Outro dia recebi um daqueles chatos telefonemas de telemarketing querendo me vender alguma coisa. Quando a voz aveludada do outro lado da linha perguntou:
– Eu estou falando com Sr. Ailton Ferreira de Matos…? eu respondi na bucha;
– Não, é com ‘Airton’ Ferreira de Matos…
– Sr. Ailton… – e foi entrando na conversa. Eu repeti alto e bom som:
– Airrrrton…
– Como? Não entendi, Sr. Ailton
– Não. Meu nome é Airrrrton…
– Ah, desculpe, não estou entendendo… – E desligou o telefone.
Coloquei o aparelho no suporte e dei uma gostosa gargalhada. Primeiro pela ignorância e dificuldade da senhorita “voz aveludada” de pronunciar meu “r”. Depois de três vezes ouvindo claramente ‘Airton com r’, sem conseguir dobrar a língua, ela simplesmente desistiu de vender-me qualquer coisa. O motivo maior da gargalhada foi que eu descobri como me livrar de chatas e inconvenientes ‘vozes aveludadas’ que tentam nos vender até seguro de avião caindo. Agora quando alguém liga e pergunta;
– Eu gostaria de falar com o Sr. “Ailton” eu respondo calmo e sereno;
– Não tem ninguém aqui com este nome… – e desligo. Não tem mesmo. Eu não me chamo Ailton.
O fato é verídico e pode ter alguma utilidade pratica no dia-a-dia para quem tem nome que se modifica com uma letrinha, para se ver livre de chatos vendedores de maravilhas via telefone. Mas eu peguei o ‘gancho’ foi para falar do meu saudoso amigo Hailton Custodio, falecido precocemente em 2003.
Convivi desde o inicio dos anos 80 até a ultima sexta feira que antecedeu sua morte, com Hailton Custudio. Eu o chamava sempre de xará. Ele plagiava o nosso amigo comum Masaharu Sato, que só me chamava de “Sô Chips”.
Quando serviu o exercito, onde se engajou por alguns anos, Hailton foi um dos melhores atletas do 14º GAC e se tornou ‘peixinho’ do coronel, pela sua velocidade e habilidade com a pelota na ponta esquerda – como seu irmão Rieli. Ele era palmeirense de coração e chegou a jogar uma temporada no America-RJ. Foi um dos mais renomados e zelosos eletricistas de Pouso Alegre. Mas o que o projetou para o ‘estrelato’ de Pouso Alegre e região e em muitos dos grandes clubes de futebol do país, foi exatamente o futebol. Futebol de base, da garotada. Tinha faro para a descoberta de talentos e habilidade rara para lapidá-los. Hailton Custodio é da mesma geração dos boleiros que fizeram a historia do futebol de base da cidade. É do tempo do Agostinho, do Pingüim, do Tião Cueca, do Corinho, do João Cavalo, do arqui-rival Carpinetti, Salvador Lopes… Todos deixaram – alguns ainda estão em atividade – um imenso legado para o futebol amador. Pouso Alegre tem hoje o melhor ‘plantel de veteranos’ na faixa de 35 a 45 anos na regiao, graças às escolinhas de futebol destes professores.
Com todo respeito e admiração pelos demais, com certeza Hailton Custodio foi o mais apaixonado, mais organizado, mais polemico, mais brigador em defesa de seus pupilos. Era apaixonado também pelo Rubro Negro do qual era sócio e estava preparando o terreno para assumir sua direção no final de 2003. Tanto que mesmo depois de deixar a escolinha do clube, nos novos clubes CRAC e Manchester que criou e dirigiu,manteve as cores rubro-negras. Ganhou notoriedade nas preliminares dos jogos do ‘Pousão’ no campeonato da Segunda Divisão, na década de 80. Mas não hesitava em tirar seu time de campo se o adversário colocasse ‘gato’ – jogador mais velho – para jogar contra seus garotos. Ele não ensinava apenas futebol, ensinava também cidadania a seus pupilos de 9 a 19 anos. Fazia questão de levar autoridades aos locais de treino e jogos para mostrar o seu trabalho. No intervalo trazia os garotos em fila para cumprimentar respeitosamente o visitante. Quando meu pai faleceu, fui surpreendido pelo xará e seus alunos. Em pleno domingo à tarde ele levou dezenas de atletas do Manchester, devidamente uniformizados ao velório. Um a um os garotos vieram me cumprimentar. Não dá para esquecer! Fora de campo, em todas suas empreitadas, Hailton Custodio fazia um trabalho social com seus garotos, dando apoio e assistência material às suas famílias embora ele próprio não tivesse nada sobrando. Adorava rádios, tanto os aparelhos quanto “falar no radio”. Tinha rica coleção de rádios e vitrolas antigas em sua casa.
Certa noite de 1987 eu estava quieto no meu canto quando um Corcel II branco parou na porta de minha casa. Era Hailton Custodio.
– A Roberta Miranda vai cantar em Inconfidentes. Vamos lá… O prefeito vai colocar a gente no camarote – disse ele.
Fomos. Não tinha camarote. O show foi em cima de um caminhão Mercedes lonado. Ficamos atrás dela no caminhão, misturados com a parafernália de fios de microfones. Quando Roberta parou de cantar, nos distraímos com a platéia e quando nos viramos ela já havia desaparecido atrás do caminhão. Ah, quem nos colocou no palco com a cantora brega-romantica foi o vereador João Língua, amigo dele…
Em 88 fui jantar na casa do professor. Ele fazia questão de levar seus novos amigos à sua casa, servi-los bem e apresentar sua família. Depois do jantar ele nos levou ao terraço do singelo sobradinho em que morava, no alto do bairro da Saúde, olhou para a direção sul da cidade, esticou o braço e orgulhosamente falou;
– Olhe, aquele clarão vermelho é a cidade de São Paulo. Quanto mais escura estiver a noite, mais dá para ver as luzes da cidade. Vire um pouco de lado… dá para ouvir um pouco da balburdia da grande metropole!
Não consegui ouvir nada, mas a mancha rosada na direção de Estiva, bem poderia ser mesmo reflexos das luzes de São Paulo. Assim era Hailton Custodio. Se fazia eternamente lembrado pelos pequenos detalhes …
Hailton era uma pessoa simples, bondosa, caridosa, mas uma coisa que ele fazia questão – aliás como quase todas as pessoas de temperamento forte – da pronuncia e da grafia correta do seu nome. Certa vez ele recebeu uma homenagem do PAFC pelos relevantes prestados ao futebol de base do clube – coisa rara, pois o glorioso Rubro Negro do Mandu morreu justamente por não valorizar o futebol das categorias básicas. Ele ‘queria morrer’ quando pegou o diploma e lá estava com esmero desenhado à mão… “AYRTON” Custodio.
Na ultima vez que conduzi o programa “Direto do Esporte” na Radio Difusora, recebia quase toda tarde sua visita. Na época ele havia tido um revés financeiro – tivera furtada sua caminhonete carregada de fiação e material elétrico – estava com a escolinha inativa, mas ia sempre ao programa, querendo participar dele como comentarista. Ficava do outro lado do vidro, na sala de tecnica conversando com Luiz Gonzaga, esperando ser convidado. Numa semana de agosto o Flamengo estava treinando no CT do Oscar em Aguas de Lindoia. Eu e o parceiro Jose Henrique fomos lá entrevistar alguns jogadores para o programa. Hailton Custodio iria junto. Quando passei em sua casa de manhã ele estava deitado no terraço. Estava indisposto – coisa rara – era o prenuncio do aneurisma cerebral que o levaria na terça feira seguinte. Antes porém, um ultimo gesto, muito próprio do gentil Hailton Custodio! Quando chegamos para o programa na sexta feira, o estúdio estava aberto… sob a bancada, atrás dos microfones estavam duas viçosas laranjas pocãs… uma para cada um. Sem saber era sua discreta despedida.
Está acontecendo desde o dia 08 e vai até março a Copa “Airton Custodio” de Futsal, cujo responsável pela organização é o Sr. Jose Regis Catarino. Uma justa homenagem ao boleiro, ao cidadão Hailton Custodio que dedicou sua vida a ensinar futebol e cidadania aos garotos de Pouso Alegre e região. Meu amigo com certeza deve estar muito orgulhoso da homenagem. Mas, de lá da cabine de radio de São Pedro, ele deve estar com os braços cruzados olhando feio cá para baixo esperando que os organizadores e imprensa corrijam sua grafia. Se o homenageado for ele mesmo, seu nome é ““HAILTON Custodio””, por favor. Sua viúva Leonor e os filhos Danilo, Domenica, Douglas e Duílio – e este amigo – orgulhosamente agradecem.
Saudades, Hailton Custodio…
boa tarde chips!!!! eu tenho um orgulho muito grande em dizer que fiz parte dessa época jogando futebol como zagueiro na escolinha do prof.\”HAILTON CÚSTODIO\” aprendi muito com ele a me posicionar em campo e fora de tambem, e a ver o futebol com coletivo. isso é o que ele mais pregava nos treinamentos e reuniões que era feita toda quarta feira as 19:oohs na escola monsenhor josé paulino…agradeço de coração por ter feito parte dessa geração!!!!! um abraço a vc \”chips\” e parabens pela homenagen ao grande \”mestre\” acompanho seu BLOG sempre!!!!!!
Olá Renato, que bom te \”ver\”…
Eu sei disso. Ao lembrar de voce, parece que o estou vendo disputando as jogadas na zaga e conduzindo a pelota até o meio campo, correndo para cabecear as bolas que vinham do corner ou se dirigindo para a cobrança de lateral e jogar a bola na entrada da area, no Estadio Siqueira Campos, com o Xará gritando;
-Deixa para o Renato…
Abraços, Renato.
Olá ! Muito legal lembrar do Sr Hailton Custodio ! Tive o prazer de fazer parte de sua escola e conhece lo ; grande homem ! Bons tempos ! A gente treinava no campo do quartel . Que Deus o tenha ! Pessoas que fizeram o bem merecem ser lembradas !
Hailton Custodio, pessoa maravilhosa…
… Que deixou saudades!
Filhos do Hailton em jogo comemorativo:
http://www.esportepousoalegre.net/2012/12/reencontros-e-lembrancas-marcam-jogo.html