Ele e um comparsa roubaram R$8,8 mil do empreiteiro de uma obra. O dinheiro se destinava ao pagamento dos funcionários!
Santa Doroteia foi o primeiro bairro a ter suas casas construídas em serie em Pouso Alegre. Foi rápido, entre 1969 e 1970. Dezenas de serventes e pedreiros trabalharam nas obras do bairro que começa na rua Pedro Caldas Rebelo.
O êxodo rural estava em franca ascensão. A construção das casas do bairro Santa Doroteia pôs comida na mesa de muitas famílias cujos varões haviam acabado de chegar da roça. E não foram somente os varões que ganharam dinheiro, no muque, trabalhando na obra. Muitos garotos no final da infância, numa época em que garotos podiam trabalhar, ganharam dinheiro vendendo doces, salgados e sorvetes para os peões da construtora. Na hora do almoço os peões se concentravam perto do portão de entrada do bairro, na Rua Pedro Caldas Rebelo. Os que moravam no Fátima velho ou outro local mais próximo dali, recebiam dos familiares suas marmitas de alumínio enroladas em pano de prato, ainda quentinhas! Os que moravam mais distante levavam as mesmas marmitas de alumínio enroladas em panos de pratos dentro do ‘bornal’ de lona. Na hora do almoço cada um esquentava sua marmita. O fogareiro era, apesar de rústico, pratico e barato. Bastava uma latinha de massa de tomate com três furos laterais – para entrar oxigênio -, e algumas gotas de álcool no fundo!
Era nesse intervalo de almoço, entre onze horas e meio dia, que os garotos, alguns deles filhos dos peões, ganhavam seu rico dinheirinho vendendo a sobremesa. Entre eles havia um branquelinho franzino, alegrinho, que vendia picolés da sorveteria do Ferreira, que ficava ali nas Taipas, no final da Comendador Jose Garcia. O ‘picolezeiro’ franzino vivia dando risadas. Ria de tudo que via ou ouvia. Os peões, sabendo que ele ria a toa, viviam provocando seu riso. Uns o chamavam de “Risadinha”! Outros o chamavam “Sorriso”! – Na rua Cel. Brito Filho, tem um senhor, hoje octogenário, que ainda chama o picolezeiro de “Sorriso”!- Talvez por essa empatia, Sorriso era o que mais vendia picolés no canteiro de obras do bairro Santa Doroteia. O melhor dia para se vender picolés ali era no final de manhã de sábado, quando a peonada recebia o vale semanal. Amilar, um sujeito moreno, alto, magro, ligeiro, cara fechada, – salvo engano mora na Rua Mons. Jose Paulino – era quem entregava o envelope com o ‘vale’. No final da manhã de todo sábado, dezenas de peões desciam a Com. Jose Garcia a caminho de casa – ou do mercado dos Irmãos Fonseca onde gastavam quase tudo com comida – contando a bufunfa.
À oeste do Santa Doroteia já existia o velho Cascalho. Dos outros três lados só existia pastos e fazenda. Na porta do bairro passava uma estradinha de terra vermelha – hoje Rua Pedro Caldas Rebello – que seguia para a sede da fazenda do Policarpo Campos. Pouso Alegre contava magros 40 mil habitantes. Traficantes só chegariam alguns anos depois. Maconheiros já havia uns oito ou dez. Só maconheiros. Cocaína era coisa de artista, ou de ‘filhinho de papai’ desajustado. Crack já existia… Mas só no Estádio da Lema, que em 1969 havia chegado à primeira divisão do futebol mineiro, e caído no ‘tapetão’! Assaltantes? Não! Isso era coisa de capital! Pouso Alegre era pura pureza… Naquele tempo, sim, ‘dava gosto viver’! Quem dava trabalho para a polícia eram os ladrões de jabuticaba, ou ladrões de galinhas! Em cada quarteirão do centro da cidade existia um frondoso pomar ou um galinheiro!
Bons tempos aqueles em que se podia andar na rua contando dinheiro! Jamais um peão foi assaltado! Jamais houve sequer um roubo no escritório da construtora Urano!
Quanta mudança!
As fazendas viraram bairros, as trilhas viraram ruas, a população quadruplicou, os assaltantes se ‘miltiplicaram’, e o sorveteiro ‘Sorriso’ cresceu, estudou um pouco, trabalhou o suficiente, aposentou e virou jornalista! Hoje vive contando histórias de assaltantes pés de chinelos… E de outros nem tanto!
Um dos assaltos que poderiam ter acontecido no canteiro de obras do Santa Doroteia, no dia de pagamento dos peões da obra, aconteceu no meio da tarde desta sexta-feira,23 de junho de 2017, com quase meio século de atraso! E foi bem rendoso: R$ 8,8 mil e dois celulares.
Como de habito às sextas-feiras, o empreiteiro da obra ali no bairro foi ao banco, sacou oito mil e quatrocentos reais e voltou para o prédio a fim de fazer o pagamento dos funcionários. No momento em conversava com o engenheiro, já no interior do prédio em construção, entrou um guampudo usando calça jeans dobrada até os joelhos, camiseta vermelha, pés de chinelo e touca ninja portando um trabuco prateado na mão. O lombrosiano não trabalha na obra, mas queria receber seu ‘pagamento’! E era guloso… queria tudo! Após obrigar as vítimas a deitarem no chão e dar uns chutes no empreiteiro, o assaltante enfiou a mão pesada na sua algibeira e pegou a bufunfa. Para aproveitar a empreitada o assaltante enfiou a mão no bolso do engenheiro e pegou também mais quatrocentos reais e seu celular.
A fuga do assaltante do local do sinistro, foi como as demais… Numa motocicleta preta, na garupa do comparsa que o esperava ali perto.
E o assaltante do prédio em construção, apesar de usar chinelos, que aliás deixou para trás durante a fuga, é mesmo apetitoso! Na fuga, já na rua Pedro Caldas Rebello no limite do bairro, ele avistou uma jovem a caminho do trabalho e não perdeu tempo. Fez parar a moto, saltou da garupa, jogou a jovem na parede e tomou seu celular! E dobrou calmamente a serra do cajuru levando quase nove mil reais e dois celulares…!
Há quase meio século, durante a construção do bairro Santa Doroteia, na época do sorveteiro “Sorriso”, cada assalto desse renderia pelo menos 90 mil cruzeiros ao Ronald Bigs tupiniquim!