Passava da meia noite quando o hospede do quarto ‘zero’ despertou. Estava deitado de lado na cama. A primeira coisa que viu ao abrir os olhos foi Lobinha. A cadela, como todo bom cão de guarda à noite, tinha os olhos cerrados, mas não dormia. Ao perceber os movimentos do hospede, levantou a cabeça que repousava sobre as patas dianteiras cruzadas e ficou esperando os próximos movimentos. Sem a menor ideia de onde estava, o enfermo virou-se na cama. Fitou o teto à meia luz dégradé que saia de um abajur no canto do quarto… tentou sentar-se na cama e… sentiu dor! O corpo todo doía. Parecia ter sido atropelado. Algumas partes doíam mais. Um ponto na coxa direita, outro nas costelas do mesmo lado, um galo na cabeça e outro na têmpora latejavam… “Porque estava assim?”, pensou. A cabeça estava confusa, muito confusa. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo e nem de onde estava. A pouca luz que saia filtrada pelas gretas do abajur se perdiam antes de chegar ao teto do quarto… não sabia se estava num quarto, numa mata… num túmulo. Estaria vivo… estaria morto… estaria dormindo, sonhando?… Tentou olhar novamente para a silhueta do animal à sua direita – seria mesmo um animal ou uma quimera? Ao virar-se para olhar para o animal sentiu uma pontada na costela… voltou à posição anterior. A dor parou. Ficou só o latejamento. Experimentou virar-se para o lado contrário, para o canto. Sentiu alívio. Achou a posição mais confortável… Fechou os olhos. Voltou a dormir. Não viu o vulto alto saindo do banheiro…
Uma hora depois a porta do quarto Zero se abriu lentamente. Uma silhueta feminina, delicada, sem rosto, parou no vão da porta apoiando uma mão no portal. Ficou assim longos segundos… até os olhos se acostumarem com a pouca luz do abajur. Lobinha ao lado da cama novamente levantou a cabeça que continuava apoiada nas patas cruzadas, arregalou muito os olhos azuis, ficou esperando um gesto ou uma palavra… que não aconteceu. Lentamente a silhueta se afastou do portal puxando suavemente a porta atrás de si e deixou o quarto. Era Valentina. Ao ver o vulto do desconhecido deitado de lado, Valentina concluiu que ele havia se virado na cama, portanto estava vivo! Seus lábios quase esboçaram um sorriso de alívio.
Esse texto é parte integrante do livro “Uma viagem que não chegou ao fim”!