Falta médicos ou falta carvão…!?

        Em tempos de protestos contra as mazelas do poder publico – executivo e legislativo – falar sobre as feridas da saúde é chover no molhado. No entanto, para que não pensem alguns leitores que o cidadão-eleitor-contribuinte está exagerando, vejam essa! Tão corriqueira em nossa vida quanto moeda de um real, mas que, por descaso ou má administração da saúde,  pode ser fatal…!

         Sete e meia da noite desta quinta gelada. Depois da gostosa ressaca pela conquista do título da Libertadores eu passaria  algumas horas de extrema tensão! Ao cabo de vinte minutos jogando bola com o Daniel na sala, apontei o centro do ‘gramado’ e avisei:

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– Ta bom, filhinho… Amanhã a gente joga mais no quintal.

        Demos alguns passos lado a lado até que ele seguiu para esquerda, para o seu quarto e eu fui pra direita, preparar nosso jantar. Tarefa simples… Era comida francesa… “ rrrestô do almoçô”!

        Dez minutos depois, como acontece com freqüência em minha vida, ‘meus amigos’ me chamaram a atenção! O ‘primeiro’ me deu um cutucão na costela… O ‘Segundo’ soprou no meu ouvido;

– Vá ver o que o Daniel está fazendo!

– Ora, ele está brincando no quarto como sempre faz. Deve estar no ‘macaquinho’ – Ipad da Tatiana, onde monta quebra cabeças, joga futebol e assiste aos videos do Galo… – ou então está assistindo “Sitio do seu Lobato” – respondi mentalmente.

– Vá ‘agora’ ver o que ele fazendo – disse com voz severa o ‘terceiro’ ‘amigo’…

       Em dois segundos eu estava no quarto do Daniel. Cheguei a tempo de vê-lo todo feliz com a colherzinha azul na mão, lambendo os lábios! Havia acabado de tomar Ibuprofeno! Fizera uma lambuzeira danada. O medicamento antitérmico estava esparramado na sua jaqueta do Galo, sobre a cômoda e ele tentava fechar o frasco quase vazio. Para chegar ao doce medicamento liquido Daniel colocara em pratica seus dotes de alpinista… Abriu uma a uma as quatro gavetas da cômoda formando uma escada e subiu por elas até alcançar o remédio em um nicho na parede!

– O que você esta fazendo meu filho? – Perguntei apavorado tentando imaginar quanto ele havia tomado. Gesticulando com ambas as mãozinhas espalmadas, falando pausadamente ele deu a inocente explicação que fez meu coração disparar…

– Eu joguei bola, né? Eu suei… Tava com a testinha quente… Eu tomei o remedinho gostosinho para baixar a febre, né?…

-…!!! Quantas colherinhas você tomou? Perguntei na esperança que ele dissesse: ‘Uma só né, papai’!

– ‘Qato’, papai – admitiu ele com a sinceridade dos seus três anos completados no inicio do mês.

       Eu sabia que o frasco não estava cheio, pois eu mesmo dera outras doses a ele na semana anterior, vi que ele havia derramado boa parte na roupa e na cômoda e ainda restava alguma coisa no frasco, mas a probabilidade de uma hipotermia era iminente. Não podíamos correr esse risco! Não com a vida do meu frágil e amado tesouro! Por dez minutos tentamos fazê-lo vomitar no banheiro. Foi uma tortura! Ele mais chorou do que vomitou! Em poucos minutos estávamos no Hospital Regional Samuel Libanio.

        O exame clinico parecia normal. Mas, por garantia, a desintoxicação era necessária. Aí começariam as dificuldades… E que dificuldades!! Mas serei sucinto!

        De como fazer uma criança de três anos ingerir 12 gramas de carvão ativado, tentando misturá-lo no suco de uva – no primeiro gole seus lábios ficaram pretos, a boca rascante e ele estendeu o copinho dizendo: – Esse suco de uva ta estagado papai… Num quero! – não vem ao caso.

        A parte em que quatro pessoas seguram o garotinho para que uma quinta introduza dois palmos de mangueira no seu nariz e empurra até o estomago colocam quase 200ml de suco com carvão goela abaixo… – também não vem ao caso.

        O segundo passo da tortura: quatro pessoas novamente segurando pernas, braços, pescoço, tronco até que a enfermeira consiga, na segunda tentativa, afixar uma agulha de acesso no seu bracinho frágil, para que ele possa receber a medicação e dormir de cansaço… – Também não vem ao caso.

       Mesmo que em alguns momentos os olhos se afoguem nas lagrimas, a garganta se feche e você não saiba se chora ou se reza, não vem a caso… Afinal, esse é um sofrimento que todo pai um dia tem que passar! A noite de tensão retorcida na poltrona incômoda e gelada na beira da cama velando o sono do pequeno atleticano, é coisa também que toda mãe passa sem reclamar. Pois é coisa de quem tem criança… É coisa de criança hiperativa e inteligente que aprende fácil e quer descobrir mais… – Não vem ao caso.

        Voltemos então ao titulo desta crônica…!

         É também coisa de criança!!!

         Mas esta causa frustração, decepção, angustia, impotência, indignação, raiva…! Não tem carvão ativado no hospital! O hospital Regional Samuel Libanio, da cidade de 150 mil habitantes, que atende a outras sessenta e tantas cidades do seu entorno, não tem 12 gramas de ‘carvão ativado’ usado no combate à intoxicação por produtos químicos!!!

E o medicamento corriqueiro não é vendido em farmácias!

Só o hospital pode adquiri-lo!

Mas numa quinta feira de julho, algumas semanas depois de eclodir protestos gerais e especialmente contra as mazelas da saúde no Brasil, o Hospital das Clinicas Samuel Libanio não tem 12 gramas de carvão ativado, que poderá salvar a vida de uma criança…!!!

Foi necessário pegar a xícara e pedir emprestado no vizinho!  Felizmente o Renascentista tinha. Demorou duas horas para o pó negro chegar, na mochila de um motoboy!

Enquanto isso, o garotinho alpinista que ingeriu não se sabe que quantidade de Ibuprofeno por conta própria, achando que baixaria o calor de sua testinha por ter jogado futebol, esperava impaciente no colo… Com o risco de comprometimento do rim e outros órgãos do seu frágil corpinho!

       Medico para atendê-lo não foi problema, além da mãe, haviam mais pelo menos cinco conversando com ela enquanto esperávamos o tal carvão. O que não havia era carvão ativado, que poderia ser crucial para sua saúde se a dose ingerida do “Alivium” tivesse sido maior!

       O caso do “Daniel e o carvão ativado” é só um insignificante caso de mazela da saúde, que felizmente terminou bem, graças à Deus…! Mas que espero que deixe lições e alertas…

       Um deles vai para você garotinha adolescente apaixonada, candidata a ‘Julieta’ moderna…! Se você tiver uma desilusão amorosa, brigar com o seu ‘Romeu’ ou por qualquer outro motivo perder o seu norte – isso é muito comum na adolescência! – e tomar todo o estoque de “Diazepam” de sua mãe, você correrá serio risco de não apenas chamar a atenção da família, dos amigos, do salafrário do Romeu… – é sempre este o objetivo de quem tenta se matar com medicamentos! Pode acontecer que no hospital para onde você for levada pelos bombeiros não tenha 12 gramas de carvão ativado – no seu caso, será uma quantidade bem maior! – e que o vizinho também não tenha… E aí minha linda Julieta, o drama dos Capuletos e Montecchios de Verona poderá se repetir! Pela metade, é claro… Pois certamente o Montecchio Romeu, já sabendo que no Samuel Libanio não tem carvão ativado, não vai querer engolir o Diazepam…!

       Ah, o Daniel acordou sorrindo às oito e meia da manhã, voltou para casa e já chutou mais duas bolas para o quintal do vizinho. Continua tão elétrico quanto antes… Para evitar um novo sufoco o Alivium agora fica guardado no forro da casa…!

0 thoughts on “Falta médicos ou falta carvão…!?

  1. Caro Chips, só não vê quem não quer que o caos da saúde no Brasil está longe de ser culpa dos profissionais. Minha namorada é médica no citado hospital e acredite, essa falta de carvão é apenas um detalhe perto do que acontece naquele hospital, por falta de estrutura, medicamentos, leitos, etc…Recentemente um colega de trabalho foi operado de apendicite, e acredite, o pós operatório foi sentado em uma cadeira no corredor, pois não haviam leitos.Onde está a culpa do médico? E para completar o Desgoverno Ptista, em mais uma ato com tons de ditadura, quer submeter médicos recém formados a trabalho “escravo” no sus durantes dois anos. E voltando para a realidade de Pouso Alegre, ja é hora do Sr Perugini começar a pensar como a cidade vai suportar as milhares de pessoas que chegarão devido a instalação de grans empresas.

  2. Se falta no sudeste a 200 km de SP Capital …
    Imagina por ai !
    Aumentar o curso pra 8 anos com a intencao de obrigar o recem formado a ir pra determinado local ganhando o salario “x” ( pouco importa se mto ou pouco ) e trazer medicos sem Revalidacao de diploma sao medidas autoritarias , baratas e ineficazes !!!
    Espero que alguem de bom senso toque a cabeca e o coracao da presidente e do ministro da saude !!!

  3. Sorte a nossa temos nossos amigos espirituais olhando por nos, seres invisiveis que nos alerta do perigo iminente e guia-nos pelo caminho do bem.
    Melhoras ao jovenzinho que tens um brilhante caminho a ser seguido.

  4. Já dizia minha mãe: criança quieta é criança fazendo arte! Dito e feito…aqui em casa é assim tbem! Deus guarde estes anjinhos! Mas não vem ao caso…rsrs. É mesmo de se indignar a saúde pública…pior de tudo é a sensação de impotência que ficamos quando isso acontece. Apoio o povo ir pra rua reivindicar melhorias, só assim pros poderosos se mexerem nas cadeiras. E só pra terminar: seu Daniel é mto fofo 😉

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