Jeff… O Homem do Chapéu Furado

     Essa história de Caubói foi escrita na década de 1970, no auge da exibição de filmes do gênero nos cinemas de Pouso Alegre.

    Escrevi “Jeff, o homem do chapéu furado”, em um caderninho espiral no mês de julho de 77, durante meus turnos de sentinela nas guaritas do 14º GAC, quando servia o exército naquele ano. A intenção era publicar em “bolsilivro”, outra febre nas bancas de jornais e revistas naquela década.

    Agora os apaixonados por histórias de Caubói, caso queiram, poderão ler gratuitamente a história do forasteiro. “Jeff, o homem do chapéu furado” será publicada em onze capítulos, no blog e na minha página no face.

    Boa viagem à década de 1870!

                                                                      CAPÍTULO VII

 

O saloon como sempre estava movimentado. Gente que entrava, que saía, bailarinas tentando ganhar a vida, bêbados, jogadores… A um certo momento a portinhola de vaivém rangeu e parou. Muitos dos que estavam ali olharam na direção da entrada e viram entre a portinhola um sujeito alto, trajado inteiramente de preto, chapéu ornando baixado sob o rosto. Depois de chamar a atenção para sua figura o forasteiro caminhou lentamente para o balcão.

– Leite – disse com voz seca e grave.

– Leite!!! – exclamou o barman.

O sujeito não disse nada. Apenas fixou o olhar no rapaz fazendo-o entender que era aquilo mesmo que ele tinha ouvido.

– Ok, aqui está.

O forasteiro pegou o copo, virou-o de um só gole, fez sinal ao barman para colocar mais. Após ser novamente servido, apanhou o copo, virou de costas para o balcão e começou a ingerir lentamente o líquido branco.

– Chiii… sinto cheiro de barulho! –  Comentou um dos presentes.

Depois de se satisfazer da bebida o sujeito se dirigiu a uma mesa onde havia quatro jogadores e sem dizer uma palavra puxou a cadeira de um deles para trás, arremessando seu ocupante de costas ao chão. Soltando uma praga qualquer, o jogador mal se pôs de pé levou a mão ao coldre e sacou sua arma. Sacou, mas não chegou a apertar o gatilho. Num movimento quase imperceptível aos olhos o pistoleiro de negro sacou seu colt e o fulminou com dois balaços no peito. Lentamente e ainda sem dizer uma palavra o sujeito apanhou a cadeira no chão, sentou-se à mesa, tirou da algibeira um charuto, encostou no cano do revólver, apertou o gatilho e acendeu o charuto no cano do colt. Em seguida colocou a arma sobre a mesa  e falou:

– Meu colt entra na parada valendo trinta dólares!

Ninguém retrucou.

Sob o olhar apreensivo dos demais jogadores, o sujeito juntou metodicamente as cartas, embaralhou com a perícia de um profissional e as distribuiu aos quatro. Todos os olhares se voltaram para a mesa do forasteiro. Silencio total. O ‘mão’ abriu o jogo:

– Trinca de reis… – disse ele mostrando as cartas na mesa.

– Dois pares – disse o segundo.

– Sequência até valete… – disse o terceiro estendendo o braço para recolher o montante da aposta. Com um gesto curto o pistoleiro deixou cair lentamente suas cartas sobre a mão deste, que as olhou estupefato!

– Quadra de damas!!!

– Parece que meu colt não gosta de estranhos – falou o sujeito com sarcasmo, recolhendo o revólver e o punhado de dólares amassados.

A partir de então o jogo continuou sem sobressaltos. O forasteiro pediu mais um copo de leite e continuou jogando. A cada rodada esticava o braço e recolhia um punhado de cédulas e moedas. Em cerca de meia hora de pôquer já estava com as algibeiras abarrotadas. As vitórias seguidas do pistoleiro voltaram a atrair a atenção dos presentes. Na mesa em questão os parceiros estavam tensos. Um deles não tinha mais o que apostar. Em dado momento o forasteiro de preto falou em tom sarcástico:

– Desculpe senhores. Minha mãe me ensinou que nunca se deve encher muitos os bolsos… e os meus já estão abarrotados. Além do mais, percebo que estão ficando lisos… Até a próxima. – Disse e se levantou lentamente para ir ao balcão.

– Espere… Você não pode se levantar agora! O jogo ainda não acabou!

– Vendam seus pertences e voltem aqui amanhã que eu lhes darei a forra! – Retrucou dando-lhes as costas.

– Trapaceiro de uma figa! – exclamou um dos perdedores, ao mesmo tempo que se levantavam sacando suas armas.

Num gesto ligeiro o pistoleiro virou-se para os três, já de arma em punho e abriu fogo contra o trio alvejando-os no peito. Nenhum deles chegou a puxar o gatilho. Na mesa ao lado havia dois sujeitos que estiveram o tempo todo observando os movimentos do pistoleiro e sacaram também as armas. Um deles conseguiu arrancar o chapéu da cabeça do bebedor de leite, mas foi liquidado por um projétil certeiro. O sujeito de preto pressionou o gatilho novamente, mas só ouviu o clic do cão… estava sem munição. Atirou-se imediatamente ao chão no justo instante que uma bala passou zunindo ao seu ouvido indo estilhaçar uma garrafa sobre uma mesa ao lado. Ainda no chão o pistoleiro arremessou um reluzente punhal que foi se cravar no peito do atirador, fazendo a próxima bala do seu revolver se perder no teto do saloon.

– É uma pena! Amanhã terei que procurar outros patos para depenar – disse o pistoleiro atirando algumas moedas sobre o balcão ao deixar o saloon.

Mais tarde.

– Já providenciou para que os cadáveres sejam enterrados, Jeff?

– Sim, Morrison, o agente funerário já se encarregou disso.

– O que você soube sobre o tiroteio?

– A rotina de sempre. Aventureiros e jogo de pôquer. O perdedor acusa o ganhador de trapaceiro, tenta sacar a pistola, o mais rápido leva a melhor. Tudo acaba com um túmulo sem flores no cemitério. Segundo Pat, que assistiu a tudo, o pistoleiro é muito provocador, mas todos que morreram sacaram primeiro… ou tentaram sacar!

– E quanto ao bezerrão? Sabe se deixou a cidade?

– Estava na varanda do hotel ainda há pouco tomando sol. Pelo jeito não tem pressa em deixar a cidade.

– Hum… mau agouro. Certamente teremos mais barulho. É melhor avisá-lo para evitar encrencas por aqui, Jeff.

O barulho começaria muito mais cedo do que previa Morrison. Quando Jeff saiu à rua para procurar o jogador de pôquer, percebeu que estava numa caixa de marimbondos. Ao menor descuido seu seria picado por balas vindas de todas as direções. Dando uma discreta olhada a sua volta, o delegado constatou que estava no centro de uma arapuca armada. Havia vários bandidos tocaiados nos prédios vizinhos, prontos para deixá-lo igual uma peneira.

– Parece que Morrison vai ficar sem ajudante… a menos que… – pensou Jeff.

Pensou e agiu. O jovem delegado não tinha tempo a perder. Tão rápido quanto um relâmpago sacou um dos colts e liquidou o bandido que estava no telhado da barbearia à sua frente no mesmo instante em que mergulhava no chão poeirento de Carson City, desviando dos projéteis que procuravam o alvo. Girando tal qual uma bola o rapaz rolou até a escada da barbearia, de um salto se pôs de pé e entrou na mesma seguido de uma saraivada de balas que se cravou na madeira seca do prédio.

– Olá Spencer. Desculpe a entrada sem agendar… – gracejou Jeff.

Mas não foi o barbeiro quem lhe respondeu.

– Ora, não há o que se desculpar. Na verdade, eu estava te esperando! Solte a arma para morrer como um paspalho que você é! – Berrou um dos pistoleiros que previamente se alojara na barbearia do esguio Ted Spencer.

Jeff estava a dois passos do facínora sentado na cadeira com o revolver apontado para ele. Precisava pensar rápido, muito rápido. E pensou. Fez um leve aceno acompanhado de um piscar de olhos em direção à janela lateral, como se acenasse para um possível salvador. O bandido caiu. Olhou para a janela, se distraindo por um segundo. Foi o suficiente para o captado, com um violento chute desarmar seu captor.

– Você é um idiota mesmo. Caiu no mais velho dos truques. Agora saia correndo lá fora – ordenou Jeff depois de tomar-lhe a arma.

– Espere. Eles pensarão que é você e me fuzilarão! – argumentou o bandido.

– E daí? Você apenas ficará mais pesado com o chumbo. Vamos! – Ordenou.

Antes que o pistoleiro pudesse se recompor Jeff o empurrou com o bico da bota para fora da barbearia de onde ele saiu cambaleando e gritando:

– Esperem, sou euuu … –

Não terminou a frase. Estatelou-se no tablado defronte a barbearia, já sem vida. Foi imediatamente crivado de balas, o que possibilitou a Jeff e ao xerife Morrison – que as estas alturas, atraído pelos disparos entrara no tiroteio -, localizá-los e alvejá-los. De imediato Jeff acertou dois e Morrison três. Em seguida Jeff mudou de posto, atravessou a rua correndo em ziguezague e foi se posicionar no armazém, de onde tinha melhor visão do inimigo. Os disparos cessaram momentaneamente. De vez em quando se ouvia alguns assovios dos bandidos tentando se localizar uns aos outros, todos furtivos. O pistoleiro bebedor de leite da noite anterior continuava sentado na varanda do hotel, com o chapéu cobrindo parcialmente o rosto, parecendo alheio a tudo à sua volta. Jeff achou um cavalo de um dos bandidos e teve uma ideia:

– Sinto muito cavalinho… Você não tem culpa se o seu dono é um coiote, mas vai ter que pagar o pato. Vamos, não fique triste. Se você morrer eu prometo liquidar cinco coiotes desses aí pra compensar seu sacrifício – falou o delegado batendo na anca do animal para afugentá-lo. O cavalo, sem entender nada, saiu em disparada à rua principal. Ao surgir do beco ao lado do armazém atraiu a atenção dos bandidos que o alvejaram pensando ser Jeff tentando fugir. Ao fazerem isso se expuseram ao fogo deste que, seguindo o planejado, sem se expor, liquidou um a um.

– Um, dois, … mais um telhado… Parece que Morrison também não gosta de coiotes pois a cada disparo seu ouço um ‘aiii’. O inocente cavalo deve estar morto do outro lado da rua e conforme meu prometido devo ainda liquidar mais dois desses assassinos. Agora restam poucos – concluiu o delegado.

Jeff se ocultou sorrateiro nos becos protegido pelas paredes e marquises e chegou até a varanda do saloon onde estava um dos bandidos tentando localizá-lo. Sorrateiramente se aproximou do barbudo e o derrubou com uma coronhada do colt na nuca. Com cautela se aproximou da extremidade da varanda e percebeu a aba do chapéu de outro bandido à espreita. Cautelosamente agarrou o barbudo ainda sem sentidos e o atirou na rua. O que estava à espreita ‘deu as caras’ e foi alvejado, conforme o esperado.

– Quatro! Falta um, cavalinho… – murmurou Jeff para si mesmo.

Jeff resolveu se juntar ao chefe. Recarregou seus colts e atravessou a rua correndo até chegar à Delegacia.

– Praticando tiro ao alvo, hein Morrison!

– De vez em quando é bom para tirar a ferrugem dos trabucos – respondeu o xerife. Quem são eles?

– Não sei. Ainda não tive tempo de ver suas caras… Hei, estão tentando fugir! – concluiu Jeff ao ouvir um tropel de cavalos – Dê-me um rifle. Como os quer? Vivos ou mortos?

– Precisamos de ao menos um deles vivo – respondeu Morrison.

Jeff rapidamente saltou para a rua de onde tinha melhor visão, fez pontaria mas… quando ia puxar o gatilho seu chapéu foi arrancado da cabeça por uma bala vinda da retaguarda! Ele se virou a tempo de ver o barbudo que ele havia jogado desacordado no beco do saloon ser alvejado pelo jogador da noite anterior. O ‘bezerrão’ soprou lentamente a fumaça do cano do colt, desceu-o ao coldre e tornou a cobrir o rosto com o chapéu.

– Até que não é um mau sujeito – disse Morrison se referindo ao pistoleiro que alvejara o barbudo traiçoeiro antes que ele atirasse outra vez nas costas do seu auxiliar.

– Hummm… os três conseguiram escapar.

– Deixe-os. Quem quer que sejam, a maior parte do bando está liquidada.

– Sim. Mas devo um coiote ao cavalo.

– Como é?…

– Ao forçar o cavalo a sair em disparada no meio do fogo cruzado eu prometi liquidar cinco bandidos caso ele fosse alvejado.

– Então você deve pagar. A vida de um cavalo vale muito mais do que cinco desses coiotes – respondeu o xerife com naturalidade.

– Concordo. E vou pagar com juros…

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira, 31.

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