Apesar da brutalidade do crime, ele recebeu calorosa acolhida dos ‘manos’ de caminhada!
Chegamos à fazenda do Alfredinho, no Pouso do Campo, quase dez da noite, debaixo de uma chuva torrencial que parecia querer impedir que fôssemos até lá. Chegamos porque na encruzilhada, dois quilômetros atrás, um amigo do fazendeiro nos esperava com os faróis de um fusca acesos para nos mostrar o caminho. Eu e o sempre animado, bem-humorado e falante perito Mario Luiz de Faria. A cena que vimos mais uma vez era de filme americano, não policial, mas de terror de quinta categoria, só que… era real!
O calçamento tosco de concreto da entrada do curral havia sido desfeito pelo bater constante dos cascos das malhadas girolandas e formara uma grande panela, transbordando lama, estrume, chuva, urina e agora … sangue! Era impossível entrar na cocheira sem afundar até as canelas na poça fétida e macabra onde as mimosas certamente roçavam os úberes e tetas inchadas ao passar.
Era exatamente neste local que o defunto, em decúbito dorsal, muito pálido à luz das lanternas nos esperava… completamente nu!
Os ferimentos perfuro cortantes na região torácica e os corto contusos na cabeça, já estancados, contrastavam com a lama meio zinabre por causa da urina e do sangue, e o tornavam espectral. A cena era de terror!
Eu havia visto o carcereiro Marcos Alves numa poça de lama, numa viela do Aterrado com cinco tiros no rosto em 83; vi Anete Garcia, mãe dos meninos que vi crescer, Rodrigo e Reinaldo, com o peito perfurado à faca, pelo meu ex-vizinho Demetrius Macedo, no interior do banheiro no Jardim Vergani em 2001; vi meu ex-colega de exército Elcio Luiz dos Reis com o pescoço degolado e outra dúzia de golpes mortais, de faca, no tórax e no abdome na sala de sua aconchegante casa no Colinas de Santa Bárbara em 2003; vi o preso Totó no corredor do novo hotel do Recanto das Margaridas alguns meses antes, com sessenta ferimentos feitos à faca… Vi outros tantos casos de homicídio em que acompanhei os peritos mas,… se vi algum mais chocante e macabro,… não me lembro!
O assassino deu sua versão dos fatos ao patrão e dobrou a serra do cajuru sem me esperar para entrevista. Segundo o fazendeiro, ele estava com medo de ser preso, por isso abandonara o local. Ninguém na fazenda debaixo daquele diluvio soube informar quem era o defunto. Terminada a perícia ele foi descansar na geladeira do IML à espera que alguém dissesse ao menos seu nome…
Sem a identidade do morto e sem a presença do matador do curral, estávamos de mãos atadas, sem o fio da meada para esclarecer o macabro assassinato.
Na manhã seguinte eu estava correndo atrás de ciganos ladrões de cavalo quando o telefone tocou. Era o carcereiro do Hotel Recanto das Margaridas. Pensei logo o pior: “está acontecendo mais uma fuga no Hotel Recanto das Margaridas”! “Mataram mais um”!
Não.
Desta vez não havia morte e não havia ninguém saindo pelos muros ou tatús do presídio ‘modelo do Sul de Minas’.
Ao contrário!
Havia um sujeito completamente mamado, quase trôpego, delirando, querendo “entrar” no presidio! Querendo ser preso… dizendo que havia matado um sujeito no seu curral na noite passada!