Morreu Mario Otoboni, fundador da APAC

     “Matar o criminoso para salvar o homem que existe dentro dele”. Esse é o lema idealizado por Mario Otoboni na reeducação dos condenados que cumprem pena na APAC, morto esta semana aos 88 anos.

 

       Mario Otoboni seria só mais um cidadão humano, inteligente, alegre, dinâmico, que participaria ativamente da vida pública de São Jose dos Campos, trabalharia trinta anos como secretario na câmara municipal, talvez escrevesse alguns livros, dirigiria o antigo E.C.São Jose, que mais tarde se tornaria São Jose Esporte Clube, viabilizaria a construção do estádio Martins Pereira e talvez recebesse o titulo de cidadão honorário – já que era nascido em Barra Bonita-SP. Uma visita ao presidio da cidade em 1970, no entanto mudaria toda sua vida. Ao conhecer aquele amontado de gente em condições desumanas e sem perspectivas de futuro, ele ouviu a voz de Jesus ao pé do ouvido:

“Vá trabalhar com os presos…”

E ele pensou:

“Tem que ser feito tudo de novo, porque o sistema prisional brasileiro é um sistema falido”.

Dois anos depois, em 1972, nasceu a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, em Taubaté. Na década seguinte, Itauna, no noroeste de Minas receberia também sua primeira APAC. Em poucos anos a prisão que “mata o criminoso para salvar o homem que está dentro dele” – esse era seu lema –  ganharia o mundo, a começar pelos Estados Unidos. Desde então Mario Otoboni rodou o mundo dando palestras e explicando seu sonho de uma cadeia onde o preso tivesse a possibilidade de se recuperar para voltar para a sociedade, pois para ele “ninguém é irrecuperável”!

APAC… A ultima chance do meliante mudar de vida!

“Aqui entra o homem, o delito fica lá fora…”

Essa é a frase encontrada pelo recuperando assim que chega a qualquer APAC. Uma forma de já presentificar que ali não se busca a “pena além da pena”. Busca-se apenas resgatar o homem, não exaltando as suas falhas. Trabalha-se com o seu futuro e não com o seu passado.

Apac… A ultima fronteira!

Desde 2003, quando Pouso Alegre iniciou a instalação da sua unidade, Mario Otoboni esteve várias vezes na cidade. Tinha predileção pela APAC Pouso Alegre construída numa área de seis alqueires no bairro dos Farias às margens da MG 290. Suas visitas sempre arrebanhavam centenas de pessoas de vários seguimentos da sociedade. Incluindo as da OAB e do Poder Judiciário, pois os presos – embora cumpram pena numa prisão humana e diferenciada, dirigida voluntariamente por membros da sociedade, onde o índice de recuperação chega à mais de 70%, – seguem rigorosamente a Lei de Execução Penal.

No final da palestra na manha do dia 03 de março de 2017, quando lhe presentei com um exemplar do meu livro “Meninos que vi crescer”, cercado de meninos que vi crescer, conversei com ele.
– Sei que são tantos os momentos marcantes vividos pelo Sr. nestes 45 anos de Apac… o Sr. Poderia destacar um deles? – perguntei.
– De fato são tantos, que eu cometeria injustiça se destacasse um… – respondeu depois de ficar sério, franzir a testa e olhar o vazio por alguns segundos.
– Com tanta transformação na sociedade, com tanta inversão de valores nas últimas décadas, com tanta violência nos presídios, o ‘Método Apac’ ainda tem aplicação na recuperação do criminoso?
– Continua mais atual do que nunca … – respondeu o ‘criador’, desta vez sem pestanejar. E acrescentou:
– Se não existisse, eu o criaria hoje… O método Apac, alicerçado na doutrina cristã, é o único caminho para recuperar criminosos…

Mario Ottoboni morreu aos 88 anos, na madrugada desta segunda-feira, 14, na UTI de um hospital de São Jose dos Campos, onde estava internado desde o ano passado tratando um câncer. No final de 2018, por ocasião do Natal, ele enviou uma mensagem aos apaqueanos:

 “Lutei até onde foi possível e agora sinto necessidade de parar para descansar. A idade foi barrando meu entusiasmo e Deus pediu-me prudência. Agradeço a Deus tanta confiança e a você e aos companheiros que irão continuar socorrendo os pecadores arrependidos e acolhidos pelo Pai Eterno. Deus nos concedeu a vida para sermos vencedores. Fui, você sabe, muito perseguido e humilhado, mas venci os momentos difíceis porque Deus não me abandonou. Agora preciso descansar. Não deixarei de estar espiritualmente em orações com os apaqueanos, e onde estiver, estarei solidário com os irmãos de fé. Tudo na vida passa, menos o amor que supera o tempo na eternidade. Abraços.”

Seu trabalho frente às APACs é reconhecido pela ONU – Organização da Nações Unidas.

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