Alguém para chamar de tia…

… E pedir sua benção!

        Uma das primeiras coisas que aprendi ainda no berço, lá na grande casa de pau-a-pique na Vargem do Coqueiro, foi cumprimentar as pessoas quando chegar a algum lugar ou vê-las pela primeira vez… E despedir dela quando for embora. Acho até que isso não era bem de berço, era costume do lugar: Na roça, o sujeito não passa por outro na estrada sem dizer ao menos;

– … ‘diiiiaa’!

      Na hora de ir embora tinha que ter ao menos um;

– … “Inté a vorta”!

       O cumprimento indispensável entre os parentes consangüíneos ou afins era…

– Sua bença, tia! Sua bença, vô! Sua benção, Madrinha! Bença mãe!

        E a resposta vinha de imediato quase sempre com alegria, um sorriso e uma mesura…

– Deus te abençoe, meu fio!

         Na despedida jamais faltava o…

– Vai com Deus, meu fio!

         O tempo passou, a ‘modernidade’ chegou, os hábitos mudaram, as pessoas se distanciaram… Estes cumprimentos que além de demonstrar respeito pelos mais velhos e apreço pelo próximo, nos fazia ouvir e falar de Deus com mais freqüência, caíram no esquecimento. Pedir a benção ao avô, à tia, ao padrinho saiu de moda. Tem gente que tem vergonha de fazê-lo! Nem do padre se toma benção mais!

         Mas há exceções…

Tia Angelina

         Tia Angelina, mãe do poeta Jairo Matos, era uma das tias que me abençoava com alegria toda vez que nos encontrávamos. Como fazia e faz com os filhos, netos, sobrinhos. Era tia do outro lado… Era casada com tio André, irmão do meu pai. Mas ela tinha outras particularidades cuja lembrança me leva para o início dos anos 60.

         Durante os primeiros dez anos de minha vida ela foi minha cabeleireira. A cada lua minguante eu ia à sua casa amarela, de pau-a-pique, perto da casa da minha avó, cortar o cabelo. Eu sentava numa cadeira no terreiro, cercado de uma ‘renka’ de primos mais novos e mais velhos do que eu e, pacientemente, usando uma tesoura, nem sempre afiada e um pente de osso, ela cortava meu cabelo liso e espetado. O corte era invariavelmente o mesmo: estilo “Cascão” do Mauricio de Souza, que ainda não havia nascido. Ficava sempre uns ‘trilhos de rato’ na cabeça, mas ninguém ‘reparava’. Afinal, cabelo nos floridos anos 60 não era ‘adorno’… Servia apenas para assentar o chapéu! E o corte da Tia Angelina era baratinho demais.

– Deus lhe pague, tia…! – Dizia eu.

– Amem Jesus – respondia ela.

      De vez em quando minha mãe levava uma dúzia de ovos caipira pra ela e estava tudo certo.

Tia Angelina e os filhos...

Tia Angelina e os filhos…

      Do corte de cabelo que marcou minha infância todo mundo por lá sabia. Pois eu não era o único privilegiado! Além de mim e dos filhos ela cortava o cabelo de outros sobrinhos também. Mas tem outro fato que deixou tia Angelina para sempre na minha memória. E no meu coração, é claro! Isso talvez nem meus primos saibam… o bolo de fubá! Aquele mesmo que eles comiam com café, sentados no cabo da enxada na sombra do milharal, todo ano. Quando se aproximava a hora da merenda, eu ia para o milharal e ficava por ali jogando conversa fora com os primos e dando risada, para ‘filar’ o bolo. Era bom demais. Um bolo avermelhado, firme e doce que Tia Angelina fazia… Nunca perguntei, mas acho que a receita era; fubá, ovo caipira, leite e água e rapadura. Nos últimos cinqüenta anos não encontrei bolo igual. E olhe que tenho procurado! Nem seus filhos que se tornaram padeiros fazem igual.

        Mas não pensem que era fácil ‘filar’ o delicioso bolo da tia Angelina! Meus primos Luiz, Vicente, Raimundo, todos ‘adultos’ com seus 12 a 16 anos, judiavam de mim…! Eles me serviam o delicioso bolo, mas quase não me deixavam comer…! Ao longo de toda infância eu tinha riso solto… Ria a toa, por qualquer coisa. Quando eu levava o copo com café morno na boca, os molecões divertidos diziam;

– Tira o nariz do copo!!

       E eu desandava a rir… Ria freneticamente até doer a barriga! Engasgava e soltava café com bolo pelo nariz…! Que malvadeza!

       Assim mesmo eu voltava ao milharal no outro dia na hora da merenda. O bolo de fubá da tia Angelina valia o sacrifício!

       O corte de cabelo de tia Angelina não foi além do quintal de sua casa amarela – hoje restaurante Casa da Vó. Na cidade adotei novos cabeleireiros. Lembro-me de cada um deles desde 1969: Sebastião Daniel, Aquiles Coutinho, Eduardo, Tia Vone, Flair, Rogério, Marlene, Eduardo de novo. O ultimo corte foi com Tiago! Já o bolo de fubá de tia Angelina, nunca mais…!

       Se o corte de cabelo e o bolo de fubá se foram, uma coisa ficou… O respeito, o carinho, o afeto e benção de tia Angelina.

       Quando nasci eram cinqüenta e quatro tios e tias consangüíneas e afins. Hoje restam oito para estender-me a mão, abrir um sorriso e dizer;

– Deus te abençoe, meu filho…!

       Sua benção Tia Angelina…?

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