Outro dia ao virar a esquina da Herculano Cobra com João Basílio passei a ouvir gritos vindos da direção da Comendador Jose Garcia… Não eram gritos de dor, de terror ou de susto! Eram gritos festivos, gratuitamente festivos, de farra, saudando alguns conhecidos que passavam!
– Hê, Pedrinho meu amigo…
– Hê, Ronaldo, tá bonito, hem doutor!
– Eaê, Alberto… Chique no urtimo?
À medida que me aproximava os gritos iam se tornando mais audíveis. No meio do quarteirão, antes que eu visse o dono dos gritos, eu o reconheci pela voz… Era Claudinei, o “Engraxate Cantor”, um dos 50 personagens do livro “Meninos que vi crescer”!
Ao me ver se aproximando, afinou a voz e gritou ainda mais alto;
– Hê, Airton Chips… “Meninos que vi crescer”…!
Quem ouvia esse estardalhaço sem nexo, deve ter pensado que o moço estava ‘noiado’! Ao contrario… Depois de muito tempo, vários anos, Claudinei estava totalmente sóbrio! Desde que saiu da APAC no começo de 2011 sonhando se casar e me levar para padrinho, encontrei-o na rua diversas vezes. Em todas elas estava macambuzio, sujo, maltrapilho e tentou evitar-me. Sempre que possível passava ao largo, sem querer prosa. Numa delas em 2013, no interior do Taxi do Magaiver que o levaria pela ultima vez ao Hotel do Juquinha, por furto de bicicleta, escondeu no fundo do compartimento atrás de outros presos como o diabo esconde da cruz, para não aparecer na fotografia! Ano passado, ainda sujo e maltrapilho carregando uma sacolinha com uma vareta e graxa se aproximou da janela do meu carro no semáforo e pediu ajuda para se internar na Fazenda Esperança! Tentei mas não consegui vaga e não o vi mais até a semana passada…
Esse é aquele que engraxava meus sapatos no corredor da delegacia em 1998… “Menino que vi crescer”! Pena que no seu caminho havia uma pedra… Bege fedorenta!
Apesar dos gritos sem nexo na rua se limitando a dizer o nome das pessoas e um adjetivo qualquer, o Engraxate Cantor estava muito bem! Usava um vistoso terno preto – que foi feito para uma pessoa muito maior e mais gorda que ele – mas estava alegre, sorridente… De bem com a vida! Estava vestido à caráter para procurar emprego…! Precisava de sete reais para completar R$ 40 para comprar não me lembro o quê, e não se fez de rogado…
– Hê, Chips, e aí… Cadê o livro? Tá vendendo muito? Me arruma sete real aí..!
– Fala Claudinei… Tá bonito, hem garoto! Aonde você vai nessa estica? Vai casar…?
– Tô procurando emprego, Chips! Sabe onde tão precisando de alguém, não? Faço qualquer coisa. Salario mínimo tá bom…! Me arruma sete real aí pra inteirar 40! – Repetiu exibindo um pacote de notas miúdas e surradas!
– Tudo bem Claudinei, vou te dar dez reais, mas eu quero aquela foto que você está me devendo! Pode ser?
– Demorô, Chips – respondeu ele sorrindo e se postando diante de uma loja para a foto! Em outros tempos ele esticaria o braço com a mão aberta em direção à câmera e sairia de fininho resmungando e puxando sua perna torta!
Nascido e criado na “Baixada do Mandu”, Claudinei Ferreira conheceu cedo a pedra bege fedorenta, quando ainda cantava afinado musicas de Leandro & Leonardo no final dos anos 90. Cantava alto e bom som na rua ou nos corredores da delegacia de policia enquanto engraxava meus sapatos, os do inspetor Ângelo e de alguns delegados, até o dia que engraxou os sapatos da delegada Inês Xavier e foi trocar uma nota de dez para cobrar um real e … Sumiu! Voltou meses depois no taxi do contribuinte, usando pulseiras de prata!
A historia do Engraxate-Cantor começa na pagina 439…!
Entre uma estadia e outra no velho Hotel da Silvestre Ferraz e depois na APAC ele ainda engraxou muitos sapatos e portas de aço de lojas, mas nunca mais cantou afinado. Quando não está na nóia, está tentando esconder das pessoas, por ter feito alguma coisa errada para aplacar a fissura! Como gato que comeu toucinho na janela ou cachorro que rasgou saco!
Claudinei é dependente psíquico, – menos mal – seu corpo não depende da droga. Sua cabeça, sim! Enquanto estiver feliz, satisfeito, equilibrado, valorizado, ele não precisa da pedra. No entanto, se alguma coisa na sua vida sair dos trilhos… Ele desanda! Um emprego com salario fixo no fim do mês, com acompanhamento psicológico constante, poderia mantê-lo saudável e de bem com a vida, como naquela manhã na rua João Basílio…!
Alguém tem um emprego aí para oferecer ao Engraxate Cantor? Ou será que ele já desandou de novo…?