Tarzan deu a volta por cima

Meninos Que Vi Crescer

 

Tarzan deu a volta por cima

 

       Conheço Jose Luiz desde a mais tenra infância. Ele costumava lançar-me olhares languidos, de esgueio quando me via na sua casa procurando seu irmão que vivia às turras com a justiça. O irmão espigadinho, era useiro e vezeiro na pratica de pequenos furtos para comprar maconha. Nunca soube o que aquele olhar serio e ressabiado protegido pelas sobrancelhas queriam dizer. Medo? Respeito? Raiva? Revolta? Teria ali alguma promessa de vingança no futuro? Promessa de se tornar também um policial combatente do crime? Ou se tornar um bandido mais esperto que seu irmão e não se deixar prender? Talvez um pouco de cada sentimento. Pela maneira como Jose Luiz me olha, depois que cresceu, acho que aqueles olhares de soslaio eram de admiração. Embora o irmão – que há anos não vejo e nem tenho noticias – vivesse às margens da lei, Jose Luiz não se deixou influenciar pelos –maus – exemplos do irmão mais velho. Apenas uma vez sentou-se no banco dos réus… e foi em defesa da honra.

No final da ensolarada manhã do dia 14 de junho de 2004, subia eu a Adalberto Ferraz na companhia da amiga Thalita, colocando as fofocas de “Santana do Sapucaí” em dia, quando avistamos um tumulto na esquina da Duque de Caxias. Apertamos o passo para curiosar e quem sabe registrar um furo de reportagem para o FOLHA, o jornal mais lido da época, apesar de continuar no vermelho. Pelo caminho soubemos, através de transeuntes, que havia ocorrido um tiroteio na esquina do mercado. Antes da esquina abordamos, pela janela da ambulância dos Bombeiros, o cidadão Salvador Antonio dos Reis, com um tiro na perna. Na esquina da Jose Macedo, em meio à aglomeração de curiosos, dois novatos policiais militares tentavam dominar o ‘chapa’ H. H. dos Santos que esperneava e escorregava mais que quiabo na tigela. Dominamos o bagre ensaboado e já na viatura policial, na iminência de ser conduzido para a Delegacia de Policia, muito a contragosto ele respondeu entredentes, minha pergunta:

– O cara que atirou é irmão do pintor, ali… – disse-me apontando com o boné para um sujeitinho franzino, barba por fazer, com a roupa manchada de tinta, escondido debaixo de um surrado boné também sujo, no meio da multidão. Orientei os policiais que tirassem o chapa do meio do furduncio, para dispersar a multidão e me aproximei do pintor que eu conhecia mais que nota de 1 real.

– E aí  “Pracinha”, que rolo é esse…?

– Foi o Zé Luiz, o Tarzan… é rolo de mulher. Meu irmão queria acertar o negão que está saindo com a mulher dele. Acertou o Salvador que não tem nada com a estória…

– E onde está ele agora?

– Sei não Chips… É capaiz que ele foi atrás da mulher dele!

Não. Não fora. Jose Luiz, o Tarzan, 36 anos na época, deixou o local do frustrado crime, pegou o primeiro cipó que viu balançando e foi direto para a casa do causídico Firmo da Motta Paes. Foi na casa, que funcionava também como escritório de advocacia, que ele foi preso em flagrante por tentativa de homicídio e lesão corporal, algumas horas mais tarde.

A estória era essa mesmo. Tarzan descobrira que ‘Jane’ estava se encontrando atrás da moita com o macaco, digo, com o chapa H.H. e resolvera cortar o mal pela raiz! Como nunca usara uma arma de fogo, errou o alvo e conseguiu apenas chamuscar Antonio Salvador, que estava de bobeira abraçando uma loira gelada no Bar da Maria. na esquina do Mercado.

Como excelente criminalista que era, o firme advogado Firmo da Motta Paes – fomos ‘inimigos passivos’ por 20 anos. Fizemos as pazes em junho de 2004 quando ele abriu-me os arquivos da Camara Municipal que presidia, para mostrar-me alguns documentos que me interessavam. Ele morreu no dia 06 de outubro, depois de perder a única eleição de sua vida. Saudades do velho e astuto ‘inimigo’ advogado e político… – conseguiu descaracterizar a tentativa de homicídio para lesões corporais. Tarzan voltou para a selva alguns meses depois. Antes, porém, nos encontramos no velho Hotel da Silvestre Ferraz.

Tarzan não ficou magoado por eu tê-lo mandado para a jaula. Só não gostou da manchete no “FOLHA” do dia 18 de junho; “ Tarzan tenta matar ‘‘‘‘‘Ricardão’’’’’’ e acerta Salvador”…

Com o passar do tempo Tarzan compreendeu que o titulo e o bojo da matéria não tinham nada de ofensivo à sua reputação. Pelo contrario, mostrava que ele fora o traído pela companheira. Que ele tivera a honra ultrajada e tentara limpá-la à bala. Que sorte a dele que sua pontaria é ruim…!!!

Encontrei Tarzan outro dia justamente defronte a delegacia regional, comendo pastei de farinha de milho com molho de pimenta comari, na baraquinha da Dete… Cumprimentou-se com tamanha efusão que parecia que sempre fomos estreitos amigos. Naturalmente falamos do episodio do dia 14 de junho. Quase me agradeceu pelo que aconteceu com ele na época e pelo que eu escrevi na coluna Direto da Policia… Contou-me que o “aluguel” dos colegas do apartamento 07 do velho hotel da Silvestre Ferraz, por causa da manchete no jornal, serviu para abrir-lhe definitivamente os olhos.

– … Larguei dela, Chips. Ela não merecia… Casei de novo, tenho filhos, estou trabalhando registrado e estou muito feliz com minha família. Aquilo que me aconteceu serviu para eu dar valor às pessoas certas… Cadeia – olhou para o velho prédio fantasma atrás de nós, cheio de determinação – nunca mais!!

– Vejo que você deu a volta por cima, está alegre, vistoso, de bem com a vida! Posso contar sua historia na coluna “Meninos que vi crescer”, qualquer hora dessas?

– Só…!!!

É comum o cidadão que tropeça na lei, conhece o lado sombrio da cadeia e retoma a liberdade, sorrir fingido e dizer que mudou, que está ‘diboinha’…

Esta poderia ser apenas mais uma dessas historias. Poderia. Mas não é o caso de Jose Luiz, o Tarzan. Seus olhos, seu sorriso, sua conversa franca e alegre demonstram que ele está muito mais livre, leve, solto e feliz do que antes do dia em que puxou o gatilho de um revolver numa das esquinas mais movimentadas de Pouso Alegre.

Sorte que naquela ensolarada manhã de segunda feira, entre mortos e feridos, todos se salvaram… Inclusive o próprio Tarzan!

 

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  1. Navegando pela net, cheguei por acaso ao Blog do Chips e me vi envolvido diante de tantas histórias narradas aqui. Pessoalmente, acho que nem sei quem é o Chips, mas sempre lia seus artigos nos jornais quando eu trabalhava numa imobiliária na Galeria Portal. Conhecia seus filhos, o Diego e o Marcelo, que eram “amigos” ou “primos” de um amigo meu. Nunca mais os vi. Apenas em 2000 e pouco quando cursava o primeiro ano de direito que trombei com um deles na FDSM e o outro trabalhava no fórum. Hoje, trabalho em Poços de Caldas/MG, do lado de “cá” da Lei…rs. Lembro-me exatamente deste dia, fato narrado acima, quando desci do circular da Princesa do Sul depois do almoço, vindo de casa e indo para o trabalho, quando passei pelo bar da esquina do pai do Gustavo Pereira, hoje lojinha de roupas infantis da irmã dele, e percebi uma discussão, segui pelo passeio da entrada lateral do supermercado Central topei com o “Salvador”, conhecido do bairro Santo Antônio, saindo de uma loja que vende queijos, ao meu lado, e o cumprimentei, quando ouço dois ou três estampidos, não me assustando, pois pensei que fosse descarga livre de escapamento de motocicleta, passando ao meu lado correndo um homem de blusão no meio da rua, e o homem que caminhava na minha frente, disse: _É tiro! Se abrigando na entrada lateral do supermercado Central. Daí eu também me abriguei ali, quando percebi que o Sr “Salvador” estava meio que agachado com a mão na perna direita. Nesse momento que percebi que haviam sido disparados tiros contra aquele homem que saiu em desabaldada carreira no meio da rua. Fui até o Sr Salvador e o dono da casa de queijos providenciou uma tesoura e cortaram a calça dele. O Sr. Salvador estava com dor local, mas estava tranquilo esperando por socorro. Vi a movimentação de viaturas e pessoas no local e decidi ir para o serviço, só sabendo o desfecho mais tarde e no dia seguinte através dos jornais locais. O “Salvador” estava nessa casa de queijos e eu passava exatamente ao lado dele na hora do ocorrido. Penso: E se o autor dos disparos tivesse acertado a mim naquele dia? Quando eu descia a rua e cumprimentava o Salvador do meu lado esquerdo no passeio saindo da casa de queijos e o cara passou correndo no meio da rua do meu lado direito e o cara atirando lá atrás na esquina ao lado do bar do pai do Gustavo? O autor dos disparos errou tão feio que mirou no cara correndo no meio da rua e acertou a perna do “Sr. Salvador” que estava no passeio. Naquele dia eu poderia ter levado um balaço na nuca e ter ido visitar São Pedro mais cedo sem saber o que havia acontecido. Vida inocente poderia ter sido perdida, mas Deus estava ali guardando a mim e as pessoas que passavam por ali no momento. Só aqui relembrei este fato, relatado pelo Chips, que sem conhecê-lo, já sou seu fã. Ah, A.Chips, se possível, conte sobre a prisão de Osmanir Ramos, ocorrida em Pouso Alegre que repecurtiu a nível nacional. Abraços a todos. Léo

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