A historia de Valeria…Como a falta de instrução, uma casinha mal-assombrada e a cachaça podem mudar o destino de uma familia!!!!

       Como todo cidadão do interior João Batista sonhava dar conforto e alegria para sua familia. Apesar do espirito aventureiro, era um homem serio, sisudo e conservador, daqueles que corrigem os filhos onde quer que esteja se eles fazem feiúra. Escola ele frequentou apenas o suficiente para aprender a ler e escrever, não o bastante para assumir uma carreira profissional estável, nem mesmo com mão de obra qualificada. Por isso, sem estudos e sem profissão definida, em 1993 João Batista, resolveu partir em busca de aventuras. Deixou sua pequena Camanducaia e foi parar em Carlopolis no norte do Paraná, levando a esposa e os tres filhos recem-saidos das fraldas.

     A bagagem era pequena, pouco mais do que malas de roupas, mas ia recheada de sonhos. Inicialmente teve sorte. Conseguiu um emprego de zelador num predio da cidadezinha de 13 mil habitantes banhada pela imensa represa artificial. Para morar, conseguiu de graça uma singela casinha mobiliada nos fundos de um Terreiro de Macumba em troca de cuidar do imovel. Mal sabia ele que aquele local ja era habitado e muito ‘mal habitado’ por sombras que somente permitiriam que eles morassem ali se ‘jogassem no seu time’. 

      Em pouco tempo a sisudez de João Batista deu lugar à irresponsabilidade e ele, até então abstemio, apaixonou-se perdidamente por Severina do Popote e entregou-se à bebida. Não tardou a perder o emprego de zelador. Como desgraça pouca é bobagem, à medida que a situação economica definhava, a prole aumentava. Desempregado, sem ter como sustentar a familia e sem dinheiro para voltar para Camanducaia onde deixara parentes, ele passou a pedir esmola pelas ruas. Sua esposa Vanderleia passou a ajudá-lo… a consumir o famigerado suco de gerereba. Agora, além de sustentar meia duzia de rebentos, todos na primeira infancia, tinha que sustentar também o vicio de ambos.  Precisava conseguir ajuda ao menos dos filhos. E conseguiu. A garotinha Valeria, que quando sairam de camanducaia era a filha do meio, tinha agora 9 anos e passou a ajudá-lo… a roubar. Não lembravam nem de longe a famosa dupla “Bonnie & Cleide”, mas formavam uma dupla quase perfeita. Valeria, pequenina, mirrada, mal nutrida, cabia perfeitamente em pequenos espaços e janelas de residencias. Ele proprio ajudava a filha passar pelas grades dos quintais e frestas de portas e janelas. Passaram a viver de pequenos furtos e daria até para fazer um pé de meia se Valeria não tivesse se apaixonado…. pela cannabis sativa de Linneu. Agora eram tres viciados em casa. E a familia continuava aumentando que nem coelho.

      Os sonhos de grandeza do casal João Batista/ Vanderleia, pelo menos num aspecto estava se realizando. Deixaram Camanducaia com tres filhos e mesmo em meio a derrocada moral conseguiram ter outros sete filhos na cidadezinha paranaense. Um deles morreu sem ver o mundo cruel dos pais. Certa manhã Vanderleia saiu de casa para mendigar levando numa sacolinha de plastico um dos filhos. No primeiro boteco que avistou deu um abraço na katia…ça. Depois da primeira dose, como sempre acontecia, perdeu a razão e a noção de quantidade e qualidade. Bebeu o resto do dia. No final da noite, uma alma caridosa ou curiosa que lhe deu umas moedas, mesmo sabendo que seriam trocadas por umas doses da Cangibrina, quis saber o que ela levava na sacolinha. Nem ela sabia mais. Quando o samaritano abriu a macambuzia sacolinha, lá estava o bebê. Palido, desnutrido, duro, frio, sem vida. O medico legista atestou apenas inanição mas não soube precisar quando ele parara de respirar. Talvez  no final da manhã. Vanderleia passara o dia inteiro carregando o caçulinha morto pela cidade sem se dar conta disso.

      Se Vanderleia assistia passivamente o definhar dos filhos, João Batista, não. Muito pelo contrario. Ele enfrentava até balas para defender os filhos, especialmente sua ‘parceira’ Valeria, que lhe garantia os trocados para a cachaça. Certa vez os homens da lei vieram buscar a adolescente, a mando do Juizado da Infancia e Juventude para interná-la em clinica de tratamento e João Batista escorou os homens da lei com um arfanjo. Foi necessario atirar em suas pernas para levar a pequena ladra ja viciada na pedra bege fedorenta.

      Depois de sucessivas audiencias no Conselho Tutelar e Juizado da Infancia, finalmente a justiça tirou as crianças do antro de perdição. Tres infantes foram mandados para adoção no estado do Mato Grosso e outros tres foram para Rondonia.

     Para se ver livre das deprimentes cenas de mendicancia, furtos e consumo exagerado de alcool que manchavam a acolhedora cidadezinha a Assistencia Social de Carlopolis ‘extraditou’ o restante da familia para Camanducaia. João Batista, depauperado moral e financeiramente voltou para ‘casa’ com a mulher e os mesmos tres filhos que levara. Voltou e trouxe a mala – Mala? Quando muito uma mochilinha!!! –  recheada dos vicios adquiridos naquela casinha nos fundos do “terreiro” de macumba de Carlopolis.

     Sem casa para morar, sem credito, sem saude e sem moral, o outrora sisudo João Batista ficou uns dias em casa de parentes mas não tardou a retomar a mendicancia, unica atividade cujos ‘requisitos’ preenchia. E seguiu capengando moral e fisicamente – a bala do policial em Carlopolis deixou sequela – até o ano passado quando o fígado não resistiu mais ao banho diario de suco de gerereba. Morreu tão pobre quanto os espiritos com os quais dividiu aquela casinha nos fundos do Centro Espirita lá em Carlopolis

      Vanderleia, apesar da degradação fisica e moral, aos quarenta anos, com aparencia de sessenta, ganhou um sopro de vida. Separada, por lei, dos filhos, separou-se do que restava da familia; o decrépito marido e foi viver em Joanópolis, logo depois da divida do Estado onde voltou a juntar os cobertores com um novo companheiro. Mas não conseguiu se desgarrar completamente da estonteante cangibrina.

      O filho mais velho que ja conhecia Severina  do Popote e a fumacinha do diabo, arrumou uma companhia feminina, que vem tentando mante-lo na linha – Mulher quase sempre endireita o homem – A caçula mineira teve melhor sorte… foi entregue para adoção a uma familia de Divinopolis.

        E Valeria?

       A jovem Valeria, apesar das marcas desregradas das drogas pelo corpo, ainda mantinha alguns atrativos fisicos e alguma experiencia no trafico. Não foi dificil conseguir ocupação – perniciosa – em Camanducaia. Em pouco tempo estava fazendo ‘programas’ na beira da Fernão Dias. A prostituição era complementada com a atividade de ‘mula’ do trafico. Sua casa era a rua, a estrada, muquifos de amigos, companhia de noias, mendigos…. Mesmo assim, apesar de não dar a minima para sua dignidade, Valeria defendia com unhas e dentes suas conquistas – Conquistas!?!?!? Esperneava e chorava quando o irmão lhe tomava as merrecas que ganhava na boléia de um caminhão, tendo que encarar um suado e mal-cheiroso caminhoneiro por dez reais ou quando o guampudo deixava de lhe pagar por um ‘aviaozinho’.

      Aos 19 anos deu a luz a um filho – que não teve nenhum pudor em entregar para adoção. Não teve mais porque implantou DIU para evitá-los. Mesmo sendo util ao trafico a vida não lhe sorriu. Apanhava até do irmão, o unico que ficou na cidade. E recebeu golpes de machado do padrastro nas poucas vezes que visitou a mãe. O que ela aprendeu na pequenina Carlopolis, foi só um aperitivo. Entregando drogas em Camanducaia, Cambui, Extrema, Bragança… Valeria conheceria todos os meandros do crime. Mas conhecê-los não lhe daria dinheiro, poder e nem mesmo status.

      Apesar da vida completamente desregrada, Valeria não era uma pessoa má. Vivia aquela vida porque não conhecera outra. Era fragil, carente, não tinha freios na boca e nem escolhia vocabulario.

 –“ Aquele safado tomou meus dez reais… Eu que ‘dei’ para o cara para ganhar, era meu…” – Se referindo ao irmão que vez por outra à ‘assaltava’, muito mais preocupado com o dinheiro do que com o que ela fazia para ganhá-lo. Em outra ocasião chegou ao Pronto Socorro da cidade toda esfolada e contou à tia enfermeira;

 – “Eu fui levar uma remessa para um nóia, quando cheguei lá, eram tres… Eu ja estava chapada. Eles me ‘comeram’, me bateram e me mandaram embora”. Quando voltei p’ra ‘biqueira’ sem o dinheiro e sem a droga, tomei outra surra…”.

      Usando e entregando a erva marvada, a pedra bege fedorenta e farinha do ‘capeta’, ela se aproximava a passos largos ‘dele’. Jamais passaria de um mulambo no crime. E foi assim que morreu.

     Numa noite fresca do dia 03 de outubro – as noites de Camanducaia são todas frescas, exceto as de inverno… que são geladas – Valeria consumiu sua ultima dose de suco de gerereba na companhia de mendigos e saiu pela estrada. Seu corpo foi encontrado na manhã seguinte, no trevo da cidade, com marcas de estrangulamento. A mãe ligou, de Joanopolis, para confirmar a noticia da morte da filha… dois dias depois do enterro´… bem menos concorrido do que o de Amy Winehouse.

     Foi assim, numa madrugada fria na beira da estrada, aos 25 anos, que terminou a saga da menininha que aos 09 anos de idade trocou a boneca pelos pequenos furtos na companhia do pai embriagado nas ruas da cidadezinha beira-lago do norte do Paraná. Se vivesse mais, certamente entraria para o folclore de Camanducaia, com seus rompantes de ‘brabeza’ desbocada, com seus momentos de ternura, com seu olhar carente dizendo; “Me leva p’ra casa… cuida de mim”…

     Dividir gratuitamente o espaço, com dezenas de espiritos perturbados, atrazados, desajustados e cachaceiros na casinha de meia-água nos fundos do ‘terreiro’ em Carlopolis, custou caro à familia de João Batista.

0 thoughts on “A historia de Valeria…Como a falta de instrução, uma casinha mal-assombrada e a cachaça podem mudar o destino de uma familia!!!!

  1. Se todos os casos como o da VALÉRIA fossem divulgados as pessoas teriam mais informações sobre a triste realidade de como as drogas podem destruir uma família… Nós sabemos como isso é dificil,pois vimos a VALÉRIA se acabar e sem poder fazer abissolutamente nada… A família agradece pela atenção.OBS: Jéssica (Prima da VALÉRIA)

  2. Bom dia Airton
    Realmente a história de Valéria é mais um exemplo a todos o jovens, e aqueles que inconsequentes entram para esta vida de sofrimento e dor!
    devemos divulgar esta estória aos sete ventos, tentando evitar que mais pessoas se enveredem por este caminho

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