Bora viajar…

“Ler, é viajar… pelas paginas do enlevo, do conhecimento”

Um processo para os ‘anais da história forense’!

       “Ao sair do gabinete do juiz a testemunha veio sentar-se ao meu lado no corredor. Suava frio. Seu nervosismo podia-se pegar com a mão. Ficamos ali conversando até que a testemunha, que não tirava os olhos da janelinha de vidro do gabinete, levou as duas mãos à cabeça e deixou escapar uma exclamação de alivio:

– Graças à Deus, acabou! Fizeram as pazes… Estão se abraçando!”

A euforia no gabinete do magistrado não foi menor, e durou ainda muito tempo. Enquanto se providenciava o registro do inusitado fato nos ‘anais da história forense’ – como disse o próprio -, se imprimia as peças dos autos, colhia assinaturas, o Homem da Capa Preta se pôs a contar histórias do cotidiano. Agora por puro prazer. Estava feliz. Podia arquivar um processo sem condenar ninguém! Coisa rara! Como era a última audiência da tarde, a comemoração só não se estendeu até a noite porque o chá da garrafa pessoal do magistrado acabou!

Quando as partes do extinto processo deixaram o gabinete, o corredor do Fórum se inundou de sorrisos e cumprimentos. Até o agente-requerente distribuía sorrisos. Meio amarelo, mas sorria. Não ganhara um centavo dos cem mil pedidos na inicial, mas estava feliz. Afinal, para se defender, tanto a médica quanto o policial civil, que o conhecem bem, poderiam contar muita coisa que ‘não consta nos autos’… E o feitiço poderia virar contra o feiticeiro! O único calado e desenxabido era o advogado do requerente! Fizera várias viagens à comarca por… nada! Não viu e nem veria um centavo de honorários.

Este fato verídico, com desfecho justo e mais bem-humorado do que eu consegui aqui expressar, passado numa rica cidadezinha nas cercanias de Pouso Alegre em 2012, poderia nos deixar uma valiosa lição:

Que tal parar de entulhar as prateleiras dos Fóruns com pseudo direitos, vaidades, ‘raivinhas’ e picuinhas inúteis? Que tal imolar a cega justiça por motivos que realmente valham a pena? Assim, os doutos juízes terão mais tempo mais julgar casos realmente factíveis e nobres… E não precisaremos reclamar tanto que a justiça é lenta e morosa”!

Essa viagem continua nas paginas do livro “Meninos que vi crescer”.

Quando morre um policial em serviço…

 As emoções se afloram…

O velório de um policial morto em serviço provoca um turbilhão de sentimentos… E pensamentos!

Não sei como Freud explicaria isso. Os comentários são os mais diversos. Nessa hora todo mundo conhece os sonhos e planos do morto. Seja ele quem for, ali frio, estendido silencioso no caixão, torna-se santo… herói…

Há momentos em que o policial, ali ao lado, se imagina dentro do caixão! Se deseja dentro do caixão! Imagina-se numa grande operação, morrendo baleado! as pessoas chorando à sua volta, exaltando suas qualidades!

Se o policial se aproxima do caixão do companheiro morto, todos estão olhando pra ele, falando dele, e comentando baixinho…

Nos dias seguintes todos continuam olhando para ele quando ele passa…

 

Muito cedo na carreira vi o primeiro colega tombar em serviço. Coincidentemente era meu vizinho… morava defronte minha casa. Voltávamos para casa toda tarde, a pé, falando dos nossos sonhos!

Naquela poça de lama na esquina da ruela, atrás da cerca de taquara seca, na ‘baixada do Mandu’, morreram os sonhos do jovem policial Marcos “Cabeçada”… E começaram os pesadelos de jovens policiais como eu.

À noite era difícil pegar no sono. Mas muito fácil despertar dele!

Uma lufada de vento na janela… era o assassino do companheiro que estava chegando! Os passos das pessoas na rua… acabavam sempre debaixo de minha janela!

Minutos, as vezes horas de tensão, com a respiração presa, esperando ouvir o próximo ruído; esperando ouvir o trinco da porta; esperando um vulto entrar pelo quarto… a mão suada segurando o velho revólver HO enferrujado embaixo do travesseiro!

As batidas do coração se misturavam com os ruídos dos passos do transeunte! Ele já estava, certamente, no quarteirão de cima, mas o assassino ficava na minha mente, atrás da porta, no corredor, me procurando no escuro… e nunca entrava no quarto!…

Faltava coragem para levantar e procurar o assassino!

Andar na rua, ainda que com o sol a pino, não era mais fácil. A cada esquina poderia deparar com os assassinos com um pedaço de pau ou um trabuco na mão!

Todo carro com vidro fumê – não eram muitos na época – levava os dois irmãos assassinos…

Diligências no velho Aterrado era um perigo. Só descíamos à ‘baixada’, de carro cheio… E éramos um perigo!

Olhos atentos, agitados, mãos suadas seguravam os revólveres abaixo das janelas… engatilhados! Qualquer movimento na rua, uma janela ou porta que se abrisse bruscamente, mandaríamos bala!

Quando morre um policial em serviço…

Morre-se um pouco da paz, da brandura, da sensibilidade dos policiais que ficam… Nunca mais eles serão os mesmos. Nunca mais eles verão um bandido como um ser humano normal…

Demora-se dias, semanas, meses para controlar o medo e aquietar o desejo de vingança.

Quando morre um policial em serviço… Morre-se um pouco de cada policial!

BORA VIAJAR…

VOSSA EXCELÊNCIA… O “INTRUJÃO”!

Corremos o risco de sair presos do gabinete do Homem da Capa Preta!
Depois de desbaratar a quadrilha do “Ladrão do Bagdá e seus quase quarenta ladrões” e recuperar quase um caminhão de ‘res furtiva’ com os mais variados intrujões da cidade, faltava agora apreender um cordão de ouro. Para nós, jovens detetives empolgados com a façanha, apreender a valiosa joia dourada com qualquer receptador, seria como pegar doce de criança. O problema é que o receptador não era um intrujão ‘qualquer’! Ele não era um mortal comum. O malfadado cordão, furtado em um dos inúmeros sítios da região, havia sido dado de presente pelo ladrão a um… ‘homem da capa preta’! por sinal, nosso professor na faculdade. A situação era tão delicada que o manjura não teve coragem de expedir um mandado formal de busca e apreensão. Por isso mandou que nós fôssemos falar pessoalmente com o magistrado, no seu gabinete… no Fórum Orvietto Butti!
Era final de expediente quando entramos no gabinete do homem da capa preta. Nosso professor de processo penal nos recebeu com o cordial sorriso que dispensava a todo mundo, tanto nos corredores do fórum quanto nos corredores da faculdade. Depois das amenidades fúteis e inúteis sobre o calor, a falta de chuva, excesso de trabalho, veio a clássica pergunta carregada de falsidade:
– … Mas afinal, a que devo a honra da visita dos denodados detetives? – Perguntou o magistrado.
Nos ajeitamos nas cadeiras, limpamos a garganta, fizemos cara de sérios… e de medo – o medo era de verdade! O ‘chefe’ da equipe, detetive Adair, arregalou bem os olhos – uma de suas peculiaridades quando tratava de assunto peculiarmente sério – e falou pausadamente entre a ousadia, o medo e um certo sarcasmo:
– Este colar que está no pescoço de Vossa Excelência… Faz parte do Inquérito Policial contra o Monteiro, do Bagdá. Precisamos dele na delegacia…
Ao contrário do que esperávamos, o magistrado nem se ajeitou na imponente poltrona marrom almofadada, não mudou o tom de voz, não tirou o sorriso falso do rosto e nem ficou vermelho! Como se estivesse entregando a joia para o ourives consertar, tirou o grosso cordão dourado do pescoço e o colocou balançando lentamente na mão do detetive. Por alguns instantes que pareceram uma eternidade, seguramos a respiração, tensos, sem saber o que dizer. Só relaxamos quando o magistrado, parecendo meio sem jeito, deixou escapar um breve comentário vazio, do tipo:
– Acontece cada uma, né?…

*** Essa viagem continua na página321 do livro “Meninos que vi crescer”.

Crueldade em Cambui…

Assaltante ‘noiado’ mata dois casais de idosos!
Os covardes crimes aconteceram num espaço de meia hora, no bairro Agua Comprida


A.F. de Figueiredo, 77, e o marido G. J. de Figueiredo, 83, estavam no aconchego do seu sítio, ao pé da noite, quando ouviram chutes na porta da cozinha. Ao abrir a porta Angelina recebeu um tiro à queima roupa no rosto, caindo ao chão já sem vida. Seu marido, que vinha atrás dela, reagiu e entrou em luta corporal com o assaltante, mas foi subjugado e recebeu também um tiro na cabeça, e teve morte instantânea. O brutal latrocida, sem testemunhas, revirou toda a casa dos anciãos em busca de dinheiro e dobrou rapidamente a serra do cajuru.
O segundo crime no mesmo bairro havia acontecido meia hora antes, ainda no crepúsculo da noite. Tão violento quanto.
E. G. Rodrigues, 59, e M. L. da Conceição, 57, anos, estavam cuidando dos netos, no mesmo bairro, quando ouviram batidas na porta. Ao abri-la, M.L. viu o cano frio de um trezoitão apontando pra ela. Instintivamente tentou fugir… e recebeu um tiro de raspão no pescoço. Apavorada correu para o banheiro gritando pelo marido e pelo neto JR, de 09 anos. O garoto entregou rapidamente uma espingarda cartucheira para o avô e correu também para o banheiro, levando com ele o telefone. Enquanto do interior do banheiro M. L. pedia socorro, o marido era assassinado na sala com dois tiros, um de revolver e outro da sua própria cartucheira que não chegou a disparar. O assaltante agitado e noiado, deu o primeiro tiro trespassando o tórax do aposentado e com a espingarda deu o tiro de misericórdia na cabeça.
Mesmo baleada no pescoço M. L. conseguiu chamar a polícia. Quando a campainha do telefone tocou para confirmar a ligação, foi descoberta pelo assaltante, o qual começou chutar a porta. Tentando defender o neto e a neta, que também estava nalgum lugar da casa, M. L. entreabriu a porta do banheiro para negociar com o assaltante… e recebeu um tiro letal na boca!
Preocupado com a irmãzinha de 8 anos, JR saiu do banheiro onde estava a avó sem vida e correu para o quarto, indo se esconder debaixo da cama com a irmã. Ali, abraçadinhos, viveram segundos de terror e horas de tensão e medo.
Depois de revirar os outros cômodos da casa, o assaltante foi ao quarto e passou a revirá-lo também, empurrando a cama para o canto. À medida que o bandido empurrava a cama, JR e a irmã iam se esgueirando de costas para o canto até encostar na parede. Em dado momento o bandido levantou o colchão, mas, entre o estrado e o colchão havia uma proteção de papelão e o bandido não os viu!
Desvairado, o assaltante foi embora levando a cartucheira e migalhas em dinheiro, deixando para trás um rastro de sangue e as crianças tremulas debaixo da cama. Na manhã seguinte, ao chegar para o trabalho, a empregada encontrou os irmãozinhos imberbes ainda sob a cama no canto do quarto, com as roupas de baixo marcadas pelo terror e desespero. O casal de idosos, gélidos, inertes, sem vida, estavam estendidos no chão, M.L. no banheiro e o marido na sala.

Por onde andará o assassino dos quatro velhinhos de Cambui?

 

*** Para continuar essa viagem, embarque na página 339 do livro “Meninos que vi crescer!”

JEFF… O HOMEM DO CHAPÉU FURADO

DUELO FINAL

Os raios dourados raios do sol da manhã penetravam timidamente por entre as grades da “gaiola da justiça”. Os ‘pássaros’ estavam tensos ante a iminente viagem que os levaria escoltados pelos federais para um ‘viveiro’ do Estado.

– Você vai levá-los para o forte ou vai direto para a penitenciária? – Quis saber Morrison.

– Vou levá-los até o forte. É mais e perto e, portanto, mais seguro. De lá outro pelotão os levará para a penitenciária.

– Não quer se arriscar, hein!

– Ora, você não sabe com quem está falando meu velho – interferiu Jef. Não é debaixo de uma saia que um jovem de trinta anos chega ao posto de Tenente do Exército americano.

– Não entendi.

– Se Peter é tenente é porque tem qualificações e culhões para ostentar a divisa.

– Não tenho dúvidas…

– Bem, chega de conversa. Temos muita poeira pela frente. Seu Whisky é ótimo xerife, suas cartas me divertem Jeff, mas eu nunca ganharei de você no pôquer. Adeus Morrison, adeus Jeff.

– ‘Adiós’.

Peter Lane e seus soldados partiram a trote levando onze ‘clientes’ de Morrison para um ‘hotel’ à prova de fugas. A missão de Jeff Hobson estava quase no fim.

 

Perto dali…

A fúria de Brad e George já não comportava mais palavras. Eles não conseguiram mais se expressar com um mínimo de civilidade. Apenas o ódio os movia.

– Não devíamos ter confiado nos outros – disse Brad.

– Antes trabalhávamos sozinhos e éramos invencíveis e agora com dezenas de homens veja o que nos resta…

– Este resto servirá para recomeçarmos, depois que nos livrarmos daqueles malditos!

– É melhor que nós mesmos façamos o serviço.

– Mais tarde iremos pra cidade para o acerto final. Hoje será o último dia que Morrison e Jeff verão o pôr do sol. – Vaticinou George sombrio.

O sol dolente se deitando suavemente naquela tarde deu uma cor vermelha ao horizonte. Parecia sangue. A leve brisa que soprava sobre Carson City parecia trazer um cheiro de morte.  Apesar de estar lotado, o burburinho no saloon era ameno. Os frequentadores, embora tivessem motivos para comemorar o fim da quadrilha que durante anos espalhou o terror no lugar, estavam comedidos. Muitos ainda estavam intrigados com o surgimento repentino da Cavalaria na noite anterior. Mas sabiam que a guerra contra o mal ainda não havia acabado. Sabiam que a última batalha, o duelo final, seria inevitável. As ruas estavam desertas.

– Vou ao saloon tomar um trago – falou o xerife saindo da delegacia.

– Logo que acabar de limpar meus colts eu lhe farei companhia – respondeu Jeff.

Minutos depois, a caminho do saloon, o delegado ouviu o som de disparos. Em seguida ouviu uma voz de chorosa de mulher.

– Socorro! Eles querem me matar! Mataram meu pai. Socorro!…

Jeff voltou-se repentinamente a tempo de ver Doris com os braços abertos correndo em sua direção, gritando desesperadamente enquanto uma chuva de balas fazia levantar poeira a seus pés.

– Doris!

Um projétil ricocheteado no pedregulho atingiu-lhe as costas, tirando instantaneamente suas forças. A jovem deixou-se cair no meio da rua empoeirada ante o olhar incrédulo das pessoas que haviam saído às varandas e janelas para ver o que se passava. Jeff correu em direção ao corpo agonizante tomando-o nos braços. A jovem soltou um gemido e acenou para que a deixasse no chão.

– Jeff… meu irmão… eu… – Não conseguiu terminar a frase. Suas últimas forças se esvaíram.

Ajoelhado na poeira, Jef contemplou aquele rosto, que mesmo sem vida era lindo. Seus traços lhe eram familiares. Lembrou do pai. Doris acabara de morrer com um tiro nas costas, como ele. Seria o destino? Será que ele também iria morrer com um tiro nas costas? Duas lágrimas rolaram pela face crispada do jovem delegado! Calejado capitão dos Guardas Rurais do Colorado, ajudante de xerife de Carson City… Aquele homem rude e de poucas palavras, que em segundos sacava seu colt e matava três ou quatro homens com a mesma facilidade que mataria pernilongos que o picassem, tinha seus momentos de emoção. E sabia até chorar! Ainda contemplando aquele corpo que muito tarde ele descobriu ser parte dele, Jef notou o sangue coalhado que segundos antes havia jorrado das costas de sua irmã. A lembrança do pai lhe povoou a mente. Provocou uma visão semelhante. Viu o velho xerife Rock Hobson sendo baleado covardemente pelas costas.

Uma risada zombeteira interrompeu suas divagações.

– Olá ‘forasteiro’ – disse sarcasticamente o mexicano Sancho Perez. Então andava de amores secretos com a filha do banqueiro, hein!

Jeff lentamente se pôs de pé, mudo, com o olhar mais frio que o de uma cascavel. Cinquenta passos a sua frente estavam George Sanders, Brad MacGree e o filho Richard, Sancho Perez, Ted Slim e mais um capanga que ele não sabia o nome. Os seis pistoleiros à sua frente não diminuíram nem pouco sua coragem. Ele falou pausadamente.

– Doris era minha irmã… filha do falecido xerife Rock Hobson… Que vocês mataram covardemente pelas costas. Eu vim a Carson City fazer justiça a meu pai. Qual de vocês atirou nele?

Essa revelação causou surpresa e impacto às pessoas ali presentes. E teria abalado muito mais os seis criminosos, se eles não estivessem agrupados, armados até os dentes.

– Então você é filho daquele bastardo hein! – Falou Brad, procurando se recompor da surpresa. É bom saber disso. Pelo que ele fez a meus homens, ele merecia morrer várias vezes… como você vai morrer. É bom fazer seu último pedido Jeff… Hobson.

– Quem atirou em meu pai? – Insistiu calmamente o delegado.

A resposta foi um misto de cinismo, sarcasmo e deboche.

– Bem… – falou Richard saboreando cada palavra. Papai e George arquitetaram o plano; Sancho e Ted comandaram a arruaça no saloon… eu fiz o mais importante!

– Canalhas! Nem satanás os receberá no inferno! – Disse Morrison ao ouvir a revelação, pondo-se ao lado de Jeff.

– Não, xerife… Esse é um assunto de família. Eu devo isso a meu pai e minha irmã. – falou Jeff, sem desviar os olhos dos facínoras.

O velho xerife, até porque confiava em seu assistente, afastou lenta e atentamente deixando-o frente a frente com seis colts marcados com sangue. A própria natureza não compactuava com o que estava para acontecer. Talvez por isso, o sol se escondeu no final da planície para não assistir a cena. O ar pesado começou a se movimentar formando uma brisa tímida, leve e fria, como se estivesse com medo da morte, fazendo levantar a poeira amarela da rua. Os sete homens estavam tensos, revolveres livres nos coldres, dedos suados, cada um tentando penetrar na mente do outro. O tempo acusou que o instante fatídico chegara. Sete culatras de colts entraram em contacto com mãos quentes de seus donos. De repente choveram projéteis por todos os lados. Tudo não durou mais do que alguns segundos. Por entre a leve cortina de fumaça que saia do seu colt, Jeff viu um dos pistoleiros estendido de costas na rua. Outros quatro ainda estavam de joelhos, como se estivessem fazendo uma última oração, e logo em seguida caíram de boca na poeira. Cada um deles tinha uma bala no lado esquerdo do peito. Richard MacGree ainda se mantinha de pé, apesar do projétil cravado em suas costelas. Com o olhar desfigurado pela dor ele tentou focalizar o jovem Hobson através da mira da sua arma. Jeff, percebendo que o revolver do moribundo seria acionado, com ódio e frieza, tão rápido quanto sacara o primeiro colt, sacou o segundo e roçou o cão seis vezes seguidas endereçando a rajada num só alvo. Com um gemido rouco e seis orifícios exalando sangue do peito, e o impacto dos projetis, o assassino de seu pai e de sua irmã, tombou de costas no meio da rua, como se tomba uma arvore ante a machadada final. Quando tocou o chão poeirento, sua alma já estava no inferno!

– Seis tiros, seis cadáveres! – Observou Morrison, se aproximando. Ele já estava morto quando recebeu a segunda descarga – concluiu.

Jeff, mudo, recuou alguns passos e apanhou o chapéu no chão… ou o que restava dele, e passou a contar lentamente:

– Um, dois, três, cinco, seis, oito… – disse ele, com o dedo em mais um furo no chapéu de couro.

                                                                    Epilogo

 

O sol claro e morno parecia sorrir sobre Carson City. As pessoas também sorridentes caminhavam como formigas pelas ruas naquela manhã. A paz e a calmaria pairavam sobre a cidade como nos tempos de Rock Hobson. Jeff Hobson, de chapéu novo, dado de presente pelo doutor Stam, conferia o arreamento do seu corcel antes de montar.

– Daqui a alguns anos, quando esta cidade tiver um museu, garanto que a peça principal será seu chapéu, rapaz. – Falou Morrison segurando o chapéu furado.

– Hum, pode ser… Bem, minhas férias acabaram. Depois de amanhã tenho que estar no quartel dos guardas rurais no Colorado. Adeus Morrison. Você também merece destaque num museu. Foi bom trabalhar com você – falou por fim o capitão Hobson.

– Adeus Capitão……

Jef Hobson passou levemente a roseta da espora na virilha do seu cavalo e saiu a trote lento de Carson City. Morrison e algumas pessoas o seguiram com o olhar até que ele ficou pequenino e desapareceu no final da planície.

 

FIM

 

      Essa história foi escrita nas três primeiras semanas de junho de 1977, durante meus turnos de guarda nas guaritas do 14º GAC. Esse livro foi meu primeiro trabalho literário… aos 18 anos.

Ainda sobre pais…

Ao pousar os olhos em Peregrino, Lucas parou boquiaberto… Seu corpo estremeceu!

O coração disparou! Sentiu uma ligeira vertigem! Pensou que ia desmaiar …

Firmou bem os olhos buscando ter certeza do que via.

Não seria mais um daqueles sonhos nos quais o pai surgia do nada e depois lentamente desaparecia na bruma?

Continuou estático olhando fixamente para a figura a poucos metros dele…

O sol de outono brilhava morno no final da manhã…

Soltou um grito que pareceu ecoar por toda a serra…

– “Paaaaaiiiii”!!!

Peregrino continuava parado a poucos metros dele… confuso! Deduziu que o rapaz era o tal romeiro do tornozelo torcido do qual a esposa e a sogra haviam falado, até que ouviu o grito: “Pai”!…

Quando ouviu o emocionado ‘pai’ Peregrino sentiu um choque! entrou em transe!

A palavra ‘pai’ não parecia ter saído da boca do rapaz, mas das suas próprias entranhas… E ficou ecoando no seu cérebro… sentiu uma ligeira zonzeira… sua cabeça girou, os olhos se fecharam sem que ele desse o comando…

Outras figuras apareceram ao lado de Lucas. Pessoas conhecidas, mas ainda sem nome…

Firmou a vista no rapaz à sua frente no exato momento em que ele soltava novo grito e caminhava de braços abertos em sua direção.

O segundo grito de ‘pai’ saiu desafinado pelas lágrimas que brotava na garganta de Lucas…

Peregrino ainda confuso, afogado em um turbilhão de emoções, também abriu os braços e estreitou o jovem peregrino.

Lucas não conseguia pronunciar uma frase inteira, apenas repetia…

– “Pai’, pai, pai…” – e agarrava o peito, a cintura os braços de Peregrino. Apalpava, segurava para ter certeza de que o vulto não sumiria no meio da bruma…

      Ao sentir aquele abraço Peregrino estremeceu, viajou centenas de quilômetros em segundos… afastou Lucas do seu peito, segurou-o pelos ombros, olhou no seu rosto, nos seus olhos afogados em lágrimas, e balbuciou:

     – Meu filho!…

E tornou a puxá-lo forte para o peito… As lágrimas caiam sobre os cabelos castanhos de Lucas.

     Ficaram assim uma eternidade, abraçados solitários na beira da cachoeira. Até que Lucas enxugando o rosto na camiseta começou a falar:

     – Eu sempre acreditei que você estava vivo… que eu ia encontrá-lo… Onde você estava pai?

 

*** Para saber a resposta, embarque nas emoções de “Uma Viagem que não chegou ao fim”!

BORA VIAJAR…

Imagem ilustrativa

Lobo

Parei o Escort prata sobre a ponte do Rio Cervo, abri o porta-malas, desatei lentamente a cordinha que amarrava o saco de estopa e olhei em seus olhos! Lobo havia se ajeitado na traseira do carro. Estava sentado dentro do saco. Apesar da língua de fora, não disse uma palavra, não fez um movimento. Apenas fitou-me com seus olhos pidões! Afastei-me um metro da traseira do carro, apoiei as mãos no parapeito da ponte da estrada deserta e olhei para baixo. As águas sujas do pequenino Rio Cervo desciam rápidas lá embaixo, se desviando de pedras e de galhos podres, seguindo seu inexorável destino em direção ao Rio Sapucaí, ao mar… Ninguém sobreviveria àquelas pedras fincadas em pouco mais do que uma lamina de água suja. Esperei um minuto, que pareceu uma eternidade, ali encostado na ponte, torcendo para meu amigo Lobo pular do porta-malas, sair correndo até se enfurnar numa chácara qualquer da beira da estrada… Mas ele permaneceu imóvel dentro do saco. Seus olhos tristes pareciam querer dizer;

– Estou em suas mãos… Faça o que mandar seu coração!

Não esperei que ele repetisse… Mudo como ele, fechei a tampa do carro, entrei, dei partida e fui embora.

Quando o cabo Pinheiro passou ao longo do corredor da cadeia de Silvianópolis no inicio da tarde daquela terça feira, notou que as três celas, sempre vazias, desta vez tinha um preso e perguntou;

– Qual o B.O. deste pobre diabo?

– Trafico ilícito de carrapatos! – Respondi

– Quanto tempo ele vai ficar aí?

– Até que alguém pague sua fiança e o leve para uma casa de tratamento e recuperação! Quer tentar?

Na quinta feira quando cheguei para trabalhar na Delegacia de Silvianópolis o baixinho cabo Pinheiro, de arrastado sotaque carioca, já estava no Destacamento contíguo a delegacia e cadeia. Ao seu lado havia um cachorro cochilando. Era baixote, marrudo, imensos pelos lisos cor de mel escovados e tosados. Quando ele abriu os olhos preguiçosos para olhar-me de esguelha e mexeu levemente a ponta do longo rabo, lembrei-me do Lobo. Parecia o Lobo. Nossa! como era parecido com o Lobo!

Antes que a pergunta chegasse à boca e ganhasse som, a conclusão chegou ao meu cérebro! Vendo minha mudez, sem olhar para mim, o cabo ‘carioca’ emendou com ironia e sarcasmo:

– Ele só precisava de banho, tosa e escova… Eu mesmo fiz!

A viagem de volta do Lobo foi bem mais confortável. Ele veio cochilando de rosquinha no tapete, na frente do banco do passageiro. Quando passamos sobre a ponte do Rio Cervo dei uma olhada discreta pela janela e outra para ele. Seus olhos se abriram e fecharam lentamente! Acho que ele quis dizer:

– Viu o que você ‘quase’ fez?

Ou se:

– E aí, valeu a pena?

Ou quem sabe…

– Obrigado por ter me dado uma segunda chance…

Difícil foi aguentar a boca aberta do carneiro nos dias seguintes. Ele, que já era risonho, não parava de sorrir! Embasbacou-se no momento em que viu Lobo, lindo, louro belo e faceiro cor de mel – e sem carrapatos – entrando na varanda da LEPA.

 

****** Se você quer continuar essa viagem pelas paginas cheias de vida dos livros, embarque no livro “MENINOS QUE VI CRESCER”!

Jeff… O Homem do Chapéu Furado

PENÚLTIMO CAPITULO

      Havia meia hora que o sol deixara de pratear as planícies que circundavam Carson City. A noite baixara lentamente seu véu negro turvando a pradaria. A cidade estava silenciosa. Uma ou outra pessoa atravessava a rua de vez em quando, pensativa, como se estivesse pressentindo algo de ruim. Poucos sabiam que aquela rua larga e poeirenta estava para ser palco de cenas brutais, nauseantes. Ou talvez gloriosas, caso os homens da lei conseguissem derrotar os criminosos. Na delegacia Jeff, com o pés sobre a mesa, abastecia seus colts e um rifle.

– Você acha que eles virão rapaz? – Indagou Morrison preocupado.

– Certamente. Com seu nome de Guarda Rural texano e o sobrenome que eu coloquei no bilhete, o coronel dará atenção. Eles devem estar a poucos milhas daqui. Antes que eu me esqueça, quando mesmo será o dia ‘12’?

– Daqui a cinco dias. Por quê?

– Nesse dia eu tenho um compromisso…

– Pode-se saber que tipo de compromisso?

– Coisa sem importância, a não ser pra mim. Coisa pessoal…

– Você me parece tão próximo e as vezes me parece tão distante, tão enigmático. Eu me pergunto se você é um anjo enviado de Deus para acabar com o mal em Carson City, ou um diabo que veio mostrar que é o maior.

– Quanta asneira Morrison. Sou apenas um homem como tantos outros, que não concordam com certas coisas e tentam mudá-las. Vamos ao saloon tomar um trago para limpar a garganta e relaxar.

Jeff mal acabou de virar o copo na boca, Morrison, que havia sido detido na esquina e ainda estava na varanda do saloon, alertou:

– Estão chegando!

– Os ‘nossos’ ou ‘eles’?

– ‘Eles’…

Jeff chegou até a porta e os viu na entrada norte da cidade. Eram dezenas. Todos montados avançavam passo a passo pela rua principal.

– Quem for pela lei e ordem e desejar defender suas famílias, pegue suas armas e lutem – disse o xerife às pessoas que estavam no saloon.

Jeff sorrateiramente procurou um lugar estratégico que lhe servisse de abrigo e favorecesse a visão para a artilharia. Rapidamente se alojou no terraço do prédio que ficava quase em frente a Delegacia. Os Bandidos chefiados por Richard pararam em frente a Delegacia. Um deles gritou:

– Xerife… Temos um acerto de contas… Carson City está muito pequena pra nós!

Não obtendo resposta, Richard fez um aceno e no mesmo instante mais de vinte rifles cuspiram fogo na direção do escritório da justiça, estraçalhando a vidraça, arrancando lascas e abrindo buracos na parede de madeira. Nesse instante Jeff e Morrison, em posições diferentes, entraram em ação. Os primeiros tiros de Jeff fizeram três cadáveres.

– Cuidado! Eles estavam nos esperando! Espalhem-se… – gritou um dos líderes do bando.

Imediatamente os bandoleiros deixaram suas montarias para se abrigarem da chuva de balas despejadas pelos dois policiais e mais alguns cidadãos que atenderam ao apelo de Morrison. Jeff mandou mais alguns para o inferno e mudou de posto. Morrison já havia derrubado três. Dois capangas de Richard esgueiraram silenciosamente, um de cada lado do saloon, surgiram repentinamente na frente e pegaram dois dos defensores da lei desprevenidos. Alvejaram e foram imediatamente alvejados por Morrison. Em seguida um dos recrutados tentou atravessar a rua na direção da barbearia e foi atingido por Richard. Morrison e Jeff se juntaram.

– A coisa está preta rapaz. Acho que somos menos de meia dúzia contra mais de trinta…

– Um a menos – emendou o delegado vendo mais um recruta exalar um gemido após receber uma descarga mortífera de um dos bandidos.

– Pior do que eu pensava.

– Não desanime meu velho. Ele eles devem estar chegando… E eu tenho mais de trinta balas no cinturão. Dá para acertar uns quinze deles. Vamos nos separar novamente.

As munições dos dois logo se esvaíram. Eles voltaram a se juntar.

– Só tenho duas balas no colt rapaz.

– Eu só tenho uma. Quantos mandou para o inferno nos últimos dez minutos

– Três… E você?

– Acho que derrubei seis. Eles estão bem entrincheirados. Vamos recuar cautelosamente parra o sul para que não percebam que estamos sem munição.

Os bandidos também eram astuciosos, e logo petrceberam a manobra do inimigo para ganhar tempo.

– Eles não atiram mais. Certamente devem estar sem munição. Vamos encurralá-los na entrada da cidade. Vamos sair todos de uma vez na rua para amedrontá-los – orientou Sancho.

Logo, mais de vinte bandidos caminhavam pelo meio da rua principal, de armas em punho, a fim de massacrar os homens da lei.

– Sancho, tome a direção do pessoal e siga devagar enquanto vou molhar a garganta no saloon. Mas não os mate… Quero Jeff vivo! – falou Richard.

– Apareçam xerifes – gritou Sancho Perez à frente da turba assassina – a festa acabou. Sei que estão sem munição… Deem as caras para conversarmos.

– Por que não vai ver se estou tomando um trago no saloon – respondeu Jeff de longe, tentando ganhar tempo.

– É um homem de coragem rapaz. Não é qualquer um que consegue fazer piada numa hora como essa. Estão prestes a virar pasto de abutre. É mesmo uma pena que você não viva para contar essa façanha a ninguém.

Jeff deu uma olhada em volta de si no beco onde estava, refletiu por um instante e se encaminhou para o centro da rua com o revolver no coldre.

– Hei….você quer se suicidar? – interpelou Morrison, sem entender a atitude de seu auxiliar.

– Hei muchachos, o gringo é mesmo valente. Vejamos como ele dança.

No instante seguinte uma saraivada de balas rodeou as botas do jovem delegado. O luar turvou-se repentinamente e a temperatura elevou-se na mesma proporção. Um projétil arremessou longe o chapéu preto de Jeff.

– Que tal a pontaria de Sancho, gringo? – gritou sarcástico como sempre o mexicano dando uma gargalhada!

Nesse instante.

– Atacaaaaarrr…

Aturdido com o grito, Morrison virou-se e viu surgir na curva e entrar na cidade um pelotão da Cavalaria Americana com mais de quarenta soldados empunhando seus fuzis. Jeff, tal qual um tatu-bola, rolou para um beco procurando abrigo, enquanto os bandidos de Sancho Perez eram alvejados. Surpreendidos com o ataque fulminante dos soldados, sem saber de onde vinham, a maioria tombou no meio da rua. Richard acabara de sair do saloon quando o tiroteio teve início. Sem entender o que estava acontecendo, agiu por instinto e misturou-se às sombras. Aproveitando a confusão que reinou por alguns minutos, Sancho Perez infiltrou-se pelos becos sombrios da cidade e desapareceu. Seus subordinados, sem tempo para se abrigarem, tentaram rechaçar os tiros de fuzis do defensores da pátria, mas sucumbiram um a um antes de chegarem a um esconderijo. Em poucos minutos mais de vinte corpos sem vida estavam estendidos no meio da rua poeirenta de Carson City. Cessado o tiroteio, Morrison foi o primeiro a aparecer.

– Obrigado Tenente. Vocês chegaram na hora exata. Se demorassem mais alguns segundos esta cidade perderia um velho xerife e o melhor delegado do oeste.

Antes que o casaco azul pudesse exclamar algo, uma cena chamou sua atenção. Jeff saiu do beco tranquilamente carregando um pequeno pistoleiro pelas calças, o qual esperneava e praguejava sem parar. O delegado atirou o homenzinho aos outros bandidos desarmados, apanhou seu chapéu a alguns passos, olhou para mais um orifício na copa e exclamou:

– Realmente, o homem que inventou o … hei Peter Lane?! – falou reconhecendo o comandante do pelotão.

– Jeff Hobson?! … – exclamou o tenente.

– Como estão os ossos meu amigo? Há quanto tempo não o vejo.

– Vai indo, vai indo… Seria você o ‘melhor ajudante de xerife do oeste’?

– Há quem o diga … – desdenhou de si próprio o delegado, sacudindo a poeira da roupa.

– E o que foi feito do posto de Capitão dos Guardas Rurais do colorado? – indagou.

– Ora, vamos conversar no saloon.

O velho xerife Morrison que já estava atônito com os acontecimentos ficou ainda mais abobalhado com o rápido diálogo dos dois rapazes.

Foram os três para o saloon enquanto o sargento reorganizava o pelotão e tomava as medidas de praxe quanto aos poucos bandidos que sobreviveram.

– Sr. Lane, faça este bastardo me dizer quem é ele, antes que eu lhe entorte o nariz – disse Morrison, sentindo-se enganado pelo seu ajudante.

– Como… você não o conhece? – Estranhou o Tenente.

– Calma senhores … Eu explico:

Entre um gole e outro de cerveja, Jeff contou quem era e o que viera fazer em Carson City. Só não disse que era irmão de Doris.

– Bolas – disse o xerife. Acho que estou ficando velho. Jamais imaginaria tal coisa, apesar de que você as vezes me parecia meio estranho.

– Você não tem culpa meu velho… Ninguém aqui sabe que sou filho de Rock Hobson.

– O Stam sempre disse que vocês se assemelham nas atitudes…

– Mera coincidência. Nem ele conhece esse segredo.

– E agora, que pretende fazer? – Interrompeu o Tenente Lane. Os bandidos que assolavam a região partirão amanhã para o forte e de lá para a Penitenciaria. Você vai voltar para o Colorado?

– Não… Não por enquanto. Os assassinos de meu pai ainda estão vivos.

– Vingança não é digna de uma pessoa como você.

– Eu não vou caçar vingança. Os assassinos virão a mim.

– Como sabe?

– Já ouviu falar de Brad Macgree e George Sanders?

– “Os Bodes”? Os dois maiores caloteiros do Kansas?

– Eles mesmo. São os dois que comandam tudo que não presta aqui na região. Os mais traiçoeiros coiotes trabalham para eles. Se você os conhece bem, deve saber que eles nunca foram vencidos em nada. Daí o apelido de “Bodes”, cabeças duras e persistentes. Eles não conhecem a derrota. Portanto virão atrás de mim para me liquidar assim que você for embora com seus homens.

– Quer que eu fique para ajudá-lo?

– Não… agora são poucos. E isso é um caso pessoal. Eles liquidaram meu pai… e virão me matar. É justo que eu me defenda… sozinho!

 

*** A aventura de “Jeff, o homem do chapéu furado”, em Carson City, termina na segunda-feira, 14.

O Engraxate Cantor não morreu

Com debilidade permanente dos membros inferiores, ele pouco sai de casa…

Depois de contar uma página da história do Engraxate Cantor, perguntando sobre seu atual paradeiro, pipocaram comentários nas redes sociais. Alguns queriam informação… outros ‘tinham informação’! Algumas desencontradas. Teve internauta que chegou a ‘matar’ o menino que vi crescer, há mais de dois anos!

Como dizia meu pai, “se você levanta uma lebre, vá atrás, até saber onde ela foi parar”. Seguindo essa sábia orientação, fui investigar. E constatei: Claudinei, o engraxate cantor, está vivinho Ferreira da Silva. Ligeiramente capenga, mas está vivo… e bem-humorado.

No final da tarde desta quarta-feira Claudinei recebeu a visita de um velho conhecido. Desta vez o policial não foi levar-lhe um par de pulseiras de prata… Foi investigar seu ‘status’ e ‘modus vivendi’, e levar-lhe um presente… um presente que Claudinei está precisando muito, desde que quase perdeu a vida e perdeu parte da mobilidade.

É verdade que o engraxate cantor se envolveu numa treta com um andarilho nas proximidades do ‘Alvoradinha’, há cerca de dois anos, e acabou muito ferido. Chegou a passar horas na recepção de São Pedro, mas o santo que detêm as chaves da porta do céu disse que ainda era sua hora. Claudinei voltou pra terra, para sua casa na Baixada do Mandu e hoje, órfão de pai e mãe, vive com familiares.

A briga com o andarilho não encerrou seu ciclo na terra, mas deixou sequelas. Claudinei sofreu avarias em membros importantes do corpo e perdeu parcialmente os movimentos dos membros inferiores e sofre frequentes convulsões. Agora precisa da ajuda de um ‘andador’ para se locomover… e da ajuda da família, tão humilde quanto ele, para viver. Hoje ele não consegue fazer feiúra nem com ele mesmo.

O engraxate de sapatos e depois de portas de aço, continua dependente de drogas! Mas agora de drogas lícitas, que até você, que está lendo essa matéria, pode levar pra ele. Drogas como essas que aparecem na foto ao lado dele.

Claudinei agora faz uso continuo dessas drogas, LICITAS, para controlar as convulsões.

Apesar dos percalços da vida, o engraxate cantor continua sua missão terrena, resignado, resgatando erros do passado e do presente. E o mais importante: não reclama do fardo que carrega. Aos poucos, vai lavando a alma.

 

*** Você que acabou de ler esse texto, se quiser, pode, com orações e medicamentos, ajudar a tornar mais leve o fardo do Engraxate Cantor.

“Vai graxa aí, ‘dotor'”?

     Depois de conquistar a clientela… ele deu o ‘tomé’ na delegada!

Ele passava em frente a delegacia sempre no final da tarde, com sua caixinha de engraxate nas costas. As vezes assoviando… outras vezes cantarolando trechos de um dos sucessos de Leandro & Leonardo. “Liga pra mim” era sua favorita. Passava sempre do outro lado da rua, entrava nos escritórios de despachante, mas nunca entrava na delegacia. Parecia ter medo de policia. Até que um dia vendo-me na porta, atravessou a rua e disparou:

– “Vai graxa aí, ‘dotor’? Dois ‘real’. Pro senhor que é ‘dotor’ tem desconto… Um real, no capricho”!

Meus sapatos viviam brilhando. Eu não precisava de engraxate. Mas já que eu não podia me afastar da recepção, pois estava segurando plantão, concordei. Sentei-me no banco liso e lustroso de madeira diante do balcão, puxei a barra da calça até a canela e liberei meus pisantes. Alegre e bem disposto o engraxate sentou-se na ponta da caixa de madeira, triangular, e começou seu mister. Trabalhou o tempo todo cantarolando baixinho as músicas dos seus ídolos. Terminou seu trabalho, jogou mais um centavo de conversa fora e foi embora. Na semana seguinte voltou. Chegou cantando e, não me vendo na recepção, foi parar na porta do CPD onde eu trabalhava, no final do corredor.

– Não engraxei ninguém até agora ‘dotor’ Chips! Vai graxa aí? Um real pro senhor!

Passava de cinco e meia da tarde. Quem trabalhou até aquela hora trabalhou… Quem não trabalhou não trabalharia mais! Abri a portinhola, sentei-me no comprido banco de madeira defronte a sala e o engraxate novamente lustrou meus sapatos… Cantando!

A voz aguda – e até afinada – do garoto, encheu o corredor. Como engraxate era um ótimo cantor!

Sua performance musical agradou. E assim ele foi conquistando a clientela delegacia adentro! Alguns detetives mais carrancudos e até delegados sisudos se tornaram seus clientes. O Inspetor Angelo era assíduo. Sentava no comprido banco de madeira na recepção, estendia a perna, acendia seu cigarro Hollywood e jogava conversa fora enquanto o garoto encardido, porém alegre, lustrava seus pisantes.

À medida que ia conquistando a clientela, o engraxate foi perdendo o medo de polícia e desbravando o espaço no velho prédio da DP. Agora, se encontrava a porta do gabinete aberta, entrava e oferecia seu serviço.

– “Vai graxa hoje, ‘dotor’”?

Certa tarde de 1998 entrou no gabinete da Delegada Inês. Com dois centavos de prosa estava lustrando as botas da Delegada de Menores. Sempre cantarolando ou assoviando baixinho um verso qualquer das suas músicas preferidas. Ao cabo de alguns minutos de cantoria e algumas perguntas aleatórias sobre assuntos policiais, o engraxate batucou a escova na lateral da caixa sinalizando que havia terminado de prestar seu serviço. A delegada então abriu uma gaveta da sua mesa, sacou sua carteira e … Decepção! Não havia uma miséria moeda na carteira. Mas havia cédulas de 50, de 20, de dez…

– Toma Claudinei… você tem troco pra dez reais?

Não. Não tinha. Mas pegou a cédula assim mesmo. Pegou a nota nas duas extremidades, esticou, olhou na frente, olhou no verso como se estivesse verificando a autenticidade e falou:

– Vou trocar na padaria e já volto.

Sem esperar anuência dobrou a ararinha vermelha, colocou na algibeira da bermuda encardida, e saiu cantarolando como sempre com a caixinha de apetrechos nas costas. Nem eu e nem a delegada, em nenhum momento, duvidamos que ele voltaria com o troco.

E Voltou. Demorou um pouco mas voltou. Voltou dois meses depois. E voltou de táxi… no táxi do contribuinte. Mas não por causa do troco de nove reais. Voltou por causa da pedra… da pedra bege fedorenta! Voltou sujo, maltrapilho, encardido, acabrunhando, tentando esconder o rosto… fedendo a sabão e amoníaco…

Voltaria muitas outras vezes nos próximos anos… no táxi do contribuinte, portando pulseiras de prata…

 

*** Claudinei, o engraxate-cantor, é um dos cinquenta personagens do livro “Meninos que vi crescer”! Essa foto é de 2015, num dos raros momentos de remissão do crack. Nesse dia ele jurou de pés juntos que havia parado com a droga. Havia encontrado Jesus e estava procurando emprego.

Por onde andará o engraxate-cantor?