Naquela noite fiz o melhor banquete da minha vida: arroz, feijão e bife… servido em um prato de louça, raso, com garfo e faca!
Passava pouco de 13h quando encontrei meu amigo Rui de Paula em frente o Palácio do Bispo em Pouso Alegre.
– Está tendo festa na Borda! Vamos vender pipoca lá? – convidou ele.
– Vamos … – respondi eu, sem pensar duas vezes… e sem ter a menor ideia de onde ficava essa tal Borda!
Como se estivéssemos indo ao bairro vizinho iniciamos a caminhada. Pegamos a Silviano Brandão, a Alferes Gomes de Medela, passamos pela Remonta, passamos pela entrada da Vendinha e pegamos a estrada. No meio da tarde estávamos na baixada do bairro Anhumas. Aquele carrinho branco todo enfeitado de pipocas coloridas empurrado por dois garotos, passando lentamente pela estrada, atraiu a atenção de uma dúzia de lavradores numa plantação ali na várzea. Eles pararam de capinar o arrozal e vieram até a beira da estrada, curiosos, querendo entender o que era aquilo! Alguns deles tinham dinheiro na algibeira … e todos comeram pipoca doces coloridas e amendoim torrado coberto com chocolates!
Às sete da noite entramos na rua principal de Borda da Mata, bastante cansados, empurrando o carrinho de guloseimas. Quinze minutos depois entramos numa ruazinha transversal onde algumas crianças brincavam. Ali o carrinho de doces começou a esvaziar.
Foi ali naquela ruazinha transversal que eu a conheci.
Atraída pelo burburinho da criançada ‘que nem formiga no doce’, ela apareceu no portão de uma casa com grades na frente. Era a senhora Mauritana Lopes Furtado. Na verdade, eu só guardei o sobrenome “Furtado”. Mas nunca esqueci o gesto daquela senhora. Muito menos o que ela nos ofereceu!
Curiosa para saber de onde vinham aqueles dois meninos franzinos empurrando aquele vistoso carrinho de doces, ela se aproximou e puxou prosa. Minutos depois, quando a criançada se afastou lambuzada e feliz, a bela senhora morena, de meia idade, apareceu com o nosso jantar. Sentados no passeio defronte sua casa, eu e o Rui, degustamos o banquete! Não me lembro de ter comido, até então, uma comida tão chic e gostosa: arroz, feijão e bife em um prato raso de louça branco, com garfo e faca. Até aquele dia eu só conhecia prato fundo esmaltado… e colher! Não foi somente o prato de comida deliciosa que a boa e linda senhora morena nos deu. Deu também um pouco de carinho, de afeto… de amor. Depois de seis horas empurrando o carrinho de pipocas pela estrada, precisávamos de tudo isso. Minutos depois chegamos à praça central da cidade, completamente lotada, comemorando o dia da padroeira N.S.do Carmo. Era dia 16 de julho de 1971. Eu já era um mocinho… tinha 13 anos!
No dia 17 de setembro de 2014, um mês depois de publicar meu primeiro livro de crônicas policiais, voltei à Borda da Mata. Desta vez fui sozinho, de carro. Fui visitar meu anjo da Borda e pagar aquele jantar com um presente. Dei-lhe um exemplar do livro “Meninos que vi crescer”, no qual eu citava seu nome naquele longínquo ano de 1971. Mauritana morava na mesma casa onde fiz a melhor refeição da vida, 43 anos atrás! Não era hora de jantar, mas não saí de lá sem mimos e o afeto da senhora Mauritana Furtado, já octogenária.
Entre nós foram apenas estes dois encontros… o suficiente par fazer morada em meu peito.
Nesta terça-feira, 08 de abril, Mauritana foi chamada se volta à Casa do Pai. Voltou para os braços do Criador, onde sempre teve lugar cativo.
Boa viagem meu anjo Mauritana.