Terminou na semana passada a Copa Bogê de futebol amador, realizada no campo do Bangu, no velho Aterrado. O evento organizadado pelos boleiros Luiz, Braizinho e Bofinho, contou com a participação de 16 equipes da cidade. O caneco ficou com Bangu A.C. um dos mais antigos e tradicionais clubes de futebol amador de Pouso Alegre. A copa homenageou o boleiro Jesus Bento de Souza, o Bogê, morto aos setenta anos e um dia, em 2010.
Mas quem foi Bogê???
Conheci Bogê numa manha fresca de agosto de 1982. Quando cheguei para trabalhar na velha delegacia da Silvestrre Ferraz, o saudoso Inspetor Ângelo – impossível mencionar o nome do policial Ângelo Augusto de Freitas, falecido na manha do dia 05 de outubro de 2004, sem mencionar saudade. O velho Angelo fez do serviço publico sua religião. O trato com as pessoas, com seus superiores, com seus subordinados, sua simplicidade e seriedade na busca da solução para o problemas dos outros tornaram o Inspetor Ângelo numa pessoa impar na policia – conversava com Bogê. Quando terminei de assinar o “ponto” ele olhou para mim e disse:
– Chips, vá com o Bogê ao bairro dos Vitorinos… Ele achou a canoa dele lá e precisa de apoio policial para trazê-la de volta. Não se preocupe em apurar o furto. Basta recuperar a canoa…
Bogê olhou para mim com os olhos vivos e curiosos e deve ter pensado: “Será que este moleque dá conta de trazer esta canoa, do bairro dos Vitorinos!?”.
Durante décadas o bairro dos Vitorinos, município de Silvianopolis, divisa com S.S. da Bela Vista, margeando todo Rio Sapucaí, entre os bairros do Sitio e Água Quente, ostentou a fama de ser o mais violento da região. Povo de sangue quente e língua curta. De pouca prosa. Treleu não deu, quem fala é a lapiana numero 9 ou o trinta e dois.
A canoa do Bogê fora furtada nos fundos de sua casa no Rio Sapucaí, no bairro de Fátima. Um oleiro conhecido seu havia reconhecido a canoa amarrada na beira do rio, lá no bairro dos valentões, 30 quilometros rio abaixo.
Fomos num caminhão basculante que traria areia e a canoa. Atravessamos o rio e saímos numa pequena fazenda no bairro dos ‘perigosos’. Contrariando a orientação do Inspetor Ângelo, chegamos até o curral onde um velhote de sessenta e poucos ordenhava uma malhada holandeza, escoltado por um grande cão mestiço passtor alemão. Ele só nos deu atenção quando eu afastei a jaqueta jeans deixando aparecer o cabo do velho HO enferrujado na cinta. Mesmo assim respondeu resmungando que não possuía canoa e nem conhecia ninguém por ali que tivesse uma. Era um autentico “Vitorino”… O velho Ângelo, que em 82 ainda não era velho, mas tinha muita experiência de vida, estava certo. O que importava era trazer a res furtiva do Bogê de volta. Cortamos a corrente que a prendia ao pé de um ingazeiro, colocamos na caçamba basculante e voltamos para casa. Naquele resto de ano nunca mais faltaria peixe na mesa do Ângelo e na minha. Bogê, pescador nas horas vagas ficou eternamente grato. Ele mesmo relembraria e recontaria esta historia dezenas de vezes.
Apesar da aventura perigosa da canoa no bairro dos valentes Vitorinos, nossos passos se estreitaram a partir de 85, através da verdadeira paixão do Bogê: o futebol.
Quando ressucitamos a Liga Esportiva de Pouso Alegre, Bogê reapareceu com sua verdadeira roupagem; técnico de futebol. Montou, ao lado do Herondi Chagas, a A.A. de Fátima, clube que se rivalizaria com o tradicional Juventus do Zé Maria. Com vários jogos de uniformes na cores Vermelho e Branco, o time do Bogê era o mais vistoso da cidade. Foi o pioneiro em torcida feminina organizada. O barranco do Estádio Minduinzão, na beira da linha, no Fátima, nunca mais seria o mesmo depois do time do Bogê. A galera era tão animada que virou time de futebol feminino!!
Apesar de toda animação, de todo colorido e da experiência futebolística do Bogê, a A.A. de Fátima não chegou a colecionar canecos. Teve vida efêmera, durou poucos anos.
Mas o boleiro apaixonado não pendurou as chuteiras. Aliou-se ao rival Juventus e foi mais feliz com a camisa grená. No entanto, a marca do extrovertido ponta direita e sempre alegre e sonhador treinador de futebol, ficaria gravada para sempre nos anais da historia do futebol amador de Pouso Alegre, com outras cores, em outro clube… o São Geraldo.
Bogê mudou-se com a família para o velho Aterrado nos idos de 90. Apesar de o futebol da cidade na ocasião caminhar cambaleante pelas sombras, Bogê foi ousado e inteligente. Criou um novo clube no velho Aterrado e deu-lhe um nome que homenageia o bairro… São Geraldo F.C.. Conseguiu levar para o clube boa parte da nata do futebol amador da cidade tais como Bedeu, Helinho do Sebo de Gato, Teobaldo, o goleiro Batavo, Gelo, Kalu, Aguinaldinho, Kiki, Pelota, Porção, Clovis Bento, Deley… Conquistou vários títulos. O mais importante caneco levantado pela equipe alvi-negra do São Geraldo, ‘cover’ do Santos, time do coração de manteiga do extrovertido Bogê, foi o de campeão da Copa Sesquicentenário de Pouso Alegre, evento disputado no Estádio do Mandu com mais de 200 clubes participantes. Este só o São Geraldo tem…!!
Tendo nascido em Pouso Alegre, mas morado em São Paulo até ’75, onde se casou e enviuvou, Bogê chegou a dirigir o Monte Negro de Osasco, time da terceira divisão, na época. Em um jogo de campeonato contra o Aparecida, seu time perdeu por 3×1. Mas não perdeu a pose. Sacoalhou e orientou sua equipe até o ultimo minuto. Ao ver o treinador na beira do campo, tentando incentivar seus jogadores, um repórter se aproximou e perguntou:
– Jogando aqui na ‘terra santa’, perdendo de 3 x1 aos 44 do segundo tempo… o senhor acha mesmo que dá para virar o placar???
Bogê respondeu no estalo, apontando para o placar manual no fundo do estádio:
-Dá… É só subir naquela escada e virar o placar…!!!
Numa outra tirada, já dirigindo seu orgulhoso São Geraldo, seu fiel escudeiro e co-fundador do time, o atacante Deley, perdendo o jogo, de dentro do campo insistia;
– Mexe no time, Bogê, mexe no time…!
-Só se eu tirar você, que é o mais fraco do time!!! Respondeu Bogê. E o jogo continuou.
Assim era Bogê… Simples, humilde, corajoso, responsável e extramamente bem humorado. Nada o fazia perder as estribeiras. Nem uma sonora goleada sofrida pelo seu time. Na véspera dos jogos mais importantes saia de casa em casa dos jogadores, à pé ou de bicicleta, relembrando seus atletas do compromisso e da importância do jogo.
– A cachaça do meu pai era o futebol – diz o filho Clovis Bento – que no auge da juventude foi um craque no meio campo – com os olhos nadando de saudade do velho boleiro.
Tiriça, seu apelido de jovem ponta direita ou Bogê, pode não ter ganho todos os jogos que disputou, mas… Ganhou de goleada da vida!
Saudades, velho pescador…