ferraz, por uso de drogas, brigas e outros delitos menores. Moradores de rua, Miltinho e a namorada – e o cão adotivo – passavam os dias nas imediações da pracinha atrás da Catedral e dormiam em qualquer lugar que os protegesse do sereno da noite. O relacionamento do ‘casal 20 das ruas’ era, no entanto, estilo tapas & beijos! As brigas constantes do casal rendiam frequentes hospedagens gratuitas a Miltinho no Velho Hotel da Silvestre Ferraz. O pote tanto foi à fonte que o Homem da Capa Preta resolveu separar o casal. Miltinho ganhou uma estadia prolongada no hotel do contribuinte.
Sem o casal de briguentos para lhe dar um centavo de carinho e uma nesga de comida, o cão – auxiliar da lei – voltou a perambular solitário e cabisbaixo pelas ruas.

O ‘cão detetive’ atende pelo nome de TIBÉRIO. É branco encardido, tem entre dez e doze anos de idade e visíveis marcas do tempo e de maus tratos pelo corpo. Numa versão menos romântica do filme “Akita”, cujo cão passa anos esperando seu dono – Richard Gere – na estação, Tibério passou longo tempo tentando reencontrar seu dono. Passa boa parte do dia nas imediações da catedral – onde Miltinho e a namorada costumavam ficar – e à noite ronda o Velho Hotel da Silvestre Ferraz e a delegacia de polícia, onde Miltinho foi visto pela última vez… em busca de carinho e comida!
Sorrateiro, arredio e orgulhoso, não aceita agrado de qualquer um. Foi difícil fazer essa foto quando ele se aproximava para o jantar servido quase diariamente por dona Vera, na porta da sua casa defronte a delegacia. Se devemos respeitar todos os animais, certamente devemos muito mais ao Tibério, o ‘cão detetive’ que ajudou a esclarecer o fútil e bárbaro assassinato do Pastor!

Justiceiro Mascarado

   Pedro Pedreiro foi mais uma vítima do chicote do misterioso “Zorro da Zona Boemia”!

“Início da madrugada de uma quarta feira quase morta. A única rua da cidade que ainda mostrava sinais de vida era a Davi Campista. O outono ainda era um adolescente, mas o frio do inverno naquela época não esperava a estação oficial para bater na porta… e na pele!

Pedro Pedreiro desembarcou de um caminhão de entregas perto do Hotel Cometa e seguiu na direção do infante bairro Jardim América, que não tinha ainda quarenta casas. Ao passar pelo muquifo, quero dizer, boteco do João Natal, no início da Silviano Brandão percebeu, pela tênue luz que escapava pela metade da porta de aço arriada, que o boteco estava aberto. Espiou por baixo da porta e pode ver um sujeito dormindo debruçado sobre uma mesa, certamente embalado por Severina do Popote, e um casal se esfregando no balcão, cada um com um copo e um cigarro na mão enquanto o baixinho e narigudo João Natal cochilava na outra ponta do balcão com um radinho chiando ao pé do ouvido!

Pedro Pedreiro entrou e pediu uma cangibrina, para espantar o frio! Tomou três! E rumou para casa! Agora mais animado!

Qualquer cidadão no seu lugar seguiria pela Silviano Brandão até a Campos do Amaral e aí sim teria que cortar a “Zona”. Pelo menos era um trecho curto. Passar pela Davi Campista em horas mortas não era uma atitude muito sensata. A extensa rua no centro da cidade abrigava a velha “Zona Boemia”, antro de perdição! A confusão morava ali. Só de atravessar aquela rua o sujeito chegaria em casa cheirando a perfume de pomba-gira… e seria confusão na certa!

No entanto, depois de três doses da ‘marvada’ no eterno decadente boteco do João Natal, todos os empecilhos saíram do caminho de Pedro Pedreiro. Além do mais, embora fosse casado, e bem casado, com a baianinha Colombina, rechonchuda e de seios fartos, ele tinha inclinação para aventuras e o hábito de tomar umas biritas por ali, apreciando as belas coxas das morenas de vida fácil.

Atiçado pela estonteante Severina do Popote, Pedro Pedreiro resolveu cortar caminho pelo ‘paraíso do baixo meretrício’. Virou a esquina da rua do Rosário e poucos passos depois entrou na rua famosa Davi Campista, rua do amor barato conquistado no balcão… amor de perdição. Se estivesse sóbrio certamente seguiria em frente, apenas passaria pela rua e viraria sem problemas na Campos do Amaral, mas… resolveu tomar mais uma dose da cangibrina na boate da Margarida Leite! Mesmo sabendo que ali uma dose de ‘rabo-de-galo’ custaria quase meio dia de trabalho de servente!

A vitrola tocava uma música muito sugestiva para o local: “Ebrio de Amor”, seguida de “Dama de Vermelho”! A ‘dama’ Margarida Leite, já no crepúsculo de mulher da vida, era agora mulher de comercio… Era a mais rica cafetina da Davi Campista de então. Como ela fora uma das prostitutas mais cobiçadas do lugar, sua casa era agora a mais movimentada. Outrora seu corpo curvilíneo e cheio era a atração… Agora a atração era sua casa! Quem entrasse na sua boate tinha que ficar um pouco mais… E Pedro Pedreiro foi ficando! Pedro Pedreiro – que na verdade era servente – ficou por ali em meio às luzes vermelhas, aspirando a mistura de Água de Colônia com Dama da Noite, Martini, Cuba Libre e ‘suco de gerereba’, ouvindo Pedro Bento & Zé da Estrada, Celinho e Ramon no acordeom! Quando percebeu que o movimento já raleava olhou para o relógio Seiko de pulso – que trazia no bolso por causa da pulseira quebrada – e viu que passava de três da manhã! Preocupado saiu apressado e rumou para casa pensando com seus botões…

– Hoje a Colombina me tira o couro!..

Sim. Pedro Pedreiro ficou sem o couro…

Mas não foi a esposa – a mulatinha de 29 anos, dez a menos do que ele, bem feita de corpo, talvez muito mais bem feita do que dezenas da mariposas das boates soturnas da Davi Campista – quem tirou! Quando Pedro virou a esquina da Francisco Sales o couro comeu! Do nada surgiu um cavaleiro montando um cavalo preto e desceu-lhe a guasca! Enquanto ele tentava se defender do chicote de couro saltando que nem pipoca na panela para lá e para cá sem entender se era um assalto ou alguma vingança pessoal, indagava:

– Pelamordedeus cabra, o que é isso? O que que eu te fiz?

O cavaleiro, cujo rosto ele não podia ver por causa da penumbra da madrugada e da chuva fina de molhar bobo que insistia em cair, e principalmente pelos movimentos do cavalo que parecia tão assustado quanto ele, dizia apenas:

– Isso é hora de estar na rua!? Você não tem família, não tem mulher em casa, não?”

 

***Pedro Pedreiro foi mais uma vítima do chicote do misterioso “Zorro da Zona Boemia” de Pouso Alegre!

 

Crimes sem castigo

Vitória Marcela

     No final da tarde de domingo, uma senhora de meia idade encostou no balcão de atendimento da delegacia de polícia de Pouso Alegre. Queria saber se, por acaso, a polícia não havia prendido uma menina com nome de VITÓRIA MARCELA.
– Ela saiu de casa ontem à tarde e não voltou até agora. Ela tem 11 anos e costuma dormir na casa das amigas, mas sempre volta para casa de manhã. Hoje ela não voltou. Eu já fui na casa das amigas e elas disseram que ela não dormiu lá – contou a viúva namoradeira e baladeira, moradora do Chapadão, demonstrando pouco interesse em encontrar a filha.
     Apesar de ter casa, ter mãe e três meio-irmãos adolescentes e adultos, a garotinha vivia praticamente na rua, na casa de amigos, em botecos… Era uma “menina sem dono”!… presa fácil para qualquer mente criminosa.
Não. A polícia não havia prendido e nem apreendido nenhuma garotinha de onze anos com esse nome. Mas no IML havia uma garotinha com essa descrição… Era Vitoria Marcela!
     O débil corpinho desnudo, gelado, violado, cheio de ferimentos nas unhas, na cabeça, na região genital, estava na geladeira do IML desde as dez e meia da manhã. Havia sido encontrado casualmente por um lavrador em um matagal ermo na beira da estrada no bairro Limeira.
     Identificado o corpo, a polícia civil entrou imediatamente em cena. Nos meses seguintes dezenas de pessoas sentaram ao piano do paladino da lei. Vários fios da meada foram puxados. Sete suspeitos – inclusive a mãe desnaturada – passaram algumas semanas vendo o sol nascer quadrado, mas… nenhum deles criou raízes no Hotel do Juquinha.
     O crime de tortura, estupro e assassinato da menina Vitória Marcela ficou… sem castigo!

MANCHESTER… 10 anos de vida e de glórias

     Uma manchete na primeira página do jornal FOLHA, publicada aqui no dia 21 de maio, chamou a atenção de alguns saudosistas do futebol amador de Pouso Alegre.

     Atendendo pedidos, publico abaixo, na íntegra, a reportagem feita com o Sr. ARGEMIRO NARCISO CARVALHO, atleta e cartola do glorioso MANCHESTER, clube amador que marcou época em Pouso Alegre na década de 1960.  

     Para quem gosta de futebol, vale a pena uma curta viagem ao passado!

“Outro dia entregando o FOLHA na Agência Rebello, resvalei no velho amigo Argemiro Narciso Carvalho, meu conhecido desde a época em que ele cuidava do meu dinheiro no Bemge, e aproveitei para vender meu peixe, afinal jornal independente é assim, você tem que bater escanteio e correr para cabecear.

Para minha grata surpresa, Argemiro havia descoberto o FOLHA logo no primeiro número e teceu elogios a matéria publicada no número 7, de 23 de abril com o Vasco Campos, sobre o Veteranos da Escola Profissional e outros times históricos de Pouso Alegre nas décadas de 50 e 60. Mas estava magoado. Não tinha visto o MANCHESTER FC entre os grandes clubes da época.

Para fazer justiça, agendei e visitei Argemiro em sua aconchegante residência para falarmos um pouco da garotada bem-sucedida que fez a alegria da galera na época da Jovem Guarda.

O Manchester nasceu São Paulinho em 10-10-1960 e talvez nunca tivesse se batizado Manchester se o presidente do FACIT  FC tivesse cumprido sua promessa de dar ao grupo de promissores atletas, entre 14 e 17 anos, os jogos de uniformes.

Com a reativação da LEMA, Liga Esportiva Municipal de Amadores em 61, para disputar os campeonatos por ela organizados, cada clube tinha que disputar três categorias, titular; Aspirante e Juvenil. Na ocasião o Facit convidou o time de Argemiro e Cia para fazer o Juvenil para seu clube e logo de cara ganharam o certame da categoria. O presidente do Facit fez novo convite: queria que os garotos incorporassem definitivamente ao clube na categoria ASPIRANTES. O grupo topou, desde que o time ganhasse dois jogos de camisa personalizados, somente para eles, pois o que receberam para a disputa do Juvenil era um uniforme velho, resto do time adulto, que precisou ser todo recortado e adaptado aos jogadores ainda franzinos. O grupo de garotos então incorporou-se ao novo clube e chegou a fazer alguns jogos como Aspirante do Facit. O presidente, no entanto, foi empurrando os garotos com a barriga e nunca lhes dava os uniformes prometidos, até que desistiram e buscaram autonomia. Precisavam então escolher um nome para o time. Depois de muita discussão acabaram batizando o escrete já campeão: de MANCHESTER, naturalmente inspirados no Manchester United da Inglaterra, que estava na crista da onda.

Os garotos, quase todos da elite da época, representando o time do centro da cidade, treinava tática e tecnicamente com dificuldades no campo da Lema, no Quartel e, principalmente, no campo do Madureira no São Geraldo. Com o amadurecimento do time passaram a disputar torneios e campeonatos em Pouso Alegre e região, abocanhando quase todos os títulos em disputa por longos anos, inclusive o Municipal de 66.

A SERVIÇO DO POUSÃO

      Em 1967 o PAFC montou um selecionado para disputar a Segunda Divisão de profissionais do Estado e convidou boa parte do Manchester para integrar o grupo. Houve uma grande discussão no clube, onde todos tinham voz e grande relutância, pois Argemiro e outros sabiam que à medida que o Dragão crescesse no cenário profissional, não haveria lugar para os jogadores da casa. Mesmo assim alguns foram jogar no Rubro Negro… E o Manchester se desmantelou.

As previsões de Argemiro se confirmaram. Dois anos depois já não tinha espaço para jogadores do Manchester no PAFC. Em 69, o próprio Dragão, que naquela época ainda não era Dragão, após conquistar o acesso à 1ª Divisão do futebol profissional, caiu no ‘tapetão’ e também saiu de cena.

A VOLTA PARA A CONQUISTA

      Antes mesmo do PAFC fechar as portas, os jogadores do Manchester resolveram se reagrupar e o time voltou as atividades, em 69. E voltou para levantar o caneco. Depois de muita discussão de bastidores, sob a batuta do presidente Ademar Costa, (falecido essa semana aos 99 anos) um dos maiores torcedores do time; de Argemiro como diretor de Esportes; Airton Robles, dissidente do Rodoviários, também torcedor e jogador-professor em 66 e 67, como auxiliar técnico, uma espécie de olheiro que da arquibancada observaria o posicionamento e rendimento dos jogadores; e de Vasco Campos, que comandaria o elenco nas quatro linhas, o time voltou a campo para disputar seu último título. Na ocasião o time era formado por: DITINHO, TADEU DEDINHO, BÓIA, MARQUINHOS, JOÃO DO RAUL, ZÉ WILSON, ZÉ LUCIO, LUIZ CARLOS REBELLO, RUI REBELLO, MAIRON, JUVIANO COBRA, CLEBER FARIA E MARCELO. Além do título do certame Juviano Cobra levantou também o troféu de artilheiro. Era a última página de uma história de emoções e glórias do time que se espelhou nas cores do Santos de Pelé e nas conquistas do Manchester da Inglaterra.

DESPEDIDA FESTIVA

      Como o inteligente e vencedor atleta que pendura as chuteiras no auge, assim fez o Manchester. Logo depois da volta triunfante aos gramados, o time decidiu fechar as portas. O principal motivo foi a debandada de jogadores em busca de estabilidade profissional. A maioria dos jogadores, ainda jovens, tinham agora ocupações profissionais incompatíveis com a rotina de treinos. Eram advogados, engenheiros, médicos, bancários, alguns se mudando para outras cidades, tornando-se impossível treinar para manter a performance histórica do clube. No início de 1970, os jogadores se reuniram e fecharam as portas.

A despedida aconteceu no tradicional Restaurante Uyrapuru, na Dr. Lisboa, no mesmo clima de festa que marcara os anos de glórias. Estava encerrada ali uma década de muita alegria, muita emoção, muito brilho, muitas vitórias e centenas de gols.

OS ADVERSÁRIOS DA ÉPOCA

      O fundador do Manchester, diretor e bom volante do time, ARGEMIRO NARCISO, conviveu com a nata do futebol amador da década de 60. E conta que os principais clubes eram FLAMENGO DO 14º  GAC, SÃO JOÃO FC, do capitão Massafera do bairro do mesmo nome, CORINTHIANS DO do Pantâno, BANGU dos irmãos Urbano do São Geraldo, MADUREIRA do Pedrinho Xaxa, SÃO PAULO do São Camilo, do Pinto Cobra, do Valentinho, RODOVIÁRIOS das Taipas dirigido pelo Zé Ferro (pai do Paulo da Pinta), GREMIO VETERANOS DO VASCO, e o FACIT – que quase mudou a história do MANCHESTER. Tinha ainda o INDEPENDENTE do folclórico DIOSO. Time bom para se enfrentar, mas era saco de pancadas. Quem ganhava do Independente de 4 ou 5 a zero ‘só’, tinha passado apertado.

OS CRAQUES DA DÉCADA DE 60

      Numa época em que rádio e televisão, preto & branco era coisa de luxo, futebol sim era coqueluche. Comia-se futebol, respirava-se futebol. Era o assunto dos bares, nas esquinas, no começo da semana, no meio e na véspera dos jogos.

O sucesso do Manchester se baseava na técnica, no talento e na cabeça de seus jogadores quase todos diretores do clube. Para Argemiro, zagueiro que dava chutão não cabia no time. Tinha que saber sair jogando e passar a bola para o companheiro. Enquanto alguns boleiros davam balão, seu time enchia suas redes de bolas. Não ganhou todas, mas foi assim que aplicou sonoras goleadas em seus adversários.

E exatamente esta técnica que Argemiro exalta nos grandes jogadores de Pouso Alegre da época, tais como TISTA COSTA, AIRTON ROBLES, GRAPETE, CABRITA e o grande ADÃOZINHO, que somente não foi um profissional de sucesso porque a paixão por Severina do Popote foi maior. Se estes tantos faziam para estufar as redes, ROBERTO, BOLACHA e DIDI foram os melhores na arte de defender o gol. Verdadeiros gatos e líderes com a camisa 01.

 AS ARTIMANHAS DOS CARTOLAS

     Argemiro conta que além de craque com a bola nos pés, Airton Robles era também uma raposa em estratégia. Quando sabia que determinado zagueiro era esquentadinho, mandava seus atacantes colocá-los na roda dentro da área. Conseguiu muitos gols e expulsões assim. Na véspera de um importante jogo contra o Madureira, o goleirão Didi foi preso depois de se envolver numa contenda numa festa de casamento da qual fora padrinho. Como Airton era militar e tinha influência junto ao delegado de Polícia Eduardo Alvim, um diretor procurou por Argemiro no domingo de manhã para pedir que intercedesse junto ao delegado sua liberação para o jogo. Debaixo de críticas dos colegas, Argemiro levou o fato a Airton, torcendo para que ele não interferisse, pois seria muito melhor enfrentar o poderoso Madureira com goleiro reserva. Ao tomar conhecimento do fato, Airton perscrutou e disse a eles para esperaram na porta da delegacia ao meio-dia, pois pediria a liberação do goleiro. Chegou na Delegacia as duas e quarenta e cinco com as mãos sujas de graxa, dizendo que o carro havia quebrado no caminho do sítio e liberou o adversário meia hora antes do jogo. Didi entrou em campo numa tremenda ressaca, furioso pela demora na liberação e tomou dez gols!

NO FUTEBOL TODOS SE IGUALAM

     Para o volante que conhece o Morumbi sem conhecer São Paulo e nunca mais sentou-se numa arquibancada depois do Manchester, futebol e uma coisa séria e mágica. É onde todos se igualam. Tanto rico quanto pobre, tanto preto quanto branco, jovem quanto velho, todos torcem, todos vibram, todos se emocionam, todos extravasam suas alegrias e tristezas e por isso mesmo todos merecem respeito, principalmente, daqueles que fazem a torcida se emocionar. Para ele, a beleza do futebol não está tanto naquele que faz o gol, mas na assistência, naquele que serve o companheiro para balançar a rede. No seu time, o primeiro a ser festejado era sempre o jogador que dava o passe, depois o que fazia o gol. Esse altruísmo, esse conjunto harmônico com a bola rolando suave de pé em pé no gramado ou cruzando marota e soberba o espaço para cair no peito ou nos pés do companheiro é que faz a magia do futebol. Assim jogavam Canhoteiro no São Paulo, Roberto Balangeiro no Corinthians e o grande Pelé por onde passou.

Argemiro, São Paulino de coração, mas antes de tudo mineiro e brasileiro – torce até para o Corinthians se o jogo for contra estrangeiro. Para ele os melhores jogadores do Brasil atualmente são os armadores Alex e Diego e o atacante Luis Fabiano. Ronaldinho Fenômeno é muito bom, mas, com o peso que carrega, não consegue estar onde precisa no momento que a bola chega.

 RECEITA PARA O FUTURO

     Aos sessenta anos, com a mesma paixão de antes pelo esporte bretão, acompanhando a distância seu desenrolar, bancário aposentado exalta o GUARANI do São Geraldo e o CANTAREIRA do São João, os quais, alguns anos atrás esboçaram passos largos mas encolheram. Quanto ao RUBRO NEGRO DO MANDU, sem identidade com a torcida não alçará voos.

Apesar de decadente, ele acha que a qualquer momento nosso futebol poderá renascer, desde que seja planejado para atrair o torcedor e o investidor. Desde que seja levado a sério pelas autoridades e conduzido por quem goste de futebol, pois talento e paixão ainda existem e nascem a cada dia”.

Sequestro em Borda da Mata…

 

     Os pretensos sequestradores só não imaginavam que o prefeito tinha estreita amizade com o famoso Delegado Fleury, caçador de subversivos!   

     O imbróglio aconteceu no início de janeiro quando um proeminente político da cidade recebeu ameaça de sequestro!

– “Queremos 100 milhões de cruzeiros, caso contrário vamos sequestrar sua neta. Se avisar a polícia, será pior” – dizia o bilhete dos sequestradores.

Apesar de apavorado com o possível sequestro, o político procurou um amigo do DOPS em São Paulo e pediu orientação sobre como agir. O tal amigo paladino da lei era ninguém menos do que o delegado Sergio Paranhos Fleury, incansável perseguidor de subversivos e um dos responsáveis pela morte do revolucionário Carlos Marighela, anos antes, em São Paulo. O notório paladino da lei então orientou o político bordiano a dar corda para os sequestradores.

– “Negocie… faça parecer que você está morrendo de medo! Mas concorde em pagar o solicitado… e nos mantenha informado sobre dia, horário e local do pagamento. Vamos montar uma “casa de caboclo” para os sequestradores”.

O local e horário da entrega da bufunfa foi marcado para o início da manhã na encruzilhada de uma estrada rural no município de Borda.

– “Deixe o saco com o dinheiro no ‘ponto de leite’” na encruzilhada e desapareça – orientou o sequestrador com voz de homem mau.

Assim foi feito. De manhãzinha um empregado do político deixou o saco cheio de papel no referido ponto de leite e se afastou. Enquanto isso, alongados no matagal nas imediações, vários detetives do DOPS de São Paulo, a mando do temível delegado Fleury, aguardavam atentos para dar o pulão no primeiro que colocasse as mãos no saco de dinheiro.

Enquanto os policiais mocosados no mato desde a madrugada, aguardavam tensos o lento movimento dos ponteiros do relógio, prontos para prender ou trocar tiros com os sequestradores, um pacato retireiro se aproximou do local. Chegou numa bagageira velha cheirando a leite azedo, puxada por um cavalinho baio trazendo um latão de leite como fazia todos os dias. Depois de depositar o latão encardido cheio do precioso líquido branco sobre o pequeno deque de madeira respingado de barro, o sitiante notou a presença do saco ali ao lado. Curioso como todo mineiro – ainda mais mineiro da roça! – pegou o saco, sacoalhou, – deve ser daí que surgiu a expressão ‘sacoalhar’ – sentiu o peso, encostou na orelha pra ver se mexia, se falava, se estava vivo, e lentamente desatou a cordinha do saco para ver o que havia dentro.

Neste momento os agentes armados até os dentes, saíram do mato e pularam sobre o perigoso ‘sequestrador’! Sem entender o que estava acontecendo, o humilde sitiante esperneou, esmaneou, mas acabou recebendo as pulseiras de prata. Enquanto aguardavam a viatura chapa fria que havia sido chamada através do rádio Walkie-Talkie, Pedro Leite tentava explicar aos carrancudos agentes que ele era apenas o sitiante, dono do sítio Pedra Mansa, logo depois da curva da nascente do Rio Mandu. Mas ‘não teve choro e nem vela e nem fita amarela’. O leite azedou, quero dizer, a coisa azedou para Pedro Leite! Tratado como um perigoso e disfarçado sequestrador, ele foi colocado no porta-malas do taxi do contribuinte paulista e levado direto para a sede do DOPS em São Paulo.

Cavalos, mesmos os mais pacatos, não costumam acatar ordens para ir a algum lugar. Muitas vezes precisam do ‘carinho’ do acoite para obedecer. No entanto, para voltar para casa nem precisam de ordens. Tão logo sentiu a ausência do dono, o cavalinho baio, que conhecia de cor e salteado o caminho do sítio, voltou passo a passo para casa. A chegada da bagageira vazia encheu Maria de interrogações!

Onde estaria seu marido?

Teria caído da bagageira e morrido naquele pequeno trajeto?

Teria ficado pelo caminho jogando conversa fora com algum sitiante vizinho?

Teria sido abduzido por um OVNI?

Teria abandonado o lar e fugido com aquela lambisgoia filha do fazendeiro goiano?

Teria sido levado para o além pelo ‘Chiquinho da Borda’?

Com a demora do sitiante em voltar para casa, um mirrado menino de pés no chão seguiu os passos inversos do cavalinho baio até o ‘ponto de leite’ à sua procura. Algumas horas de mistério depois, o Jipe do vizinho Abrão levou dona Maria e sua ansiedade ao quartel da polícia militar na cidade. Em poucas horas o sumiço de Pedro Leite reuniu todos os policiais da cidade – um sargento, um cabo e tres soldados – além de meia dúzia de curiosos.

Enquanto o ‘perigoso’ sequestrador era levado pelos agentes para São Paulo, o restante da equipe do delegado Fleury ficou espalhado por Borda da Mata, disfarçados de vendedores de cortes de fazenda, para tentar descobrir o restante da quadrilha. Naquela mesma noite outros quatros suspeitos de extorsão receberam as pulseiras de prata dos homens do delegado Fleury, e entraram na manguara. No dia seguinte, desfeita a ‘varada n’água’, os quatro suspeitos, com o lombo ardendo, voltaram para casa.

O pacato sitiante Pedro Leite, que teve a curiosidade de abrir o saco de papel picado no ponto de leite, não teve a mesma sorte. Ele desapareceu. Quatro dias depois ele foi encontrado numa cela correcional da delegacia Regional de Polícia de Pouso de Pouso Alegre. Ninguém soube explicar como ele foi parar ali. Sem muito alarde, o sitiante voltou a tirar seu leitinho de cada dia no Sitio Pedra Mansa, perto da nascente do Rio Mandu. E ficou o dito pelo não dito.

Era o auge da ditadura militar. Equívocos eram comuns. Explicações eram dispensáveis. O imbróglio do sequestro da Borda, incluindo as arbitrariedades praticadas pelo delegado Sergio Fleury fora de sua jurisdição, chegou até o General Newton Cruz, comandante da AD4 em Pouso Alegre. No entanto, o sisudo general, que era simpático às ações dos policiais que combatiam subversivos, fez vista grossa. Nunca se soube como e porque os sequestradores escaparam das garras do temível delegado Fleury. Talvez eles tenham percebido a arapuca em que estavam prestes a cair e abortaram o sequestro da neta do prefeito. O fato é que o imbróglio nunca foi esclarecido… sequer comentado na cidade. Mas isso não é novidade em Borda da Mata. Apesar de ter ganhado o Brasil e o mundo, a famosa história do “Coisa Ruim da Borda” foi enterrada, sem explicações, tão logo o espírito secular do Chiquinho abandonou a fazenda da Ponte de Pedra. Se o Conego Edson Oriolo, muitas décadas depois, na tentativa de arrebanhar mais fiéis para sua igreja, não tivesse ressuscitado a história do sepulcro do ‘sagrado’ “Livro do Tombo”, dando publicidade aos fatos quase meio século depois – fatos posteriormente investigados pelo detetive Airton Chips e contados no livro ‘Meninos que vi crescer’ -, hoje nada saberíamos da passagem do Chiquinho pela capital do pijama.

      A história do sequestro da neta do ilustre político não foi parar no Livro do Tombo. Por essa razão, certamente, o imbróglio foi parar no “Livro do Esquecimento”. Tal qual a história do Chiquinho, sepultado na noite do dia 23 de abril de 1953, o obnubilado imbróglio do sequestro da Borda e prisão equivocada de inocentes e até policiais, permanecem vivas apenas nas crônicas policiais de alguns abnegados abelhudos que insistem em preservar fatos que marcam a história da nossa região.

 

*** Embora o imbróglio do sequestro de Borda permaneça tacitamente sob absoluto sigilo, ele aparece em ao menos um capítulo no livro “Borda da Mata e sua história”, escrito pelo Sr. João Bertolaccini. O historiador, no entanto, dá outra roupagem à passagem do Delegado Fleury por Borda da Mata no alvorecer do ano de 1977.

IRMÃO RINO, O HOMEM QUE AMAVA…

Hoje, 06 de abril, faz oito anos que ele partiu … e nos deixou imensa saudade!

Irmão Rino e sua lendária bicicleta desfilando no pátio do colégio que ele tanto amava.

Aquele homem alto, forte, dentro de sapatos pretos, calça social azul clara, camisa branca com estreitas listras levemente verdes, com a fralda por dentro da calça, parecendo ainda mais alto, era assustador! O rosto muito vermelho, parcialmente escondido pelos óculos de lentes grossas parecendo fundo de garrafa, aumentavam meu medo. Seus gestos decididos fechando a porta do suntuoso prédio atrás de si após a saída do último professor, me provocava infindáveis interrogações.

Quem era ele?

Será que era dono do colégio?

 

Às vezes uma professora retardatária acenava, acelerava os passos, pedia desculpas pelo atraso e passava quase correndo pela porta já se fechando enquanto ele resmungava alguma coisa. Nesse momento aumentava ainda mais meu terror… pois eu não entendia uma palavra do que ele falava!

 

Eu não entendia nada, mas percebia que as lindas e doces professoras bem-vestidas, com suas elegantes saias plissadas e camisas claras carregando seus livros e diários no braço esquerdo, tinham medo dele.

 

Sim, devia ser o dono!  Era sempre o último a sair. Unia as duas folhas da porta, passava a chave – tinha um imenso molho de chaves -, pendurava a penca de chaves na cinta e seguia a passos largos pela calçada até atravessar a rua e entrar no outro prédio ainda maior ali na esquina. Do outro lado da rua, eu ficava olhando até que ele entrava na Escola Profissional. Sim, devia ser alguém importante, muito importante. Talvez dono dos dois prédios.

 

Apesar do medo que eu sentia dele, havia alguma coisa que nos atraia. Volta e meia eu estava ali na frente do colégio no horário de saída dos alunos, com minha caixinha de picolés coloridos. Tinha eu dez ou onze anos de idade.

 

Na adolescência abandonei os carrinhos de picolés, de pipoca, de raspadinhas… e fui trabalhar na loja do Zezinho Gouveia, na Rua Dom Nery. As imediações do Colégio São José então se tornaram meu quintal de casa! E o ‘dono’ do colégio passou a desfilar com mais frequência diante dos meus olhos. Com isso, o gigante de fala enrolada passou a ficar menor… e menos temível. Meu medo foi, aos poucos, se transformando em respeito… e admiração! Cheguei a sonhar estudar naquele colégio.

 

Da adolescência para a vida adulta foi um pulinho. Quando vi eu já estava casado e tinha dois filhos! Como o mundo é muito menor do que parece, minha esposa foi convidada para trabalhar lá! Poucos anos depois meus filhos se tornaram alunos do colégio São José, o colégio do grandão de óculos fundo de garrafa!

 

E como atração pouca é bobagem aquela estranha atração continuou nos aproximando…

 

Em 1987 eu assumi a direção da desacreditada Liga Esportiva de Pouso Alegre. Naquele mesmo ano a secretaria municipal de educação, não se sabe por que, disse que não iria mais realizar o JEPA.

 

Aos cinquenta e sete anos, 36 deles vividos no Brasil, no Colégio São José, Irmão Rino tinha plena consciência de que toda educação do homem passa pela disciplina no esporte. Para o sisudo e disciplinado professor, apaixonado pelo esporte, – todos os esportes – um dos criadores dos Jogos Escolares em Pouso Alegre em 71, não realizar mais os jogos na cidade era como cortar a sua veia aorta! Ele morreria. Ou no mínimo ficaria paralítico! Isso não poderia acontecer. Era preciso achar uma saída! Se a Secretaria de Educação não promoveria os jogos, alguém teria que fazê-lo. Alguma instituição ou agremiação da cidade teria que fazer ou ao menos ajudar. Não se podia deixar a peteca cair.

 

Apesar de povoar meus medos e depois minha admiração, eu e o Irmão Rino nunca havíamos trocado mais do que olhares à distância. Quando muito uma discreta reverencia. Ele certamente sabia que eu era marido de uma de suas professoras e pai de dois dos seus alunos, mas talvez nem soubesse meu nome…

 

Mas o professor Walter sabia!

 

Entre 84 e 86 eu havia dirigido o Departamento de Esportes do DA da Faculdade de Direito. Já naquela época eu tinha mania de promover eventos esportivos para os colegas acadêmicos. Foram dezenas de eventos durante os dois mandatos. Futsal, vôlei masculino e feminino envolvendo os alunos da FDSM, da Faculdade de Filosofia, da Medicina, equipes de Cambui, da Fai de Santa Rita, da Escola Agrícola de Inconfidentes. O professor Walter era sempre o arbitro mais solicitado. Conhecendo, portanto, um pouco da nossa seriedade e credibilidade, o professor sugeriu uma parceria com a LEPA.

 

Em setembro daquele ano, de repente eu me vi no pátio do Colégio São Jose, diante de um microfone fazendo a abertura oficial do JEPA – missão que havia sido abandonada pela Secretaria Municipal de Esportes.

 

A partir de então meu convívio com o italiano de fala enrolada se estreitou. E pude conhecer um pouco da paixão do educador Irmão Rino pelo esporte. Paixão trazida no cabresto pela disciplina. Foi com essa rígida disciplina, em todos os aspectos, que os atletas de Pouso Alegre, de todas as escolas, se tornaram referência no Estado. A mais brilhante pode ter sido a equipe formada por estudantes de várias escolas do município, campeã estadual de handebol masculino em 1980. Nos anos seguintes o Colégio São José participou de todos os eventos de esportes especializados promovidos pela LEPA. Sua disciplina, tão necessária nos dias de hoje, ia além do esporte. Era marca registrada do educador Irmão Rino. É impossível encontrar um único cidadão de Pouso Alegre que tenha desfrutado, por algum tempo, do convívio com o Irmão Rino, e não se lembre dele com saudade, com admiração e respeito.

 

A firmeza, a disciplina, a primazia pela organização dos eventos esportivos realizados pelo Colégio São José, ou dos quais o colégio participava, durante décadas contagiaram as demais escolas do município. Até mesmo as escolas públicas, cujos estudantes queriam, com dedicação e esforço, suplantar os alunos do colégio particular. Sim, pois o TALENTO existe em qualquer camada social. O que faz despontar o talento de cada criança de cada adolescente, de cada jovem, é a dedicação, de mãos dadas com a disciplina. Esse é o legado deixado pelo saudoso Irmão Rino… o homem que amava o esporte, a disciplina, os valores morais!

 

Com tantas estatuas que o cidadão de Pouso Alegre deveria erigir para homenagear desportistas que elevaram o esporte da cidade no século passado, a do Irmão Rino merece lugar de destaque.

 

Irmão Rino dedicou 60 anos da sua vida à educação e ao esporte de Pouso Alegre. No próximo dia 30, Irmão Rino faria 94 anos de vida. Hoje, dia 06 de abril, faz oito anos que ele partiu … e nos deixou imensa saudade.

 

Onde estiver meu amigo Irmão Rino – e tenho certeza de que está em um local cheio de luz, serenidade e paz -, receba meu carinho, meu afeto e meu reconhecimento pelo que fez, durante mais de meio século, pelo esporte de Pouso Alegre. Não fui seu aluno no colégio, mas aprendi muito com você.

 

Obrigado Irmão Rino.