Apagado o fogo da paixão, ele foi embora… Mas deixou um coração ferido para trás!
Beto Cowboy era um sujeito alto, forte, brejeiro… e bonito! Era de pouca prosa, muito sério, mas tinha um semblante agradável. Tinha no olhar e no comportamento um certo mistério! Era o típico sujeito capaz de despertar emoções nos corações femininos. Por onde passava, sempre despertava desejos e paixões. Radicado no Vale do Paraíba, trabalhava no pequeno circo de rodeios rodando a região. Era um dos peões mais solicitados da companhia. Depois de cada apresentação noturna saia pela cidade, para abraçar umas loiras… e às vezes uma morena! Não raro amanhecia nos braços de uma das suas fãs!
Mariana, vinte e poucos anos, era uma mulher bonita, fogosa, carinhosa, sonhadora, dona do próprio nariz embora a vida não fosse um mar de rosas. Apesar de madura, tinha um espírito aventureiro e acreditava em príncipe encantado.
Certo dia o príncipe apareceu na cidade … Em um circo de rodeios! Sem pensar muito nas consequências Mariana se deixou levar pelos encantos de Beto Cowboy. Amanheceram debaixo do mesmo lençol. No dia seguinte, após meia dúzia de juras de amor eterno e promessas de que voltaria para ela, Beto Cowboy baixou lona e pegou a estrada. As juras? Ah, as juras foram sopradas pelo vento e se perderam ao longo do tempo.
A noite de amor de Beto Cowboy & Mariana, no entanto, ainda que tardio, deu fruto. Chegou nove meses depois… Uma bela menina mais linda do que a mãe.
O mundo e o circo têm duas coisas em comum: ambos são redondos e dão muitas ‘voltas’!
Quinze anos depois, numa dessas voltas que o mundo dá, e o circo também, Beto Cowboy levantou lona outra vez em Santa Rita do Sapucaí! Ao saber que tinha uma filha adolescente, quis conhecê-la. A emoção de conhecer um ‘pedacinho’ seu, abalou seus alicerces. Mais maduro e calejado, o peão pensou em abandonar o picadeiro e criar raízes na cidade.
A ferida no peito de Mariana havia cicatrizado. A presença do príncipe, agora mais maduro, mais discreto e mais charmoso, reacendeu a antiga paixão. Dois dias depois o circo baixou lona outra vez e partiu. Desta vez levava um peão a menos. Beto Cowboy ficou nos braços de Mariana. Juntaram os cobertores.
Beto Cowboy não teve dificuldades para arrumar meios de subsistência. Homem forte, saudável, desincumbia-se de qualquer tarefa que não exigisse diploma técnico ou universitário. Parecia que depois de anos e anos de vida (errante), sem nem um passarinho para tratar, finalmente ele iria criar raízes – em Santa Rita do Sapucaí.
As atividades do dia a dia, embora fossem dignas, prazerosas e rendessem o pão na mesa… não rendiam aplausos. Beto Cowboy começou a ficar acabrunhado. Mariana lhe dava tudo que uma mulher bonita e fogosa poderia lhe dar. No entanto, a rotina não anda junto com a fantasia, com a poesia… Sem poesia a vida a dois perde um pouco do brilho, vai ficando opaca. Além do mais, o artista não vive sem aplausos!
Beto Cowboy juntou a tralha.
As discussões foram curtas e breves… Houve choros e juras de amor… Mas nada amoleceu o coração cigano do cowboy. E ele pegou a estrada…
Não houve atritos, não houve pé-na-porta, não houve barraco… Mas Mariana ficou muito ferida!
Beto Cowboy saiu da vida de Mariana… mas não saiu do seu coração! Coração ferido… de mulher abandonada! Duas vezes abandonada…
O tempo, remédio para todos os males, passou. Parecia ter curado as feridas…
O grande e histórico Rio Paraíba do Sul continuou descendo, ora lento, ora rápido em direção ao mar.
Certo dia o circo recebeu três carrancudos clientes muito antes da hora do show. Queriam conhecer Beto Cowboy. Quando ele se identificou, um dos visitantes sacou da algibeira um papel timbrado: era uma ‘carta branca’ do ‘homem da capa preta’ da Comarca de Santa Rita do Sapucaí! Após ler parcimoniosamente o “mandamus”, o homem da lei estendeu um par de pulseiras de pratas e disse aquelas duas palavrinhas que fazem gelar a espinha de qualquer cidadão:
– “Teje Preso”
– Preso?! Mas por quê? – quis saber o patrão do peão.
– Estupro da própria filha. É o que está aqui no Mandado – informou o policial.
No crepúsculo daquele mesmo dia Beto Cowboy foi conhecer, por dentro, o “Hotel Recanto das Margaridas”!
A recepção não foi das melhores…
Pela ‘lei social’ – leia-se Código Penal – o crime de estupro custa ao estuprador de 6 a 10 anos de liberdade… ou de estadia gratuita no hotel do contribuinte. Pela lei dos ‘manos’, ou dos ‘irmãos de caminhada’, a pena pode custar mais. Além da segregação imediata do convívio com os demais presos, pode custar um braço, uma perna, algumas costelas e, na maioria das vezes, custa a vida!
Quando chegamos para dar apoio ao ‘banho de sol’ naquela segunda-feira, o carcereiro me disse que havia um preso no ‘seguro’, com algumas costelas quebradas. Era Beto Cowboy! A pancadaria havia acontecido na virada da noite se sexta-feira. Tão logo o novo hospede fez o ‘check in’ no famoso hotel – Presidio Modelo do Sul de Minas – inaugurado em abril de 99, as ‘terezas’ começaram a circular pelos sombrios corredores, levando e trazendo ‘pipas’… Em poucos minutos a cadeia toda sabia que o tal cowboy havia assinado um 213, crime que, segundo a lei do cárcere, exige justiça sumária.
Nas primeiras horas da noite os ‘justiceiros de garotinhas’ estupradas apenas espalharam o terror.
Quando as luzes da meia noite se apagaram, Beto Cowboy entrou no borralho! Teve sorte… foram apenas algumas costelas quebradas e um deslocamento de clavícula! O mais difícil foi aguentar essas dores durante mais de 48 horas no chão frio e escuro do ‘seguro’… sem uma novalgina sequer!
A clavícula, eu e a doutora Tatiana, usando um lençol, puxando cada um de um lado e um forte tranco, colocamos no lugar. E Beto Cowboy voltou sem dores físicas para o famoso hotel.
As fraturas cicatrizaram com carinhos e afagos de uma ‘enfermeira’ pra lá de especial!
Dois dias depois conheci Mariana. No início da tarde, quando cheguei para o apoio e triagem às visitas de presos, Mariana estava lá… Era a primeira da fila! Não parecia ter mágoa do estuprador. Pelo contrário… Parecia ter saudade, muita saudade! Nas semanas seguintes Mariana foi sempre a primeira da fila para visitar o… “estuprador de estimação”!
O detalhe dessa história é que… Beto Cowboy NÃO cometeu estupro contra a filha!
Acusá-lo de ter estuprado a filha, foi a maneira que Mariana encontrou para se vingar pelo segundo abandono ou… para trazer Beto Cowboy para perto dela!