Quando o plantonista abriu a porta da delegacia de policia naquela manha gelada de julho de 2001, uma senhora cafuza, de meia idade, ligeiramente obesa entrou levando pelo braço uma adolescente, que a julgar pela cor dos olhos e expressão do rosto, havia passado a noite em claro. Timidamente ela disse que queria registrar queixa de desaparecimento. Julio, seu filho de 17 anos havia saido de casa no domingo à tarde para andar de bicicleta com amigos, segundo ele, e até então não voltara para casa e nem dera noticias.
Ao receber a copia do B.O. com uma fotografia do garoto moreno, robusto e sorridente levei a senhora chorosa para a Inspetoria de Detetives e em poucos minutos eu sabia quase tanto quanto sua mae sobre sua vida. Era bom filho, bom estudante, bom funcionario da bicicletaria do Laercio Amaral no Aterrado, não sofria de nenhum disturbio mental, não era sequestrável, não tinha inimigos, tinha poucos amigos e nenhum deles tinha envolvimento com drogas. Onde estaria Julio?
A mae e a irma do desaparecido foram embora deixando para tras um completo dossiê, desconsoladas, pois acreditavam que a policia sabia de tudo que acontecia de errado na cidade. Tinham ao menos um alento; Julio não estava preso e nem num leito de hospital ou gaveta fria do IML.
Ligaram no final da tarde, querendo noticias do filho ou sobre o andamento das investigações. No dia seguinte abriram a delegacia novamente. Traziam à tiracolo uma senhora mulata também de meia idade que dizia ser vidente. Mãe e irmã estavam ainda mais chorosas e tristes… por causa das visões e pressagios da vidente. Segundo ela, Julio havia sido assassinado e seu corpo jazia com certeza numa baixada, na beira de um rio, provavelmente atras de uma construção que parecia ser um tosco rancho de pescador.
Aqueles dias, nossa prancheta de O.S. sobre furtos praticados por menores, brigas de marido e mulher, brigas de pés-de-cana, estelionatos e outros crimes sem status, todos pertinentes à nossa ‘equipe de dois’, eu e Fernando Jardim, chefiados pela Delegada Ines Xavier e pelo delegado Edson Vieira, não saiu do armario. Todo nosso tempo de manhã à noite era dedicado ao “Caso Julio”. Juntou-se a nós o detetive Roberto, que tinha estreita amizade com um amigo da familia do sumido. Se o corpo do jovem adolescente estava na beira de um rio, ribeirão ou corrego, nós os achariamos. Vasculhamos varios trechos das margens do velho Mandu, descemos o Sapucaí da Faisqueira ao Vitorinos, rumanos para o Cervo. Parecíamos Fernão Dias Paes Leme e seus Bandeirantes chapeludos desbravando e mapeando rios… e nada de encontrar Julio. Quanto mais procurávamos sem sucesso, mais a mulata vidente garantia que o bicicleteiro estava morto na beira do rio. Na quinta feira avançamos o horario de almoço checando pistas, informações e visões mediúnicas nas quais nem sempre acreditávamos mas que não podiam ser descartadas e só paramos por volta de quatro da tarde para fazer o relatorio. Cansados, sujos, rasgados, esfomeados, desacorçoados, estavamos desistindo de encontrar o corpo do jovem.
Eram cinco e vinte e cinco da tarde quando o radio da viatura chiou e ouvimos a central chamar;
– Atenção perito de plantão, está em QAP? Encontro de cadaver no aterrado…
Não era preciso ouvir mais nada. Tinhamos certeza… era o nosso morto!!! Chegamos ao local em poucos minutos. Apesar disso, como o dia mais curto do ano se dera como de praxe, no dia 24 de junho, ha menos de duas semanas, tão logo o sol se punha às cinco e doze da tarde, a penumbra começava cair. Seis da tarde no inverno é noite fechada. Muito antes das seis estavamos na margem do velho Mandu, numa faixa de terra de tres ou quatro metros entre o rio o muro do predio do Sesi. Entre os galhos finos e duros de uma daquelas espevitadas arvores ribeirinhas, curvado e com a cara inchada enfiada na mistura de terra com areia de rio, começando juntar formiga, sob a luz tenue da lanterna, estava o corpo do adolescente que tanto procuramos naqueles quatro dias. A vidente estava certa. Ele estava mesmo na beira…
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