A enchente das goiabas…

 

E o ultimo mergulho do Catimbau

A chuva caiu mansa a semana inteira. Lentamente as águas frias e sujas foram enchendo o leito do rio Mandu e subindo até sair penas margens ribeirinhas, preenchendo os espaços vazios, os buracos, as depressões, a várzea. Na madrugada do sábado finalmente a chuva parou de cair. Agora só rolava. Rolava lentamente procurando lugares que ainda não haviam sido alcançados. Tudo em redor da cidade estava alagado. A vargem do Aterrado parecia um mar. Até a chácara do Pedro Artur, à esquerda, na direção da Vigor, a qual havia recebido centenas de basculantes de terra anos antes, estava ilhada. Para se chegar às fazendas ao sul da cidade, depois da vargem, só de canoa. As famílias que moravam no Aterrado e na vargem haviam sido retiradas de lá dias antes, pelos caminhões do exército e da prefeitura. Estavam alojadas na Rinha. Demorariam dias para voltar para casa. O sábado amanheceu ensolarado e fresco. A tarde esquentou. Alguns nadadores de rio foram até a ponte do Aterrado nadar como sempre faziam por ocasião das enchentes. Desta vez, no entanto, nenhum deles se arriscou. O movimento lento das águas era assustador. Levados pelas águas serenas, de vez em quando passava por ali, boiando sob a flor d’agua um tronco de arvore podre, um pedaço de armário, um trapo qualquer, um cavalo ou um porco sem vida dividindo o espaço com as goiabas parcialmente comidas por passarinhos. Era a última enchente do ano, a famosa “enchente das goiabas”! Os jovens acostumados a belos saltos ornamentais de cima da ponte formavam grupinhos, conversavam, comentavam, desafiavam, ensaiavam, mas ninguém se aventurava a entrar na água.

Em dado momento perceberam a figura do Catimbau …

O moço surgiu do nada, entre as pessoas que contemplavam a enchente, com seu jeito sempre taciturno e calado. Decerto viera da cidade, da Rinha onde devia estar arranchado desde o meio da semana. Caminhou lentamente até metade da ponte. Apesar de solitário e discreto, não conseguiu evitar os olhares curiosos.

– Será que ele iria nadar naquela enchente? Será que ele teria coragem de saltar naquele dia? – interrogavam-se as pessoas com uma ponta de inveja.

Catimbau olhou para o oeste, de onde surgia o rio Mandu algumas braças atrás do campo do Vasquinho. Atravessou a pequena ponte… olhou para o leste, para onde ele descia reto até fazer a curva no fundo da Vigor. Olhou para a chácara ilhada mais à direita. Lentamente tirou a camisa de tergal esverdeada, pendurou na mureta da ponte, verificou se não se aproximava numa canoa, afastou-se de costas até a outra extremidade, tomou posição de largada, correu, saltou para a mureta, encostou os dois pés, aproveitou o embalo e… saltou no espaço! Saltou mais para a frente do que para o alto. Saltou longe de encontro às águas amarelas do rio mandu… As pessoas – naquele sábado ainda não eram tantas como de costume por ocasião das enchentes – e os nadadores de rio ficaram olhando, alguns admirados, outros perplexos com a coragem; outros com olhar de censura pela irresponsabilidade! Alguns torcendo para o aventureiro se dar mal! Outros torcendo para que os anjos o protegessem … E catimbau desapareceu!

Ele havia pulado contra a correnteza. Era natural que submergisse rio abaixo, debaixo da ponte, ou do outro lado. Algumas pessoas correram do lado de baixo esperando vê-lo surgir ofegante e buscar a margem.

Mas… nada!

De repente… aplausos!

Catimbau surgiu longe dali. Surgiu a poucos metros da margem direita do rio, quase no quintal da chácara do Chiquinho de Freitas. Saiu à rua, voltou para a ponte, caminhou até sua camisa, jogou-a no ombro e foi embora, tão solitário quanto chegou, deixando atrás de si um emaranhado de minhocas tontas zanzando na cabeça das pessoas.

Quase nada se sabia sobre Catimbau. Certo dia um rapazinho pardo, franzino, média estatura apareceu na Olaria do Chico Derige. Chegou ressabiado, sondando à distância. Sentou-se num toco podre de um ingazeiro ali perto e ficou um longo tempo observando os oleiros trabalharem até que se aproximou de Chico Derige e perguntou:

– Precisa de camarada?

Chico não precisava de empregado. Muito menos de um garoto franzino que certamente não teria força para misturar uma masseira de argila. Aquele menino com certeza não conseguiria virar uma forma de tijolo cru sobre a bancada. Ele, no entanto, havia notado a presença do menino sentado no tronco observando de longe a rotina. Quem sabe o menino não seria útil nas pequenas tarefas? – pensou. Sem tirar os olhos dos tijolos que empilhava começando a base da caieira que teria que queimar na noite seguinte, perguntou:

– Onde você mora, menino?

– Se o sr. der emprego, vou morar aqui.

A resposta surpreendeu Chico. Ele interrompeu por um instante o que fazia, percorreu o garoto de cima a baixo, olhou ao seu redor e tornou a perguntar.

– Sua família… de onde você vem? Já passou pelo Regimento?

– Não. Não tenho idade… Mas eu não vou servir a pátria. Família tenho não.

Chico Derige continuou seus afazeres como se não tivesse ninguém ali. Quando terminou de trançar os tijolos queimados na base da caieira, voltou a perguntar:

– Qual o seu nome?

– Catimbau.

– Catimbau de que?

– Só catimbau… minha mãe falou.

O velho oleiro coçou a cabeça branca, ajeitou o chapéu de palha e falou:

– Pago três cruzeiros por semana. Se quiser ficar aqui vai ter que fazer o seu rancho e a sua comida.

Catimbau descontraiu o rosto pardo e magro, esboçou um sorriso e falou fazendo uma ligeira mesura:

– Deus lhe pague, patrão.

Estava empregado.

Os anos passaram. Muitas enchentes das goiabas haviam se passado. Catimbau continuava o mesmo. Estava mais alto e mais encorpado. Mas só. Pardo, olhos escuros, fundos, cútis queimada pelo sol. Cabelos lisos e longos escorridos, cortados por ele mesmo com faca. Parecia um ‘indinho’! No entanto os traços fisionômicos: queixo, nariz, boca, sobrancelhas delicadas eram de branco, filho de branco… ou branca, europeu.

Essa era, talvez, a sétima ou oitava enchente das goiabas que expulsava Catimbau do seu ranchinho na olaria do Chico Derige. A mudança para a Rinha era fácil: saía de casa com a água pelas canelas e uma pequena trouxa de roupas nas costas. Só isso. Enquanto esperava a enchente baixar, de manhã, andava taciturno pela cidade. Perambulava pelo mercado. Era comum vê-lo sentado no fundo da catedral do São Bom Jesus com os olhos pregados na cruz. À tarde passava horas sentado na grama no Alto das Cruzes olhando de longe os movimentos da enchente, esperando o momento de voltar para casa. Dali podia avistar apenas a comunheira da olaria onde morava, mergulhada imóvel no mar da baixada do Mandu. Quando a chuva parava e o sol abria a porta ele descia para nadar na enchente, na ponte. Era ali que dava seus shows de saltos ornamentais nas águas amarelas que desciam das serras da Borda para se unirem ao Rio Sapucaí. Ninguém saltava tão alto, com tanta desenvoltura. Parecia parar no espaço. Ninguém ficava tanto tempo submerso quanto ele. Às vezes saltava para longe, as vezes para o alto… as vezes mal tocava a água e tornava a emergir tal qual uma tabarana em dia de Piracema! Às vezes desaparecia nas águas e ficava uma eternidade submerso, causando tensão e suspense até surgir distante do local onde mergulhara. Mulheres, sempre mais sensíveis, com a demora do nadador, levavam a mão à boca e exclamavam já com os olhos nadando:

– Ohhh… desta vez ele morreu!!!

No domingo seguinte Catimbau voltou à ponte do Mandu. Não chovia há mais de trinta horas. As águas haviam parado de subir. Mas não baixara. Demoraria mais de uma semana para voltar ao nível normal deixando apenas o cheiro indelével de sua passagem. O entorno da ponte estava abarrotado de gente. Pessoas nas janelas vizinhas, na sombra da arvores nas margens. Muitas se protegendo do sol sob suas coloridas sombrinhas. Era dia de festa, festa de gala. Muitos homens usavam ternos… mulheres desfilavam seus vestidos longos. Vários barcos de aluguel levavam quem quisesse para passear na enchente. Nadadores de todos os cantos da cidade estavam ali, dispersos ou em grupinhos, usando trajes de banho, buscando coragem para saltar na água, para exibir seus dotes.

Catimbau chegou discreto como sempre. Usava a costumeira indumentária: bermuda de brim cru da cor da terra com a qual fazia tijolos, cortada a faca nas canelas, e camisa verde-água, encardida. Os pés, que nunca foram apresentados a nenhum tipo de sapato, com as solas grossas e calejadas, tocavam livremente o concreto sujo da ponte. Parou à distância olhando para a plateia. Talvez buscasse alguém! Caminhou lentamente para o vão da ponte. Alheio aos olhares curiosos se dirigiu até a mureta do lado de baixo, observou o movimento das águas, o entorno rio abaixo, atravessou os poucos metros e parou na mureta do lado de cima. Tornou a observar. Seus movimentos estavam mais lentos e pausados naquela tarde. Parecia estar se despedindo… À sua esquerda os galhos dos chorões brincavam com a correnteza. Catimbau olhou para aqueles galhos que resistiam à força das águas. Ele e aqueles galhos tão pequenos e frágeis tinham algo em comum: podiam brincar o quanto quisessem com a correnteza que jamais seriam vencidos… A menos que quisessem se deixar levar! Virando-se para sua direita pousou seus olhos tristes na imensa plateia nos barrancos, nas janelas… Homens, mulheres, donzelas… Todos estavam ali para apreciar o espetáculo da natureza… a natureza dos homens! Apoiado na mureta da ponte, Catimbau deixou os olhos vagarem na plateia… Parecia procurar alguém, talvez um rosto conhecido. Ou então… se despedir daquela gente, daquela enchente, daquele rio que tão bem conhecia. Nesse momento recuou de costas até a mureta de baixo… alongou os braços, as pernas, o tronco… parecia que ia saltar. Caminhou decidido até a mureta de frente, parou, olhou para as águas, recuou novamente, aqueceu, tomou posição de corrida, atravessou a ponte e subiu com um movimento só na mureta, juntou os pés e … saltou no espaço! Saltou muito alto. Mais alto do que jamais havia saltado. Parecia que ia subir para o céu. De repente, quando o impulso acabou, Catimbau dobrou o corpo, por um instante ficou na horizontal, depois tornou a esticar e desceu quase reto em direção às águas. Desceu quase tão lento quanto havia subido! E com os braços estendidos tocou na água. E desapareceu!

Durante vários minutos a plateia permaneceu imóvel… esperando ver Catimbau surgir nalgum ponto do rio, no meio da enchente. Mas ele não surgiu. Seu corpo nunca mais foi visto.

Uma semana depois os desabrigados da enchente das goiabas, a maior daquela década, começaram a voltar para casa.

Um dos moradores da baixada do Mandu não voltou. No casebre de um cômodo só, habitado por Catimbau, preso à linha do telhado Chico Derige encontrou um minúsculo saco plástico amarrado pela boca. Dentro dele havia uma fotografia, aliás, duas… uma colada no verso da outra. Ambas as fotos eram de mulheres, ambas lindas, apaixonantemente lindas, brancas. Uma, séria, aparentava uma senhora de meia idade. Outra, sorrindo, uma menina na adolescência.

O detetive que investigou o caso do sumiço de Catimbau, com base nos seus parcos conhecimentos freudianos, sugeriu que a bela mulher madura poderia ser sua mãe. A outra, de sorriso doce e angelical, inatingível, deveria ser um amor platônico… causa do seu último mergulho na enchente das goiabas no Rio Mandu.

Mauritana Furtado… meu anjo da Borda!

Naquela noite fiz o melhor banquete da minha vida: arroz, feijão e bife… servido em um prato de louça, raso, com garfo e faca! 

Passava pouco de 13h quando encontrei meu amigo Rui de Paula em frente o Palácio do Bispo em Pouso Alegre.

– Está tendo festa na Borda! Vamos vender pipoca lá? – convidou ele.

– Vamos … – respondi eu, sem pensar duas vezes… e sem ter a menor ideia de onde ficava essa tal Borda!

Como se estivéssemos indo ao bairro vizinho iniciamos a caminhada. Pegamos a Silviano Brandão, a Alferes Gomes de Medela, passamos pela Remonta, passamos pela entrada da Vendinha e pegamos a estrada. No meio da tarde estávamos na baixada do bairro Anhumas. Aquele carrinho branco todo enfeitado de pipocas coloridas empurrado por dois garotos, passando lentamente pela estrada, atraiu a atenção de uma dúzia de lavradores numa plantação ali na várzea. Eles pararam de capinar o arrozal e vieram até a beira da estrada, curiosos, querendo entender o que era aquilo! Alguns deles tinham dinheiro na algibeira … e todos comeram pipoca doces coloridas e amendoim torrado coberto com chocolates!

 

Às sete da noite entramos na rua principal de Borda da Mata, bastante cansados, empurrando o carrinho de guloseimas. Quinze minutos depois entramos numa ruazinha transversal onde algumas crianças brincavam. Ali o carrinho de doces começou a esvaziar.

 

Foi ali naquela ruazinha transversal que eu a conheci.

 

Atraída pelo burburinho da criançada ‘que nem formiga no doce’, ela apareceu no portão de uma casa com grades na frente. Era a senhora Mauritana Lopes Furtado. Na verdade, eu só guardei o sobrenome “Furtado”. Mas nunca esqueci o gesto daquela senhora. Muito menos o que ela nos ofereceu!

 

Curiosa para saber de onde vinham aqueles dois meninos franzinos empurrando aquele vistoso carrinho de doces, ela se aproximou e puxou prosa. Minutos depois, quando a criançada se afastou lambuzada e feliz, a bela senhora morena, de meia idade, apareceu com o nosso jantar. Sentados no passeio defronte sua casa, eu e o Rui, degustamos o banquete! Não me lembro de ter comido, até então, uma comida tão chic e gostosa: arroz, feijão e bife em um prato raso de louça branco, com garfo e faca. Até aquele dia eu só conhecia prato fundo esmaltado… e colher! Não foi somente o prato de comida deliciosa que a boa e linda senhora morena nos deu. Deu também um pouco de carinho, de afeto… de amor. Depois de seis horas empurrando o carrinho de pipocas pela estrada, precisávamos de tudo isso. Minutos depois chegamos à praça central da cidade, completamente lotada, comemorando o dia da padroeira N.S.do Carmo. Era dia 16 de julho de 1971. Eu já era um mocinho… tinha 13 anos!

 

No dia 17 de setembro de 2014, um mês depois de publicar meu primeiro livro de crônicas policiais, voltei à Borda da Mata. Desta vez fui sozinho, de carro. Fui visitar meu anjo da Borda e pagar aquele jantar com um presente. Dei-lhe um exemplar do livro “Meninos que vi crescer”, no qual eu citava seu nome naquele longínquo ano de 1971. Mauritana morava na mesma casa onde fiz a melhor refeição da vida, 43 anos atrás! Não era hora de jantar, mas não saí de lá sem mimos e o afeto da senhora Mauritana Furtado, já octogenária.

Entre nós foram apenas estes dois encontros… o suficiente par fazer morada em meu peito.

Nesta terça-feira, 08 de abril, Mauritana foi chamada se volta à Casa do Pai. Voltou para os braços do Criador, onde sempre teve lugar cativo.

Boa viagem meu anjo Mauritana.

Indignação!!!

Mesmo identificado, processo e condenado, talvez o agressor nem venha a conhecer o Hotel do Juquinha por dentro!

A brutalidade aconteceu numa rua paralela à Vicente Simões na noite de sexta-feira,28.

É o mínimo que se pode dizer para expressar os sentimentos dos familiares – e da sociedade – com as agressões sofridas pelo adolescente no bairro Guanabara, região central da cidade na primeira noite de carnaval em Pouso Alegre! Uma agressão selvagem, à traição, desproporcional a qualquer ato que, porventura, tenha ocorrido antes! Atitude covarde, dada a desproporção física da vítima, dada a total impossibilidade de fuga ou de defesa! Apesar disso, a ação não exigiu nenhuma reação das pessoas que assistiram passivamente a brutalidade. Talvez paralisadas pelo medo, ou acostumadas com a violência das ruas, nada fizeram para intervir ou deter o agressor. Ele, no entanto, não escapou do olhar frio e inerte do “olho vivo” que a cada dia mais toma conta das nossas ruas, mostrando para a polícia a cara de quem faz feiura!
                                      “Eu, como mãe de adolescente, fico indignada”! – escreveu uma leitora do meu blog nesta segunda-feira.
                                      “Vai fazer duas semanas e o vagabundo anda todo, todo por aí. … E Até agora ninguém, fez nada” – diz a leitora!

Mesmo após jogar o adolescente na lona, o agressor continuou batendo…

Desacorçoada com a impunidade que campeia solta na cidade – e no país, a sociedade tem dado sua contribuição ao Estado, instalando câmeras de segurança nas suas residências e empresas, o que possibilita, ao menos, mostrar para a justiça a cara do infrator! – Coisa que, aliás, as determinações do CNJ, atendendo à ‘sensibilidade’ dos Direitos Humanos, não permite.
A prefeitura de Pouso Alegre, através do CIDS também implementou recentemente medidas nesse sentido buscando auxiliar a polícia no combate à criminalidade no município, instalando dezenas de câmeras pela cidade. Graças a essas câmeras que buscam ao menos inibir um pouco o insolente meliante, o autor da barbárie cometida contra o garoto na noite ainda criança de carnaval, foi identificado!
Mas e agora?
O que acontecerá com o selvagem agressor?
Saber quem é o autor da agressão não muda muito o status quo da conjuntura. Aliás, piora um pouco! Aumenta a indignação da família e da sociedade. Sim. Pois não há lei para punir o agressor à altura do seu crime!
A sociedade, ao instalar câmeras fez sua parte contribuindo com a identificação do agressor. A polícia militar, que não pode ser onipresente, registrou o fato e tomou as demais providências para o seu esclarecimento.
A polícia civil, a quem cabe investigar o crime, neste caso, dentro de 30 dias colocará o agressor, seja ele quem for, e todos os subsídios para o seu julgamento, sobre a mesa do Homem da Capa Preta.
E o que irá acontecer com o agressor?
Será julgado de acordo com a lei.
E o que diz a debochada lei?
O que vimos nas imagens, salvo melhor juízo, se enquadra em lesões corporais (art.129 CP), cuja pena varia de três meses a 01 ano de cana. Dependendo da gravidade e consequências das lesões, a pena pode chegar a oito anos!
Se o zeloso RMP enxergar e o douto Homem da Capa Preta se convencer de que houve tentativa de homicídio, a pena pode ir de 6 a 20 anos com redução de um a dois terços, ou seja: o brutamontes pode pegar 2 anos de cadeia. Dependendo de algumas variáveis, com uma pena dessas o cidadão que aparece nas imagens espancando o adolescente diante de dezenas de olhares assustados e impassíveis em plena via pública, talvez nem venha a conhecer o Hotel do Juquinha por dentro!
“… Juro que se fosse com meu filho ele (agressor) já estaria morto”! – desabafa a mesma leitora… indignada.
Enfim…
Sem lei severa, não há punição!
Sem punição… não há por que NÃO cometer crimes!
Sem punição para o criminoso, o trabalho da polícia não passa de “enxugar gelo”!
A sociedade paga, merece, precisa e quer mais do que isso!

Meu vizinho Japão

Ele costumava ‘passear’ na viatura da polícia!

Quando fui morar no alto da Rua da Biquinha, ele já morava lá! Morava com um irmão mais velho e sua mãe, já velhinha. Nunca o vi trabalhar. Passava os dias sentado no passeio na beira da rua, na esquina. As vezes nalgum boteco… ou numa ‘quebrada’! A mãe o sustentava. Era amigo da polícia. Quase toda semana a polícia o levava pra passear. Dois ou três dias depois ele voltava… a pé! Eu não entendia uma coisa: na viatura da polícia cabiam dois no banco da frente e três no banco de trás, mas o Japão ia sempre no porta-malas!!! Certo dia os policiais o chamaram no portão. Quando ele apareceu um deles fez cara feia e falou: – Japão, o delegado quer falar com você. Nós vamos levá-lo pra delegacia. Japão olhou meio desconfiado para os policiais e, com cara de pelamordedeus, perguntou: – Vocês não vão judiar de mim não, vão? – Não. Nem vamos colocar as pulseiras de prata – Respondeu o policial, abrindo a porta do ‘forninho’. E foram embora. Do portão da casa dele até a esquina tinha pouco mais de 50 metros. Só neste trechinho o soldado Vianei deu uns quatro trancos na viatura. Arrancava e freava bruscamente. Do portão da minha casa dava para escutar o barulho na traseira do forninho. Parecia uma abóbora solta na carroceria de um caminhão! Tempos depois Japão sumiu da rua. Ninguém sabia por onde ele andava. Vários meses depois voltou pra casa. Gordo, porém com a pele muito branca… parecia que não andava tomando sol! – O que aconteceu Japão. Onde você esteve? – perguntou um vizinho. – Eu estava de férias… – De férias?! Onde? – No velho hotel da Silvestre Ferraz! – respondeu, pouca prosa. – Quem te prendeu? Ninguém viu viatura da polícia aqui na sua casa! – Foi o Chips. Eu estava subindo a Bueno Brandão, quase chegando em casa, quando encontrei com ele na rua. O Chips falou que eu estava na lista negra da polícia e me levou em cana. Pior de tudo é que ele me levou a pé, do quarteirão de baixo até a delegacia, sem algemas, numa chave de braço… Cheguei lá cansado e com cãibra – choramingou ele. Japão não trabalhava, mas tinha dois vícios: Fumava uns baseados e quando não tinha maconha, se amarrava num pé de cana. Para sustentar esses dois vícios, adquiriu um terceiro… Passou a cometer pequenos furtos para comprar maconha e suco de gerereba! Rádio, bujão de gás, galinha, cachorro… qualquer coisa que pudesse render uns trocados. Por isso sempre recebia a visita dos homens da lei. Certa manhã a polícia bateu na sua porta. – Japão, dona Miquelina disse que você roubou a televisão dela ontem à noite. Onde está a TV? – Tá aqui na sala. Mas eu não roubei não. Ontem ela me convidou para assistir um filme na casa dela. Antes de acabar o filme ela dormiu… Daí eu trouxe a TV pra minha casa para acabar de assistir o filme. Agora de manhã eu ia devolver… Já que vocês vieram, podem levar! – Falou o gatuno… sem ficar vermelho! Depois que o irmão e a mãe – que vivia de Pensão – morreram, a fonte de renda do Japão secou. Entrou numa tremenda pindaíba! Começou a vender tudo que havia em casa para comer… e beber. Não demorou ficou sem gás, sem água e sem luz! Sem a mãe para sustentá-lo, e puxar-lhe as orelhas, passou a levar os amigos pra casa. Os amigos traziam cachaça, baseados e… mantimentos. Tudo ‘cabritado’ nas redondezas. O banho, tanto ele quanto os amigos, tomavam num tambor no quintal, com água acumulada da chuva. Entravam pelados no tambor, se esfregavam e saiam. Certa vez quase deu tragédia. Um dos parceiros de infortúnio, mais chapado, tentou lavar apenas da cintura para cima… Caiu de ponta cabeça no tambor e ficou e começou a se debater! Quase morreu afogado. Certa noite Japão saiu pela vizinhança pedindo uma vela, emprestado. Bateu em várias portas até que o vizinho do lado, o qual ele não ‘abeirava’ muito, lhe deu uma vela. Embalado pelo suco de gerereba, Japão esqueceu a vela acesa ao lado da cama. Quando os vizinhos perceberam a fumaça e chamaram os Bombeiros, já era tarde. Japão dormiu nos braços de Severina do Popote e acordou nos braços de São Pedro! Nunca mais os homens da lei levaram Japão para passear de viatura!

Impunidade

… PORTA ABERTA PARA O CRIME!

Em 2009, quando se mudaram do Velho Hotel da Silvestre Ferraz, os meliantes da cidade eram 350! Hoje, só no Hotel do Juquinha estão hospedados cerca de 1.300… sem falar uns 250 na APAC e outros tantos em penitenciarias do Estado!

Embora não esteja mais cobrindo o noticiário policial, estou sempre antenado no assunto. Afinal, como cidadão, também estou sujeito à insegurança que reina na cidade e no país! E tenho visto diariamente nos sites locais como a violência tem aumentado! Todos os dias – e noites! – temos arrombamentos, furtos e roubos na cidade. Isso para focar apenas nos crimes contra o patrimônio, sem falar dos crimes contra a vida, contra os costumes, do tráfico de drogas!…

Tendo ingressado na polícia em 1980, acompanhei de perto a transição, a transição da criminalidade tolerável para a criminalidade intolerável, que chegou aos nossos dias. Sim, em 1980, com um efetivo razoável de policiais, conhecíamos cada meliante da cidade. Conhecíamos cada movimento do meliante. Sabíamos quando ele estava de ‘biboinha’, e quando tinha culpa no cartório.

Mas aí veio a famosa “Constituição Cidadã” do Ulisses Guimarães!

Até então, o sujeito que havia se bandeado para o crime, tinha vergonha de ser criminoso, de ser “marginal”! Ele vivia à margem da sociedade e era facilmente identificado. Todo mundo na rua, no bairro, sabia quem era o meliante. E não raro o ‘caguetava’! Afinal, qualquer um poderia ser sua próxima vítima!

A Constituição Cidadã igualou todo meliante ao cidadão. Desde então o meliante passou a andar todo garboso por aí, de peito estufado, nariz empinado – e impune!

Nos anos seguintes à Constituição Cidadã, notadamente na última metade da década de 90, com o surgimento do ‘crack’, uma droga barata, acessível à classe baixa, a criminalidade desandou de vez, e desceu ladeira abaixo… sem breque! Hoje, ainda dá, mas está difícil segurar a criminalidade!

Não quero com isso dizer que a Constituição Federal não deva defender, indistintamente, todo e qualquer cidadão. Mas temos que manter sempre à tona o velho jargão:

“É preciso separar o joio do trigo”!

Lugar de quem comete crime é na prisão!

Somente a privação da liberdade, seu maior bem, fará o cidadão mudar de atitude!

O problema está aí: as leis não estão mais punindo o criminoso!

E sem punição, não há por que deixar de cometer o crime!

Por isso temos tantos crimes acontecendo na cidade e no país.

E não adianta culpar a polícia! A polícia não tem culpa no crescimento da criminalidade. Ela tem feito sua parte.

A polícia tem se aprimorado cada vez mais para prevenir e combater o crime.

Mas a lei é frouxa…

A lei é maleável…

A lei é flexível!

A lei é humana demais com o meliante! … Enquanto o meliante é desumano com a vítima!

A polícia hoje… o juiz manda soltar na audiência de custodia amanhã!

A polícia prende de manhã… a lei solta de tarde!

O juiz condena… a lei manda o juiz soltar!

A justiça condena o meliante a seis anos de prisão… Mas a lei diz que ele pode voltar pra rua 7 vezes por ano… na tais “saidinhas”!

… E depois de um ano atrás das grades, nem precisa voltar mais pra lá!

Mas então, diante desse quadro caótico que se encontra a segurança, quem poderá nos salvar? O Batman? O Homem Aranha? O Chapolin Colorado?

Não. As leis!

E quem faz as leis?

Essa pergunta toda pessoa, desde o ensino médio ao menos, sabe responder.

Quem faz as leis é o Poder Legislativo – são os deputados, escolhidos por nós, eleitos por nós, pagos por nós para cuidar dos ‘nossos’ interesses. Inclusive para cuidar da nossa segurança enquanto cidadãos.

Não temos que cobrar segurança da polícia. Temos que cobrar segurança dos nossos políticos!

A lei penal precisa ser consertada.

Sem consertar a lei penal… a criminalidade não tem conserto!

 

OBS: essa é uma abordagem rasa sobre os efeitos da impunidade no país. Se formos aprofundar um pouco mais o assunto, teremos que ir além do Poder Legislativo. Teremos que visitar também os poderes Executivo e Judiciário. Dá livro… best-seller!

Geraldo “Pão”… o ultimo homem da ‘roça’!

O homem no colo da figueira!

 

    

          Outro dia, depois de registrar os últimos lampejos do sol se deitando atrás do Morro das Onças, me despedi da bucólica vista da varanda do sítio, atrás da igreja, e rumei para casa. Ao ganhar a estrada vicinal, deserta àquela hora, parei por uns instantes olhando para o passado. Levado pela nostalgia, guinei à esquerda e segui na direção contraria da cidade, na direção ao interior do bairro dos Coutinhos. Segui lentamente, sem rumo, ouvindo uma ave aqui, outra ali, procurando um ninho para dormir, até que cheguei à encruzilhada da Tiririca! Eu pretendia ia mais adiante, quem sabe até o Canto do Mato conversar um pouco com o passado, mas, uma cena na encruzilhada da Tiririca me chamou a atenção. Já no crepúsculo da noite que turvava tudo à sua volta, vi a figura de um homem sentado no colo de uma figueira. No colo mesmo! As raízes rasas da jovem figueira formavam uma poltrona natural. O homem, grande, forte e sem camisa, usava apenas a calça ainda suja de terra da lida desde as primeiras horas do dia, arregaçada até as canelas. Na cabeça ostentava o velho e inseparável chapéu de palha de aba larga. Era o primo Geraldo. Parei para um centavo de prosa. A conversa esticou. Passou de um tostão, e logo a noite nos transformou em sombras na encruzilhada.

Geraldo “Pão” havia se levantado, como de hábito, no momento em que a corruíra, pulando de galho em galho na roseira abaixo da sua janela, começou a reclamar da claridade… por volta de cinco da manhã! Levantou-se, acendeu o fogão à lenha, fez o café, tratou das galinhas que já ameaçavam invadir a varanda em busca de milho, ajeitou algumas coisas no terreiro, juntou umas ferramentas de esticar cerca, colocou no embornal e voltou pra cozinha. Tomou uma caneca de café com leite, comeu bolo de fubá, acendeu o cigarro de palha e saiu empurrando a bicicleta morro acima em direção às Areias… Tinha que tratar de um gado de corte e curar bicheiras nalguns garrotes no mesmo pasto. Nesse dia não levou marmita, pois voltaria mais cedo para outra tarefa no lado oposto do bairro. Algumas horas depois voltou para casa, almoçou, tirou uma pestana na varanda da casa, fumou mais um cigarro, pegou o embornal de ferramentas e seguiu para o Córrego do Sapo. Passou o resto do dia consertando cerca de arame farpado.

Ao chegar em casa junto com o pôr do sol, bebeu uma caneca d’água, bebeu café morno na mesma caneca, pegou uma espiga de milho no paiol, descascou, debulhou, assanhou as galinhas, colocou a palha na algibeira e foi para a encruzilhada, se despedir de mais um dia.

Essa é a rotina do Geraldo “Pão”! Faz isso desde molecão… nos últimos cinquenta anos. Geraldo mora no que é seu, cercado de uma dúzia de galinhas, dois galos carijós e cinco cachorros de porte médio, todos adotados nas imediações.

Na juventude Geraldo frequentava a “Arvinha”, ponto de encontro dos homens do bairro, para atualizar os fatos do dia a dia. Por uns tempos frequentou também a “Vendinha do Vilino”, onde além do bate papo com os parentes – todos no bairro são parentes – tomava uns goles da cangibrina. Desde que se casou, há mais de trinta anos, o lazer mais longe que busca é na beira da estrada por onde passam poucos conhecidos…

Anos atrás, seguindo os passos da esposa, – é sempre assim: os homens vão aonde suas mulheres querem ir – mudou-se para Congonhal. Casa boa, moderna, bem localizada, cheia de plantas no quintal, invadindo a varanda. Faltava espaço para os bichos. Toda manhã depois do café com leite e bolo de fubá Geraldo montava uma bicicleta e ia trabalhar… na roça! nos Coutinhos e imediações, nos mesmos afazeres de sempre: consertar cerca, curar bicheiras de gado, roçar um pedaço de pasto…

Mais de uma década depois, levado de volta pela esposa, voltou a morar na roça… No bairro dos Coutinhos, há poucos metros do local onde nasceu, onde pode despertar toda manhã com o cantar do galo carijó.

     À direita da encruzilhada da Tiririca, seguindo para a Grota Funda, tem poucos moradores. À esquerda são dezenas de casas e de moradores. A maioria é de descendentes de antigos fazendeiros. No entanto, hoje são urbanos, tem hábitos urbanos, trabalham na cidade e ‘apenas moram’ ali. Quase todos passam de carro, de moto, e nem notam a presença do homem sentado no colo da figueira! Ninguém tem tempo para conversar… para um centavo de prosa. E nem assunto. Todos têm uma mulher e dois ou três filhos em casa e uma tv na sala… ligada na novela!

Há poucos metros da encruzilhada, na beira da estrada, uma bela e moderna casa com alpendre na frente e varanda nos fundos, cercada de horta, galinheiro e pomar, sua esposa – quituteira de mão cheia – está sentada diante de uma moderna TV 40 polegadas vendo novela. Ele, no entanto, prefere estar ali, na beira da estrada, até o sol se deitar atrás do pasto do Zé Gominho, ouvir o canto triste dos grilos, ver a noite estender lentamente seu manto negro e esconder até as sombras. Se tiver sorte pode ser que o curiango, curioso, pouse a poucos metros dele e caminhe apressado, fingindo medo, na estradinha poeirenta até levantar voo novamente!

Entrado na casa dos setenta, Geraldo talvez o último homem da roça, tira da roça o seu sustento. Sustento para o corpo… para a alma!

Geraldo precisa ver o sol nascer lá no espigão…

Precisa mexer com bichos… – vaca, boi, cavalo, porco, galinhas, cachorros, gatos, paca, tatu. As vezes precisa dar um chega pra lá numa jararaca… ou pisar no pescoço de uma cascavel…

Geraldo precisa limpar o suor da testa com as costas da mão, sentar num toco qualquer, empurrar o chapelão para trás, sacar da cinta o canivete de cabo de osso, picar o fumo de rolo e fazer ele mesmo o seu cigarro de palha…

     Por isso fica ali… até a noite esconder sua figura no colo da figueira. Até sua presença ser notada apenas pela luz tênue do seu cigarro de palha, qual vaga-lume no final do outono, e, talvez, pelo cheiro adocicado do fumo de rolo…

Geraldo precisa da poesia do entardecer… do frescor da noite… do cheiro da poeira da estrada… de alguém para conversar…

As pessoas pouco vão à casa dele… e ele pouco vai à casa delas. Mas pode ser que alguém passe a pé na estrada. Por isso ele senta no colo da figueira no fim da tarde, para ver as pessoas passarem, e quem sabe, trocar um dedinho, ao menos um dedinho de prosa, mesmo que seja apenas um:

– “Tarde”…

– “Noite”…

– “Bão”…

Esses são os curtos diálogos que travam, entre uma tragada e outra do cheiroso cigarro de palha, na beira da estrada.

Nosso encontro ali na encruzilhada foi uma mera casualidade. Depois de três anos morando em Belo Horizonte, absorto em saudosas lembranças, eu andava a esmo pela estrada da minha infância até esbarrar no raro espécime! Geraldo Pão ganhou o dia – e eu também! Conversamos até as estrelas dominarem o céu.

 

O personagem no colo da figueira não é ficção. Ele é de carne e osso… e de sentimentos puros, em sintonia com a natureza! Meus netos um dia saberão – através dos livros – que homens com esse perfil existiram até o apagar das luzes do século XX. Existiram. Não existem mais. Geraldo Pão é uma exceção. Nascido em meados da década de 1950, Geraldo, o último homem da roça, é feliz vivendo no século XX, sentado no colo da figueira. Ele não precisa do século XXI…

Estou numa nova missão: escrever livros!

Olá, meus estimados leitores!

     Fiquei muito lisonjeado com os comentários e felicitações em relação à postagem “Execução na Baixada do Mandu”. Em menos de vinte e quatro horas já passam de 40 mil visualizações, centenas de comentários e dezenas de compartilhamentos.

     Apesar da alegria pelo reconhecimento do meu trabalho de cronista policial, devo esclarecer:

– Não estou reativando o Blog de noticias policiais. Esse foi um caso esporádico que me chamou a atenção.

     Estou numa nova missão: ser escritor! Desde 2019, quando parei de cobrir o noticiário policial na região para me dedicar aos livros, é o que tenho feito. Desde então publiquei 03 livros, – um de Crônicas Policiais vivenciadas no Sul de Minas, um romance policial (ficção) ambientado na Serra da Mantiqueira, e um romance biográfico que conta histórias de dezenas de pets que fazem parte da minha vida.

     Continuo, portanto, escrevendo mais do que nunca. Porém assuntos mais leves e enriquecedores, assuntos que falam de lutas e fé, com o bom humor de sempre, procurando levar uma mensagem otimista, construtiva à vida das pessoas. Não escrevo mais sobre ‘pessoas que recebem as pulseiras dos homens da lei’. Escrevo histórias que prendem o leitor… aos meus livros!

     “Chico Luca & Mariana … e as 10 filhas”.

     Este é o título do meu próximo livro que está sendo editado. Uma linda história de uma família que é obrigada a abandonar sua terra e se mudar pra cidade em meados do século passado. O lançamento está previsto para o final do mês que vem, ao custo de R$ 64,90.

     Se você gosta do meu jeito de contar histórias, vá pensando em adquirir o seu exemplar.    

Execução na Baixada do Mandu

Matador atirou em um carro no Aterrado em Pouso Alegre…

e matou uma mulher em São Paulo!

O alvo da execução era ela mesmo. Julia, 29 anos, era ‘Job’ numa boate nas margens da BR 459 em Pouso Alegre.

O crime, uma execução possivelmente por motivos passionais, aconteceu no início da madrugada deste domingo, 02, na Av. Vereador Antônio da Costa Rios no Aterrado.

O modus operandi do crime lembra um daqueles clássicos crimes de execução por desacerto de drogas. O carro, um Corolla, seguia sereno pela avenida até que uma dupla de motoqueiros se aproximou, o garupa sacou o trezoitão e descarregou o trabuco na direção do alvo sentado no banco de trás. Quatro balaços atingiram não letalmente o passageiro. Dois tiros atingem fatalmente a passageira ao seu lado. Ambos foram imediatamente socorridos ao Hospital Regional Samuel Libanio. A jovem, no entanto, não resistiu aos ferimentos e morreu ao dar entrada no nosocômio.

Segundo o rapaz, ferido em regiões não vitais do corpo, sua namorada se chama Julia Becker, 21 anos, natural do Rio de Janeiro.

Conforme dispõe a Lei, seu corpo seria levado para o IML ali ao lado, para ser submetido à exames de necrópsia. Seria! Para isso é necessário a identificação do corpo para a expedição de Guia.

Seguindo as informações constantes no BO que narra os fatos, ao consultar o SUS a administração do nosocômio responsável pelo preenchimento do Atestado que antecede a Guia, chegou facilmente até a família de Julia na cidade de São Paulo. Até aí nenhuma surpresa. Afinal, o ‘sistema’ está aí para isso. Surpresa – e muito brava – ficou a mãe da Julia Beker ao ser informada que sua filha havia sido assassinada!

– Que brincadeira é essa? Quem é você? Você está tentando me passar um golpe? Minha filha Julia está sentada no sofá aqui ao meu lado!

Bem, diante desse pequeno impasse, o corpo da Julia Beker passou o dia esfriando no necrotério do hospital. Até que a médica de plantão, incomodada com a demora para a liberação para poder exercer seu mister, foi ao hospital buscar o corpo que, por força de lei, pertence ao Estado, ao IML. Ao tomar conhecimento do imbróglio, a legista iniciou suas investigações. Uma hora depois tudo estava em pratos limpos. Julia Beker, na verdade se chamava Julia Conceição Oliveira, tinha 29 anos, uma extensa e movimentada rede social, dada à sua profissão, e morava numa boate nas margens da BR 459 onde exerce seu ‘Job’. Sua família residente no Rio de Janeiro recebeu a triste notícia e está a caminho de Pouso Alegre para transladar seu corpo.

Se o imbróglio não tivesse sido esclarecido, teríamos duas situações no mínimo constrangedoras.

Primeiro: o corpo da garota de programa Julia Conceição Oliveira, por falta de identificação formal, iria congelar na geladeira do IML até ser enterrada como indigente.

Segundo: quando a Julia Beker paulistana necessitasse usar os serviços do SUS, iria descobrir que estava morta há muito tempo.

Mas nem todo o imbróglio está esclarecido! O alvo da execução na madrugada no velho Aterrado não era o passageiro do banco de trás, mas sim a passageira! Até onde a polícia já chegou nas investigações, a execução teria sido cometida por motivos passionais! E teria sido cometida a mando da ex-namorada do passageiro do banco de trás!

Os dois motoqueiros executores do nefasto crime já sentiram o frio das pulseiras de prata, sentaram ao piano do paladino da lei e foram se hospedar no Hotel do Juquinha.

A PC agora vai se debruçar sobre o caso para apontar a causa real, e apresentar o mandante ao Homem da Capa Preta.

LEMBRANÇAS DOS ANOS 70!

Corria o ano de 1975.

“Rinha” e seus Rodeios, no centro de Pouso Alegre, nos anos 1970.

Na praça Senador José Bento os homens ainda circulavam no jardim, em duplas ou turmas, sempre da direita para a esquerda, sentido anti-horário… As mulheres, da mesma forma, circulavam ao contrário, da esquerda para a direita, aos pares ou pequenos grupos, fingindo timidez, flertando com os homens com os quais cruzavam no passeio!
Muitos destes flertes terminaram na cama… depois de dois anos de noivado e do “sim” diante do padre!
Na Dr. Lisboa, fechada para o trânsito de veículos desde o início da noite até às dez e meia, ficavam os ‘riquinhos’, em grupos nas calçadas, no meio da rua. Os que tinham dinheiro iam para os bares e barzinhos por ali: Vila Rica, Uirapuru, Tamandaré, Motão, Bug Dinks, Papillon… Quem tinha carro fazia vaquinha com os amigos para a gasolina e iam para a boate Shadows na Fernão Dias.
O ponto alto da Avenida acontecia aos domingos exatamente às nove e quinze da noite. Naquele momento o Muroni abria a porta da sua loja, virava uma TV em cores 20 polegadas (ainda novidade) para a avenida e ligava na Globo, para mostrar os Gols do Fantástico. Eram 15 minutos de bola balançando as redes por todo canto do Brasil.
A diversão maior da juventude, no entanto, acontecia durante o dia de domingo… a sete quilômetros do centro da cidade, no bairro Ipiranga… Era ali que ficava o Lago Caiçara! Desde as dez da manhã filas de ônibus da Cipatur faziam o trajeto, levando gente para nadar no lago. Cobrava-se dez cruzeiros de cada pessoa para nadar o dia inteiro.
Não havia salva-vidas.
Todo moleque de qualquer idade naquela época sabia nadar. As mulheres nem tanto. Mas havia, do lado esquerdo do lago, próximo à lanchonete, uma extensa praia artificial mesclando concreto com areia. Além do mais, os primeiros três ou quatro metros lago adentro ‘davam pé’.
Nós, garotos, é claro, queríamos aventuras perigosas. Queríamos nadar no fundo. Pular do trampolim de madeira na extremidade mais profunda do lago, paralela à BR 459, de frente para a plateia, era o auge. Ninguém sabe a profundidade do lago nesse trecho… Pois ninguém nunca tocou no fundo!
Havia constantes disputas de saltos ornamentais, para ver quem saltava mais alto, mais longe, mais bonito, mais esquisito… quem ficava mais tempo submerso!
Havia uma disputa ainda mais desafiadora… e arriscada! Todo domingo formava-se um pequeno grupo de aventureiros corajosos – ou sem juízo! – para atravessar o lago de uma extremidade à outra, na parte mais longa. A chegada era justamente ao lado do trampolim, onde era muito mais profundo e arriscado, pois o nadador chegava ali no limite das forças! Se tivesse cãibra durante a travessia, no dia seguinte uma guarnição do Corpo de Bombeiros de Varginha viria procurar o corpo no fundo lodacento do lago.
Mas havia algo ainda mais divertido do que nadar no lago caiçara naqueles belos e ensolarados domingos dos anos 70! A melhor parte da diversão … eram as viagens para o local!
Os ônibus, colocados pela empresa especificamente para atender esse filão, saiam da Avenida Getúlio Vargas (hoje Lojas Cem) desde o final da manhã. Iam e voltavam sempre lotados! Era no interior dos ônibus que mais se davam risadas! Invariavelmente em todos os carros tinha alguém que levava um gravador cassete (do tamanho de dois tijolos juntos). Fitas cassete não faltavam.
Apesar do sucesso das músicas românticas que marcaram a década – e fazem sucesso até hoje – a mais tocada daquele meio de década, e cantada pelo povo em todo canto, foi uma música irritante e enfadonha da dupla Amado & Antônio. A dupla caipira, que parodiava Jacó & Jacozinho, ficou famosa com: “A música do pepino”! Essa virou hit! Era tocada à exaustão muitas vezes por dois ou mais gravadores no interior dos ônibus com mais de 60 pessoas se acotovelando, balançando, rindo, imitando a voz infantil e caricaturizada da dupla de caipiras.
O melhor da música era o irritante refrão!
Ficava mais enfadonho ainda cantado em coro por metade dos passageiros dentro do ônibus, imitando a voz de criança desafinada, manhosa, chorosa e desacorçoada da dupla…
“Eu não quero mais pipino, nem do grosso, nem do fino… eu sofro do intestiiiino, Deeeeeus nos livre de pipiiiiiiiiiiiiiiiiii Antoiiiiiiiiiiiiinnnnn!
Para quem não cantou, ou quer relembrar, eis a letra completa da música mais cantada de 1975!
“Arei à terra, um terreno genuíno,
Preparei pra melancia porque o preço está subindo
Gastei a grana, fiquei duro até tinindo,
Mandaram a semente errada, só nasceu pé de pepino.
Eu não quero mais pepino…
Eu não quero mais pepino nem do grosso e nem do fino
Eu sofro do intestino, Deus nos livre de pepiiiino Amado!
Eu namorei a filha do seu Guerino
O casamento marcado para as festa do Divino.
Um certo dia o velho falou sentindo
Só posso vestir a noiva na colheita do pepino.
Eu não quero mais pepino
Eu não quero mais pepino, nem do grosso e nem do fino
Eu sofro do intestino… Deus nos livre de pepiiiino Antônio!
Essa verdura andava me destruindo
Fiz exame, me operaram, deram alta eu vinha vindo.
Cheguei em casa, a mulher falou sorrindo
Me abraçou e disse benzinho: tem sopinha de pepino.
Eu não quero mais pepino…
Eu não quero mais pepino, nem do grosso e nem do fino
Eu sofro do intestiiiino, Deus nos livre de pepiiiino Amado!”

Padre é preso depois da missa!

Alheio aos ritos cerimoniais, ele estava misturando Jesus com Genésio!

Você já pensou em ser artista de teatro no cotidiano? Se passar por outra pessoa?

Já pensou em se apresentar numa delegacia de polícia dizendo que é delegado e assumir suas funções?

Ou então se apresentar no fórum da Comarca dizendo que é o novo promotor de justiça e ter acessos aos processos, participar das audiências e até mesmo convocar e participar de diligências policiais?

E Padre?

Já pensou em ser padre de mentirinha? Celebrar missas, ouvir confissões, ganhar presentes das beatas, dar a benção para fiéis, ser reverenciado na rua e morar de graça na casa Paroquial? E, quem sabe, até dar assistência… digamos, ‘calientes’ à algumas beatas ‘pouco católicas’ e fogosas?

Este parece ser o melhor personagem, não é?

Pois foi o personagem que Fabrício G.M., 35 anos escolheu. Ele se apresentou na igreja de São Pio, no bairro Quitandinha, na cidade de Araraquara como Padre Fabrício e passou a celebrar missas e outras cerimonias. Tratado pelos fiéis com o devido respeito e crédito que merece um emissário de Deus, ‘padre’ Fabrício foi até uma livraria católica e comprou cerca de R$ 2 mil reais em livros e artigos religiosos…. e mandou ‘pendurar’ na conta da paróquia, naturalmente.

O falso padre estava ‘vivendo no céu’! Só tinha um problema: como ele nunca foi um assíduo frequentador de igreja, e não fez nenhum curso preparatório, ele não estava sabendo celebrar direito as missas. Na verdade, ele ‘não sabia da missa o terço’! e passou a misturar os ritos e santos, além de confundir Jesus com Genésio.

Alguns fiéis, percebendo que o novo padre não era muito católico, resolveram pedir ao padre da matriz de Araraquara para ajudá-lo…. E foi aí que o santo mostrou as ‘solas dos pés sujos’! Era um tremendo picareta, infiel, tentando levar a vida de bem-bom da batina.

Constatando que o padre era bem menos padre do que o sacristão, o vigário da paroquia, sem estardalhaço, levou o fato ao conhecimento dos homens da lei. Consultando sua capivara, descobriu-se que Fabricio era figurinha fácil no álbum da polícia paulista pelos crimes de falsidade ideológica e furto.

Ao interpretar mal o papel de padre, o palco do Fabricio caiu, e ele finalmente se enroscou nas malhas da lei. Na sua última missa celebrada na capela da Vila Quitandinha, havia dois beatos a mais na plateia de fieis. No final da missa os dois se aproximaram com cara feia, sacaram da algibeira um “mandamus” do Homem da Capa e disseram aquela velha frase que faz gelar a espinha:

– “Teje preso”! – E lhe mostraram as pulseiras de prata.

Embora cultue a arte da representação teatral, Fabricio, de 35 anos, não leva jeito para a vida artística. Na capital paulista e arredores ele já foi “advogado” e “Delegado Federal”, mas nunca recebeu aplausos e sempre teve que sair pela porta dos fundos!

Se Deus perdoou Fabricio pela farsa da batina, não sabemos. A justiça, não! Depois da missa ele recebeu as pulseiras de prata da lei, como qualquer mortal pecador, e foi se hospedar no hotel do Juquinha de Jaboticabal.

    *** O falso padre conseguiu enganar os fiéis do bairro Quitandinha por apenas duas semanas. Em Pouso Alegre, no final dos anos 80, um cidadão serio e bem trajado se apresentou no Fórum da Comarca dizendo que era Promotor de Justiça. Assumiu o cargo e durante quase três meses acompanhou audiências e falou em processos. Como ele gostava mesmo era do trabalho policial, acompanhou dezenas de blitz e rondas policiais pela cidade. Era tão Promotor de Justiça quanto o padre Fabricio. Mas ele foi mais bem sucedido do que o padre. Quando percebeu que a casa iria cair, o falso promotor desistiu da promissora “carreira’ e dobrou a serra do cajuru!