O Triste fim de Margarida Leite!

Durante mais de ano ela visitou seu algoz na cadeia!

Antes de voltar à liberdade, Faissal recebia Margarida na velha delegacia.

Toda quarta-feira ela estava lá. Era uma das primeiras a chegar para a visita no Velho Hotel da Silvestre Ferraz. Vinha na charrete do Chico Pé de Pano. Duas horas depois o mesmo charreteiro voltava para buscá-la. Eventualmente ficava esperando por ela. Eventualmente também, depois da visita, ela descia a Herculano Cobra ou a Com. José Garcia para fazer pequenas compras e depois pegava a mesma charrete atrás do mercado para voltar pra casa.

 

Era uma bela e discreta mulher. Alta, clara, cabelos longos ondulados. Vestia com sobriedade. Usava sempre vestidos longos claros com discretas estampas coloridas. Apesar da discrição, orelhas, pescoço, mãos ostentavam brilhantes joias, rejuvenescendo sua sexagenária pele e denotando seu status financeiro. Sua figura poderia ser confundida com a mulher do prefeito ou até do deputado…  Passava dos 60 anos, mas não deixava de atrair olhares cobiçosos e até… libidinosos!

 

“Quem será que ela vai visitar”? pensava quem a via pela primeira vez na fila de triagem na entrada da cadeia. Seria algum irmão! Um filho? Um neto?

 

Fosse quem fosse, ela devia amá-lo muito para sujeitar-se à humilhação de visitá-lo toda semana na cadeia. Que crime teria cometido o ingrato salafrário para levar tão distinta figura à aquele antro de perdidos!

 

Estelionatos!

 

Mohamed Faissal era alto, forte, moreno, bem moreno, quase mulato… resultado típico da miscigenação de raças que compõe o povo brasileiro. Não se sabe quantos anos havia sentado no banco da escola, se tinha algum diploma… Mas tinha muita cultura, muito conhecimento e usava seus conhecimentos, inclusive jurídicos, para convencer as pessoas a atender seus interesses… mesmo que fossem ilegais!

Foi assim que com menos de trinta anos Faissal foi parar no velho Hotel da Silvestre Ferraz, no final dos anos 70.

 

A visita era coletiva, dentro das celas. Em dias de visitas os presos limpavam o ‘apartamento’, empilhavam os pertences, otimizavam o espaço, tomavam banho e se enchiam de expectativa para receber seus entes queridos. Uma visita por vez para cada preso.

 

Além da sua respeitável, sedutora e perfumada presença, Margarida levava também mimos tais como chocolates, bolachas, cigarros e, claro… ‘dim-dim’ para o seu amado!

 

Não demorou muito, Faissal, com sua lábia peculiar, conquistou a liberdade intramuros. Foi ‘promovido’ a ‘cela livre’! Desde então passou a receber sua distinta visita semanal numa sala separada da carceragem.

 

Alguns meses depois o bonitão moreno, educado e articulado, ganhou mais uma ‘promoção’… Virou faxineiro na delegacia! Sua sessentona e bela visita passou a ser recebida ali. Ficavam um longo tempo sentadinhos num banco deserto lá num fundo da delegacia. As vezes Margarida chegava mais cedo… e ficava no hall conversando com o Inspetor Angelo, seu amigo de longa data.

 

Algum tempo depois Faissal chegou ao terceiro estágio da liberdade… Ganhou a liberdade condicional! E voltou definitivamente, sem amarras, para os braços de Margarida.

 

Durante décadas a Rua David Campista, foi uma das ruas mais alegres e movimentadas de Pouso Alegre. O movimento, no entanto, era noturno. Começava ao pé da noite e varava a madrugada. Desde às sete da noite desfilavam por ali viajantes, aventureiros, homens mal-casados, jovens solteiros, adolescentes muitas vezes levados pelos próprios pais para provar a masculinidade, todos em busca de sexo! Ao longo de três quarteirões as casas, a maioria simples, com suas luzes vermelhas, convidavam a clientela. A atração principal da casa – loiras, ruivas, morenas, jovens, outras nem tanto – muitas vezes exibiam seus dotes no portão, tentando atrair os sedentos de amor!

A Rua David Campista, na região central da cidade, era conhecida pelo sugestivo e romântico nome de … Rua da Zona!

 

Logo no início, afastada da beira da rua, ficava a boate da Margarida. Era a casa mais festiva, mais discreta, mais elitizada da Zona! A primeira que inundava a vizinhança com suas músicas apaixonadas e a ultima que fechava. Foi ali que Faissal conheceu e se enamorou de Margarida. E dos seus dotes financeiros. Tornou-se seu Gigolô!

 

Durante o tempo em que esteve hospedado no Velho Hotel da Silvestre Ferraz, Faissal reduziu muito sua despesa. Lá ele tinha cama, comida e roupa lavada por conta do contribuinte. Ao retomar a liberdade seu custo de vida subiu. Os mimos que antes recebia da sua distinta visita na cadeia já não eram suficientes. Era necessário mais… E começaram os atritos entre o casal!

 

Certa manhã, no inicio da década 80, ao chegar para trabalhar encontrei a delegacia ligeiramente agitada. O Inspetor Angelo, sempre um dos primeiros a chegar, estava apreensivo e acabrunhado. Uma amiga sua havia sido assassinada! Ângelo foi um dos detetives que acompanhou o perito ao local do crime. Mais tarde eu soube que ele ficou à distância, não passou da sala. Não teve coragem de entrar no quarto da bela e distinta senhora com quem tantas vezes conversou no hall da delegacia enquanto ela aguardava o horário de visitas. Segundo o perito, o corpo de Margarida tinha mais de uma dúzia de lesões provocadas por golpes de faca.

Faissal nunca mais foi visto na cidade!

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