MENINOS QUE VI CRESCER …
Ao saber da morte de A.J.G., o “Aguinaldinho”, na manha desta terça feira, lembrei-me do primeiro episodio da serie “Meninos que vi crescer” que publiquei no jornal “Sul das Geraes” e no programa “Esperança tem voz” na radio Difusora de P.Alegre, no dia 10 de julho de 98. Resolvi escrevê-lo depois de encontrar Aguinaldo todo alegrinho e faceiro no açougue do Paulinho Toureiro no mercado municipal, recém saído do velho hotel da Silvestre Ferraz. Fiquei feliz por ver que ele havia pago seu débito com a sociedade e estava em liberdade condicional. Mas não pude evitar a melancolia ao constatar que ele estava condenado… Pela Aids.
“Delinqüência juvenil; um problema de difícil solução.
Esta semana noticiamos um assalto praticado por uma gang de adolescentes contra um garoto no centro da cidade. Para a vitima e boa parte das pessoas que tomaram conhecimento do fato, trata-se de algo assustador e deprimente, pois é difícil compreender e aceitar que garotos de 14, 15, 16 anos que começam descobrir o mundo, comecem de forma tão errada. E o que mais preocupa é constatar que este não é um caso isolado. A cada dia mais assaltos vem sendo praticados por adolescentes em nossa cidade, onde o produto do crime mal dá para comprar uma peça de vestuário, porém, as conseqüências a curto, médio e longo prazo são totalmente danosas para o pequeno delinqüente. Pois, quem envereda pelo caminho tortuoso do crime na adolescência, quando o caráter ainda não se formou e nada sabe da vida, raramente consegue achar o caminho de volta, por motivos vários.
Durante dezoito anos no meio policial tivemos oportunidade de ver quase de tudo. Centenas de crimes diferentes. Centenas de criminosos iguais. Todos às margens da sociedade. Por mais que forcemos a memória não conseguimos lembrar de nenhum delinqüente que esteja integrado, vivendo normalmente e produzindo como um cidadão comum. Os delinqüentes juvenis que conhecemos há 14, 15 anos e que eram menos inconseqüentes, menos violentos e mais inteligentes que os atuais, hoje pouco tem a oferecer e quase nada a receber da sociedade. Perderam-se na juventude e pouquíssimo tem a procurar no futuro!
Outro dia encontrei um deles, que há muito não via, no mercado municipal, especialista em arrombamento de veículos e furto de toca fitas… para comprar drogas. Aguinaldinho estava humilde, mas decentemente vestido. Cumprimentou-me com alegria e certa efusão, como se fossemos velhos amigos. Quis saber por onde eu andava e antes que eu respondesse contou-me que estava ‘diboinha’ mas está condenado… pela Aids.
Como ele que breve partirá para o andar de baixo na flor da idade, outros já foram levados pela doença. Alguns trocaram tiros com a policia e levaram a pior. Outros cumpriram sua pena e agora vivem de biscate pela cidade, pois emprego para ex-presidiário é sempre mais difícil. Alguns continuam cometendo seus delitos, sempre fugindo e se escondendo da lei. Outros continuam hospedados no velho, apertado e mal cheiroso ‘hotel’ da Silvestre Ferraz. Como esses garotos, que começam tomando boné e bicicleta de quem passa inocentemente na rua, os delinqüentes juvenis de 15 anos atrás também achavam que podiam tomar espreitamente ou na marra o que não lhes pertencia, que nada iria acontecer. Temo e me entristeço pelas vitimas, porém, me entristeço mais por estes delinqüentes, pois daqui a 15 anos, quando estiver aposentado, muitos deles já terão morrido, outros estarão vegetando pela cidade e outros apodrecendo nos arcaicos, caducos e sombrios presídios. A solução? … Talvez esteja no berço”.
Aguinaldinho era do tempo do Mimo Charlanti, Cirilo do “Bola Sete”, “Tiziu” da dona Elza, Milton “Ocrinho” Lomelino, Valkerson, Ailton Flanklin, João Laerte Bueno, Carlinho “Blau Blau” e outros meninos que ainda na adolescência, final da década de 70 e inicio da de 80, numa encruzilhada simples da estrada tomaram a direção errada e abraçaram o caminho – quase – sem volta do crime. Alguns deles tinham mão leve e atração irresistível para os bens alheios. Quase todos tinham verdadeira paixão pela fumacinha, pela ‘erva marvada’, pelo cigarrinho do capeta. Eram clientes do Zetinho do Yara, do Alemão de Limeira, do Zé Carlos, do Tecão do América, do Peixinho, do Gilson “Índio” Bernardes da Tijuca e de outros traficantes mais discretos. A.Flanklin e Tiziu foram ‘suicidados’ no interior do velho hotel da Silvestre Ferraz anos atrás. Ocrinho e Charlantinho sucumbiram aos virus da Aids também há vários anos. João Laerte, o Cosme da famosa dupla “Cosme & Damião” dos anos 80 foi assassinado a golpes de faca pela própria esposa desacorçoada no interior do banheiro de sua casa no Santo Antonio há oito anos – Sua filha Mônica seguiu o mesmo caminho e atualmente é uma das ‘piabas’ da ‘rainha’ Mara, hospedadas no hotel do Juquinha – Valkerson dividiu a paixão pela maconha com Severina do Popote e leva uma vida discreta e singela e ainda desregrada no Santa Edwiges, sempre às voltas com os homens da lei, enquanto seu irmão e seu pai, um dos empresários mais bem sucedidos da cidade, desfrutam de luxo, conforto e status social. Carlinho Blau Blau, avistei-o caminhando com uma mochilinha nas costas perto do Porto Sapucaí outro dia. Parei o carro e puxei prosa só para ver sua reação – e confesso, matar a saudade, pois há anos não o via;
– Ô seu Chips, tudo bão? To indo trabaiá na fazenda do fulano lá perto de Cachoeira – disse-me ele com o beiço caído e a mesma cara de choro de 30 anos atrás. Devia ter fugido ou saído em liberdade condicional de alguma cadeia na região de Campinas-SP, onde esteve hospedado nos últimos anos, mas não era da minha conta. Desejamos sorte um ao outro e antes de sumir na curva fiquei olhando pelo retrovisor o filho do sr. Jaó – violeiro e cover de Jacó & Jacozinho nos anos 80 no bairro da Saúde – caminhando solitário nas margens da BR 459, enquanto eu pensava nas curvas e descidas que ele enfrentou desde que decidiu seguir as trilhas espinhosas do crime. Cirilo Francisco Pereira já pagou todo seu debito social e se diz recuperado das drogas, menos da kátia…ça que verte quase diariamente com dinheiro que ganha catando papelão e alguns trocados que eu lhe dou sempre que o encontro na porta do Berverly.
Desde 98 Aguinaldinho não voltou mais para o velho hotel da Silvestre Ferraz. Emendou-se. Tardiamente, mas emendou-se! Chegou a casar-se ou pelos menos ‘juntar os trapos’, como ele dizia, com a companheira que outro dia queria tomar-lhe a pensão que ele recebia do governo. E teve até filhos. Teve ao longo da vida três endereços. Nasceu na casa simples na rua da Saudade no Jardim Yara, casa onde o pai sapateiro, morria de vergonha toda vez que ele era preso e para onde ele voltava sempre que saia da cadeia. Nos últimos anos passou a ocupar um casebre de fundos do mesmo endereço com a companheira e os filhos. No velho hotel da Silvestre Ferraz, seu segundo endereço, passou quase toda a juventude e com certeza sentia saudade.
Depois de aposentar-se por invalidez, sem nunca ter recolhido um centavo aos cofres públicos, Aguinaldinho abraçou literalmente o perfil de ‘coitado’ e passou a angariar donativos pela cidade. Enquanto ainda tinha forças para pedalar, era comum passar em frente o “velho hotel” da Silvestre Ferraz, montado numa bicicleta velha, cheia de sacolas com mantimentos penduradas no guidon e gritar, à titulo de troça, para os ex-companheiros de ‘caminhada’ lá dentro e para o ‘cela livre’ na porta;
– Ei, Rogério, trabalhar pra que? – … E mostrava as sacolas de donativos penduradas na bicicleta.
O terceiro e ultimo endereço de Aguinaldinho delinqüente juvenil, menino que vi crescer fumando a erva marvada e furtando para comprá-la, foi o hospital regional Samuel Libanio. Ele estava internado na ala para doentes terminais com Aids e câncer generalizado, esperando a morte chegar. Não teve paciência nem para isso. Na chuviscosa manhã de terça, fez uma ‘tereza’ com o lençol – coisa que aprendeu muito bem na cadeia – e usou o que restava de suas forças para pendurar-se no suporte da TV. Seu débil e maltratado corpo foi encontrado às 09:40h pela enfermeira de plantão que foi levar-lhe um analgésico. Ultrapassou a media de vida dos delinqüentes aidéticos. Aguinaldinho morreu aos 48 anos de vida torta e desregrada…
POXA CHIPS. VOCÊ SE LEMBRA DE TUDO. ADORO LER AS SUAS HISTÓRIAS, MESMO SENDO ELAS TRISTES. ABRAÇOS.
É Isabel, para o passado eu tenho boa memoria…
Abraços.
vc é um grande homem tem um bom coração que deus te ilumine hj e sempre…
Amem, Felipe…
Abraços.