Jeff … O Homem do Chapéu Furado

Escrevi “Jeff, o homem do chapéu furado”, em um caderninho espiral no mês de julho de 1977, durante meus turnos de sentinela nas guaritas do 14º GAC, quando servia o exército naquele ano.

Boa viagem à década de 1870!

                                                           CAPÍTULO IX

                                                         “EMBOSCADA”

O sol se erguia causticante nas ruas empurrando os transeuntes para a sombra morna das varandas e casas de madeira de Carson City. Algumas pessoas em seus afazeres atravessavam a rua rapidamente, para se proteger do calor. De repente, na entrada da cidade, surgiu a diligência em disparada, puxada por quatro cavalos molhados de suor e foi parar defronte a delegacia. Ainda da boleia, tentando conter os cavalos açoitados, o cocheiro disparou o alarido de notícias ruins, comuns naquelas paragens.

– Ouaaaa… ouaaa… Hei xerife, me ajude. Assaltaram a diligência outra vez… mataram…

– Calma rapaz! – Disse Morrison saindo à rua – uma coisa de cada vez.

– No canyon… – disse ofegante o cocheiro segurando o ombro esquerdo ferido, enquanto os passageiros desembarcavam. – No canyon do Coiote… eles surgiram pela frente e nos obrigaram a parar. Eram uns dez ou mais… Não tivemos chance. Mataram o guarda e um dos passageiros e me acertaram no ombro – concluiu o cocheiro ainda ofegante.

– Alguém aí chame o médico! Afinal o que os assaltantes queriam? – Perguntou Morrison.

– A mala postal estava recheada. Parece que havia uma grande soma nela. Limparam também os passageiros… foi quando um deles reagiu e foi baleado.

– Viu que direção tomaram?

– Contornaram o canyon do coiote e entraram na pradaria à oeste.

O assalto havia ocorrido a poucas milhas da cidade. Se agisse rápido talvez fosse possível pegar os rastros dos assaltantes, concluiu o xerife, e deu ordens:

– Jeff, encarregue alguém de levar a diligência adiante… Eu vou recrutar homens para uma patrulha. Encontre-me aqui em dez minutos.

Pouco depois nove homens armados de rifles e pistolas partiram de Carson City. Morrison, os chefiava. Após cavalgarem cerca de meia hora chegaram ao local do assalto.

– Dois de vocês… deem uma sepultura digna a esses dois coitados, o resto venha comigo. Vamos achar a pista desses abutres e segui-los.

– Hei Morrison, aqui estão os rastros… bem visíveis – disse o auxiliar Jeff.

– Vamos em frente.

Um pouco adiante.

– Está percebendo onde essa pista nos leva xerife?

– Sim Jeff, para a pedreira. Serão os mesmos que prendemos da outra vez?

– Obviamente. Podem estar nos esperando…

– Preparem as armas e estejam atentos. Poderemos ser alvejados a qualquer momento.

Os patrulheiros penetraram cautelosamente por entre a pedreira, esconderijo perfeito para bandos de fora da lei.

– Parece estar deserto. – Sussurrou Morrison.

– Não se deixe enganar xerife, silencio é prenuncio de barulho – filosofou Jeff.

– Vamos desmontar.

De repente uma voz cortou o silencio…

– Continuem com as mãos sobre a cela, afastem em pouco mais dos cavalos.

Os defensores da lei, antes de qualquer reação, deram uma olhada discreta em volta e compreenderam que era necessário ser obedientes. Formando um círculo em volta deles havia mais de vinte homens armados até os dentes.

– Como é, não dizem nada? Enrolaram a língua? Será que é a emoção de rever Sancho Perez. Estavam com saudades de Sancho e suas piadas? – Provocou o mexicano sarcástico apertando o gatilho do rifle na direção dos patrulheiros, sem olhar o alvo. O pobre homem tombou com um gemido seco, sem vida.

Um brilho de ódio passou pelos olhos de Jeff num apelo mudo, diante de tal covardia. Sancho, que fizera de propósito, o percebeu.

– Ora, vejam quem está aqui, o forasteiro sem nome! Como vai rapaz? Sempre andando para trás, hein? Soube que é ajudante de xerife… um sujeito com sua habilidade se trabalhasse para Sancho teria posto mais elevado que o de engraxate de botas. Mas você é um idiota…. Bem, vamos ao que interessa. Ultimamente vocês têm atrapalhado nossos negócios, e os chefes não admitem ninguém em seus caminhos, muito menos palhaços. Portanto vamos fazer um favorzinho aos chefes, mandando vocês para o inferno, e aproveitar para saldar minha dívida com você, não é mesmo muchacho? Lembra daquela noite no saloon? Você destroçou meu revólver roubado, que era lembrança de um tenente que eu matei afogado numa cocheira de Laredo. Aquele tiro me deixou vários dias sem poder utilizar a mão direita. É hora de acertar nossas contas. Glem, Clint, Joe, deem-lhe o tratamento massagem. – disse com sarcasmo o mexicano bigodudo com o ‘sombrero’ caído nas costas.

A tal “massagem’ feita pelos três brutamontes era semelhante a ser atropelado por uma manada de búfalos em disparada. Se fosse uma luta em que se pudesse defender e contra-atacar, Jeff não teria dificuldade para pô-los a nocaute, pois eles só tinham músculos e não sabiam usar a cabeça. Mas Jeff não tinha essa alternativa. Mais de uma dúzia de rifles apontados para ele e seus companheiros desarmados o impedia de qualquer atitude de defesa. Só restava apanhar como um cão. No entanto, em meio aos socos dos brutamontes e a fala sarcástica de Sancho, Jeff calado pensava numa saída. Antes de perder os sentidos uma ideia surgiu na sua mente.

– Entortem o seu nariz – dizia o sádico mexicano se divertindo com a dor do inimigo e as gargalhadas dos seus homens. Mostrem a ele o que acontece a quem atravessa o caminho de Sancho Pérez.

A cada golpe recebido Jeff procurava esbarrar em seus companheiros, fazendo-os se afastarem entre si, se aproximando dos três bandidos que estavam a sua retaguarda. Os três sujeitos como todos os outros, faziam parte de uma quadrilha preparada para enfrentar quem quer que atravessasse seu caminho, por isso além de um colt traziam também uma Winchester. A princípio Morrison, que assistia penalizado o deprimente espetáculo sem poder fazer nada, não havia entendido as intenções de Jeff. Um golpe em pleno queixo atirou o delegado ao chão. Ao se levantar ele lançou um olhar a Morrison indicando os três homens atrás. O velho xerife deu uma olhada discreta, mas ficou na mesma, tornou a olhar novamente e finalmente entendeu, reparando que os três bandidos mantinham seus reluzentes rifles apontados para o chão, distraídos, se deliciando com a surra que os companheiros impingiam ao valente agente da lei. Para dar tempo a Morrison, Jeff, de vez em quando reagia a algum golpe enfurecendo ainda mais os agressores. Ao receber um soco no estômago, Jeff curvou-se mais do que o necessário e outro agressor lhe mandou um violento pontapé no traseiro, atirando-o de encontro a seu comparsa. Sentindo ser o momento oportuno, Jeff, num gesto inesperado arrancou o revólver do coldre de Glen a sua frente, gritando:

– Agora Morrison….

Num gesto rápido o xerife e os quatro patrulheiros desarmaram os três sujeitos mais próximos e abriram fogo contra eles. O velho e famoso fator surpresa entrou em cena mais uma vez. Os pistoleiros estavam agrupados, formando um círculo em volta da ‘arena’, distraídos, sem jamais esperar tal reação. Os homens da lei’ atiraram impiedosamente para salvar a pele. Com a agilidade que a situação exigia, Jeff rolou no chão pedregoso na direção dos seus amigos fazendo fogo a sua volta até que o colt que ele havia ‘tomado emprestado’ do brutamontes fez ‘clic’… Mas Morrison não era xerife nos cinquenta e tantos anos por acaso, e já pensara nesse detalhe.

– Tome Jeff – disse ele – atirando-lhe uma Winchester de um dos bandidos mortos. Jeff, de um salto pôs-se de pé e continuou atirando com o rifle. Sancho, sem ser percebido, aproveitando a confusão, esgueirou-se furtivamente por trás de umas rochas e fugiu.

O tiroteio cerrado durou pouco tempo, pois aconteceu em campo aberto. Ao cabo de pouco mais de um minuto o cenário se inverteu:

– Não atirem, nós nos rendemos – gritou um dos bandidos jogando a arma no chão.

– Levantem as mãos seus coiotes – ordenou Jeff.

– Muito bem rapaz! Você atuou muito bem – elogiou Morrison.

– Eu não estaria vivo se estivesse sozinho. Bem… vejamos se a caçada, e algumas costelas quebradas, compensou – emendou o delegado. Um, dois, mais dois e mais um. Cinco vivos…

– … E uns quinze no inferno – completou um dos componentes da patrulha.

– É, desta vez os abutres farão um belo banquete – concluiu Jeff.

– Hei… eu não estou vendo o mexicano bigodudo gozador. O cretino só tem coragem atrás de um colt. Quando se viu na frente de um tratou de dar o fora. Realmente muito covarde – comentou o xerife.

– Deixe- o para mim. Eu estou lhe devendo uma “massagem” – disse Jeff de frente para os bandidos capturados. Neste momento percebeu quando um deles olhou com interesse às suas costas. Com a rapidez de um relâmpago Jeff se abaixou gritando por uma arma, pois ainda não havia recarregado as suas.

– Cuidado atrás…

Novamente o chapéu do agente da lei foi arrancado da sua cabeça por um projétil a procura do alvo principal. Morrison e os patrulheiros ainda conservavam as armas engatilhadas e ao se darem conta do que se passava abriram fogo contra o bandido que tentara chegar sorrateiramente pela retaguarda. Após se contorcer por alguns segundos o atirador traiçoeiro tombou sem vida. Aproveitando a pequena confusão, os bandidos, mesmo desarmados se atiraram sobre os homens da lei. A luta, no entanto, durou pouco. Minutos depois os que não estavam mortos estavam dominados.

– A festa acabou – disse Jeff – Bil, busque os cavalos enquanto amarramos esses coiotes.

– Bela caçada hein rapazes… Mas o malote da correspondência com o dinheiro não está aqui – disse Morrison vasculhando o esconderijo improvisado entre as rochas.

– Deve estar com os mandantes do roubo.

– Eles vieram direto para cá…

– Nem todos. Um deles deve ter seguido por outra trilha. Você sabe qual…

– Tem razão. Estive pensando … nossa cadeia não segurará esses coiotes, principalmente agora que seus mandantes estão quase a descoberto. Eles tentarão resgatar os comparsas -falou preocupado o xerife.

– Tenho uma ideia. Como está claro que os responsáveis por tudo isso são os sócios do Rancho Barra Y, George e Brad, e como você me disse, eles tem, ou melhor, tinham mais de quarenta homens, agora devem ter pouco mais de vinte…

– Ahn… Até aí não vi nada de novo.

– Eles atacarão todos de uma vez… Vamos lhes preparar uma surpresa.

– Não conte com os cidadãos de Carson…

– Não estou contando. Vamos embora… no caminho vou expor meu plano.

 

*** A aventura de Jeff, o homem do chapéu furado em Carson City, continua na próxima segunda-feira, 07.

 

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