Ajudar ou não ajudar o pedinte… “This is the question”!

Ele pediu comida e bebida e mais tarde voltou para devolver e pegar o dinheiro de volta!

Alguns mendigos já estão inovando… Estão portando maquininha de cartão!

Passava pouco das três da tarde de uma quinta-feira de meados de dezembro. Como de hábito, uma vez por semana, no ‘recreio’ da aula on-line, levei o Daniel para tomar o lanche na pastelaria do Francis, no mesmo quarteirão da minha casa. Antes que eu fizesse o pedido habitual – dois pasteis de pizza e um coco in natura para o meu filho e um copo grande de garapa pra mim – ouvi uma voz ao meu lado. Virei. Era um pedinte! O sujeito, na casa dos quarenta anos, mulato, magro e mais sujo do que mal trajado, pedia dim-dim!  Na verdade ele usava um tática muito comum entre os pedintes de carteirinha em porta de padarias e supermercados… pronunciava frases e palavras pela metade, obrigando a interlocução do tipo: “Como é? O que você precisa”? Quando ganhou toda a minha atenção o moço, com cara de ‘pelamordedeus’, ainda com frases sem terminar, desfiou o rosário:

– Eu estou desempregado… eu trabalho de qualquer coisa: lavo carro, sou jardineiro, faço serviços de segurança. Meus filhos estão em casa… Eu não consegui nada hoje… na graça de Deus, o senhor pode me dar uma ajuda pra ‘mim’ comprar comida para os meus filhos… Deus abençoe…

Apesar do discurso desconexo, o local e o objetivo eram perfeitos: impossível um pai, na porta de uma pastelaria, levando um filho para comer, continuar impassível! Até porque, os pais devem ensinar, com exemplo, a caridade.

– Não carrego dinheiro, amigo… Pode ser um lanche para você levar para seus filhos? – disse eu já na porta da pastelaria.

– Pode sim senhor, Deus abençoe o senhor, senhor – agradeceu o rapaz, mais que depressa, entrando na pastelaria para fazer o pedido à esposa do Francis.

Depois de tanto “Deus abençoe o senhor, senhor”, caprichou no pedido… Pediu vários salgados – afinal era para a família toda: ele, a esposa e ao menos dois filhinhos imberbes.

– Pode ‘ser’ também um refrigerante, senhor, Deus abençoe senhor – perguntou, virando-se para mim que aguardava minha vez sentado na minúscula banqueta na porta da pastelaria. A um aceno meu a comerciante se dirigiu ao freezer e virando-se perguntou ao pedinte:

– Qual refrigerante… de latinha ou de 600ml?

– Pode ser Coca mesmo… de dois litros – respondeu ele sem medo de ser feliz!

A balconista lançou um olhar interrogativo pra mim, dei de ombros, e ela atendeu o pedido.

Já na porta da pequena pastelaria o pedinte, com uma sacola em cada mão, desejou mais uma dúzia de bênçãos pra mim, saiu rápido e rasteiro, atravessou a rua e sumiu na esquina da Av. Antonio Carlos. Da banqueta, depois de reiterar o meu pedido de sempre, fiquei olhando o pedinte se afastar, pensando com meus botões: “Que bom que eu posso ajudar um pobre carente”!

 

Uma hora e meia mais tarde um sujeito mulato, cerca de quarenta anos, mais sujo do que maltrapilho, entrou afoito e agitado na mesma pastelaria. Trazia na mão um embrulho. Colocou a sacolinha sobre o balcão, abriu, exibiu uma garrafa de dois litros de Coca-Cola e desfiou um rosário de chorumelas… e ameaças!

– Eu vim trocar a Coca-Cola que você me vendeu! Ela está vencida! Sabia que posso processar você por vender Coca-Cola vencida! Ainda bem que eu não dei a coca para os meus filhos! Já pensou se eles tivessem tomado a coca vencida? Vou chamar a vigilância sanitária!… Eu não quero outra garrafa, não… quero o valor em dinheiro!

O cidadão era o mesmo pedinte de uma hora e meia antes, cheio de “Deus abençoe, o senhor, senhor”. O que havia mudado era a sua postura, antes humilde e cabisbaixo… agora estava ereto, imponente e ameaçador.

A comerciante, conhecedora da sua clientela ali na região, naturalmente se recusou a devolver o dinheiro e entabulou acirrada discussão com o moço. Para se ver livre do pedinte trapaceiro, ela precisou ameaçar ligar para o marido que estava ali por perto. Na iminência do corretivo do comerciante que poderia chegar a qualquer momento, o pedinte trapaceiro desistiu do golpe e foi embora resmungando.

Conheci o segundo capitulo da historia do pedinte “Deus abençoe, senhor, senhor” esta semana. Não fiquei surpreso. Na verdade, naquela tarde, quando eu vi sua desenvoltura se afastando em direção à avenida Antonio Carlos, já percebi que eu havia caído em um golpe! Não foi difícil imaginar que os salgados foram consumidos por ele e seus ‘parças’ debaixo da passarela da Abraão Caram. Mas eu não esperava que ele voltasse para exigir de volta o dinheiro da Coca! Pior… que ele ainda fizesse ameaças à comerciante!

E aí fica a questão:  “ajudar ou não ajudar os pedintes”?      

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