Tinoco… Oitenta e sete anos cantando as belezas da roça!

      

       Findava a tarde fresca e perfumada de primavera. Sentado a poucos metros da bica d’agua, o jovem Jose Salvador Perez brincava absorto com um raminho de erva, quando a beldade chegou. Zula vestia uma singela saia de chita vermelha e verde descendo até as canelas finas, deixando os pezinhos descalços desnudos. A não menos singela blusinha branca rendada emendando-se ao vestidinho conferia-lhe a silhueta de corpinho de violão. Os longos cabelos negros cacheados estavam presos apenas de um lado, por uma rosa vermelha. Era a flor mais bela das redondezas. Só tinha um defeito… Era filha do patrão.

Ao vê-la o jovem moreno, magro, alto, tímido, de um salto se pôs de pé, retirou rapidamente o chapéu da cabeça, fez a mesura e ficou em silencio coçando o chapéu com as mãos enquanto a menina delicadamente se inclinava para encher a lata d’agua. Antes de retomar o trilho batido levando a lata de água cristalina, a linda jovem, sem mostrar os dentes de canjica, esboçou um sorriso e pediu:

– Canta uma musica para mim…!

E ele cantou. Com o chapéu já moído entre os dedos, o suor molhando a testa, o tímido Tinoco, de vergonha ou por respeito, virou-se de costas e cantou solo e sem instrumentos a bucólica canção “Adeus Bela”, uma de suas preferidas…

Como agradecimento, já se afastando com a lata d’agua na cabeça subindo a trilha batida, a jovenzinha lançou-lhe um sorriso maroto, desta vez mostrando os alvos dentes.

Nascia ali um casamento que duraria quase oitenta anos… Com a musica. Era ó o começo da carreira que faria com o irmão três anos mais velho. Estava nascendo a dupla Coração do Brasil, “Tonico & Tinoco.

O desfecho do romance na bica d’água não vem ao caso, é outra historia… É apenas uma das centenas de historias que o jovem tímido contaria ao longo da carreira. Era o ano de 1933, numa fazenda no município de Pratania-SP.

Na sua segunda passagem por Pouso Alegre – a primeira fora em 1973 quando cantou em um circo montado na Com. Jose Garcia com João Parente –  dia 17 de setembro de 1993, em um palanque montado no Pátio da Rodoviária, Tonico e Tinoco cantaram para pouco mais de mil e quinhentas pessoas. Depois da terceira ou quarta musica, Tinoco, o contador de historias – Tonico só abria a boca para cantar e agradecer – disse, com seu sotaque acentuando ‘d’ :

– Esta musica que nóis vamo cantá agora, eu cantei pela primeira na taipa do fogão de lenha do nosso ranchinho, quando eu tinha 4 anos… Fais setenta anos. Que beleza! – E cantou “Tristeza do Jeca”.

A dupla Coração do Brasil, compôs, cantou e gravou cerca de seiscentas musicas. O primeiro disco foi gravado em 1945. Mas desde o inicio dos anos 30, quando o tímido Tinoco cantou solo “Adeus Bela” para a bela filha do patrão, em troca de um sorriso, eles já cantavam nos bailes nas roças, na beira da tuia, nos circos, mais tarde no radio. Quando a televisão chegou Tonico e Tinoco já era a dupla sertaneja – autentica – mais famosa do Brasil. Isso no entanto, não lhes trouxe fortuna.

Com a morte de Tonico no dia 13 de agosto de 94, Tinoco regravou sucessos da dupla, tentou parceria com o filho Tinoquinho, mas a guaiaca que já era magra, nunca mais engordou. Nos primeiros anos deste século, Tinoco esteve perto de passar necessidades financeiras básicas.

No dia 20 de março de 2005 fui ver Tinoco cantar em Águas de Lindóia. O show marcado para as treze horas, aconteceu às quatro e meia da tarde. Ele chegou trazido por um amigo, subiu num palco de dois metros quadrados a um metro do chão, cantou oito musicas e contou pequenas passagens de sua vida, por R$ 1 mil reais.

Nos anos seguintes, o amigo e fã Mazinho Quevedo trouxe Tinoco novamente ao estrelado. Levou-o a abrilhantar o famoso Festival Viola de Todos os Cantos da EPTV.

Ao ver os filhos ainda imberbes cantar na casinha simples do interior de Pratania, a mãe profetizou:

– Vocês, meus filhos, ainda vão dar muita alegria ao povo com suas musicas!!!

Deram mesmo. Cantaram como ninguém a beleza, a harmonia, e a riqueza do campo. Cantaram a sabedoria, a pureza e alegria do homem que vivia lavrando a terra e suas paixões.

Cantaram um Brasil que se foi!!

O Brasil que eles contavam e cantavam em suas musicas, não existe mais há décadas. Não existe mais sertão, não existe mais o caboclo, não existe mais o homem puro do campo. Não existe mais a casinha branca da serra, o mujolo e o moinho e muito menos a casinha de sapé na beira do riacho. A zona rural do Brasil que não é ocupada por grandes fazendas mecanizadas, se transformou ou está se transformando em chácaras, cujos proprietários, freqüentadores de fim de semana, não cultivam sequer um pé de couve e não sabe discernir um garrote cevado de uma novilha prenha. Não tem a menor idéia do que seja um potro tordilho…

Dentre os milhares de fãs da dupla de irmãos cá em terras sul mineiras, temos o Sr. Jose Martinzinho, que a exemplo dos famosos, durante quase meio século fez dupla com o irmão Cirilo. Jose Martinzinho, ainda rapazinho, ia toda noite depois da lida com a terra, na casa do vizinho Zé Candido, única pessoa no bairro a possuir um radio à pilha, ouvir musicas sertanejas, especialmente as de Tonico & Tinoco. Logo depois passou a freqüentar a casa do meu avô, Paulino Ferreira de Matos, dono do segundo radio no bairro e se tornou meu tio, casando-se com minha tia! Descendente de músicos, Zé Martinzinho aprendeu de ouvido tocar viola e violão. Com o irmão Cirilo, com o filho Mario e o neto Marius Lucius, toca e canta mais de duzentas musicas dos ídolos que aprecia desde a longínqua adolescência dos anos 40.

Para falar da beleza e riqueza do que contavam e cantavam Tonico e Tinoco, seria necessário esticar esta tela daqui até Pratania…

Tonico & Tinoco tem um lugar de destaque não só na – verdadeira – musica sertaneja mas principalmente na cultura sertaneja.

Hoje, 4 de novembro, faz seis meses que Tinoco partiu para cantar com o irmão Chiquinho e o parceiro Tonico… no céu!

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0 thoughts on “Tinoco… Oitenta e sete anos cantando as belezas da roça!

  1. Fiquei, de verdade, surpreso com o que encontrei. Pai( Matinzinho) e o Mário( meu irmão)cantando “Casinha de Palha”, em plena tarde, na casa da roça, onde morei de 1967 a 1978, o mesmo local em que até hoje frequento, para falar com meu pai. Parabéns, compadre Chips pelo generoso ato. Obrigado por você existir assim: sensivel e inteligente.

    • Olá compadre Hilario,
      Voce sabe que eu sou apaixonado pelas coisas simples da roça…
      Só lamento a falta de qualidade da iluminação no singelo video, mas gravei com imenso prazer.
      Minha terra, minhas coisas, meus parentes e amigos…
      Abraços fraternos, compadre.

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